3. RELAÇÃO DE CONSUMO
3.1. Conceito
A tutela dos consumidores é um direito por demais antigo e não surgiu aleatoriamente. Trata-se de uma reação a um quadro social em que se começa a configurar a posição de inferioridade do consumidor em face ao poder econômico do fornecedor.
No decorrer da história da humanidade, verificou-se que o instinto de sobrevivência trouxe a idéia da permuta de mercadorias, momento em que o homem passou a compreender que haviam necessidades básicas a serem supridas e que, por si só, não conseguiria manter-se de forma digna.
Surgiu, assim, a necessidade de busca de produtos que não dispunha, adquirindo-os mediante troca de mercadorias. Dessa forma, nasceram às relações de consumo e, desde então, passou-se a observar que as relações havidas entre fornecedor e consumidor eram dotadas de um desequilíbrio que foi acentuado ao longo do tempo.
A preocupação com a tutela dos consumidores teve início efetivamente após a Revolução Industrial, fenômeno internacional, tendo acontecido de maneira gradativa, a partir de meados do século XVIII. A partir daí, mudanças profundas ocorreram nos meios de produção humanos até então conhecidos, afetando diretamente nos modelos econômicos e sociais de sobrevivência humana.
Com a revolução de 1760, intensas foram as mudanças ocorridas tanto na produção como nas classes sociais, proporcionando o comércio em escala mundial. Neste período, ocorreu um enorme aumento da produtividade, em função da utilização dos equipamentos mecânicos, da energia a vapor e, posteriormente, da eletricidade, que passaram a substituir a força animal.
Como conseqüência, as relações antes tidas como individuais e pessoais com o fornecedor passam a ser transindiviuais e indiretas, pois o fornecedor, neste momento, começou a produzir em larga escala e lançar no mercado toda a sua produção. Assim, da simples troca de mercadorias chegou-se às sofisticadas operações mercantis, ao surgimento de grandes centros comerciais e da produção em série dos bens de consumo.
O homem do século XX passou a viver em função da sociedade de consumo, caracterizada por um número crescente de produtos e serviços, pelo domínio do crédito e do marketing, assim como pelas dificuldades de acesso à justiça. São esses aspectos que marcaram o nascimento e desenvolvimento do Direito do Consumidor e, mais detidamente, o aparecimento da tutela consumerista propriamente dita, surgindo daí a necessidade de se criar um instituto que visasse tutelar o consumidor que passou a ser a parte mais fraca da relação de consumo. Assim, a nova realidade social, incontestavelmente industrializada e massificada em suas relações, vem provocar as exigências de normas de tutela específica do consumidor, de uma ética social, de o Estado velar pelo bem comum, em amparo especial aos mais fracos.
É neste sentido que a doutrina discorre que o consumidor:
“[...] exposto aos fenômenos econômicos, tais como a industrialização, a produção em série e a massificação, assim vitimado pela desigualdade de informações, pela questão dos produtos defeituosos e perigosos, pelos efeitos sobre a vontade e a liberdade, o consumidor acaba lesionado na sua integridade econômica e na sua integridade físico-psíquica, daí emergindo como vigoroso ideal a estabilidade e a segurança, o grande anseio de protegê-lo e colocá-lo em equilíbrio nas relações de consumo”. (AMARANTE, 1998, p. 15-16)
Somente com a Constituição Federal de 1988 é que se incluiu a defesa do consumidor no plano da política constitucional, aparecendo no texto maior, entre os direitos e garantias fundamentais no seu art. 5º, XXXII: “o Estado promoverá, na forma da lei a defesa do consumidor”, fator esse que garante sua condição de cláusula pétrea, conforme se depreende da leitura do art. 60, § 4º, IV, do mesmo Diploma legislativo.
Em vista disso, é evidente a preocupação do legislador constituinte com as atuais relações de consumo e com a necessidade de tutelar o hipossuficiente. Isto porque, figurar no o rol de direitos e garantias fundamentais significa ter função valorativa, servindo-se como norteador hermenêutico.
Depois de inserida na carta magna, a defesa do consumidor normatizou-se através do cumprimento ao art. 48. da ADCT, promulgando assim, o tão esperado instituto de defesa do consumidor, a lei nº 8.078 de 11 de agosto de 1990, que consolidou o Código de Defesa do Consumidor, regulando daí em diante todas as relações de consumo. Sua entrada em vigor deu-se em 11 de março de 1991, buscando alcançar toda e qualquer relação de consumo, seja em qualquer ramo do direito em que ela se encontrar, público ou privado.
