Imaginemos a seguinte situação: Um prefeito municipal indaga sua assessoria jurídica sobre a possibilidade de rescisão unilateral de determinado contrato administrativo, tendo em vista as repercussões de operação deflagrada pela Polícia Federal e Ministério Público, visando a apuração de irregularidades em licitações e o suposto favorecimento de empresas.
Constaria da investigação realizada pela Polícia Federal que as fraudes apuradas nas licitações e contratos com o Município eram realizadas através de combinação prévia com os concorrentes ou alternância deles, utilização de “laranjas” na constituição de empresas, e ainda pela “criação de emergência” para contratação com a Administração Pública. O esquema contava ainda com a participação de servidores públicos municipais.
No que respeita ao procedimento administrativo e ou à execução dos serviços do contrato, não há fato objetivo que desabone a qualidade do serviço ou prova absoluta da veracidade dos fatos apurados, o que impede, sob o prisma da presunção de inocência, a aplicação de qualquer penalidade contratual.
Existe prejuízo para a Administração na manutenção do contrato com a empresa investigada? Em assim se entendendo, qual a fundamentação para promover a Rescisão Contratual de forma Unilateral?
Os fatos descritos e apurados em operações policiais e/ou investigações oriundas do Ministério Público envolvendo pessoas físicas ou jurídicas contratadas da Administração Pública, cujos desdobramentos na seara criminal, administrativa e cível ficarão a cargo dos órgãos competentes, provoca severas repercussões negativas, e exorta os Entes Públicos a uma atuação preventiva e necessária, visando à satisfação e salvaguarda do interesse público e da própria Administração, bem como em respeito aos administrados.
No tocante aos administrados, o que se pretende preservar e ratificar são dois pilares fundamentais de governança: a confiança pública na probidade do governo e a confiança pública em sua capacidade de desempenho.
A confiança pública na probidade do governo, melhor representada pelo princípio da moralidade, se volta para os aspectos de boa-fé e lealdade administrativa.
Para melhor elucidar, mister trazer à baila a elucidativa lição de Juarez Freitas[1] sobre o tema:
"No tangente ao princípio da moralidade, por mais que tentem assimilá-lo a outras diretrizes e conquanto experimentando pronunciada afinidade com todos os demais princípios, certo é que o constituinte brasileiro, com todas as imensas e profundíssimas conseqüências técnicas e hermenêuticas que daí advêm, pretendeu conferir autonomia jurídica ao princípio da moralidade, o qual veda condutas eticamente inaceitáveis e transgressoras do senso moral da sociedade, a ponto de não comportarem condescendência.
De certo modo, tal princípio poderia ser identificado com o da justiça, ao determinar que se trate a outrem do mesmo modo que se apreciaria ser tratado. O "outro", aqui, é a sociedade inteira, motivo pelo qual o princípio da moralidade exige que, fundamentada e racionalmente, os atos, contratos e procedimentos administrativos venham a ser contemplados à luz da orientação decisiva e substancial, que prescreve o dever de a Administração Pública observar, com pronunciado rigor e a maior objetividade possível, os referenciais valorativos basilares vigentes, cumprindo, de maneira precípua até, proteger e vivificar, exemplarmente, a lealdade e a boa-fé para com a sociedade, bem como travar o combate contra toda e qualquer lesão moral provocada por ações públicas destituídas de probidade e honradez.”
A variar dependendo do caso concreto, a gravidade dos fatos apurados envolvendo empresa contratada pelo Poder Público traz consigo inexorável repercussão negativa, instaurando sentimento de desconfiança para a sociedade e para a própria Administração.
Manter-se nos quadros da Administração, ainda que sob a forma de execução indireta de serviços, empresa cujo sócio e representante legal encontra-se envolvido em esquema de fraude em licitações públicas e contratos administrativos compromete a confiança na higidez da gestão publica deste Município, o que se repudia ab initio.
A sensação de insegurança que tal situação desencadeia poderá ter contornos indesejáveis e indeléveis à boa administração de determinado Ente Público, o que pode comprometer, inclusive, a legitimidade do governo.
