Artigo Destaque dos editores

O analfabetismo e os candidatos

Exibindo página 1 de 2
04/04/2012 às 09:55
Leia nesta página:

Uma das inelegibilidades é ser o pretenso candidato analfabeto. Tal impedimento, previsto no artigo 14, §4º, da atual Carta Magna, à exceção da Constituição de 1824, está presente em todas as constituições do país. E, afinal, o que vem a ser analfabeto?

A cada 02 (dois) anos (sempre em anos pares), o Brasil mergulha em um caldeirão de efervescência política, de diferentes diretrizes e ideologias, de onde emergem alguns poucos escolhidos pela sociedade para representá-la.

A escolha dos representantes é exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, de igual valor para todos (artigo 14, caput, CRFB/88).

O direito ao sufrágio deve ser analisado sob dois aspectos: a capacidade eleitoral ativa, que consiste no direito de alistar-se eleitor; e a capacidade eleitoral passiva, que representa o direito de ser votado, ou seja, eleger-se para um cargo político (elegibilidade).

Todo aquele que possui capacidade eleitoral passiva também detém a ativa (quem pode ser eleito pode votar), mas a recíproca não é verdadeira, isto é, nem todos que podem votar podem ser eleitos. Faltam-lhes condições de elegibilidade (artigo 14, §3º, CRFB/88) e/ou incidiram em inelegibilidades.

As condições de elegibilidade são requisitos objetivos positivos que precisam ser atendidos (artigo 14, §3º, CRFB/88); as inelegibilidades, por sua vez, consistem em situações negativas (hipóteses) que, uma vez ocorridas, impedem a aquisição da capacidade eleitoral passiva, ou seja, o direito de ser votado.

A capacidade eleitoral passiva, portanto, é formada pelo preenchimento de requisitos positivos (condições de elegibilidade) e negativos (inexistência de inelegibilidades).

Uma das inelegibilidades é ser o pretenso candidato analfabeto. O analfabeto pode votar (o alistamento eleitoral e o voto são facultativos), entretanto não pode ser votado.

O impedimento, previsto no artigo 14, §4º, da atual Carta Magna, à exceção da Constituição de 1824[1], está presente em todas as constituições do país:

Constituição de 1891:

Art. 70 - São eleitores os cidadãos maiores de 21 anos que se alistarem na forma da lei.

§ 1º - Não podem alistar-se eleitores para as eleições federais ou para as dos Estados:

[...]

2º) os analfabetos;

Constituição de 1934:

Art. 108 - São eleitores os brasileiros de um e de outro sexo, maiores de 18 anos, que se alistarem na forma da lei.

Parágrafo único - Não se podem alistar eleitores:

a) os que não saibam ler e escrever;

Constituição de 1937:

Art. 117 - São eleitores os brasileiros de um e de outro sexo, maiores de dezoito anos, que se alistarem na forma da lei.

Parágrafo único - Não podem alistar-se eleitores:

a) os analfabetos;

Constituição de 1946:

Art. 132 - Não podem alistar-se eleitores:

I - os analfabetos;

Constituição de 1967:

Art. 142 - São eleitores os brasileiros maiores de dezoito anos, alistados na forma da lei.

[...]

§ 3º - Não podem alistar-se eleitores:

a) os analfabetos;

Constituição de 1988:

 Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:

[...]

§ 4º - São inelegíveis os inalistáveis e os analfabetos.

A Constituição Federal preceitua que o plano nacional de educação, de duração decenal, tem como uma de suas metas a erradicação do analfabetismo (artigo 214, I, CF/88).

A propósito do termo “erradicação” - usado no texto constitucional -, oportuno comentário de FREIRE[2]:

“A concepção, na melhor das hipóteses, ingênua do analfabetismo o encara ora como uma ‘erva daninha’ – daí a expressão corrente: ‘erradicação do analfabetismo’ –, ora como uma ‘enfermidade’ que passa de um a outro, quase por contágio, ora como uma ‘chaga’ deprimente a ser ‘curada’ e cujos índices, estampados nas estatísticas de organismos internacionais, dizem mal dos níveis de ‘civilização’ de certas sociedades.”

E o que vem a ser analfabeto?

Segundo AURÉLIO[3], é aquele “que não sabe ler e escrever”.

Para DECOMAIN[4], analfabetos são “aqueles que nada sabem ler nem escrever”. TELES[5] assevera que analfabetos são os que “não sabem compreender as comunicações escritas, nem se expressarem, por escrito, na língua pátria, ainda que rudimentarmente”.

