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Meio ambiente laboral equilibrado: um direito fundamental dos trabalhadores

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09/04/2012 às 15:22
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A tutela de um ambiente equilibrado para o exercício de atividades profissionais objetiva, a um só tempo, preservar a vida e garantir a saúde e a segurança dos trabalhadores, e, justamente por isso, não há como negar a tal direito a natureza jurídica de direito fundamental, o que lhe confere um status diferenciado no mundo jurídico, norteando de forma preponderante as políticas públicas voltadas para a prevenção de acidentes de trabalho.

RESUMO

Analisar as nuances concernentes à caracterização do meio ambiente do trabalho ecologicamente equilibrado como direito fundamental é o principal objetivo desse trabalho. Para tanto, enfrenta-se questões atinentes à própria definição de meio ambiente laboral e à proteção normativa nacional e internacional conferida ao mesmo. A importância do tema é revelada pela necessidade de conferir maior efetividade às normas que tutelam um meio ambiente de trabalho sadio e seguro, tendo em vista os números alarmantes de acidentes de trabalho nos últimos anos.

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO; 1. Conceito de meio ambiente do trabalho; 2 Breve histórico normativo de proteção ao meio ambiente laboral; 3. Meio ambiente do trabalho seguro e saudável: um direito fundamental?; CONCLUSÃO; REFERÊNCIAS


INTRODUÇÃO

Nesse breve estudo, busca-se analisar e delimitar o conceito de meio ambiente do trabalho, bem como traçar um breve histórico sobre a proteção que lhe foi conferida ao longo dos anos por parte do Estado e da comunidade internacional, identificando e analisando as principais normas internacionais e nacionais de proteção ao meio ambiente laboral para, ao final, traçar uma discussão se tais normas tutelam um direito considerado fundamental, ou seja, se o meio ambiente laboral ecologicamente equilibrado tem esse caráter.


1. Conceito de meio ambiente do trabalho

A expressão meio ambiente do trabalho aproxima dois ramos do direito pouco estudados de forma conjunta: o Direito do Trabalho e o Direito Ambiental. O casamento destas duas disciplinas cientificamente autônomas se realiza na área da Saúde e Segurança do Trabalho (SST), cujo arcabouço jurídico é vasto, englobando diplomas normativos nacionais e internacionais. Ademais, a aproximação desses dois ramos jurídicos tem o efeito positivo de evitar um tratamento privatístico da saúde do trabalhador, conferindo-lhe, pelo menos em tese, uma maior garantia normativa, tendo em vista tratar-se de direito indisponível (LABOISSIERE JÚNIOR, 2011).

Atualmente, no Brasil, o meio ambiente do trabalho é referenciado expressamente no art. 200, VIII, do Texto Magno de 1988 (BRASIL, 1988, p. 73):

Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei:

[...]

VIII - colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho.

Conforme se observa, a Constituição Federal de 1988 (CF/88) não conceitua o meio ambiente laboral, e isso se deve em razão de o próprio conceito jurídico de meio ambiente ainda não encontrar consenso no meio científico, havendo variações em sua definição. Todavia, isso não acarreta entraves à sua proteção normativa, a qual, como dito, é ampla, embora ainda careça da efetividade desejada pela sociedade e, em especial, pelos trabalhadores.

Outra referência normativa de importante subsídio para se alcançar uma definição satisfatória do meio ambiente do trabalho é encontrada no art. 3, alínea ‘c’, da Convenção n. 155 da OIT:

Art. 3 – Para os fins da presente Convenção:

[...]

c) a expressão ‘local de trabalho’ abrange todos os lugares onde os trabalhadores devem permanecer ou onde têm que comparecer, e que estejam sob o controle, direto ou indireto, do empregador; (SUSSEKIND, 2007, p. 274)

Apesar de insuficiente, a definição contida nessa Convenção sinaliza para uma importante constatação feita pela doutrina, ou seja, a de que o ambiente laboral não se limita ao estabelecimento do tomador de serviços, comportando uma interpretação bem mais abrangente.

Há, no entanto, pontos acerca do meio ambiente laboral que não possuem dissenso doutrinário. Um deles é o fato de ser o mesmo, ao lado do meio ambiente natural, artificial e cultural, um dos aspectos do meio ambiente ecologicamente equilibrado mencionado pelo caput do art. 225 da CF/88. Outro consenso é o de haver um âmbito vital no meio ambiente do trabalho, ou seja, é nele onde qualquer trabalhador realiza a atividade laborativa que lhe dá sustento. Daí decorre a ideia de que não se deve associar diretamente ambiente laboral a um local determinado, pois muitas atividades são exercidas nos mais variados ambientes.

Dessa forma, verifica-se fazer todo o sentido encarar o meio ambiente como uno, embora seja certo que o mesmo envolva aspectos naturais, artificiais, culturais e do trabalho, pois este último se interrelaciona com os demais, de acordo com a atividade exercida pelo obreiro. Assim, um trabalhador que tenha a atribuição de guia turístico no interior da Fortaleza de São José de Macapá[1], por exemplo, tem delimitado nela o seu ambiente de trabalho, o qual não deixa de ser, ao mesmo tempo, um ambiente artificial e cultural. Outro exemplo seria o de um pesquisador que desenvolve seu ofício na floresta, que deve ser tida, ao mesmo tempo, como um ambiente de trabalho para o mesmo e, também, natural. Embasado nessa linha de pensamento, Santos (2010, p. 38) ensina:

Ressalte-se que não é que o local de trabalho não tenha importância, porém, juridicamente associar a pessoa humana do trabalhador na relação de trabalho, ao meio ambiente, é mais relevante. Incluem-se todos os trabalhadores, incluindo a dona de casa que presta serviço gratuito à sua família, o voluntário etc. Com outras letras, não há separação antagônica (dualismo) entre meio ambiente do trabalho e a pessoa humana do trabalhador na relação laboral, de modo que, de alguma forma, o conceito deste deve ser incluído naquele.

Por outro lado, Romita (2009, p. 409), adverte que o conceito de ambiente do trabalho deve ser apto para:

[...] recolher o resultado das transformações ocorridas nos últimos tempos nos métodos de organização do trabalho e nos processos produtivos, que acarretam a desconcentração dos contingentes de trabalhadores, não mais limitados ao espaço interno da fábrica ou empresa. Por força das inovações tecnológicas, desenvolvem-se novas modalidades de prestação de serviços, como trabalho em domicílio e teletrabalho, de sorte que o conceito de meio ambiente de trabalho se elastece, passando a abranger também a moradia e o espaço urbano.

Em uma definição singela, Sirvinskas (2010, p. 753) leciona ser o meio ambiente do trabalho “o local onde o trabalhador desenvolve suas atividades”. Já Fiorillo (2010, p. 73), sem ser tão simplista, conceitua-o como:

[...] o local onde as pessoas desempenham suas atividades laborais relacionadas à sua saúde, sejam remuneradas ou não, cujo equilíbrio está baseado na salubridade do meio e na ausência de agentes que comprometam a incolumidade físico-psíquica dos trabalhadores, independente da condição que ostentem (homens ou mulheres, maiores ou menores de idade, celetistas, servidores públicos, autônomos etc.).