Nas palavras de Habermas, “para a legitimação de um ordenamento estatal, constituído na forma da lei, requerem-se, por isso, todas as fundamentações e construções públicas que resgatarão esse pleito como digno de ser reconhecido (HABERMAS, 2003, p. 68).
E é justamente o reconhecimento e a confiança dos administrados na gestão desta Administração que se pretende manter ativa!!!!!
Trata-se de verdadeira manifestação da vertente subjetiva do princípio da segurança jurídica, denominada pela doutrina de princípio da proteção à confiança[2]:
“A segurança jurídica é entendida como um conceito ou um princípio jurídico que se ramifica em duas partes, uma de natureza objetiva e outra de natureza subjetiva. A primeira, de natureza objetiva, é aquela que envolve a questão dos limites a retroatividade dos atos do Estado, até mesmo quando estes se qualifiquem como atos legislativos. Diz respeito, portanto, à proteção ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada. Diferentemente do que acontece em outros países, cujos ordenamentos jurídicos frequentemente têm servido de inspiração ao direito brasileiro, tal proteção está há muito incorporada a nossa tradição constitucional e dela expressamente cogita a Constituição de 1988, no artigo 5º, inciso XXXVI.
A outra, de natureza subjetiva, concerne à proteção à confiança das pessoas no pertinente aos atos, procedimentos e condutas do Estado, nos mais diferentes aspectos de sua atuação.”
O princípio da confiança, intrinsecamente ligado aos princípios da segurança jurídica e do Estado de Direito, reforça a atuação ativa de todas as esferas do poder no sentido de zelar pela mútua confiança entre Administrado e Administração.
Consoante doutrina mais abalizada, para a tutela da proteção à confiança, devem se observar os seguintes fatores[3]:
“a. existência de uma situação justificada de confiança a ser protegida, ou seja, os fatos concretos verificados devem ter o condão de objetivar e efetivamente incutir no agente uma determinada expectativa. Afasta-se o atendimento ao requisito quando houver torpeza ou excessiva credulidade deste. Na prática, o requisito se reputa preenchido com a resposta positiva à seguinte indagação: qualquer pessoa normal, submetida às mesmas circunstâncias, criaria a expectativa afirmada pelo sujeito?
b. essencialidade da situação de confiança, tendo em vista que a confiança criada deve ter sido determinante na atividade jurídica do sujeito, sem a qual o indivíduo não teria agido. Na prática, necessária será a resposta positiva à seguinte indagação: a situação de confiança foi decisiva para a opção do sujeito pela prática de determinado ato jurídico?
c. Imputação ou responsabilidade pela situação de confiança, ou seja, o sujeito que infundiu a confiança deverá responder por ela. Não se admite, por exemplo, que A inspire a confiança e B venha a ser responsabilizado pela situação. O atendimento ao requisito se dá mediante a resposta positiva à seguinte indagação: o responsável pela situação de confiança é o sujeito que a incutiu?
d. Interesse na proteção da confiança, ou seja, deve haver um benefício prático efetivo ao sujeito para que se reclame a proteção da confiança. Deve a situação trazer uma vantagem ou evitar um prejuízo ao agente. Finalmente, reputa-se atendido o requisito com a resposta positiva à seguinte pergunta: a desproteção da situação criada causa prejuízos ao sujeito depositário da confiança?”
Dessa forma, para que as expectativas depositadas pela sociedade na Administração, decorrente do pacto institucional no Estado Democrático de Direito, não sejam frustradas, no caso vertente, imperiosa se faz a atuação do ente público, no sentido de assegurar o interesse público ora demonstrado.
E por interesse público deve-se fazer a distinção entre este e o interesse da Administração. A interpretação de interesse público, trata, na verdade, do somatório dos interesses individuais protegidos pelos direitos fundamentais. O entendimento de que o interesse púbico reflete o interesse da administração, sob a pálida sustentação da legitimidade de poder, não prospera .
É o que aponta JORGE REIS NOVAIS[4] :
De facto, em Estado de Direito, mesmo que não se defenda a concepção liberal segundo a qual o interesse público não é mais que a soma dos vários interesses particulares protegidos por normas de direitos fundamentais (Bleckmann), o interesse público não pode ser instrumentalizado contra um poder de disposição, tão amplo quanto possível, que a ordem jurídica deve atribuir aos indivíduos na prossecução dos seus direitos fundamentais.