Nessa linha, o legislador brasileiro elegeu, para a proteção dos direitos dos consumidores, a criação de um microssistema. É, pois, o Código de Defesa do Consumidor uma Lei com valores e princípios próprios, de feição multidisciplinar, já que se relaciona com todos os ramos do Direito – material e processual –, "ao mesmo tempo em que atualiza e dá nova roupagem a antigos institutos jurídicos". (FILOMENO, 2000, p. 20)
Tendo nascido de expressa disposição constitucional, a Lei 8.078/90 impede a instituição de textos normativos que tenham por fim afastar ou impedir a aplicabilidade do seu texto, em questões que envolvam relações de consumo, vez que seu surgimento teve por finalidade dar concretude às regras e princípios inerentes à defesa do consumidor preceituados na Carta Magna. Sendo assim, afastar a aplicação da Lei consumerista é negar vigência a uma cláusula pétrea: a defesa do consumidor.
O legislador brasileiro procurou concentrar, de forma concisa, todos os dispositivos legais em torno de uma só lei, criando um verdadeiro esqueleto geral para o regramento das relações consumeristas. Trata-se de um instituto muito mais prático de consulta e compreensão para as partes envolvidas do que a existência de leis esparsas.
Desta forma, nasceu o CDC com o objetivo de compilar as disposições já existentes acerca dos direitos dos consumidores, regulando a relação de consumo em todo o território brasileiro, na busca de um reequilíbrio na relação entre consumidor e fornecedor, seja reforçando a posição do consumidor, seja limitando certas práticas abusivas impostas pelo fornecedor.
Conclui-se assim a enorme importância do CDC e a sua preocupação em tutelar a parte mais fraca da relação consumerista e neste sentido discorre “o CDC brasileiro concentra-se justamente no sujeito de direitos, visa proteger este sujeito, sistematiza suas normas a partir desta idéia básica de proteção de apenas um sujeito “diferente” da sociedade de consumo: o consumidor. É um Código especial para “desiguais”, para “diferentes” em relações mistas entre “um consumidor e um fornecedor.” (MARQUES, 2002, p. 53)
Sendo um dispositivo recheado de valores constitucionais, o Código de Defesa do Consumidor é considerado como uma das leis mais democráticas editadas até os dias atuais no ordenamento jurídico brasileiro, ultrapassando diversas outras legislações alienígenas, no que se refere a sua aplicabilidade, modernidade e tecnicidade. A imperatividade de suas normas tem por escopo proteger o consumidor, erradicando o desequilíbrio em que se encontra no mercado de consumo, na tentativa de alcançar uma realidade social mais justa e real, em conformidade com o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, uma das vigas mestras do Código de Defesa do Consumidor.
Os princípios e normas do CDC são de ordem pública e de interesse social, criados, portanto, com o intuito de se preservarem pilares essenciais da sociedade, motivo pelo qual aplicam-se obrigatoriamente às relações por eles reguladas, sendo, ainda, inderrogáveis pela vontade dos contratantes, dada a sua natureza cogente.
O caráter cogente de que se revestem as normas de ordem pública é uma forma de proteção do interesse social, já que protege instituições jurídicas fundamentais, bem como as que garantem a segurança das relações jurídicas e tutelam os direitos personalíssimos e situações jurídicas que não podem ser alteradas pelo juiz e pelas partes por deverem ter certa duração.
Ensina a doutrina que “são leis que nascem com a árdua tarefa de transformar uma realidade social, de conduzir a sociedade a um novo patamar de harmonia e respeito nas relações jurídicas”. E ainda, “as normas de ordem pública estabelecem valores básicos e fundamentais de nossa ordem jurídica, são normas de direito privado, mas de forte interesse público, daí serem indisponíveis e inafastáveis através de contrato”. (MARQUES, 2002, p. 56)
No que tange ao interesse social da norma, valem os ensinamentos de José Geraldo Brito Filomeno, ao asseverar que a Lei 8.078/90:
"[...] visa a resgatar a imensa coletividade de consumidores da marginalização não apenas em face do poder econômico, como também dotá-la de instrumentos adequados para o acesso à justiça do ponto de vista individual e, sobretudo, coletivo". (FILOMENO, 2000, p. 26)
Em verdade, o interesse social funciona como um complemento à proposição "ordem pública", materializando a dimensão coletiva que se pretendeu dar à legislação consumerista. O acréscimo da sobredita expressão foi uma maneira encontrada pelo legislador de reforçar a importância e necessária aplicação do Código de Defesa do Consumidor a situações que envolvam as chamadas relações de consumo.