Já para Silva (2009, p. 24), o meio ambiente laboral englobaria “um complexo de bens imóveis e móveis de uma empresa ou sociedade, objeto de direitos subjetivos privados e invioláveis da saúde e integridade física dos trabalhadores que a frequentam”. Mais completo, entretanto, parece ser o conceito de Figueiredo (2007, p. 40-41):

Na busca do conceito de meio ambiente do trabalho, procura-se conjugar a ideia de local de trabalho à de conjunto de condições, lei, influências e interações de ordem física, química e biológica, que incidem sobre o homem em sua atividade laboral. [...] Não obstante possa à primeira vista surpreender uma transposição quase literal do conceito legal trazido pela Lei n. 6.938/81 ao de meio ambiente de trabalho, certo é que – sem olvidar a relação capital/trabalho, de fundamental importância para o estudo de qualquer tema que diga respeito ao vínculo empregatício – aqueles são os elementos que merecem destaque na proteção do trabalhador em face dos riscos ambientais.

Nesse conceito, considera-se a conjugação do elemento espacial com a atividade laboral, o que permite qualificar qualquer aspecto do meio ambiente como de trabalho. Nessa esteira, o habitat laboral revela-se como “tudo que envolve e condiciona, direta e indiretamente, o local onde o homem obtém os meios para prover o quanto necessário para sua sobrevivência e desenvolvimento” (MANCUSO, 1999, p. 59).

Desse modo, tem-se que o meio ambiente do trabalho sempre se confundirá com o exato local onde o trabalhador exerce sua atividade, não sendo recomendável tentar conceituar o ambiente de trabalho de forma apartada da própria figura do obreiro, o qual, em termos gerais, pode trabalhar nos mais variados e inusitados ambientes, considerados os aspectos natural, artificial e cultural.


2 Breve histórico normativo de proteção ao meio ambiente laboral

O surgimento do trabalho organizado em grande escala no contexto da Revolução Industrial foi fruto de diversos fatores de ordem social, econômica e política, que propiciaram uma natural concentração de pessoas nos grandes centros urbanos. Homens, mulheres e crianças acabaram por se constituir em mão de obra de baixo custo aos grandes capitalistas que, por sua vez, submetiam-nos a condições degradantes de trabalho, com baixos salários, extensas jornadas e exposição a agentes químicos, físicos e biológicos prejudiciais à saúde.

A situação somente começou a apresentar mudanças, mesmo tímidas, quando o Estado, pressionado pelos movimentos de operários organizados em sindicatos, cedeu e passou a editar as primeiras normas reguladoras das relações de trabalho, limitando a liberdade contratual típica do Liberalismo Econômico vivido pela sociedade da época.

No início do século XX, eclodiu um movimento jurídico denominado Constitucionalismo Social, o qual consistia na inclusão de regras e princípios de natureza social (trabalhista e previdenciária), no texto das Constituições dos Estados contemporâneos. A Constituição pioneira nesse sentido foi a mexicana de 1917, também chamada de Querétaro, em homenagem à cidade onde foi promulgada. De acordo com Sussekind et al (2004, p. 912) ela dispunha que:

O patrão será obrigado a observar nas instalações de seus estabelecimentos os preceitos legais sobre higiene e salubridade e adotar as medidas adequadas para prevenir acidentes no uso de máquinas, instrumentos e materiais de trabalho, assim como a organizar o trabalho de tal maneira que se dê à saúde e vida dos trabalhadores a maior garantia compatível com a natureza do trabalho, sob pena das sanções que a lei estabelecer.

Posteriormente, previsões semelhantes se revelaram nas Constituições de Portugal (1974), de Cuba (1976), da União Soviética (1977), da Espanha (1978) e do Peru (1979) (SUSSEKIND et al, 2004).

No Brasil, a primeira Constituição a prever regras específicas sobre medicina, higiene e segurança do trabalhador foi a de 1934 (BRASIL, 1934, p. 54), que dispôs:

Art. 121 - A lei promoverá o amparo da produção e estabelecerá as condições do trabalho, na cidade e nos campos, tendo em vista a proteção social do trabalhador e os interesses econômicos do País.

§ 1º - A legislação do trabalho observará os seguintes preceitos, além de outros que colimem melhorar as condições do trabalhador:

[...]

h) assistência médica e sanitária ao trabalhador e à gestante, assegurando a esta descanso antes e depois do parto, sem prejuízo do salário e do emprego, e instituição de previdência, mediante contribuição igual da União, do empregador e do empregado, a favor da velhice, da invalidez, da maternidade e nos casos de acidentes de trabalho ou de morte;

Posteriormente, com o advento do Estado Novo e a outorga de uma nova Constituição em 1937 (BRASIL, 1937, p. 60), foram mantidas as disposições do texto constitucional anterior:

Art. 137 - A legislação do trabalho observará, além de outros, os seguintes preceitos:

[...]

l) assistência médica e higiênica ao trabalhador e à gestante, assegurado a esta, sem prejuízo do salário, um período de repouso antes e depois do parto;

Sob a vigência desse texto constitucional, foi promulgada a CLT, a qual trouxe normas inéditas e extremamente protetivas do meio ambiente de trabalho em seu Título II, Capítulo V, intitulado “Da segurança e da medicina do trabalho”, com 71 artigos.

Após o fim do Estado Novo e o restabelecimento da democracia no país, promulgou-se a Constituição de 1946 (BRASIL, 1946, p. 65), que, recepcionando as regras celetistas de proteção ao meio ambiente laboral, previu:

Art. 157 - A legislação do trabalho e a da previdência social obedecerão nos seguintes preceitos, além de outros que visem a melhoria da condição dos trabalhadores:

[...]

VIII - higiene e segurança do trabalho;

[...]

XIV - assistência sanitária, inclusive hospitalar e médica preventiva, ao trabalhador e à gestante;

Mesmo no regime militar, instituído em 1964, disposições semelhantes foram previstas pela Constituição de 1967 (BRASIL, 1967, p. 59):

Art. 158 - A Constituição assegura aos trabalhadores os seguintes direitos, além de outros que, nos termos da lei, visem à melhoria, de sua condição social:

[...]

IX - higiene e segurança do trabalho;

[...]

XV - assistência sanitária, hospitalar e médica preventiva;

Com o advento da CF/88, a prevenção, eliminação e redução dos riscos inerentes ao trabalho por meio de regras de saúde, higiene e segurança foram considerados direitos fundamentais dos trabalhadores, conforme disposição do art. 7º, XXII. Esse novo regramento constitucional, acompanhado de uma nova forma de interpretação das normas constitucionais inaugurada com a maior valorização dos princípios, sobretudo daqueles que privilegiam a dignidade humana, permite e abre caminho para uma importante mudança de paradigma em termos de segurança e saúde do trabalho, o que será visto mais adiante.

O meio ambiente do trabalho, desde a criação da OIT, em 1919, passou a ser tutelado em âmbito global, o que, para alguns autores como Fernandes (2009), permite falar-se em um “direito internacional do meio ambiente do trabalho”, não propriamente como um ramo específico do direito, mas como uma área de proeminência dentro do direito internacional público, congregando o direito internacional do trabalho e o direito internacional do meio ambiente.

Interessante registrar que, em matéria de meio ambiente do trabalho, saúde e segurança do trabalhador, as normas internacionais produzidas pelas diferentes entidades internacionais, independentemente de serem ou não ratificadas pelos países, exercem inegável influência sobre o Poder Legislativo dos mesmos a produzir leis de teor semelhante. Assim, como a adesão a um tratado, acordo ou convenção internacional traz obrigações ao Estado, é muito comum que alguns, sendo este o caso do Brasil, optem por, primeiramente consagrar as normas ou estabelecer as políticas em âmbito interno para, só depois, sem riscos, ratificar o diploma.