A Administração Pública é dotada de certos poderes que objetivam dar cumprimento aos fins a que se destina, implicando o exercício da função pública no compromisso em cumprir tais finalidades, a justificar a atribuição de poderes para exercê-las, não devendo, entretanto, haver confusão entre o interesse público com o da Administração.
Esta noção de interesse público cria duas crises, como apontado por FLORIANO PEIXOTO DE AZEVEDO MARQUES, uma de natureza endógena e outra de natureza exógena. A primeira é uma evolução da crise de aplicação do conceito à sua justificação, pelo fato da inicial idéia de correspondência entre interesse público e o princípio da legalidade se esvair com o crescimento da margem de atuação do administrador, a estremecer “os pressupostos de calculabilidade e de certeza jurídica que permeiam a racionalidade do Direito Moderno”. Na segunda, a evolução da crise é inversa. Nas palavras do autor[5] :
[...] a crise exógena coloca-se inicialmente como uma crise de justificação (os fenômenos econômicos, sociais e políticos hodiernos desafiam a legitimidade do monopólio do poder político para dizer e efetivar o interesse geral), levando a uma crise operacional do conceito (pois não mais se mostra possível sua utilização a partir dos pressupostos unilaterais e autoritários de identificação do interesse público pelo poder do Estado).
Tais situações fazem com que algumas idéias ainda defendidas como premissas sejam objeto de revisão, como a de que ao atender aos interesses da Administração o interesse público estará assegurado, ou aquela que concebe o interesse público como aquele que se contrapõe aos interesses particulares. Uma nova interpretação se faz presente, como apontado por MARQUES :
[...] parece-nos que a tendência será, dentro da perspectiva de um Estado Democrático de Direito, dotar a sociedade dos meios de participação plena no processo decisório e permitir que a aferição do interesse público possa ser fruto de um processo contínuo de cotejamento dos valores ou princípios que se embatem na situação concreta e no qual o Estado seja, a um só tempo, mediador de interesses sociais relevantes e colidentes mas também exerça um papel implementador de interesses meta-individuais hipossuficientes no jogo social.
A Administração não é mais a exclusiva titular do interesse público, pois as muitas facetas destes interesses em favor do corpo social legitimam que este mesmo corpo identifique suas necessidades e as protejam, independente da participação efetiva daqueles que outrora confundiam legitimação e supremacia com autoritarismo e unilateralidade.
E a jurisprudência dos Tribunais Superiores é uníssona ao assegurar a supremacia do interesse público em diversos casos, senão vejamos:
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA – STJ - Processo RESP 451242 / RS ; RECURSO ESPECIAL - 2002/0095302-1 - Relator(a) Ministro LUIZ FUX (1122) - Orgão Julgador T1 - PRIMEIRA TURMA - Data do Julgamento: 11/02/2003 - Data da Publicação/Fonte - DJ 10.03.2003 p.00113 RT VOL.:00816 p.00189 – Ementa:
ADMINISTRATIVO. INFRAÇÃO DE TRÂNSITO. EXCESSO DE VELOCIDADE DETECTADO POR EQUIPAMENTO ELETRÔNICO. MULTA. CABIMENTO. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE INAPLICÁVEL. INTERESSE PÚBLICO QUE SE SOBREPÕE AO PARTICULAR.
1. O Código de Trânsito Brasileiro permite ao administrador, no exercício do seu poder de polícia, insindicável pelo Judiciário, regular a velocidade considerando o local e o horário de tráfego. Em conseqüência, não malfere a lei o ato administrativo de polícia que fixa esses limites, porquanto a razoabilidade ou proporcionalidade da velocidade admitida é fruto da técnica do administrador, cuja aferição escapa ao poder judicante na esfera do recurso especial, quer pela invasão da matéria fática, quer pela intromissão indevida no âmbito do administrador.
2. Os redutores eletrônicos de velocidade, em regra, sob a forma de "pardais" e barreiras eletrônicas, são frutos de acentuada preocupação da Administração Pública com os alarmantes índices de acidentes de trânsito causados pelo excesso de velocidade dos condutores de veículos automotores, mercê de legitimados pelo Código de Trânsito Brasileiro.