3.2. Princípios
Antes de adentrar especificamente na seara dos princípios que regem o Direito do Consumidor, faz-se mister tecer algumas considerações acerca dos princípios de uma forma ampla.
Os princípios gerais do direito são fontes não escritas do direito, constituindo as normas primeiras, fundamentais, que orientarão na elaboração legislativa. Trata-se de normas que traduzem conceitos fundamentais de direito e justiça, às quais qualquer ordem jurídica está obrigada. O direito escrito cumpre seu papel apenas em parte; desta forma, os princípios gerais de direito são uma das fontes mais importantes do direito. Visam estes preencher as lacunas existentes ou desenvolver de forma mais justa o direito estabelecido através de interpretação, recorrendo ao princípio da equidade.
Segundo as elucidativas palavras de Cláudio Bonatto:
“[...] os princípios seriam como pilares e um edifício, os quais servem como bases de qualquer sistema, atuando, neste mister, como diretrizes orientadoras para a consecução dos objetivos maiores deste mesmo sistema”. (BONATTO, 2003, p. 24)
Após este breve levantamento dos princípios gerais de direito, chega-se ao assunto fundamental do presente capítulo, que é o da carga principiológica contida na Lei 8.078/90.
Os princípios, na esfera do Direito do Consumidor, igualmente condicionam e orientam a aplicação e integração das prerrogativas deste. Assim, os atuais operadores do direito não devem hesitar em sua aplicação para a solução de novos litígios, que, com o passar do tempo, adquirem feições cada vez mais especializadas.
Ainda citando Cláudio Bonatto, “quando falamos de princípios aplicáveis ao Código de Defesa do Consumidor, tratamos, também, do estabelecimento de regras de hermenêutica fundamentais para o correto entendimento da Lei Protetiva”. (BONATTO, 2003, p. 27)
É de toda conveniência não seguir caminho sem antes visitar, brevemente que seja, cada um dos princípios que são julgados fundamentais no sistema da Lei 8.078/90.
Conforme entendimento de Arruda Alvim, Thereza Alvim, Eduardo Arruda Alvim e Jaime Marins Souza, pode-se dizer serem seis os princípios fundamentais da Política Nacional das Relações de Consumo, quais sejam: Princípio da Vulnerabilidade, Princípio do Dever governamental, Princípio da Garantia de Adequação, Princípio da Boa-fé nas relações de consumo, Princípio da Informação e o Princípio do Acesso à Justiça que serão devidamente analisados a seguir. (ALVIM; SOUZA, 1995, p. 44)
O CDC dispõe de princípios que norteiam a relação de consumo e como espinha dorsal da proteção ao consumidor tem-se o princípio da vulnerabilidade, considerado a base de onde se irradia todos os outros princípios informadores do sistema consubstanciado no Código de Defesa do Consumidor.
A proteção ao consumidor decorre da constatação de ser o consumidor o elemento mais fraco da relação de consumo, por não dispor do controle sobre a produção dos produtos, sendo submetido ao poder dos detentores destes, surgindo, assim, a necessidade da criação de uma política jurídica que busque o equilíbrio entre os sujeitos envolvidos na relação consumerista.
Compartilha deste raciocínio, Luiz Antonio Rizatto Nunes:
“[...] o consumidor é a parte fraca da relação jurídica de consumo. Essa fraqueza, essa fragilidade, é real, concreta, e decorre de dois aspectos: um de ordem técnica e outro de cunho econômico. O primeiro está ligado aos meios de produção, cujo conhecimento é monopólio do fornecedor. E quando se fala em meios de produção não se está apenas referindo aos aspectos técnicos e administrativos para a fabricação de produtos e prestação de serviços que o fornecedor detém, mas também ao elemento fundamental da decisão: é o fornecedor que escolhe o que, quando e de que maneira produzir, de sorte que o consumidor está à mercê daquilo que é produzido”. (NUNES, 2000, p. 106)
Não há que se confundir a vulnerabilidade do consumidor com a hipossuficiência, que é uma característica restrita a determinados consumidores, que além de presumivelmente vulneráveis são também, em sua situação individual carentes de condições culturais ou materiais.
