4. CONCLUSÃO
Por todo o exposto, podemos concluir que a análise da natureza jurídica do orçamento não se restringe à mero histórico de correntes doutrinárias sem maiores aplicações práticas. O estudo do presente tema é basilar para fundamentar o novo posicionamento que a peça orçamentária vem adquirindo com o passar dos anos, sobretudo com o seu atual status de instrumento de programação e planejamento do Estado.
Percebemos que a doutrina não é unânime quanto à natureza jurídica do orçamento, sobressaindo-se o entendimento doutrinário no sentido de atribuir ao orçamento a natureza jurídica de lei formal, constituindo-se substancialmente em ato político-administrativo. Nesse mesmo enfoque, encontramos respaldo do Supremo Tribunal Federal, que se posiciona expressamente no sentido de considerar o orçamento lei formal, dotada de efeitos concretos. Por consequência, reconhece-se que o atual modelo constitucional confere caráter autorizativo à peça orçamentária.
Parcela relevante da doutrina e da opinião pública, contudo, criticam o reconhecimento do caráter meramente autorizativo do orçamento, indagando se seria a lei orçamentária mera peça de ficção, sem possibilidade de exigência quanto ao seu efetivo cumprimento. Nesse sentido, crescem as vozes daqueles que defendem a necessidade de se implantar um modelo impositivo de orçamento, o qual vincule o Estado à sua observância, ainda que se permita certa margem de flexibilidade, para o equilíbrio do sistema.
O tema é polêmico e, obviamente, não há como se dar solução breve sem o debate abrangente e aprofundado. O certo é que o cenário hodierno, considerando o modelo constitucional dado ao orçamento, bem como o anseio da população de se ver efetivamente representada, e ainda, a segurança das instituições democráticas, exige a mudança de paradigma, com a consequente inversão da sistemática atual, seja para fins de atribuir à peça orçamentária caráter vinculativo, seja para, ao menos, se reduzir a margem de discricionariedade do gestor no manejo do orçamento.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 13ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 18ª ed. São Paulo: Atlas, 2006.
FARIA, Rodrigo Oliveira de. Natureza Jurídica do Orçamento e Flexibilização Orçamentária. Dissertação de Mestrado. São Paulo: 2008.
HARADA, Kiyoshi. Direito Financeiro e Tributário. 19 ª ed. São Paulo: Atlas, 2010.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 21ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006.
NETO, Celso de Barros Correia. Orçamento Público: uma Visão Anaítica. Monografia de Curso de Pós-Graduação. São Paulo: 2008.
OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Curso de Direito Financeiro. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
PASCOAL, Valdecir. Direito Financeiro e Controle Externo. 7ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.
PISCITELLI, Tathiane. Direito Financeiro Esquematizado. 1ª ed. São Paulo: Método, 2011.
TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 18ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2011
NOTAS
[1] “Amplamente, pois, pode-se falar que tudo aquilo que incumbe ao Estado prover, em decorrência de uma decisão política, inserida em norma jurídica, é necessidade pública." (Regis Fernandes de Oliveira. “Curso de Direito Financeiro”, pg. 75, Revista dos Tribunais, 4ª ed., 2011).
[2] Nos termos de conceituada doutrina: "Podemos conceituar a atividade financeira do Estado como sendo a atuação estatal voltada para obter, gerir e aplicar os recursos financeiros necessários à consecução das finalidades do estado que, em última análise, se resumem na realização do bem comum". (Kiyoshi Harada. “Direito Financeiro e Tributário”, pg. 32, Atlas, 7ª ed., 1995).
[3] Podemos observar claramente o princípio da programação positivado no texto constitucional, fazendo a integração planejamento-orçamento, dentre outros dispositivos similares, a partir do art. 165, §4º, da FC/88, que assim estabelece: "Os planos e programas nacionais, regionais e setoriais previstos nesta Constituição serão elaborados em consonância com o plano plurianual e apreciados pelo Congresso Nacional".
[4]Nesses termos, estabelece o art. 165 da CF/88: "Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão: I - o plano plurianual; II - as diretrizes orçamentárias; III - os orçamentos anuais".
[5] “A teoria de que o orçamento é lei formal foi desenvolvida inicialmente na Alemanha, por Laband, que entendia tratar-se de simples autorização do Parlamento para a prática de atos de natureza administrativa, pois, "embora do ponto de vista formal, seja estabelecido como lei, não é entretanto uma lei, mas um plano de gestão" (op. cit., p. 289). Pode-se afirmar que até hoje, passando pelo regime de Weimar, continua preponderante na doutrina germânica a teoria da natureza formal do orçamento." (Ricardo Lobo Torres. “Curso de Direito Financeiro e Tributário”, pg. 177, Renovar, 18ª ed., 2011).
[6] “Gaston Jèze, criador do conceito do ato-condiçãoa distinção entre situações gerais e impessoais (ato-regra), atos que geram situações gerais e concretas (ato-subjetivo) e, por fim, atos que geram situações que, para que produzam efeitos, necessitam de situação intermediária (ato-condição), identifica o orçamento com a terceira espécie." (Regis Fernandes de Oliveira. “Curso de Direito Financeiro”, pg. 368, Revista dos Tribunais, 4ª ed., 2011).
[7]Nesse sentido, Súmula nº 66 do STF: "É legítima a cobrança do tributo se houver sido criado após o orçamento, mas antes do início do respectivo exercício financeiro".
[8] "Sainz de Bujanda (op. cit., p. 453) considera o orçamento como “uma lei em sentido pleno, de conteúdo normativo", com “eficácia material constitutiva e inovadora” e com todas as características de valor e força de lei, como sejam sejam: “a impossibilidade de que suas normas sejam derrogadas ou modificadas por simples regulamentos e a possibilidade de modificar e até derrogar as normas precedentes de hierarquia igual ou inferior”. (Ricardo Lobo Torres. “Curso de Direito Financeiro e Tributário”, pg. 178, Renovar, 18ª ed., 2011).
[9] Lei dos Meios é sinônimo utilizado para referir-se ao Orçamento, assim denominada porque possibilita os meios para o desenvolvimento das ações relativas aos diversos órgãos e entidades que integram a administração pública. Portanto, quando se falar em "Leis de Meios”, leia-se: Plano Plurianual, Lei de Diretrizes Orçamentárias e Lei Orçamentário Anual.
[10]A Lei Complementar nº. 131/2009 alterou significativamente a Lei de Responsabilidade Fiscal, reforçando as regras de transparência na gestão, com o acréscimo do §único ao art. 48, bem como a inclusão dos arts. 48-A, 73-A, 73-B e 73-C, à referida Lei.