3. A atitude do condutor de veículo em ultrapassar a velocidade estabelecida pela Administração no exercício do seu poder de polícia desautoriza o cancelamento da multa ao pálio da proporcionalidade, posto implicar essa investida substituição do administrador pelo Judiciário. Supremacia do interesse público.
4. Recurso especial provido.
Acórdão: Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, dar provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Humberto Gomes de Barros, José Delgado, Francisco Falcão e Paulo Medina votaram com o Sr. Ministro Relator.
Resumo Estruturado
Processo RESP 187904 / SC ; RECURSO ESPECIAL 1998/0066143-3 Relator(a) Ministro GILSON DIPP (1111) - Orgão Julgador T5 - QUINTA TURMA - Data do Julgamento 19/04/2001 - Data da Publicação/Fonte DJ 04.06.2001 p.00202 Ementa: RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDORA PÚBLICA. REMOÇÃO PARA ACOMPANHAR CÔNJUGE EMPREGADO DA INICIATIVA PRIVADA. INDEFERIMENTO. ART. 36, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI 8.112/90. INTERPRETAÇÃO SOB A ÓTICA DO DIREITO ADMINISTRATIVO. DESRESPEITO AO PRINCÍPIO DA SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO E AO PODER DISCRICIONÁRIO DA ADMINISTRAÇÃO.
I – Segundo a doutrina e jurisprudência, a interpretação dos atos administrativos deve levar em conta seus princípios basilares. Dentre eles, destaca-se o da supremacia do interesse público, que só poderá ser mitigado em caso de expressa previsão legal. Desta feita, é defeso ao Poder Judiciário adentrar ao mérito administrativo, a fim de aferir sua motivação, oportunidade em que só lhe é permitido analisar eventual transgressão do diploma legal.
II – Nesse diapasão, equivocada a ingerência do Judiciário aos motivos determinantes do ato administrativo, que indeferiu a remoção de servidora pública federal para acompanhar seu cônjuge, empregado da iniciativa privada, pois a interpretação sistemática da Lei 8.112/90, veda a preponderância do interesse particular sobre o público. Indispensável o respeito ao Poder Discricionário da Administração. Precedente: MS 21.978-5/DF – STF.
III- Recurso especial conhecido e provido.
Acórdão: Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, em conformidade com os votos e notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso e lhe dar provimento. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Jorge Scartezzini, Edson Vidigal, José Arnaldo e Felix Fischer. - Resumo Estruturado
Processo MC 3982 / AC ; MEDIDA CAUTELAR 2001/0092137-1 Relator(a) Ministro LUIZ FUX (1122) Orgão Julgador T1 - PRIMEIRA TURMA - Data do Julgamento 17/02/2004 - Data da Publicação/Fonte DJ 15.03.2004 p.00150
Ementa: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. MEDIDA CAUTELAR PARA CONFERIR EFEITO SUSPENSIVO A RECURSO ESPECIAL. POSSIBILIDADE. CORTE NO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. INADIMPLEMENTO. IMPOSSIBILIDADE.
1. Medida Cautelar ajuizada pretendendo conferir efeito suspensivo a recurso especial em lide versando a possibilidade de corte nos serviços de fornecimento de energia elétrica, por inadimplência do usuário.
2. Consumidor, in casu, o Município que repassa a energia recebida aos usuários de serviços essenciais.
3. A energia é um bem essencial à população, constituindo-se serviço público indispensável, subordinado ao princípio da continuidade de sua prestação, pelo que se torna impossível a sua interrupção.
4. O corte de energia, como forma de compelir o usuário ao pagamento de tarifa ou multa, extrapola os limites da legalidade, uma vez que o direito de o cidadão se utilizar dos serviços públicos essenciais para a sua vida em sociedade deve ser interpretado com vistas a beneficiar a quem deles se utiliza.
5. O corte de energia autorizado pelo CDC e legislação pertinente é previsto uti singuli, vale dizer: da concessionária versus o consumidor isolado e inadimplente; previsão inextensível à Administração Pública por força do princípio da continuidade, derivado do cânone maior da supremacia do interesse público.