Com precisão, Antônio Herman de Vasconcelos Benjamin demonstra a diferença entre a vulnerabilidade e hipossuficiência:
“A vulnerabilidade é um traço universal de todos os consumidores, ricos ou pobres, educadores ou ignorantes, crédulos ou espertos. Já a hipossuficiência é marca pessoal, limitada a alguns - até mesmo a uma coletividade - mas nunca a todos os consumidores”. (BENJAMIN, 2001, p. 325)
Vale ressaltar ainda a distinção feita por Cláudio Bonatto:
“[...] a vulnerabilidade é um conceito de direito material e geral, enquanto a hipossuficiência corresponde a um conceito processual e particularizado, expressando àquela situação a dificuldade de litigar, seja no tocante à obtenção de meios suficientes para tanto, seja no âmbito da consecução das provas necessárias para demonstração de eventuais direitos.” (BONATTO, 2003, p. 46)
Além destas constatações, observa-se também que o princípio da vulnerabilidade do consumidor é a aplicação plena do principio da igualdade material (tratar desigualmente os desiguais), haja vista que reconhece a desigualdade dos consumidores em relação aos fornecedores de produtos ou serviços, institui o plano de políticas públicas de responsabilidade do Estado visando à igualdade nas relações de consumo e, ainda, dispõe de mecanismos jurídicos de ordem de direito material e processual que visem à defesa do consumidor.
Neste diapasão, claro está que o objetivo maior da Lei 8.078/90 é equilibrar juridicamente o consumidor e fornecedor, dada a desigualdade entre tais partes na relação de consumo, ou seja, tem-se uma parte detentora dos mecanismos de induzimento ao consumo (fornecedor) e uma outra que é a todo instante bombardeada por anúncios apelativos ao consumo tanto básico quanto exagerado (consumidor), sendo necessário armá-lo de certos instrumentos para que ele possa melhor defender-se.
Outro princípio de suma importância, elencado nos incisos II, VI e VII do art. 4° do Código de Defesa do Consumidor, é princípio do dever governamental que consiste na responsabilidade do Estado, enquanto regulador da sociedade, promover meios para a efetiva proteção do consumidor, inclusive diante do próprio Estado, quando este figurar como fornecedor. Assim, este princípio é compreendido sob dois enfoques, quais sejam: o primeiro é o da responsabilidade conferida ao Estado, na qualidade de organizador da sociedade, ao prover o consumidor dos mecanismos suficientes que proporcionam a sua efetiva proteção. O segundo diz respeito ao dever do próprio Estado de promover continuadamente a "racionalização e melhoria dos serviços públicos" (art. 4°, VIII), nascendo, aqui, a figura do Estado-fornecedor.
Seguindo no estudo dos princípios informadores do direito consumerista, encontra-se o princípio da garantia da adequação, também disciplinado no Art. 4°, inciso II, alínea “d" e inciso V do CDC. Por este princípio afirma-se ser direito do consumidor a plena adequação dos produtos e serviços ao binômio da segurança/qualidade que é o fim ideal colimado pelo sistema protetivo do consumidor. Desta forma, busca-se atender concretamente os objetivos da Política Nacional das Relações de Consumo, consistentes no atendimento das necessidades dos consumidores, com respeito de seus interesses econômicos e a melhoria da sua qualidade de vida.
A efetivação desse princípio compete ao fornecedor que será oficialmente auxiliado pelo Estado, a quem está incumbido o dever de fiscalização, que é uma outra atribuição do "princípio de dever governamental" o qual já se expôs.
Dada a amplitude dos princípios que informam as diretrizes contratuais, limita-se o estudo neste momento para uma abordagem acerca do princípio da boa-fé nas relações de consumo e da importância de seu reconhecimento pelo CDC.
Os contratos, como forma de circulação de bens e serviços, estão presentes nas mais diversas situações do cotidiano. Sabe-se que a convivência em uma sociedade industrializada importa necessariamente na existência de diferenças sociais, sendo imprescindível a tutela do Estado na busca da equidade e da concretização de justiça. Para tanto, prima-se por uma relativização da autonomia individual da vontade, de modo a evitar que interesses particulares sobreponham-se aos interesses sociais. Essa constitui uma das diretrizes adotadas pelo Código Brasileiro de Direito do Consumidor, expressa, no mínimo, pela exigência de aplicação do princípio da boa- fé em todas as fases do contrato.