Há, ainda, um motivo muito relevante em conhecer os diplomas internacionais sobre o meio ambiente ecologicamente equilibrado, sejam eles ratificados ou não pelo Brasil. Em caso de ausência de norma legal expressa, podem eles ser usados de forma supletiva, ajudando a se resolver um eventual conflito em concreto. É o que preleciona o art. 8º, caput, da CLT (BRASIL, 1943, p. 1):       

Art. 8º - As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público. (grifo nosso)

Lançando moderna interpretação sobre esse dispositivo, a 1ª Jornada de Direito Material e Processual da Justiça do Trabalho, organizada pelo TST em 2007 (ASSOCIAÇÃO, 2007, p. 5), dispôs em seu enunciado n. 3 o seguinte:

3. FONTES DO DIREITO – NORMAS INTERNACIONAIS.

I – FONTES DO DIREITO DO TRABALHO. DIREITO COMPARADO. CONVENÇÕES DA OIT NÃO RATIFICADAS PELO BRASIL. O Direito Comparado, segundo o art. 8º da Consolidação das Leis do Trabalho, é fonte subsidiária do Direito do Trabalho. Assim, as Convenções da Organização Internacional do Trabalho não ratificadas pelo Brasil podem ser aplicadas como fontes do direito do trabalho, caso não haja norma de direito interno pátrio regulando a matéria.

II – FONTES DO DIREITO DO TRABALHO. DIREITO COMPARADO. CONVENÇÕES E RECOMENDAÇÕES DA OIT. O uso das normas internacionais, emanadas da Organização Internacional do Trabalho, constitui-se em importante ferramenta de efetivação do Direito Social e não se restringe à aplicação direta das Convenções ratificadas pelo país. As demais normas da OIT, como as Convenções não ratificadas e as Recomendações, assim como os relatórios dos seus peritos, devem servir como fonte de interpretação da lei nacional e como referência a reforçar decisões judiciais baseadas na legislação doméstica.

Esse entendimento, vale ressaltar, pode ser estendido a outros diplomas internacionais, não se limitando aos expedidos pela OIT, permitindo que o arcabouço de proteção ao meio ambiente de trabalho seja o mais amplo possível e, com isso, obrigue o Estado e a sociedade a valorizar e promover, cada vez mais, a vida e a saúde do trabalhador.

Como a questão ambiental é ampla e transdisciplinar, outras entidades internacionais, como a ONU, a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização Mundial do Comércio (OMC) possuem normas que direta ou indiretamente, tutelam o meio ambiente do trabalho. Todavia, neste estudo, em razão da necessidade de limitação do objeto de pesquisa, abordar-se-ão apenas as principais normas e programas da OIT, vez ser esta uma entidade voltada especificamente para a temática, e, ainda, a Declaração Sociolaboral do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), em função de sua importância para a efetiva integração dos países do Cone Sul.

Em uma breve contextualização histórica, registra-se que o processo de internacionalização do direito do trabalho, assim como o dos direitos humanos, começou após o fim da primeira guerra mundial, mas ganhou força e se solidificou de forma efetiva após o término da segunda guerra e teve como pressuposto básico a ideia de que aos Estados não cabe um soberania absoluta, dissociada de valores e princípios cultivados pela comunidade internacional.

[...] fortalece-se a ideia de que a proteção dos direitos humanos não deve se reduzir ao domínio reservado do Estado, isto é, não deve se restringir à competência nacional exclusiva ou à jurisdição doméstica exclusiva, porque revela tema de legítimo interesse internacional, operando-se uma relativização da teoria da soberania exclusiva do Estado, legitimando-se intervenções no plano nacional em prol da proteção dos direitos humanos; isto é, permite-se formas de monitoramento e responsabilização internacional, quando os direitos humanos forem violados, bem como a cristalização da ideia de que o indivíduo deve ter direitos protegidos na esfera internacional, na condição de sujeito de direito (PIOVESAN, 2000, p. 4)

Desse modo, em 1918, com o fim da primeira guerra mundial, foi celebrado o Tratado de Versalhes, em cujo bojo foram criadas duas importantes organizações internacionais: a Liga das Nações, que viria, no futuro, a ser sucedida pela ONU, e a OIT. Com efeito, a criação de uma organização afeta às questões envolvendo o trabalho atendeu exigências de caráter humanístico, devido a condições degradantes e humilhantes de trabalho de milhares de trabalhadores no mundo; de cunho político, pois essa degradação social ocasionava risco de conflitos socais que, por sua vez, ameaçavam a paz mundial e, ainda, por razões econômicas, ante a imprescindível necessidade de se nivelar, no campo internacional, o custo da proteção social ao trabalho, haja vista de se evitar concorrências desleais no comércio internacional entre países que adotassem regras de proteção e outros que as negassem aos trabalhadores, barateando o custo de produtos e serviços (SUSSEKIND, 2004, p. 921).

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A OIT constitui-se em uma pessoa jurídica de direito público internacional, com sede em Genebra, na Suíça, de caráter permanente, formada, atualmente, por 183 Estados membros, e que integra o sistema das Nações Unidas como uma de suas agências especializadas, possuindo uma estrutura tripartite, composta por representantes dos empregadores, dos trabalhadores e dos Estados, os quais participam em situação de igualdade das decisões tomadas. Seu mais importante órgão deliberativo é a Conferência Internacional do Trabalho (CIT), que ocorre anualmente e, dentre outros assuntos, adota e revisa as normas internacionais do trabalho, as quais se traduzem nas Recomendações e Convenções.

A recomendação não possui força normativa e, regra geral, é expedida quando o assunto deliberado, parcial ou integralmente, não permitir a adoção imediata de uma Convenção em razão das dificuldades de se conciliar as divergências dos Estados membros, possuindo uma dupla função: a) servir de paradigma para a evolução do direito interno dos países membros e, b) servir de regulamento de uma convenção adotada, orientando os Estados nas medidas a serem tomadas para seu efetivo cumprimento (OLIVEIRA, 2010).

A Convenção, por sua vez, após aprovada pela Conferência, é apresentada ao Estado membro para apreciação e ratificação. No Brasil, isso compete ao Congresso Nacional (art. 49, I, CF/88), o qual, se aprovar a Convenção, expede decreto legislativo autorizando o Presidente da República a ratificá-la (art. 84, VIII, CF/88). Após um ano da data de ratificação, o Presidente expede um Decreto de promulgação, tornando pública a Convenção aprovada, sua ratificação e início de vigência (OLIVEIRA, 2010). Vencido esse longo percurso, a Convenção adquire força normativa e obriga o Estado que a adotou cumpri-la em sua integralidade, sob pena de sanção internacional.

Duas importantes questões cercam a adoção das Convenções no Brasil. A primeira diz respeito à incorporação das mesmas ao direito interno, já restando pacificado que a teoria adotada pela CF/88 foi a monista, segundo a qual “o tratado ratificado complementa, altera ou revoga o direito interno, desde que se trate de norma self executing e já esteja em vigor na órbita internacional” (SUSSEKIND, 2004, p. 68), ou seja, não há necessidade de regulamentação para produzir efeitos jurídicos concretos. A segunda se refere à hierarquia das convenções internacionais em relação às demais espécies normativas existentes no ordenamento jurídico, principalmente em razão do que dispõem os parágrafos 2º e 3º do art. 5º da CF/88 (BRASIL, 1988, p. 5):

§ 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.