6. A mesma razão inspira a interpretação das normas administrativas em prol da administração, mercê de impedir, no contrato administrativo a alegação da exceptio inadimpleti contractus para paralisar serviços essenciais, aliás inalcançáveis até mesmo pelo consagrado direito constitucional de greve.
7. A sustação do fornecimento previsto nas regras invocadas pressupõe inadimplemento absoluto, fato que não se verifica quando as partes reconhecem relações de débito e crédito, recíprocas e controversas, submetidas à apreciação jurisdicional em ação ordinária travada entre agravante e agravado.
8. O corte de energia em face do município e de suas repartições atinge serviços públicos essenciais, gerando expresiva situação de periclitação para o direito dos munícipes. Liminar obstativa da interrupção de serviços essenciais que por si só denota da sua justeza.
9. Decisão interlocutória gravosa cuja retenção do recurso pode gerar situações drásticas de periculum in mora para a coletividade local.
10. Medida Cautelar procedente.
Acórdão: Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, julgar procedente a medida cautelar, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Teori Albino Zavascki, Denise Arruda e José Delgado votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Francisco Falcão.
ADMINISTRATIVO - CONCURSO PÚBLICO - CARGO DE INVESTIGADOR DE POLÍCIA - REALIZAÇÃO - OBEDIÊNCIA AO EDITAL 002/93 - CANDIDATO APROVADO - NOMEAÇÃO - MERA EXPECTATIVA DE DIREITO - PROCESSO SELETIVO EM FASE FINAL - SUPERVENIÊNCIA DE NORMA REGULAMENTADORA - INAPLICABILIDADE - ATENÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE, SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO E ISONOMIA - INEXISTÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO A SER RESGUARDADO.
I - O concurso público para provimento de cargos de Investigador de Polícia do Quadro de Pessoal da Polícia Civil do Estado do Espírito Santo, transcorreu de conformidade com o Edital 002/93, prestigiando-se o brocardo jurídico segundo o qual "o edital é a lei do concurso".
II - In casu, os recorrentes, candidatos aprovados em todas as fases do certame em questão, inclusive no Curso de Formação Profissional, restaram classificados fora do número de vagas oferecidas no instrumento convocatório. Desta forma, não se vislumbrou nenhuma ilegalidade no ato do Sr. Governador do Estado, que não incluiu o nome dos recorrentes na lista de nomeados para o mencionado cargo público. Afinal, doutrina e jurisprudência são unânimes em asseverar que a aprovação em concurso público gera, tão somente, expectativa de direito à nomeação. Ademais, eventual direito dos recorrentes somente surgiria em caso de inobservância da ordem classificatória, ou preterição dos aprovados, no prazo de validade do concurso. Hipóteses que não se verificaram nos autos.
III - De outra forma, a superveniência do Decreto Estadual 3.869-N/95, em nada contribui para a tese dos recorrentes. As regras contidas em tal diploma normativo mostraram-se inviáveis de serem aplicadas ao presente caso, porquanto ao fixar, de forma diametralmente opostas à regulamentação anterior, que "Somente participará do Curso de Formação Policial ministrado pela Academia de Polícia Civil o candidato aprovado e nomeado após rigorosa ordem de classificação", restaram editadas quando o certame aqui discutido, estava em sua fase conclusiva.
IV - Assim, irrepreensível a conduta administrativa que, primando pelo princípio da razoabilidade e, em respeito à preponderância do interesse público, optou em dar prosseguimento ao certame, na estrita observância das normas editalícias, garantindo aos candidatos isonomia de tratamento e concedendo-lhes idênticas oportunidades e igualdade de condições no ingresso no serviço público. Com isso, não se verificou, em absoluto, traço discriminatório, capaz de macular o processo seletivo. A Administração estabeleceu condutas lineares, imparciais, preestabelecidas no instrumento convocatório, visando suprir a sua necessidade de prover cargos vagos.
V - Recurso conhecido, mas desprovido.