O Código do Consumidor, presumindo o consumidor como parte contratual mais fraca, impõe aos fornecedores de serviços no mercado uma atuação conforme à boa-fé, na tentativa de limitar o princípio da autonomia da vontade e combater os abusos praticados no mercado.
Nesse sentido, são esclarecedores e consistentes os ensinamentos de Claudia Lima Marques discorrendo sobre a redação e execução dos contratos conforme a boa-fé:
“O Código de Defesa do Consumidor impõe para as relações envolvendo prestação de serviços onerosos no mercado um patamar mínimo de boa-fé objetiva nesses contratos e relações de consumo (art. 4º, III, do CDC). Boa-fé significa aqui um nível mínimo e objetivo de cuidados, de respeito e de tratamento leal com a pessoa do parceiro contratual e seus dependentes. Este patamar de lealdade, cooperação, informação e cuidados com o patrimônio e a pessoa do consumidor é imposto por norma legal, tendo em vista a aversão do direito ao abuso e aos atos abusivos praticados pelo contratante mais forte, o fornecedor, com base na liberdade assegurada pelo princípio da autonomia privada. O CDC presume o consumidor como parceiro contratual mais vulnerável por lei (art. 4º, I, do CDC) e impõe aos fornecedores de serviço no mercado brasileiro um patamar mínimo de atuação conforme à boa-fé. O princípio da boa-fé nas relações de consumo, incluindo as envolvendo direta ou indiretamente a prestação de serviços de saúde (art. 3º, parágrafo 2º, do CDC), atua limitando o princípio da autonomia da vontade (art. 170, caput e inciso V, da Constituição Federal/88) e combatendo os abusos praticados no mercado”. (MARQUES, 2002, p. 74)
Dando seguimento ao estudo do dos princípios consumeristas, a questão da informação tornou-se vital em qualquer atividade humana, incluídas naturalmente as relações de consumo, seja a matéria contratual ou não. Hoje, mais do que nunca, informação é poder. Consumidor mal informado é presa fácil dos abusos do mercado, sempre propenso a diversas lesões. Daí a claríssima preocupação do CDC com a informação do consumidor. Inumeráveis são os dispositivos do estatuto consumerista que abordam a questão da informação.
A partir da vigência da Lei 8.078/90, portanto, tornou-se ilegal qualquer ato ou procedimento que atente contra o direito à informação do consumidor, valendo assinalar que se trata de uma informação ampla, substancial, extensiva a todos os aspectos da relação de consumo desenvolvida, que cabe integralmente aos fornecedores.
Aprofundando o assunto, encontra-se nas palavras abalizadas de Antônio Herman de Vasconcellos Benjamin:
"A garantia de informação plena do consumidor – tanto no seu aspecto sanitário quanto no econômico – funciona em duas vias. Primeiro, o direito do consumidor busca assegurar que certas informações negativas (a ‘má informação’, porque inexata – digo algo que não é –, como na publicidade enganosa) não sejam utilizadas. Em segundo lugar, procura garantir que certas informações positivas (deixo de dizer algo que é, como, por exemplo, alertar sobre riscos do produto ou serviço) sejam efetivamente passadas ao consumidor”. (BENJAMIN, 2000, p. 90)
Por fim, na constelação de princípios do Código de Defesa do Consumidor, figura ainda o princípio do acesso à justiça, que deriva necessariamente do microssistema protetivo determinado pela Constituição Federal. A nossa Carta Magna o elenca em seu art. 5°, inc. XXXV: "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito".
Da expressiva norma constitucional, verifica-se que todos têm direito do acesso à justiça para invocar perante o Estado qualquer que seja o seu direito, seja ele individual ou coletivo. É um princípio expresso na Constituição Federal de 1988 e recepcionado pelo no CDC no art. 6º, VII, no qual trata dos direitos do consumidor em juízo. E assim o fez: “... VII – o acesso aos órgãos judiciários e administrativo com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção jurídica, administrativa e técnica aos necessitados;..."
Assim, teve o legislador a preocupação de fornecer subsídios, que pudessem facilitar ainda mais o acesso a todos os cidadãos à justiça, como um meio de defesa de seus direitos como forma de reequilibrar ou reduzir a distância na qual se evoluiu entre o consumidor e o fornecedor.