Embora não seja objetivo desse trabalho analisar a controvérsia doutrinária e jurisprudencial sobre o assunto, é mister observar que, diferentemente de outros diplomas internacionais, os tratados de direitos humanos gozam de especial tratamento, sendo certo que o Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) n. 466.343-SP (BRASIL, 2006a), assentou entendimento de que os tratados de direitos humanos ratificados pelo Brasil antes da entrada em vigor da Emenda Constitucional n. 45/2004, têm força supra legal, isto é, estão abaixo da CF/88 e acima das leis, sejam elas complementares, ordinárias ou delegadas.

Tendo em vista a importância conferida aos tratados de direitos humanos, resta saber se as convenções da OIT que tratam sobre saúde e segurança no meio ambiente de trabalho são a eles equiparadas. No âmbito doutrinário, parece não haver controvérsia a esse respeito. Autores como Fernandes (2009), Oliveira (2010) e Delgado (2010) são uníssonos em afirmar não haver dúvidas sobre terem tais convenções natureza de direitos humanos. No âmbito jurisprudencial, vale citar trecho do voto do Ministro Sepúlveda Pertence, quando do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n. 1675, para quem:

[...] parece inquestionável que os direitos sociais dos trabalhadores enunciados o art. 7º da Constituição, se compreendem entre os direitos e garantias constitucionais incluídos no âmbito normativo do art. 5º, § 2º, de modo a reconhecer alçada constitucional às convenções internacionais anteriormente codificadas no Brasil (BRASIL, 2003).

Por fim, a própria OIT reconhece que o tema saúde e segurança no trabalho ostenta o caráter de direito humano fundamental, conforme restou consignado no preâmbulo da Declaração de Seul sobre SST (ORGANIZAÇÃO, 2008, p. 1):

[...] o direito a um ambiente de trabalho seguro e saudável deve ser reconhecido como um direito humano fundamental e que a globalização deve ser acompanhada de medidas preventivas que garantam a segurança e saúde de todos no trabalho

Esclarecida a importância da OIT e de seus diplomas normativos, cumpre agora identificar e analisar, mesmo que superficialmente, as mais importantes Convenções e Recomendações sobre segurança e saúde no trabalho até então produzidas por este órgão internacional:

As Convenções e Recomendações que estipulam regras gerais sobre SST são as seguintes:

a) Convenção n. 155, sobre segurança e saúde dos trabalhadores, aplicável a trabalhadores de todos os ramos da economia (incluída a administração pública), adotada em 22/06/1981 pela 67ª CIT, somente entrando em vigor, porém, em 11/08/1983. Atualmente é adotada por 57 Estados, incluindo o Brasil, que a ratificou em 18/05/1992. É regulamentada pela Recomendação n. 164, adotada na mesma data.

b) Convenção n. 161, sobre serviços de saúde no trabalho, adotada em 25/06/1985 pela 71ª CIT, somente entrando em vigor, porém, em 17/02/1988. Atualmente é adotada por 30 Estados, incluindo o Brasil, que a ratificou em 18/05/1990. É regulamentada pela Recomendação n. 171, adotada em 26/06/1985.

c) Convenção n. 187, sobre as políticas de promoção à saúde e segurança no trabalho, adotada em 15/06/2006 pela 95ª CIT somente entrando em vigor, contudo, em 20/02/2009. Atualmente é adotada por 20 Estados, não se incluindo o Brasil, que ainda não a ratificou. É regulamentada pela Recomendação n. 197, adotada na mesma data. Em relação a esta Convenção, cabe ressaltar que, em 15/05/2008, foi publicada a portaria interministerial n. 152 (BRASIL, 2008), dos Ministérios da Previdência Social, do Trabalho e Emprego, e da Saúde, que instituiu uma comissão tripartite de saúde e segurança no trabalho, com o objetivo de avaliar e propor medidas para implementação, no país, da Convenção n. 187 da OIT e, também, especificamente para:

[...]

I - revisar e ampliar a proposta da Política Nacional de Segurança e Saúde do Trabalhador - PNSST, elaborada pelo Grupo de Trabalho instituído pela Portaria Interministerial nº 1.253, de 13 de fevereiro de 2004, de forma a atender às Diretrizes da OIT e ao Plano de Ação Global em Saúde do Trabalhador, aprovado na 60ª Assembleia Mundial da Saúde ocorrida em 23 de maio de 2007;

II - propor o aperfeiçoamento do sistema nacional de segurança e saúde no trabalho por meio da definição de papéis e de mecanismos de interlocução permanente entre seus componentes;

III - elaborar um Programa Nacional de Saúde e Segurança no Trabalho, com definição de estratégias e planos de ação para sua implementação, monitoramento, avaliação e revisão periódica, no âmbito das competências do Trabalho, da Saúde e da Previdência Social. (BRASIL, 2008, p. 2)

Após a realização de 15 reuniões da comissão, restou aprovada a Política Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho (PNSST), a qual foi apresentada à sociedade na simbólica data de 28/04/2011, tida pela OIT e pelo Brasil (Lei n. 11.121/2005) como o Dia Mundial em memória às vítimas de acidentes de trabalho.

Assim, em 7 de novembro de 2011, por meio do Decreto n. 7.602, enfim, foi instituída formalmente a PNSST, cujos objetivos são a promoção da saúde e a melhoria da qualidade de vida do trabalhador e a prevenção de acidentes e de danos à saúde advindos, relacionados ao trabalho ou que ocorram no curso dele, por meio da eliminação ou redução dos riscos nos ambientes de trabalho. Tais finalidades devem nortear o Plano Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho (PLANSAT), cujas diretrizes são as seguintes (BRASIL, 2011, p. 1):

IV [...]

a) inclusão de todos trabalhadores brasileiros no sistema nacional de promoção e proteção da saúde;

b) harmonização da legislação e a articulação das ações de promoção, proteção, prevenção, assistência, reabilitação e reparação da saúde do trabalhador;

c) adoção de medidas especiais para atividades laborais de alto risco;

d) estruturação de rede integrada de informações em saúde do trabalhador;

e) promoção da implantação de sistemas e programas de gestão da segurança e saúde nos locais de trabalho;

f) reestruturação da formação em saúde do trabalhador e em segurança no trabalho e o estímulo à capacitação e à educação continuada de trabalhadores; e

g) promoção de agenda integrada de estudos e pesquisas em segurança e saúde no trabalho;

Note-se, contudo, que a criação de uma política dessa natureza não constitui novidade, vez que, desde 2005 vigorava uma PNSST, cujo conteúdo também fora objeto de ampla discussão por comissão tripartite em várias reuniões e audiências públicas. O fato é que as novas metas e estratégias traçadas pela Convenção n. 187 fizeram com que o Estado brasileiro procurasse se adequar a seus preceitos antes de proceder a sua ratificação, evitando, com isso, riscos de sanções, ou seja, obrigar-se a compromissos que não poderia cumprir no futuro.

d) Recomendação n. 97, sobre proteção da saúde dos trabalhadores, adotada em 25/06/1953 pela 36ª CIT.

e) Recomendação n. 102, sobre serviços sociais, adotada em 26/06/1956 pela 39ª CIT.

f) Recomendação n. 194, sobre catalogação de doenças ocupacionais, adotada em 20/06/2002 pela 90ª CIT.