Processo RESP 403905 / MG ; RECURSO ESPECIAL 2002/0000767-5 - Relator(a) Ministro JOSÉ DELGADO (1105) Orgão Julgador T1 - PRIMEIRA TURMA Data do Julgamento 26/03/2002 - Data da Publicação/Fonte DJ 06.05.2002 p.00260 Ementa: ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO PARCIAL. TRANSPORTE COLETIVO PÚBLICO. TERMO DE PERMISSÃO, COM CARACTERÍSTICAS DE CONCESSÃO. INDENIZAÇÃO. ALEGAÇÃO DE PREJUÍZOS DECORRENTES DE TARIFAS DEFICITÁRIAS. INOCORRÊNCIA DE PROCEDIMENTO LICITATÓRIO. ILEGALIDADE. INEXISTÊNCIA DE BOA-FÉ DO CONTRATANTE. PREVALÊNCIA DO INTERESSE PÚBLICO SOBRE O PARTICULAR.
1. Recurso Especial interposto contra v. Acórdão que julgou improcedente ação intentada por empresas permissionárias do serviço público de transporte coletivo da Região Metropolitana de Belo Horizonte, com vistas a obter indenização por prejuízos decorrentes de tarifas deficitárias impostas ao setor, causadoras do desequilíbrio econômico-financeiro do ajuste firmado por ocasião da permissão.
2. Ausência de prequestionamento sobre aspectos suscitados que não foram objeto de debate pela decisão recorrida no ambiente do apelo extremo.
3. Termo de Permissão assinado pelo Poder Público e pela permissionária. Os elementos componentes do mencionado Termo levam a que se considere que, entre partes, houve, verdadeiramente, a Concessão de serviço público.
4. Exigência de procedimento licitatório prévio para validação de contrato de concessão com a Administração Pública, quer seja antes da Constituição Federal de 1988, quer após a vigência da mencionada Carta.
5. Não havendo a licitação, a fim de garantir licitude aos contratos administrativos, pressuposto, portanto, para a sua existência, validade e eficácia, não pode se falar em concessão e, por conseqüência, nos efeitos por ela produzidos.
6. As relações contratuais do Poder Público com o particular são desenvolvidas com obediência rigorosa ao princípio da legalidade. Ferido tal princípio, inexiste direito a ser protegido, para qualquer das partes, além de determinar responsabilidades administrativas, civis (improbidade administrativa) e penais, quando for o caso, para o administrador público.
7. Em razão do uso indiscriminado das permissões de serviço público, é de se lhe atribuir efeitos análogos aos do instituto da concessão de serviço público quando a complexidade da atividade deferida por meio daquele instituto seja de tal monta que exija um longo prazo para o retorno dos altos investimentos realizados no intuito de viabilizar a sua prestação.
8. Este direito está condicionado à licitude da atividade prestada pelo permissionário, de modo que, ausente prévio procedimento licitatório, não há que se falar em manutenção do equilíbrio econômico-financeiro que nele deveria ser estipulado, cabendo ao permissionário, em atenção ao princípio da supremacia do interesse público sobre o particular e à sua inexistente boa-fé, suportar os ônus decorrentes de uma ilegalidade que lhe favoreceu."
9. Recurso parcialmente conhecido e, nesta parte, improvido.
Acórdão: Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da PRIMEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer parcialmente do recurso e, nesta parte, por maioria, vencido o Sr. Ministro Humberto Gomes de Barros, negar-lhe provimento. Os Srs. Ministros Luiz Fux, Garcia Vieira e Humberto Gomes de Barros votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Francisco Falcão.
Diferentemente do conceito utilizado no Direito Civil, no Direito Administrativo é o contrato conceituado como uma imposição unilateral de vontade, onde a administração, geralmente após um procedimento licitatório, impõe as cláusulas por ela definidas e em caráter de imutabilidade, para que o contratante faça sua adesão.
Está o contrato administrativo, sujeito à incidência de cláusulas exorbitantes, às quais conferem à Administração Pública uma superioridade sobre o particular; à imposição de sanções, à fiscalização diária, dependendo do tipo do objeto do contrato; e por fim, à rescisão unilateral.
A rescisão unilateral vai ocorrer quando a administração pública por motivo de ilegalidade, inadimplemento contratual por parte do contratado ou, em razão de interesse público, decidir por fim ao contrato entabulado, antes que seu prazo de vigência tenha extrapolado; sendo que, em qualquer dos três casos, necessária se faz a devida justificação da conveniência e oportunidade, para que se atenda ao princípio da transparência dos atos administrativos e se possa aferir da legalidade do ato.