Por sua vez, GOMES[6] afirma que “analfabeto é quem não domina um sistema escrito de linguagem, carecendo dos conhecimentos necessários para ler e escrever”.

Já analfabetismo, para ROLLO[7], é “a incapacidade absoluta de ler e escrever, que não se confunde com o semi-analfabetismo, que é a extrema dificuldade – mas não total incapacidade – para compreender e reproduzir os símbolos gráficos”.

Em que pese a relativa similitude de conceito entre os juristas e a impossibilidade de interpretação extensiva, há tribunais regional eleitorais, como o TRE-PE (Recurso nº 6180, TRE/PE, Palmeirina, Rel. Zamir Machado Fernandes. j. 16.08.2004, unânime) e TRE-GO (RE nº 2366, TRE/GO, Rel. CARMECY ROSA MARIA ALVES DE OLIVEIRA, j. 17/08/2004), por exemplo, que entendem ser o tema polêmico, dada a inexistência de conceito legal[8].

Ousamos discordar desse entendimento.

É que o conceito de analfabetismo, utilizado no Brasil, foi estabelecido em Conferência da UNESCO, realizada entre 04 de novembro e 05 de dezembro de 1958, em Paris, onde se adotou a definição de analfabeto como sendo “uma pessoa incapaz de ler e escrever um bilhete simples, relacionado a sua vida diária”[9]. Vinte anos depois, em 1978, a UNESCO definiu o termo analfabeto funcional[10] como sendo “uma pessoa incapaz de utilizar a escrita e a leitura para desempenhar atividades demandadas pelo seu grupo e comunidade e também incapaz de desempenhar tarefas em que a escrita, a leitura e o cálculo sejam exigidos para seu próprio desenvolvimento e o de sua comunidade”[11]. Sendo o Brasil signatário em ambas as Recomendações os conceitos foram adotados, portanto desnecessário dispositivo legal pátrio para defini-los[12].

A esse respeito, FERRARO[13] afirma que:

“Por influência da UNESCO, no Brasil, no Censo Demográfico 1950 o conceito passou a ter o seguinte teor: ‘Como sabendo ler e escrever entendem-se as pessoas capazes de ler e escrever um bilhete simples, em um idioma qualquer, não sendo assim consideradas aquelas que apenas assinassem o próprio nome’. Com pequenas variações de redação, esta definição esteve em vigor até o Censo 2000, onde se lê: ‘Considerou-se como alfabetizada a pessoa capaz de ler e escrever um bilhete simples no idioma que conhecesse. Aquela que aprendeu a ler e escrever, mas esqueceu, e a que apenas assinava o próprio nome foram consideradas analfabetas’ (IBGE, 2000).”

Tanto é verdade que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE utiliza como conceito de analfabeto a pessoa que “não sabe ler e escrever um bilhete simples no idioma que conhece”[14]. O conceito foi mantido na Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios, a cargo daquele órgão governamental, realizada em 2009[15].

Valendo-se desse mesmo conceito, têm decidido os TRE’s:

RECURSO ELEITORAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. ELEIÇÕES 2008. INDEFERIMENTO. Alegação de que foi inscrito como eleitor alfabetizado. Relativização do conceito de analfabeto. Impossibilidade. Não-comprovação da escolaridade. Teste de alfabetização insatisfatório. Incapacidade de formar palavras. Analfabetismo. Causa de inelegibilidade. Art. 14, § 4º, da Constituição da República. Recurso a que se nega provimento. (Recurso Eleitoral nº 1523 (2059), TRE/MG, Rel. Renato Martins Prates. j. 06.08.2008, unânime).

INDEFERIMENTO. CANDIDATURA. ARTIGO 14, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INELEGIBILIDADE POR ANALFABETISMO. NORMA RESTRITIVA. CONCEITO DE ANALFABETO. PRINCÍPIO DA ISONOMIA. RECURSO PROVIDO. Analfabeto é quem não conhece o alfabeto. Este conceito deve ser interpretado de forma restritiva para efeito de inelegibilidade. (Recurso Eleitoral nº 2286 (27828), TRE/PR, Curitiba, Rel. Manoel Caetano Ferreira Filho. j. 06.08.2004, unânime). (grifamos)

De igual forma, o conceito de analfabeto funcional foi adotado pelos tribunais pátrios. Nesse sentido, julgado do TRT da 2ª Região:

[...] O analfabetismo comporta gradações. A UNESCO consagrou desde 1978, a expressão “analfabetismo funcional”, para identificar a condição de quem embora tendo desfrutado, por algum tempo, do acesso à escola, só consegue ler ou escrever enunciados curtos e simples, relacionados à sua vida diária, como sinalar seu nome em um título, sem compreensão de conteúdo. A mera existência de assinatura do reclamante em procuração ou declaração de pobreza, não descarta sua condição de analfabeto funcional [...] (Recurso Ordinário em Rito Sumaríssimo nº 00307.2003.038.02.00-3 (20030458972), 3ª Turma do TRT da 2ª Região, Rel. Ricardo Artur Costa e Trigueiros. j. 02.09.2003, DOE 16.09.2003).