A OIT também possui normas de proteção contra riscos específicos, envolvendo agentes degradadores da saúde e doenças específicas. Ocorre que, atualmente, muitas delas estão em fase de revisão e atualização, como as Convenções 13, 119, 127 e 136, e as Recomendações 3, 4, 6, 118, 128, 144, As atualmente em vigor, sendo todas ratificadas pelo Brasil, são as seguintes:

a) Convenção n. 115, sobre proteção contra radiações, adotada em 22/06/1960 pela 44ª CIT, mas somente entrando em vigor em 17/06/1962. Atualmente é adotada por 48 Estados, inclusive o Brasil, que a ratificou em 05/09/1976. É regulamentada pela Recomendação n. 114, adotada na mesma data.

b) Convenção n. 139, sobre câncer ocupacional, adotada em 24/06/1974 pela 59ª CIT, somente entrando em vigor, contudo, no dia 10/06/1976. É adotada, atualmente, por 38 países, incluindo-se o Brasil, que a ratificou em 27/06/1990. É regulamentada pela Recomendação n. 147, adotada na mesma data.

c) Convenção n. 148, sobre meio ambiente de trabalho (contaminação do ar, ruído e vibrações), adotada em 20/06/1977 pela 63ª CIT, só entrando em vigor, no entanto, em 11/07/1979. Foi ratificada por 45 países, inclusive o Brasil, que o fez em 14/06/1982. É regulamentada pela Recomendação n. 156, adotada na mesma data.

d) Convenção n. 162, sobre o asbesto[2], adotada em 24/06/1986 pela 72ª CIT, mas só entrando em vigor em 16/06/1989. Foi ratificada por 34 países, incluindo o Brasil, que o fez em 18/05/1990. É regulamentada pela Recomendação n. 172, adotada na mesma data.

e) Convenção n. 170, sobre produtos químicos, adotada pela 77ª CIT em 25/06/1990, entrando em vigor, todavia, somente em 04/11/1993. Foi ratificada por apenas 17 países, incluindo o Brasil, que o fez em 23/12/1996. É regulamentada pela Recomendação n. 177, adotada na mesma data.

f) Convenção n. 174, sobre a prevenção de grandes acidentes industriais, adotada em 22/06/1993 pela 80ª CIT, entrando em vigor apenas em 03/01/1997. Foi ratificada por apenas 16 Estados, dentre eles o Brasil, que o fez em 02/08/2001. É regulamentada pela Recomendação n. 181, adotada na mesma data.

A OIT também possui normas de segurança e saúde direcionadas a ramos específicos de atividade, tais como a Convenção n. 120 (comércio e oficinas), Convenção n. 176 (minas) e a Convenção n. 184 (agricultura). Todavia, para o presente estudo têm importância singular a Convenção n. 167 e a Recomendação n. 175, que dispõem sobre a construção civil.

Aprovada pela 75ª CIT, em 20/06/1988, a Convenção n. 176, em vigor a partir de 11/01/1991, foi, até julho de 2011, ratificada por apenas 24 países. Autorizado pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo n. 61, de 18 de abril de 2006, o Presidente da República Luis Inácio Lula da Silva ratificou a referida Convenção em 19/05/2006, a qual, posteriormente, através do Decreto Presidencial n. 6.271, de 22 de novembro de 2007, foi promulgada juntamente com a Recomendação n. 175, passando a vigorar plenamente no Brasil e produzindo efeitos jurídicos.

A citada Convenção preceitua em seu art. 1º, 1, que seu âmbito de aplicação envolve todas as atividades de construção, incluindo trabalhos de edificação, obras públicas, além de montagem e desmonte, englobando, ainda, qualquer processo, operação e transporte nas obras, desde sua preparação até a conclusão do projeto. Quase sempre se remetendo à legislação nacional, impõe ao Estado deveres concernentes à adoção de medidas preventivas e de proteção a aspectos envolvendo, por exemplo, locais de trabalho, andaimes, elevadores, transporte de pessoas e materiais, instalações, máquinas, equipamentos de proteção e de trabalho, escavações, demolições, iluminação etc. Tendo em vista o art. 35, ao adotá-la, o Brasil obrigou-se a:

a) adotar as medidas necessárias, inclusive o estabelecimento de sanções e medidas corretivas apropriadas, para garantir a aplicação efetiva das disposições da presente Convenção;

b) organizar serviços de inspeção apropriados para supervisionar a aplicação das medidas que forem adotadas em conformidade com a Convenção e dotar esses serviços com os meios necessários para realizar a sua tarefa, ou verificar que inspeções adequadas estejam sendo efetuadas (BRASIL, 2007, p. 2).

A despeito das obrigações assumidas com a ratificação do texto convencional, já em vigor no Brasil há mais de quatro anos, o Estado brasileiro não tem conseguido frear a contento o crescimento de acidentes de trabalho no ramo da construção civil, fato que o deixa sujeito a sanções perante a OIT. Esclareça-se, no entanto, que essa inércia estatal não se dá no campo das normas, as quais, é possível afirmar, suprem, em grande parte, a necessidade do atual contexto social. O problema, na verdade, se encontra na efetivação das mesmas, vez que as políticas públicas de promoção, sensibilização e fiscalização não alcançam todas as regiões de forma satisfatória, além do fato de haver escassez de recursos humanos e de logística adequada daqueles órgãos que as têm como incumbência legal.

No âmbito da OIT, também merece destaque o Programa Internacional para Melhorar as Condições de Trabalho e Meio Ambiente de Trabalho (PIACT), cuja criação remonta o ano de 1974, quando, considerados os resultados da Conferência de Estocolmo, de 1972, resolveu-se dar uma atenção mais abrangente à questão da saúde e segurança do trabalhador, reconhecendo que o ambiente geral influencia o bem-estar físico e mental do mesmo, havendo uma interrelação entre eles. Realizados os devidos estudos e consultas aos Estados membros, em novembro de 1976 o PIACT foi aprovado, passando a ser executado em conjunto com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e tendo os seguintes objetivos:

a) proteção contra os efeitos desfavoráveis de fatores físicos, químicos e biológicos no local de trabalho e no meio ambiente imediato;

b) prevenção da tensão mental resultante da duração excessiva, do ritmo, do conteúdo ou da monotonia do trabalho;

c) promoção de melhores condições de trabalho, visando à distribuição adequada do tempo e do bem-estar dos trabalhadores;

d) adaptação das instalações e locais de trabalho à capacidade mental e física dos trabalhadores, mediante aplicação da ergonomia (SUSSEKIND et al, 2004, p. 922)

Adentrando no âmbito do MERCOSUL e de suas normas, vale ressaltar que o mesmo constitui-se em um ambicioso plano de integração concebido por Uruguai, Paraguai, Argentina e Brasil e envolve aspectos econômicos, políticos e sociais, conforme as diretrizes estabelecidas no Tratado de Assunção, celebrado em 26/03/1991 e em vigor no Brasil desde 29/11/1991[3]. Fundado no princípio da reciprocidade de direitos e obrigações, o MERCOSUL, segundo o referido tratado, tem por objetivos:

[...] a livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos entre os países, através, entre outros, da eliminação dos direitos alfandegários e restrições não-tarifárias à circulação de mercadorias e de qualquer outra medida de efeito equivalente; o estabelecimento de uma tarifa externa comum e a adoção de uma política comercial comum em relação a terceiros Estados ou agrupamentos de Estados e a coordenação de posições em foros econômico-comerciais regionais e internacionais; a coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais entre os Estados Partes - de comércio exterior, agrícola, industrial, fiscal, monetária, cambial e de capitais, de serviços, alfandegária, de transportes e comunicações e outras que se acordem, a fim de assegurar condições adequadas de concorrência entre os Estados Partes; o compromisso dos Estados Partes de harmonizar suas legislações, nas áreas pertinentes, para lograr o fortalecimento do processo de integração (BRASIL, 1991a, p. 2).