Como todo ato administrativo, a rescisão também deverá trazer em seu bojo os pressupostos de fato e de direito, bem como a relação lógica entre eles, que levou o ente público a praticar o ato em questão.
Por motivo de ilegalidade se dará a rescisão toda vez que se detectar que o contrato foi celebrado sem observância da legislação em vigor, inclusive da Lei de Licitações e Contratos, vez que muitas vezes o contrato é entabulado sem prévio procedimento licitatório. Os efeitos dessa rescisão operam-se ex tunc, preservando-se os terceiros de boa fé, posto não ter esta espécie de rescisão natureza punitiva.
Não se amolda, entretanto, tal circunstância à hipótese discutida
Será extinto o contrato, por inadimplemento do contratante, toda vez que ocorrer descumprimento das cláusulas contratuais ou de letra de lei e esta preveja como penalidade a ser aplicada, a rescisão unilateral do contrato (art. 78, incisos I a XII e XVII da Lei de Licitações). O inadimplemento pode se dar com culpa (o contratado age com imprudência, negligência ou imperícia), sem culpa (fato decorre de caso fortuito ou de força maior) ou por dolo (vontade consciente e dirigida de praticar ou causar as condutas elencadas na lei como passíveis de rescisão contratual). No primeiro e no terceiro caso, a Administração irá assumir o contrato da maneira que se encontrar e tomará as demais providencias constantes do artigo 80 da Lei 8.666/93.
Mais uma vez, o dispositivo não se harmoniza com a proposição debatida.
O derradeiro motivo que enseja a rescisão contratual unilateral é o interesse público, pautado na conveniência e na oportunidade, e mais, na transparência e notoriedade do fato que gerou a rescisão e fez com que o poder público, por fator alheio à sua vontade, perdesse o interesse na execução do contrato. Não possui, portanto natureza punitiva, mas o cunho de beneficiar a coletividade.
Tal hipótese está escudada no art. 78, XII da Lei 8.666/93, e prevê a Rescisão “por razões de interesse público, de alta relevância e amplo conhecimento, justificadas e determinadas pela máxima autoridade da esfera administrativa a que está subordinado o contratante e exaradas no processo administrativo a que se refere o contrato;”.
Desta forma, uma vez declinado o panorama jurídico em que se insere o debate em tela, a solução a ser adotada pelo Ente Público encontra o respaldo na própria Lei 8.666/93, em seu artigo 78, inciso XII.
Verificando-se, portanto, que o requisito autorizador da rescisão unilateral se encontra presente, qual seja o interesse público, justificado pelo envolvimento de pessoa física ou jurídica contratada da Administração em operação policial ou investigação do Ministério Público, com ampla divulgação dos fatos na mídia local e/ou nacional, justifica-se a Rescisão Unilateral do Contrato, com base no artigo 78, inciso XII, da Lei de Licitações, em nome da cautela que necessariamente deve acompanhar as decisões do gestor da res publica, bem como de forma a resguardar o bom nome do Ente Público, que deve sempre manter-se zeloso pela ética e transparência na condução de seus trabalhos.
Notas
[1] FREITAS, Juarez. O Controle dos Atos Administrativos e os Princípios Fundamentais, São Paulo: Malheiros, 1997, pp. 67-68.
[2] SILVA, Almiro do Couto e. – http://www.direitodoestado.com/revista/REDE-2-ABRIL-2005-ALMIRO%20DO%20COUTO%20E%20SILVA.pdf, em Revista Eletrônica de Direito do Estado, nº 02.
[3] DUARTE, Ronnie Preuss. Revista dos Tribunais: Boa fé, abuso de direito e o Novo Código Civil Brasileiro. São Paulo: 11/2003. v. 817.
[4] NOVAIS, Jorge Reis. Contributo para uma teoria do estado de direito: do estado de direito liberal ao estado social e democrático de direito. Coimbra: Suplemento do Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1987, p. 18-19.
[5] MARQUES, Floriano Peixoto de Azevedo. Regulação Estatal e Interesses Públicos São Paulo: Malheiros, 2002, pp. 144-170.