Entre os tribunais regionais eleitorais, o de Alagoas encontra-se na vanguarda, eis que, desde as eleições de 2004, valeu-se do conceito para indeferir pedidos de registro de candidatura:

RECURSO ELEITORAL CONTRA INDEFERIMENTO DE PEDIDO DE REGISTRO DE CANDIDATURA, FACE AUSÊNCIA A TESTE DE CONHECIMENTO BÁSICO, PARA COMPROVAÇÃO DE ALFABETIZAÇÃO. JUSTIFICATIVA NÃO ACATADA. INTERPRETAÇÃO MENOS GRAVOSA AO INTERESSE SINGULAR DO PRÉ-CANDIDATO. Documentos apresentados insuficientes como prova de escolaridade. Atual conceito de analfabetismo. Analfabeto funcional. Recurso conhecido a que se nega provimento. Decisão por maioria. (Recurso Eleitoral nº 727 (3260), TRE/AL, Monteirópolis, Rel. Maria Catarina Ramalho de Moraes. j. 23.08.2004, maioria, DOEAL 23.08.2004).

Recurso Eleitoral contra indeferimento de pedido de registro de candidatura, face não obtenção da nota exigida para aprovação em teste de conhecimento básico, para comprovação de alfabetização. Declaração de próprio punho, insuficiente como demonstração de conhecimentos básicos de não ser analfabeto. Atual conceito de analfabetismo. Analfabeto funcional. Recorrente não conseguiu demonstrar capacidade de interpretar o que lê. Capacitação escolar insuficiente para exercício do cargo de Vereador. Recurso Conhecido a que se nega provimento Decisão por maioria. (RECURSO ELEITORAL nº 737, Acórdão nº 3.261 de 23/08/2004, Relator(a) MARIA CATARINA RAMALHO DE MORAES, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 23/08/2004). (grifamos)

O TSE, posteriormente, em 2008, ao julgar recurso especial ajuizado pelo Ministério Público Eleitoral do Pará, indeferiu o pedido de registro de candidatura de Raimundo de Souza, que concorreria ao cargo de vereador no município de Óbidos/PA.

O Ministério Público Eleitoral, em suas razões recursais, alegou que Raimundo de Souza era analfabeto funcional e, embora conseguisse desenhar algumas palavras, não conseguia ler uma frase sequer, muito menos entendê-la.

O relator do feito, Min. Ari Pargendler, assim se manifestou em seu voto vencedor, provido à unanimidade (Recurso Especial Eleitoral nº 29.112, Acórdão de 26/08/2008, Relator(a) Min. ARI PARGENDLER, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 26/08/2008):

“Salvo melhor juízo, quem não desenha o nome, não lê ‘muito menos entende o conteúdo de uma simples frase escrita’ (fl. 43) é analfabeto”

O semialfabetizado não é alcançado pela proibição constitucional. É esse o posicionamento dos tribunais regionais:

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

RECURSO ELEITORAL EM REGISTRO DE CANDIDATURA. [...] RECURSO PROVIDO. REGISTRO DEFERIDO. O que impede a candidatura é o analfabetismo, conceito extremo que não abrange os semi-alfabetizados. [...] (Recurso Eleitoral nº 910 (5795), TRE/MS, Rel. André Luiz Borges Netto. j. 27.08.2008, unânime).

RECURSO ELEITORAL - INELEGIBILIDADE - ALFABETIZAÇÃO - DILAÇÃO DE PROVA - SEMI-ALFABETIZAÇÃO - PROVIMENTO - CANDIDATURA DEFERIDA. O semi-alfabetizado não é impedido de se candidatar, a teor do próprio ordenamento constitucional. (Recurso de Decisão dos Juízes Eleitorais nº 1062 (14895), TRE/MT, Acorizal, Rel. João Celestino Corrêa da Costa Neto. j. 27.08.2004, unânime).