Com a enunciação do princípio acesso à justiça, encerra-se o rol daqueles princípios reputados como os mais capitais dentro do sistema instaurado pelo CDC, passando, então, para a abordagem do Dano moral na Relação de Consumo.
3.3. Identificando a Relação Consumerista na Internet
Um ponto de suma importância a ser explicitado é o da responsabilidade civil do provedor de Internet. Somos cientes de que dados são perdidos após determinado período de permanência na rede, levando-se em conta que seria praticamente impossível armazenar milhões de kbytes de memória, devido ao trânsito constante e avassalador de informações.
Muito embora seja isso verídico, não desobriga, por exemplo, o provedor de informar àquele que, eventualmente, tenha sido alvo, nos conhecidos sites de relacionamento (ORKUT), de ofensas à sua pessoa. A dificuldade está na operatividade, na forma de se fazer eficaz a repressão à conduta geradora da transgressão, da ofensa.
Esses problemas não são novidades no mundo que estamos, há muito tempo, acostumados. E o problema, sua raiz, encontra-se justamente aí: nos acostumamos! Porém, centra-se em outra vertente a discussão: a falta de entendimento por parte dos próprios operadores do direito que, sem reciclagem, e por mais que esses que aí estão, se reciclem (estamos falando daqueles resistentes às transformações sociais), haverá dificuldade em proposições no sentido de solucionar o problema.
As agressões verbais, as injúrias, as difamações, as calúnias, dentre outras atitudes ofensivas a outrem, propagadas via Internet, têm um alcance estupendo, não se comparando a outros meios de comunicação.
A nossa Constituição Federal de 1988, ao consignar no famoso art. 5.º, inciso V, que "é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem", não especifica qual o meio ofensivo empregado para que seja pleiteada, posteriormente, a respectiva indenização. Portanto, seria incabível afirmar que a Internet não se sujeita aos comandos normativos. Não seria de se espantar caso fosse ventilada a possibilidade de um "Código Cibernético", diante do quadro que tentam, referente ao tema, explorar.
A Internet não pode ser vista como uma aberração jurídica, capaz de impossibilitar a defesa dos direitos de personalidade, resguardando-os de ataques dos mais traiçoeiros. A dificuldade de se encontrar, no mundo virtual, os autores de ações de natureza lesiva ao direito alheio é serviço que exige esforços dos maiores, mas não é impossível. Assim fosse, poderíamos afirmar que no mundo real todos os crimes seriam solucionados
Encontrar o responsável pela exposição de artigos, fotos, e outras coisas mais que venham a agredir e ferir direito alheio é plenamente possível, tendo sido colocada em prática, em uma cidade do Estado de São Paulo, uma operação contra a propagação da pedofilia pela Internet. Vários hospedeiros de sites foram encontrados, bem como pessoas que freqüentemente acessavam tais páginas. Gradualmente, esse tipo de ilícito está sendo combatido, ilícito que possui, como um de seu viés, o caráter atentatório contra a dignidade humana.
No que concerne a identificação da relação de consumo existente entre o provedor e o usuário, está na disponibilização do serviço, mesmo que o mesmo seja oferecido de forma não onerosa, a exemplo do Orkut.
Posto que para que haja a relação de consumo, conforme fora explicitado anteriormente, a não onerosidade não significa que o fornecedor de serviços possa ser desobrigado de responsabilidade por algum dano causado. Todavia, o fornecedor tem responsabilidade objetiva pelo serviço disponibilizado.
Outrossim, o consumidor que não venha a utilizar dos serviços prestados pelo fornecedor, ainda assim, poderá ser alvo de algum ato ilícito que cause dano, sendo o fornecedor obrigado a repará-lo mediante o preceito de consumidor equiparado.
O principal instituto que norteia a responsabilidade do fornecedor in casu, trata-se do anonimato, ou seja, a partir do momento em que é fornecido o livre acesso às páginas de relacionamento, como o Orkut, onde não se percebe a obrigatoriedade da identificação do usuário, o fornecedor entrega nas mãos do usuário uma possibilidade de praticar fatos típicos através de sua incógnita. Sendo assim, vários danos podem ser ocasionados devido a essa liberdade de comunicação no anonimato. Por conseguinte, quando há o anonimato, não se pode qualificar o autor e dar continuidade na representação judicial, impossibilitando a aplicação de pena ao infrator.