Consubstanciado especialmente no objetivo da implementar uma política de livre circulação de pessoas, em 06/12/2002, foi celebrado o Acordo sobre Residência para Estados do Mercosul, Bolívia e Chile, o qual, promulgado pelo Decreto n. 6.975 (BRASIL, 2009a), concede aos cidadãos dos Estados Partes o direito de residir temporária ou permanentemente nos países do bloco.

Nesse sentido, como consequência natural desse acordo, há implicações de ordem trabalhista, vez que a globalização implica em uma inédita divisão transnacional do trabalho. Junto com o deslocamento da produção, contingentes de trabalhadores são movimentados em todo o planeta, envolvendo países com pequena ou nenhuma proteção ao meio ambiente de trabalho, degradando o bem-estar físico e mental dos trabalhadores e daqueles que o cercam.

Não obstante haver normas que regulem a prestação de serviços em estados estrangeiros, a exemplo do Código de Bustamante (BRASIL, 1929), que, em seu art. 198 reza ser territorial a legislação sobre acidentes do trabalho e proteção social do trabalhador, e da súmula 207 do TST (BRASIL, 2003a), de teor semelhante, mostra-se desejável que os países busquem harmonizar suas legislações trabalhistas, no sentido de garantir a seus cidadãos direitos equivalentes enquanto trabalhem nos limites geográficos dos países do bloco.

Diante desse contexto, em 10 de dezembro de 1998, Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai assinaram a Declaração Sociolaboral do MERCOSUL, documento que, sem possuir valor normativo de tratado, enumera uma extensa lista de direitos sociais que devem ser respeitados e promovidos pelos integrantes dos blocos. Esse documento preceitua relevantes regras sobre saúde e segurança no trabalho em seus arts. 17º e 18º:

ARTIGO 17º - Saúde e segurança no trabalho

1.- Todo trabalhador tem o direito de exercer suas atividades em um ambiente de trabalho sadio e seguro, que preserve sua saúde física e mental e estimule seu desenvolvimento e desempenho profissional.

2.- Os Estados Partes comprometem-se a formular, aplicar e atualizar em forma permanente e em cooperação com as organizações de empregadores e de trabalhadores, políticas e programas em matéria de saúde e segurança dos trabalhadores e do meio ambiente de trabalho, a fim de prevenir os acidentes de trabalho e as enfermidades profissionais, promovendo condições ambientais propícias para o desenvolvimento das atividades dos trabalhadores.

ARTIGO 18º - Inspeção do trabalho

1.- Todo trabalhador tem direito a uma proteção adequada no que se refere às condições e ao ambiente de trabalho.

2.- Os Estados Partes comprometem-se a instituir e a manter serviços de inspeção do trabalho, com o propósito de controlar em todo o seu território o cumprimento das disposições normativas que dizem respeito à proteção dos trabalhadores e às condições de segurança e saúde no trabalho (MERCOSUL, 1998, p. 3).

Conforme se observa, o item 1 de ambos os artigos preveem direito a um ambiente de trabalho ecologicamente equilibrado, ou seja, que não traga riscos à segurança e à saúde do trabalhador; já o item 2 de ambos os preceitos fixa o comprometimento de que os Estados Partes desenvolvam políticas públicas que garantam os direitos assegurados, o que, de fato, constitui uma grande desafio, tendo em vista as limitações de ordem política (doutrina neoliberal), econômica (escassez de recursos para aplicação no setor) e sociocultural (ausência de uma cultura prevencionista).

Apesar de tudo, não se pode deixar de reconhecer que essa Declaração é um importante marco do MERCOSUL, à medida que inaugurou um novo contexto em busca da prevenção de acidentes de trabalho e da proteção do meio ambiente laboral como um todo, vez que tenciona não só homogeneizar as normas dos Estados Partes, mas também traçar políticas prevencionistas de forma conjunta, o que pode garantir uma maior efetividade.

Seguindo a lógica da hierarquia normativa, deve-se referenciar, primeiramente, as disposições constantes da CF/88 sobre o tema. Cabe salientar, outrossim, que esse texto constitucional mostrou-se inédito ao tutelar o meio ambiente de forma direta no art. 225, além de conferir o dever de sua preservação e equilíbrio não só ao Estado, mas a toda a sociedade. É interessante que, mesmo sem conceituar juridicamente o meio ambiente, o legislador constituinte criou normas que acabaram por contemplar o mesmo em todos os seus aspectos, tendo, sempre, no art. 225, caput, o seu enunciado fundamental.

Desse modo, o ambiente natural, por exemplo, restou diretamente tutelado pelos incisos I, III e VII do § 1º, e § 5º do art. 225; o ambiente artificial ou urbano, pelo art. 182; e o ambiente cultural pelos arts. 215 e 216. Já no que concerne ao ambiente de trabalho ecologicamente equilibrado, ou seja, aquele considerado seguro e saudável ao trabalhador, os dispositivos se apresentam de forma esparsa. O art. 6º declara serem direitos sociais, dentre outros, a saúde, o trabalho e a segurança, o que leva à indubitável dedução de que não se pode conceber um trabalho sendo executado sem as devidas precauções sanitárias e de segurança, sob pena de atentar contra a própria dignidade humana do trabalhador.

O art. 7º, por sua vez, enumera em seus 34 incisos um rol não exaustivo de direitos que objetivam melhorar a condição social dos trabalhadores urbanos e rurais, valendo ressaltar, para o presente estudo, os seguintes:

[...]

IX – remuneração do trabalho noturno superior à do diurno;

[...]

XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;

XIV - jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva;

XV - repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos;

XVI - remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinqüenta por cento à do normal;

XVII - gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal;

[...]

XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança;

XXIII - adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei;

[...]

XXXIII - proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos;

[...]

XXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa; (BRASIL, 1988, p. 5-6)

Da análise desses dispositivos, depreende-se que alguns objetivam assegurar a saúde e a segurança evitando a fadiga do trabalhador (XIII, XIV, XV e XVII), outros buscam preservar esses bens jurídicos evitando o trabalho em condições desfavoráveis (XXII e XXXIII) e, há, ainda, aqueles que buscam desestimular o empregador a manter seus empregados em condições de trabalho adversas por meio de compensações financeiras pagas aos mesmos (IX, XVI, XXIII e XXVIII). Vê-se, então, que a Constituição busca garantir um meio ambiente laboral ecologicamente equilibrado de três maneiras diferentes, mas que, na verdade, complementam-se e direcionam-se, precipuamente, a forçar o empregador a viabilizar medidas de extinção ou mitigação dos riscos proporcionados pela atividade desenvolvida, afinal, vale lembrar que, conforme o art. 2º, caput, da CLT (BRASIL, 1943), deve o mesmo assumir os riscos de sua atividade econômica.