RECURSO. REGISTRO DE CANDIDATURA. CANDIDATO SEMI-ALFABETIZADO. DEFERIMENTO. 1. O § 4º do art. 14 da Constituição Federal dispõe serem inelegíveis os analfabetos. 2. Verificado, no caso concreto, que o candidato é considerado semi-alfabetizado é de ser provido o recurso. (Processo nº 3150 (2236), TRE/PB, Serra Branca, Rel. Juiz Helena Delgado Ramos Fialho Moreira. j. 03.08.2004, unânime).

RECURSO - REGISTRO DE CANDIDATURA - ALFABETIZAÇÃO - AVALIAÇÃO - CÓPIA DE TEXTO EM LETRA CURSIVA QUE, EMBORA RUDIMENTAR, INDICA ENTENDIMENTO E MANEJO DA LINGUAGEM ESCRITA - CONDIÇÃO DE SEMI-ALFABETIZADO - AUSÊNCIA DE INELEGIBILIDADE - PROVIMENTO. O candidato que em teste de avaliação consegue copiar texto com letra cursiva, demonstrando entendimento e manejo da linguagem escrita, embora de forma rudimentar, não deve ser considerado analfabeto, para os fins do art. 14, § 4º, da Constituição Federal. (Recurso contra Decisões de Juízes Eleitorais nº 291 (22534), TRE/SC, Rel. Volnei Celso Tomazini. j. 25.08.2008, unânime).

REGISTRO DE CANDIDATO - VEREADOR - INDEFERIMENTO - INELEGIBILIDADE - ANALFABETISMO (ART. 14, § 4º, CF) - INADMISSIBILIDADE - ELEITOR QUE DEMONSTRA CONHECIMENTOS RUDIMENTARES DE LINGUAGEM ESCRITA - CONDIÇÃO DE SEMI-ALFABETIZADO QUE NÃO SE CONFUNDE COM A DO ANALFABETO - SENTENÇA REFORMADA - RECURSO PROVIDO. Erros e falta de desenvoltura na escrita, desde que demonstrado um mínimo razoável, revelam insuficiência de conhecimento própria de quem é semi-alfabetizado; mas não a inexistência, a carência total de informação própria do analfabeto. Esse o sentido da inelegibilidade prevista no art. 14, § 4º, da CF. (Recurso Cível nº 20271 (148827), TRE/SP, Itapecerica da Serra, Rel. Décio de Moura Notarangeli. j. 19.08.2004, unânime).

É importante frisar que o simples fato de saber assinar o nome não induz à presunção de ser o indivíduo semialfabetizado. Esse é o entendimento do Tribunal Superior Eleitoral:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. REGISTRO DE CANDIDATO. ANALFABETISMO. AUSÊNCIA DE OMISSÃO. Confissão do candidato, em audiência reservada, de sua condição de analfabeto. A assinatura em documentos é insuficiente para provar a condição de semi-alfabetizado do candidato. Embargos rejeitados. (Embargos de Declaração em Recurso Especial Eleitoral nº 21732, TSE/MG, Mamonas, Rel. Min. Gilmar Ferreira Mendes. j. 19.09.2004, unânime).

E de outros tribunais eleitorais:

RECURSO ELEITORAL. REGISTRO DE CANDIDATURA INDEFERIDO. ANALFABETISMO. CONFISSÃO PERANTE O JUÍZO ELEITORAL. DESPROVIMENTO DO RECURSO. 1 - Tendo o candidato sido submetido a teste, reservadamente, em que não conseguiu ler e escrever nenhuma palavra, além de ter confessado que desenhou a escrita declarada juntada no Requerimento de Registro de Candidatura, não há como afastar a inelegibilidade por analfabetismo, impondo-se o indeferimento do registro. 2 - Recurso conhecido e improvido. (Recurso Eleitoral nº 4425, TRE/GO, Rel. Airton Fernandes de Campos. j. 28.08.2008, unânime).

A comprovação da condição de alfabetizado, para obtenção de registro como candidato, dá-se por meio do comprovante de escolaridade (artigo 28, VII, Res. nº 21.608/2004-TSE; artigo 25, IV, Res. nº 22.156/2006-TSE; artigo 29, IV, Res. nº 22.717/2008-TSE; artigo 26, IV, Res. 23.221/2010-TSE).

