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Considerações acerca do aborto anencefálico no Brasil

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24/03/2012 às 12:36
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7 CONCLUSÃO

O bem jurídico dos seres humanos, por excelência, é a vida.

Somente a partir dela, ou ao menos, de sua expectativa, no caso do nascituro, é que os indivíduos passam a ser titular de direitos.

A vida, como bem jurídico inerente ao ser, é tutelada e resguardada pela Constituição da República e, por conseguinte, por todo o ordenamento jurídico nacional.

A anencefalia, como demonstrado, é uma anomalia fetal letal, caracterizada por ser uma deformidade no fechamento do tubo neural, mais precisamente da porção anterior do sulco neural, acarretando a inexistência do encéfalo.

Em decorrência da malformação, o anencéfalo carece de grande parte do sistema nervoso central, o que o incapacita para as funções relacionadas a consciência e a capacidade de percepção, de cognição, de comunicação, de afetividade e de emotividade.

Embora o anencéfalo, até certo momento, seja um ser vivo, não compartilhará de qualquer experiência humana, até porque, na maçante maioria dos casos, conforme explicitado no decurso do presente, nascerá morto ou viverá poucos minutos ou horas.

Assim sendo, caracteriza-se a anencefalia como uma malformação fetal que impossibilita qualquer vida extra-uterina de seu portador.

Destaca-se que o concepto anencefálico, assim como todos os conceptos, têm sido considerado titular de direitos do nascituro; e dentre os direitos fundamentais do nascituro está englobado o direito à vida.

Em contrapartida, a gestação do anencéfalo compromete indubitavelmente a saúde física, psíquica e social da mulher, onde a imposição de uma gestação nessas condições lesa a sua saúde.

Um dos pilares do Estado Democrático de Direito brasileiro é a dignidade humana; o princípio em foco está amplamente assegurado pela Magna Carta, mais precisamente no artigo 1º, inciso III, caracterizando-se, como já dito, como um dos preceitos pilares do Estado brasileiro.

Ao passo que o anencéfalo não possui a possibilidade de manter uma vida extra-uterina, impor a uma mulher, nesse caso, a gestação, fere a Dignidade da Pessoa Humana, uma vez que essa gestação compromete a saúde da gestante em suas diversas vertigens.

O respeito ao princípio está diretamente ligado ao respeito à autonomia pessoal, ou seja, a liberdade de que o ser humano tem, ao menos, de conduzir sua existência e ser respeitado como titular de direitos.

O grande cerne da questão se encontra no conflito de direitos fundamentais existentes no caso, ou seja, de um lado, o direito à vida do feto portador da anomalia letal, de outro lado, a dignidade humana da gestante, bem como o seu direito à saúde e à liberdade de autonomia reprodutiva.

Não bastasse o conflito de direitos fundamentais instalado, paira sobre a delicada situação, questões de ordem religiosa, onde a Igreja Católica, representante da religião predominante no país, é totalmente contrária à realização da interrupção da gestação, mesmo no caso de feto portador de anencefalia.

Ressalte-se, todavia, que o Brasil se caracteriza por ser um Estado laico, ante a determinação contida no artigo 19, inciso I, da Constituição Federal, onde nenhuma decisão jurisdicional deveria pautar-se em convicções religiosas.

O problema é tão complexo que o Tribunal Supremo do país desde 2004 não chegou a uma conclusão definitiva acerca da situação. A ADPF 54, proposta pela CNTS, a mais de sete anos espera julgamento sem que os Ministros tenham alcançado uma posição definitiva. Busca a autora da ação, sejam autorizadas as gestantes, que carregam em seu ventre um feto portador de anencefalia, a realizarem a interrupção terapêutica do parto. Em 2004, o Ministro Relator, Marco Aurélio, deferiu uma medida de natureza liminar, autorizando as gestantes a realizarem o procedimento. No mesmo ano, a liminar foi cassada pelo Pleno do STF. Desde então, realizadas algumas audiências, não houve pronunciamento definitivo acerca do mérito.

O questionamento a ser feito é o seguinte: Ante a especialidade do caso, o que deve ser levado em consideração, o direito à vida do feto que não possui perspectiva alguma de vida extra-uterina, ou a dignidade humana da gestante, seu direito à saúde e à autonomia? 

O trabalho apresentado procurou evidenciar todas as posições acerca do polêmico tema e demonstrar a situação atual em que as gestantes que carregam em seu ventre um feto portador de anencefalia enfrentam nos Pretórios do país.

Em que pese às argumentações contrárias, conclui-se que impor uma mulher à gestação de um feto anencefálico é algo que degrada a dignidade humana, trazendo um sofrimento imensurável e irreversível à saúde física, psíquica e social dessa gestante.

Compelir uma mulher, sujeito de direitos, a gestar um anencéfalo configura ofensa aos seus direitos à saúde plena e à autonomia reprodutiva.

Ainda, entender o aborto, ou melhor, a interrupção terapêutica do parto, nos casos de anencefalia, como conduta criminosa, coloca a mulher em uma situação de pleno desrespeito à sua condição humana de sujeito de direitos, bem como à sua dignidade.

Assim sendo, entende-se que a decisão de manter ou interromper a gestação, nos casos de anencefalia, em virtude da especialidade do caso, deve ser resultado de livre escolha da mulher, onde a solução acertada seria proporcionar a essa gestante o arbítrio de optar pelo prosseguimento da gestação ou pela sua interrupção, em função da malformação letal que impera no produto da concepção.

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Referências:

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Sobre o autor
Guilherme Barcelos

Advogado inscrito nos quadros da OAB/RS sob o n°. 85.529, especialista em Direito Eleitoral (Verbo Jurídico - Porto Alegre-RS).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARCELOS, Guilherme. Considerações acerca do aborto anencefálico no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3188, 24 mar. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21355. Acesso em: 5 nov. 2024.

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