Aprovada em 1º de maio de 1943 por meio do Decreto-Lei n. 5.452, a CLT, cujo conteúdo não foi discutido e aprovado pelo Poder Legislativo, trouxe em seu bojo normas que modificaram substancialmente a relação capital-trabalho no Brasil, que saía de uma economia essencialmente agrária e entrava em um processo de industrialização crescente. Note-se que, à época, a intenção de Getúlio Vargas era direcionar a aplicação do texto celetista somente aos trabalhadores urbanos, excluindo, contudo, domésticos, rurais e funcionários públicos.

A despeito das críticas até hoje sofridas, é indubitável que, pelo menos no âmbito da proteção ao meio ambiente do trabalho e, consequentemente, à saúde e à segurança do trabalhador, houve uma total mudança de paradigma. Regulando a matéria em seus arts. 154 a 201, que correspondem ao capítulo V do Título II, atualmente denominado “da segurança e da medicina do trabalho”, a CLT estipula regras gerais (seção I), trata da inspeção prévia e do embargo e interdição de estabelecimentos (seção II), dispõe sobre os órgãos de segurança e de medicina do trabalho nas empresas (seção III), sobre os equipamentos de proteção individual (seção IV), sobre as medidas preventivas de medicina do trabalho (seção V), dentre outras medidas de proteção (seções VI a XV), além das medidas de penalidade em casos de descumprimento (seção XVI).

Como reflexo das preocupações ambientais expressas pela comunidade internacional, sobretudo após a Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano, realizada em Estocolmo, na Suécia, em 1972, o legislador brasileiro mostrou-se sensível à necessidade de aperfeiçoamento da legislação ambiental pátria, adequando-se aos princípios norteadores da proteção ambiental em seus diferentes aspectos.

Tratando do aspecto relativo ao meio ambiente do trabalho, foi promulgada a Lei n. 6.514/77, a qual promoveu profundas e significativas mudanças no capítulo V do Título II da CLT. Nesse sentido, interessa mencionar a alteração do caput e a inclusão de vários incisos nos arts. 155 e 200 do texto celetista:

Art. 155. Incumbe ao órgão de âmbito nacional competente em matéria de segurança e medicina do trabalho:

I - estabelecer, nos limites de sua competência, normas sobre a aplicação dos preceitos deste Capítulo, especialmente os referidos no art. 200 (BRASIL, 1943, p. 20);

[...]

Art. 200. Cabe ao Ministério do Trabalho estabelecer disposições complementares às normas de que trata este Capítulo, tendo em vista as peculiaridades de cada atividade ou setor de trabalho, especialmente sobre:

I - medidas de prevenção de acidentes e os equipamentos de proteção individual em obras de construção, demolição ou reparos;

II - depósitos, armazenagem e manuseio de combustíveis, inflamáveis e explosivos, bem como trânsito e permanência nas áreas respectivas;

III - trabalho em escavações, túneis, galerias, minas e pedreiras, sobretudo quanto à prevenção de explosões, incêndios, desmoronamentos e soterramentos, eliminação de poeiras, gases, etc. e facilidades de rápida saída dos empregados;

IV - proteção contra incêndio em geral e as medidas preventivas adequadas, com exigências ao especial revestimento de portas e paredes, construção de paredes contra-fogo, diques e outros anteparos, assim como garantia geral de fácil circulação, corredores de acesso e saídas amplas e protegidas, com suficiente sinalização;

V - proteção contra insolação, calor, frio, umidade e ventos, sobretudo no trabalho a céu aberto, com provisão, quanto a este, de água potável, alojamento profilaxia de endemias;

VI - proteção do trabalhador exposto a substâncias químicas nocivas, radiações ionizantes e não ionizantes, ruídos, vibrações e trepidações ou pressões anormais ao ambiente de trabalho, com especificação das medidas cabíveis para eliminação ou atenuação desses efeitos limites máximos quanto ao tempo de exposição, à intensidade da ação ou de seus efeitos sobre o organismo do trabalhador, exames médicos obrigatórios, limites de idade controle permanente dos locais de trabalho e das demais exigências que se façam necessárias;

VII - higiene nos locais de trabalho, com discriminação das exigências, instalações sanitárias, com separação de sexos, chuveiros, lavatórios, vestiários e armários individuais, refeitórios ou condições de conforto por ocasião das refeições, fornecimento de água potável, condições de limpeza dos locais de trabalho e modo de sua execução, tratamento de resíduos industriais;

VIII - emprego das cores nos locais de trabalho, inclusive nas sinalizações de perigo (BRASIL, 1943, p. 28).

A atribuição cometida ao MTE foi exercitada com a expedição da Portaria n. 3.214/78 (BRASIL, 1978), que, à época, aprovou 28 Normas Regulamentadoras sobre diversos assuntos relativos à segurança e à medicina do trabalho, dando poderes para a Secretaria de Segurança e Saúde no Trabalho, órgão interno do MTE, proceder a alterações posteriores, conforme a necessidade. Seguindo uma natural ampliação da proteção ao meio ambiente de trabalho, outras seis Normas Regulamentadoras foram aprovadas, havendo, atualmente, 33 delas em vigor.

Segundo o que preceitua o item 1.1 da NR-1, as regras contidas nas NR devem ser obrigatoriamente cumpridas pelas empresas privadas e públicas e pelos órgãos públicos da administração direta e indireta, bem como pelos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário, que possuam empregados regidos pela CLT. Sobre o âmbito de aplicabilidade das NR, ainda persiste dúvida se as mesmas tutelam o meio ambiente de trabalho de servidores estatutários. Ocorre que não há como se chegar a uma resposta diferente, pois, assim como os trabalhadores celetistas, também os estatutários têm o direito fundamental a um meio ambiente de trabalho ecologicamente equilibrado, principalmente quando se tem em vista as disposições do art. 39, § 3º c/c art. 7º, XXII da CF/88:

Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão, no âmbito de sua competência, regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas.

[...]       

§ 3º Aplica-se aos servidores ocupantes de cargo público o disposto no art. 7º, IV, VII, VIII, IX, XII, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXII e XXX, podendo a lei estabelecer requisitos diferenciados de admissão quando a natureza do cargo o exigir (BRASIL, 1988, p. 21).

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

[...]       

XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança (BRASIL, 1988, p. 6);

Favorável à aplicação das NR no serviço público, Villela (2008, p. 3) aduz que:

[...] os preceitos celetistas de higiene, saúde e segurança do trabalho e Normas Regulamentadoras do Ministério do Trabalho e Emprego, desde que compatíveis com a lei específica de regência destes servidores e com as condições inerentes às circunstâncias envolventes à prestação de serviços, devam ser aplicadas aos estatutários, como parâmetros gerais a nortear a proteção do meio ambiente destes trabalhadores, até que sejam editadas leis que venham a contemplar de modo mais efetivo e adequado este direito fundamental.

Para corroborar seu entendimento, esse mesmo autor cita a Orientação n. 07, da Coordenadoria Nacional de Defesa do Meio Ambiente do Trabalho (CODEMAT) do Ministério Público do Trabalho:

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. ATUAÇÃO NA DEFESA DO MEIO

AMBIENTE DO TRABALHO.

O Ministério Público do Trabalho possui legitimidade para exigir o cumprimento, pela Administração Pública direta e indireta, das normas laborais relativas à higiene, segurança e saúde, inclusive quando previstas nas normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho e Emprego, por se tratarem de direitos sociais dos servidores, ainda que exclusivamente estatutários. (VILLELA, 2008, p. 3)

Outra questão alvo de divergências foi a recepção das NR pela CF/88, em razão da redação do art. 25 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT):

Art. 25. Ficam revogados, a partir de cento e oitenta dias da promulgação da Constituição, sujeito este prazo a prorrogação por lei, todos os dispositivos legais que atribuam ou deleguem a órgão do Poder Executivo competência assinalada pela Constituição ao Congresso Nacional, especialmente no que tange a:

I - ação normativa; (BRASIL, 1988, p. 88)

A controvérsia existente acabou por se materializar na ADI n. 1347 (BRASIL, 1995a), em cuja decisão o STF argumentou que, em havendo exacerbação do ato regulamentar, isso configuraria ofensa à lei e não diretamente à Constituição, ou seja, entendeu a Corte, a princípio, ser possível o MTE, por meio de portarias, regulamentar minuciosamente aspectos relacionados ao meio ambiente do trabalho.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                      

Outro ponto importante a ser mencionado é o fato de as normas regulamentadoras não serem exaustivas na proteção ao ambiente de trabalho ecologicamente equilibrado. Isso significa que os tomadores de serviços (particulares ou a Administração Pública) também estão obrigados a observar outras disposições que, com relação à matéria, sejam incluídas em códigos de obras ou regulamentos sanitários dos Estados ou Municípios, e outras, oriundas de convenções e acordos coletivos de trabalho, conforme preleciona o item 1.2 da NR-1. Tal regra, parece ser salutar, principalmente pelo fato de, considerada a dimensão continental do território brasileiro, haver necessidade de se complementar as mesmas levando-se em conta as peculiaridades de cada região e de cada município.

Em âmbito regional e local, conforme o caso, cabe ressaltar que importante papel de produção de normas ambientais trabalhistas também é atribuição dos Sindicatos como principais sujeitos da negociação coletiva, sendo possível estabelecê-las em acordos ou convenções, desde que mais protetivas e vantajosas à saúde e à segurança dos trabalhadores.

Embora não tutele diretamente o meio ambiente laboral, mas a saúde do trabalhador, imprescindível referenciar alguns dispositivos constantes da Lei n. 8.080/90, também conhecida como Lei Orgânica da Saúde (LOS) (BRASIL, 1990). Nesse sentido, o referido diploma afirma ser a saúde “um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício” (art. 2º, caput). Ressalva, por outro lado, que o dever do Estado não exclui o das pessoas, da família, das empresas e da sociedade (art. 2º, § 1º), o que reforça as disposições da CLT em fazer recair sobre os empregadores os principais encargos relativos à proteção do meio ambiente do trabalho.

No art. 3º, a LOS reza que a saúde tem como fatores determinantes, dentre outros, o meio ambiente e o trabalho, e engloba um bem-estar físico, mental e social. Outro aspecto relevante tratado nesta lei é em relação à definição do SUS, equivocadamente tido por muitos como um órgão, mas que, na verdade, constitui um “conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público” (art. 4º, caput).

Dentro do campo de atuação do SUS estão incluídas, dentre outras, a execução de ações concernentes à promoção, proteção e recuperação da saúde do trabalhador, e, ainda, as de colaboração na proteção do meio ambiente, incluindo-se o do trabalho (art. 6º, incisos I e V). É certo que o termos saúde do trabalhador mostra-se complexo, podendo agregar aspectos médicos e sociológicos, mas, ainda assim, a LOS não se furtou a identificar seu âmbito de abrangência no art. 6º, § 3º, incisos I a VIII:

[...]

§ 3º Entende-se por saúde do trabalhador, para fins desta lei, um conjunto de atividades que se destina, através das ações de vigilância epidemiológica e vigilância sanitária, à promoção e proteção da saúde dos trabalhadores, assim como visa à recuperação e reabilitação da saúde dos trabalhadores submetidos aos riscos e agravos advindos das condições de trabalho, abrangendo:

I - assistência ao trabalhador vítima de acidentes de trabalho ou portador de doença profissional e do trabalho;

II - participação, no âmbito de competência do Sistema Único de Saúde (SUS), em estudos, pesquisas, avaliação e controle dos riscos e agravos potenciais à saúde existentes no processo de trabalho;

III - participação, no âmbito de competência do Sistema Único de Saúde (SUS), da normatização, fiscalização e controle das condições de produção, extração, armazenamento, transporte, distribuição e manuseio de substâncias, de produtos, de máquinas e de equipamentos que apresentam riscos à saúde do trabalhador;

IV - avaliação do impacto que as tecnologias provocam à saúde;

V - informação ao trabalhador e à sua respectiva entidade sindical e às empresas sobre os riscos de acidentes de trabalho, doença profissional e do trabalho, bem como os resultados de fiscalizações, avaliações ambientais e exames de saúde, de admissão, periódicos e de demissão, respeitados os preceitos da ética profissional;

VI - participação na normatização, fiscalização e controle dos serviços de saúde do trabalhador nas instituições e empresas públicas e privadas;

VII - revisão periódica da listagem oficial de doenças originadas no processo de trabalho, tendo na sua elaboração a colaboração das entidades sindicais; e

VIII - a garantia ao sindicato dos trabalhadores de requerer ao órgão competente a interdição de máquina, de setor de serviço ou de todo ambiente de trabalho, quando houver exposição a risco iminente para a vida ou saúde dos trabalhadores (BRASIL, 1990, p. 3).

Como se percebe, por compreender uma série de aspectos, deve o Estado tutelar a saúde do trabalhador por meio de políticas públicas que tenham por objeto, primordialmente, a prevenção de doenças e enfermidades decorrentes de uma determinada atividade laboral. Como essa responsabilidade, na prática, é compartilhada principalmente com as empresas, as políticas de promoção e proteção da saúde comportam ações diretas dos órgãos integrantes do SUS, mas também, ações de outros órgãos, como as de inspeção do trabalho, ou seja, de fiscalizações promovidas pelo MTE.

Embora não sejam diplomas que esgotem a tutela do meio ambiente do trabalho ecologicamente equilibrado, a CF/88, a CLT e a LOS certamente constituem o tripé normativo que protege o núcleo essencial dos direitos à saúde e à segurança do trabalhador, razão pela qual foram aqui citados e analisados. Por outro lado, embora encerrem uma eficaz proteção normativa a esses direitos, de nada valem se não forem efetivamente implementados por meio de políticas e programas que alcancem seu principal alvo: o trabalhador.

 

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Sobre o autor
Ives Faiad Freitas

Analista Judiciário do TRT 8ª Região e Professor Universitário. Mestre em Direito Ambiental e Políticas Públicas (UNIFAP), Especialista em Direito Constitucional (UNISUL), Direito Processual (UNISUL), Direito Previdenciário (UNIDERP), Direito e Processo do Trabalho (UNIDERP).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FREITAS, Ives Faiad. Meio ambiente laboral equilibrado: um direito fundamental dos trabalhadores. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3204, 9 abr. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21455. Acesso em: 28 abr. 2024.

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