A ausência do aludido documento poderá ser suprida por declaração de próprio punho, efetuada perante o magistrado eleitoral ou de serventuário da Justiça Eleitoral. Essa é a jurisprudência remansosa do TSE:

ELEIÇÕES 2008. Agravo regimental. Recurso especial. Registro de candidatura. Analfabetismo. Art. 29, IV, § 2º, da Res.-TSE nº 22.717. Declaração de próprio punho. Presença do juiz eleitoral ou de serventuário da Justiça Eleitoral. Exigência. Precedente. Agravo improvido. I - Na falta do comprovante de escolaridade, é imprescindível que o candidato firme declaração de próprio punho em cartório, na presença do juiz ou de serventuário da Justiça Eleitoral, a fim de que o magistrado possa formar sua convicção acerca da condição de alfabetizado do candidato. II - Agravo regimental improvido. (Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 31937, Acórdão de 05/05/2009, Relator(a) Min. ENRIQUE RICARDO LEWANDOWSKI, Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Data 02/06/2009, Página 36)

ELEIÇÕES 2008. Embargos de declaração no Agravo Regimental. Recurso especial. Registro de candidatura. Analfabetismo. Art. 29, IV, § 2º, da Res.-TSE no 22.717. Declaração de próprio punho. Presença do juiz eleitoral ou de serventuário da Justiça Eleitoral. Exigência. Precedente. [...] (Embargos de Declaração em Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 31937, Acórdão de 30/06/2009, Relator(a) Min. JOAQUIM BENEDITO BARBOSA GOMES, Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Tomo 165, Data 31/08/2009, Página 38)

Havendo dúvida fundada quanto à condição de alfabetizado, pode o juiz eleitoral determinar a realização de teste:

“[...] Registro de candidatura. Indeferimento. Analfabetismo. Documento. Dúvida. Teste. Possibilidade. 1. Diante de dúvida quanto à idoneidade do comprovante de escolaridade apresentado, pode o juiz eleitoral determinar a realização de teste para aferir a condição de alfabetizado do candidato (art. 29, IV, § 2º, da Res.-TSE nº 22.717/2008). [...]” (Ac. de 16.10.2008 no AgR-REspe nº 31.793, rel. Min. Marcelo Ribeiro).

Nesse caso, a aferição não deve ser feita em audiência pública, mas individualmente, sem constrangimentos, sob pena de afrontar a dignidade humana:

RECLAMAÇÃO. ELEIÇÕES DE 2004. PROVA DE ALFABETIZAÇÃO. RESOLUÇÃO DE TRIBUNAL REGIONAL. CARÁTER AMPLIATIVO A RESOLUÇÃO DO TSE. PROCEDIMENTO ATENTATÓRIO À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. SUSPENSÃO DEFINITIVA. [...] Exame elementar de alfabetização ou teste de escolaridade, em audiência pública, pode comprometer a reputação dos pré-candidatos, que acabam expostos a situação degradante. Ritual constrangedor, quando não vexatório, que afronta a dignidade dos pretendentes, o que não se coaduna com um dos fundamentos da República, como previsto no inciso III do art. 1º da Constituição Federal. Violação ao inciso III do art. 5º da Carta Maior, ao art. 5º da Declaração Universal dos Direitos Humanos e ao art. 11 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, Pacto de São José da Costa Rica, 1969. Nas hipóteses de dúvida fundada sobre a condição de alfabetizado, a aferição se fará individualmente, caso a caso, sem constrangimentos. [...] (RECLAMAÇÃO nº 318, Acórdão nº 318 de 17/08/2004, Relator(a) Min. LUIZ CARLOS LOPES MADEIRA, Publicação: DJ - Diário de Justiça, Volume 1, Data 17/09/2004, Página 176 RJTSE - Revista de Jurisprudência do TSE, Volume 15, Tomo 3, Página 11)

Registro. Indeferimento. Candidatura. Vereador. Analfabetismo. Aferição. Teste. Aplicação. Juiz eleitoral. Art. 28, VII e § 4º, Res.-TSE nº 21.608, de 5.2.2004. 1. O candidato instruirá o pedido de registro de candidatura com comprovante de escolaridade, o qual poderá ser suprido por declaração de próprio punho, podendo o juiz, diante de dúvida quanto à sua condição de alfabetizado, determinar a aferição por outros meios (art. 28, VII e § 4º, da Res.-TSE nº 21.608). 2. O teste de alfabetização, aplicado pela Justiça Eleitoral, visa à verificação da não-incidência da inelegibilidade, a que se refere o art. 14, § 4º, da Carta Magna, constituindo-se em instrumento legítimo. Vedada, entretanto, a submissão de candidatos a exames coletivos para comprovação da aludida condição de elegibilidade, uma vez que tal metodologia lhes impõe constrangimento, agredindo-lhes a dignidade humana. (Precedente: Acórdão nº 21.707, de 17.8.2004, relator Ministro Humberto Gomes de Barros). [...] (RECURSO ESPECIAL ELEITORAL nº 21920, Acórdão nº 21920 de 31/08/2004, Relator(a) Min. CARLOS EDUARDO CAPUTO BASTOS, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 31/08/2004 RJTSE - Revista de Jurisprudência do TSE, Volume 15, Tomo 4, Página 76)

E como deve ser efetuado o teste?

Como a aferição deve ser individual, entendemos que deve feita sob a forma de ditado (ou perguntas) usando os termos mais simples possíveis, que demandem alguma relação com as atividades cotidianas do pretenso candidato.

Assim, deve-se evitar o uso de palavras estrangeiras ou um tanto rebuscadas, a fim de evitar constrangimentos nos pretendentes.

Cabe ressaltar que o teste destina-se tão somente a aferir a condição de alfabetizado (capacidade de ler/escrever), não se prestando a comprovar o domínio da norma culta da língua. Nessa linha de raciocínio, um pretenso candidato que grife “veriador” (ao invés de vereador) ou “prefeitu” (ao invés de prefeito), por exemplo, não pode ser tido por analfabeto, eis que possui noções rudimentares de leitura e escrita. Esclareça-se que o sentido da norma legal é, simplesmente, verificar se o candidato é alfabetizado. A pessoa capaz de ler e escrever, ainda que o texto produzido não esteja corretamente grafado, contudo, demonstre coerência e sentido, é considerada semialfabetizada:

RECURSO DE REGISTRO DE CANDIDATURA. INELEGIBILIDADE. ANALFABETISMO. [...] 3) Na análise da alfabetização, por meio de teste, não se exige do candidato boa grafia e uso correto do vernáculo, nos termos do par. 1º, do art. 5º, da Resolução do TRE 248/2004. 4) Descaracterizada a inelegibilidade proclamada. Recurso Provido. Sentença reformada. (Recurso em Registro de Candidato nº 11107, TRE/CE, Catarina, Rel. Jorge Aloísio Pires. j. 09.08.2004, unânime).

RECURSO ELEITORAL EM REGISTRO DE CANDIDATURA. CF/88, ART. 14, § 4º. SEMI-ANALFABETO. DIFICULDADE QUANTO À CORRETA GRAFIA DAS PALAVRAS. ELEGIBILIDADE. [...] 2. A dificuldade em proceder com a correta grafia das palavras, mormente quando estranhas ao vocabulário comum da região, não é de conduzir à conclusão de seu analfabetismo. 3. Recurso provido. Registro deferido. (Recurso Eleitoral nº 13600, TRE/CE, Rel. Gizela Nunes da Costa. j. 11.08.2008, unânime).

RECURSO ELEITORAL. INDEFERIMENTO DE REGISTRO DE CANDIDATURA. ANALFABETISMO. TESTE. 1. Se o candidato demonstra alguma compreensão do texto apresentado, escrevendo de forma inteligível as perguntas acerca do que leu, com letra razoável, demonstrando que sabe ler e escrever, não pode ser considerado analfabeto. 2. Recurso conhecido e provido. (Recurso Eleitoral nº 2531, TRE/GO, Caçu, Rel. Amélia Netto Martins de Araújo. j. 24.08.2004, unânime).

RECURSO ELEITORAL EM REGISTRO DE CANDIDATURA. TESTE DE ALFABETIZAÇÃO. APLICAÇÃO POR PERITA JUDICIAL NOMEADA. DECLARAÇÃO DE PRÓPRIO PUNHO. EXIGÊNCIA SATISFEITA. RECURSO PROVIDO. REGISTRO DEFERIDO. O que impede a candidatura é o analfabetismo, conceito extremo que não abrange os semi-alfabetizados. Concluindo-se da declaração de próprio punho elaborada pelo pré-candidato (art. 29, § 2º, da Resolução TSE nº 22717/08) que ele não se enquadra no conceito de analfabeto, não obstante a precariedade no domínio da escrita, leitura e interpretação e da avaliação feita por pedagoga perita judicial, deve ser provido o recurso em registro de candidatura daquele que consegue ler e escrever o suficiente para externar seus pensamentos (art. 14, § 4º, da Constituição Federal). (Recurso Eleitoral nº 910 (5795), TRE/MS, Rel. André Luiz Borges Netto. j. 27.08.2008, unânime).

RECURSO ELEITORAL. ANALFABETISMO NÃO CARACTERIZADO. Submetido a teste de verificação de domínio da língua pátria, o que restou provado, na realidade, é que o recorrente sabe ler e escrever, e tão-somente, não tem o domínio do vernáculo, o que não o impede de ser candidato. Recurso conhecido e provido. (Recurso Ordinário nº 2675 (20720), TRE/PA, Rel. Paulo Gomes Jussara Júnior. j. 21.08.2008, unânime).

RECURSO. PEDIDO DE REGISTRO DE CANDIDATURA. COMPROVAÇÃO DE SEMI-ANALFABETISMO. DEFERIMENTO. APLICAÇÃO DE TESTE. HARMONIA COM PARQUET. IMPROVIMENTO. No teste de aferição da condição de elegibilidade há de se verificar no texto se a grafia foi no mínimo inteligível e compreensível. Demonstradas estas características, há de se deferir o registro ante a comprovação de ser o candidato semi-analfabeto. (Processo nº 3147 (2240), TRE/PB, Serra Branca, Rel. Juiz Carlos Antônio Sarmento. j. 03.08.2004, unânime DJ 03.08.2004).

Noutro passo, a circunstância de ser (ou haver sido) detentor de mandato eletivo não elide a exigibilidade da comprovação da escolaridade, dado que as condições de elegibilidade (e as causas de inelegibilidade) devem ser aferidas a cada pedido de registro de candidatura. Nesse sentido:

RECURSO ESPECIAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. INDEFERIMENTO. ANALFABETISMO. [...] ANTERIORIDADE. EXERCÍCIO. MANDATO ELETIVO. VIOLAÇÃO. CF, ART. 14, § 4º, LC Nº 64/90, ART. 1º, ALÍNEA A. DIVERGÊNCIA. SÚMULA Nº 15-TSE. PROVIMENTO. 1. Comprovado pelas instâncias ordinárias que o candidato não é alfabetizado, independentemente de anterior exercício de cargo eletivo, impõe-se o indeferimento do seu registro, por incidir a inelegibilidade prevista no art. 14, § 4º, da Constituição Federal. Precedentes. 2. Recurso provido. (Recurso Especial Eleitoral nº 30465, Acórdão de 11/10/2008, Relator(a) Min. MARCELO HENRIQUES RIBEIRO DE OLIVEIRA, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 11/10/2008)

Agravo Regimental. Recurso Especial. Registro de candidatura. Indeferimento. [...] 2. A participação de candidato em eleições anteriores não o exime de comprovar o requisito de alfabetização (Súmula nº 15/TSE). [...](Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 30217, Acórdão de 01/10/2008, Relator(a) Min. MARCELO HENRIQUES RIBEIRO DE OLIVEIRA, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 1/10/2008 )

Registro de candidatura. Vice-prefeito. Decisões. Instâncias ordinárias. Indeferimento. Recurso especial. Analfabetismo. [...] Anterioridade. Exercício. Mandato eletivo. Súmula nº 15 do TSE. Incidência. [...]2. As condições de elegibilidade e das causas de inelegibilidade são aferidas a cada pedido de registro do candidato perante a Justiça Eleitoral, não podendo ser invocado eventual deferimento atinente à eleição pretérita. [...] (Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 31511, Acórdão de 06/10/2008, Relator(a) Min. ARNALDO VERSIANI LEITE SOARES, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 6/10/2008 )

RECURSO ELEITORAL - INDEFERIMENTO DE REGISTRO DE CANDIDATURA - CANDIDATO OCUPANTE DO CARGO DE VEREADOR - ANALFABETISMO - TESTE. 1. Não constitui direito adquirido, para os fins previstos pelo artigo 14, § 4º, da Constituição Federal, c/c o artigo 1º, letra "a" da Lei Complementar nº 64/90, a ocupação de cargo de vereador. [...] (Recurso Eleitoral nº 2550, TRE/GO, Corumbá de Goiás, Rel. Amélia Netto Martins de Araújo. j. 25.08.2004, unânime).

Por fim, não havendo dúvida quanto ao conceito de analfabetismo, dado que é de caráter objetivo, não se mostra cabível relativizá-lo:

RECURSO ELEITORAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. ELEIÇÕES 2008. INDEFERIMENTO. Alegação de que foi inscrito como eleitor alfabetizado. Relativização do conceito de analfabeto. Impossibilidade. Não-comprovação da escolaridade. Teste de alfabetiz

 14, § 4º, da Constituição da República. Recurso a que se nega provimento. (Recurso Eleitoral nº 1523 (2059), TRE/MG, Rel. Renato Martins Prates. j. 06.08.2008, unânimação insatisfatório. Incapacidade de formar palavras. Analfabetismo. Causa de inelegibilidade. Art.e).

Com efeito, ao considerar alfabetizado um analfabeto estará o julgador – ainda que assim não o deseje – rebaixando (de forma indireta) o nível da qualidade de ensino e, por conseguinte, atentando contra um dos objetivos do plano nacional de educação (artigo 214, III, CF/88).

É cediço que o analfabetismo é um mal que acompanha o Brasil desde sua colonização.

GOMES[16], em sua obra intitulada 1822, afirma que, naquele ano, os analfabetos somavam mais de 90% (noventa por cento) da população.

FERRARO[17] indica que, apesar de o percentual de analfabetos (população com 5 anos ou mais) cair de algo em torno 82% (oitenta e dois por cento), em 1872, para aproximadamente 17,5% (dezessete inteiros e cinco décimos por cento), em 2000, o número absoluto de analfabetos só começou a decair a partir de 1980.

Segundo o último censo efetuado pelo IBGE[18], o índice de analfabetismo no Brasil é de 9,7%, (nove inteiros e sete décimos por cento), fruto dos esforços envidados nas políticas públicas de educação.

Calha lembrar que o Brasil esperava eliminar o analfabetismo no prazo de 10 (dez) anos, a contar da promulgação da Constituição Federal de 88, tanto que a redação original do artigo 60, caput, da ADCT era a seguinte:

Art. 60. Nos dez primeiros anos da promulgação da Constituição, o Poder Público desenvolverá esforços, com a mobilização de todos os setores organizados da sociedade e com a aplicação de, pelo menos, cinqüenta por cento dos recursos a que se refere o art. 212 da Constituição, para eliminar o analfabetismo e universalizar o ensino fundamental.

As alterações subsequentes do citado dispositivo suprimiram a expressão “para eliminar o analfabetismo”, dando ênfase à manutenção e desenvolvimento do ensino fundamental (ensino básico) e à remuneração condigna do magistério.

Embora cerca de 97% (noventa e sete por cento) das crianças em idade escolar encontrem-se matriculadas, a garantia das vagas o foram à custa da queda na qualidade do ensino.[19]

Nas palavras de LÔBO[20]:

“As estatísticas brasileiras são estarrecedoras. Elas mostram que 55% dos estudantes da quarta série do ensino fundamental estão no estágio crítico ou muito crítico de leitura e 52% estão no mesmo estágio em relação à Matemática. Isso quer dizer que a criança depois de frequentar pelo menos quatro anos a escola nem sequer aprendeu a ler e fazer as contas mais elementares.

Não é preciso ser educador ou especialista para perceber que são graves as falhas no ensino brasileiro. As provas de avaliação demonstram que muito pouco se conseguiu até agora em termos de qualidade do ensino. Alunos passam anos nos bancos escolares e mal sabem ler – ou nem sabem –, não conseguem se expressar num mero bilhete nem compreender a mensagem de um texto. Adultos alfabetizados praticamente desenham seus nomes.”

Apesar de integrar o G20, o Brasil ainda investe timidamente na educação, ficando na 88ª posição[21] no ranking de educação da UNESCO[22], atrás de vizinhos como Uruguai (36ª), Argentina (38ª), Chile (49ª), Colômbia (71ª), Peru (72ª), Venezuela (74ª), Paraguai (77ª), Bolívia (78ª) e Equador (80ª). Uma posição insignificante para um país que pretende tornar-se líder na América do Sul...

Para erradicar o analfabetismo é necessário um investimento maciço em educação, que é a porta de entrada da cidadania: vagas em escolas com estruturas adequadas, docentes remunerados condignamente e ensino de qualidade.

Só assim teremos indivíduos alfabetizados funcionalmente, capazes de utilizar a escrita e a leitura para desempenhar atividades demandadas pelo seu grupo e comunidade e também capazes de desempenhar tarefas em que a escrita, a leitura e o cálculo sejam exigidos para seu próprio desenvolvimento e o de sua comunidade.

Nesse sentido, valiosa lição de PAULO FREIRE[23]:

“Não basta saber ler que Eva viu a uva. É preciso compreender qual a posição que Eva ocupa no seu contexto social, quem trabalha para produzir a uva e quem lucra com esse trabalho.”

A educação não é apenas dever do Estado, mas também da família, constituindo o acesso ao ensino obrigatório e gratuito direito indisponível, em função do bem comum, derivado da própria força impositiva dos preceitos de ordem pública que regulam a matéria.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
George de Moraes Campos

Analista Judiciário do TRE-MA, lotado na Procuradoria Regional Eleitoral do Maranhão. Especialista em Direito Processual.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAMPOS, George Moraes. O analfabetismo e os candidatos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3199, 4 abr. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21430. Acesso em: 23 abr. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos