INTRODUÇÃO
O assunto examinado neste artigo, a estabilidade do servidor celetista, foi objeto de divergência jurisprudencial nos tribunais pátrios, que ao analisarem a matéria na última década, não obtinham uma interpretação pacífica e uniforme. Instaurando-se, assim, no período compreendido entre a promulgação da Constituição Federal e a Emenda Constitucional n° 19/98, duas fortes correntes jurisprudenciais e antagônicas.
Diante dessa coluna, acrescida pela modificação substancial da Emenda Constitucional n° 19, determina-se a análise evolutiva da estabilidade, sem antes elucidarmos algumas conceituações iniciais.
NOÇÕES GERAIS
Cabe preliminarmente, traçar um breve estudo sobre os regimes jurídicos possíveis de serem estabelecidos entre o servidor e a Administração Pública, ou seja, as principais diferenças entre o regime estatutário e o regime celetista. Neste sentido, Celso Bastos(1) teceu as seguintes afirmações:
"As relações de trabalho podem ser regidas tanto pelo Direito Administrativo como pelo Direito do Trabalho. Neste último, a relação é disciplinada pela Consolidação das Leis do Trabalho. Já no primeiro, pela Constituição e pelos Estatutos próprios dos servidores nos três níveis de governo: União, Estados e Municípios.
A noção de emprego surgiu em decorrência de a Administração ter parte da sua atividade submetida fundamentalmente ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho.
Portanto, dentre estes conceitos os mais inconfundíveis são: cargo e emprego público. O primeiro como típico do provimento realizado sob a égide do Direito Público. O segundo, sob a tutela do Direito Privado, eis que assim preferimos classificar o Direito do Trabalho, embora não desconheçamos a existência de defensores de um tertium genus para esse Direito, eqüidistante do Público e do Privado."
Celso Antônio Bandeira de Mello(2) refere-se que essa duplicidade de vínculos laborais, existente entre o servidor público e a Administração, determina que a Constituição Brasileira, em diversas passagens, menciona cargos ou empregos públicos. Com isso, o jurista especificou doutrinariamente a diferença entre cargo público e emprego público nos seguintes termos:
"Cargo público – cargos são as mais simples e indivisíveis unidades de competência a serem expressadas por um agente, previstas em número certo, com denominação própria, retribuídas por pessoas jurídicas de direito público e criados por lei.
Os servidores titulares de cargos públicos submetem-se a um regime especificamente concebido para reger esta categoria de agentes. Tal regime é estatutário ou institucional; logo, de índole não-contratual.
Emprego Público – Empregos púbicos são núcleos de encargos de trabalho a serem preenchidos por ocupantes contratados para desempenhá-los, sob relação trabalhista.
Sujeitam-se a uma disciplina jurídica que, embora sofra algumas inevitáveis influências advindas da natureza governamental da entidade contratante, basicamente, é a que se aplica aos contratos trabalhistas em geral; portanto, a prevista na Consolidação das Leis do Trabalho"
Desta forma, a relação de trabalho estabelecida com a administração pode ser pela unilateralização do vínculo, havendo o cargo público. É por este motivo, que somente são considerados como servidores públicos os que titularizam um "cargo público". Ao passo que a relação de trabalho que resulta do vínculo administração e empregado, caracteriza-se pelo regime contratual, portanto, bilateral, onde o que prevalece para regrar essa relação são as leis trabalhistas, enquanto aos servidores o que prevalece é o estatuto local.
EVOLUÇÃO LEGAL DA ESTABILIDADE NO SERVIÇO PÚBLICO NA ÚLTIMA DÉCADA
Até a publicação da Carta Constitucional de 1988, a estabilidade no serviço público era regida pelas leis trabalhistas, em especial a regra contida no artigo 492 da Consolidação das Leis do Trabalho, verbis
"Art. 492. O empregado que contar mais de dez anos de serviço na mesma empresa não poderá ser despedido senão por motivo de falta grave ou circunstância de força maior, devidamente comprovadas."
Adotava então, a Administração Pública, a Consolidação das Leis Trabalhistas como norma a regular a relação empregatícia mantida com os empregados, chamados então, de empregados públicos.
A Constituição Federal de 1988, não recepcionou o Art. 492 da Consolidação das Leis do Trabalho, numa interpretação pacífica pelos Tribunais Pátrios.
A Carta Política Federal, em seu artigo 7º, inciso III, elencou como direito dos trabalhadores urbanos e rurais, o fundo de garantia por tempo de serviço – FGT – generalizando e vinculando, obrigatoriamente, todos os empregados ao regime de FGTS. Dessa forma o que o que era opcional, antes da promulgação da Constituição da República, passou a ser obrigatório.
Na mesma esteira, o inciso I, do artigo 7º, do Texto Constitucional prevê que:
"Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
I - relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos;"
Diante dessa regra, o Tribunal Superior do Trabalho, ao analisar o Recurso de Revista nº 74.213/93.8, posicionou-se nesta esteira de raciocínio, pois assim decidiu.
"ESTABILIDADE DECENAL – ART. 492 DA CLT E ART. 19, § 3º, DO ADCT – CF/88 – A Carta Magna ao generalizar o regime do FGTS revogou a estabilidade definitiva aos dez anos de serviço. Os obreiros que não atingiram os dez anos (art. 492) até à época da promulgação da Constituição Federal não podem ter como reconhecida a estabilidade. (TST – RR 74.213/93.8 – Ac. 360/94 – 2ª T. – Rel. Min. José Francisco da Silva – DJU 15.04.1994)"
Desta forma, passou a ser entendido pelos tribunais judiciais, juntamente com a doutrina trabalhista brasileira, que a estabilidade definitiva prevista no artigo 492 da CLT foi substituída pela indenização de 40 % (quarenta por cento) sobre o fundo de garantia por tempo de serviço, em casos de despedidas arbitrárias. A estabilidade, então, não era mais adquirida pelo decurso do tempo previsto no Art. 492, da CLT.
A ESTABILIDADE PREVISTA NO ARTIGO 41 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
Face as argumentações acima declinadas, o que se questiona aqui, é se a estabilidade prevista na norma do artigo 41 da Carta Constitucional, é auto-aplicável aos lotados em empregos públicos regidos pelas leis trabalhistas, diante da não recepção, pela Constituição Federal de 1988, do artigo 492 da Consolidação das Leis do Trabalho.
A Constituição Federal de 1988, trouxe a exigência da Administração Pública, instituir e implantar o regime jurídico único. A princípio muito questionou-se a respeito de qual seria o regime jurídico único a ser adotado, tendo alguns entes federados – Municípios – adotado as regras contidas na Consolidação das Leis do Trabalho, tendo assim empregados públicos no seu quadro de funcionários.
Sendo assim, a Constituição da República expressava, até ser dada nova redação ao Art. 41, que seriam estáveis, após dois anos de efetivo exercício, os servidores nomeados em virtude de concurso público. Com efeito, percebe-se que, em interpretação literal da norma, a carta constitucional, não diferenciou entre ser o servidor regido por estatuto ou pelas leis trabalhistas para se beneficiarem da estabilidade constitucional, posto que a base magna trata todos como servidores públicos, em aspecto sui generis, e a expressão empregados públicos seria stritus generis, logo espécie do gênero, consequentemente beneficiário da estabilidade.
Entretanto a doutrina administrativista apresentou duas correntes de entendimento acerca da possibilidade de aquisição da estabilidade no serviço público.
José Afonso da Silva(3), ao abordar a estabilidade constitucional, não diferencia o fato de ser o servidor exercente de cargo ou emprego, pois preconiza em sua lição os seguintes termos:
Não basta, pois a nomeação em virtude de concurso. É necessário que o servidor esteja no exercício por mais de dois anos, sem interrupção, do cargo ou emprego, para o qual fora nomeado. A investidura em cargo ou emprego publico é um procedimento administrativo complexo, que envolve várias operações sucessivas_ realização de concurso, aprovação deste, nomeação na ordem de classificação, posse e entrada em exercício. Desta última é que começa a fluir o tempo de dois anos para a aquisição da estabilidade
Maria Sylvia Di Pietro(4) interpreta o dispositivo constitucional de maneira diversa a do precitado jurista, pois exclui desta estabilidade os funcionários lotados em empregos públicos. Sobre o assunto a jurista tece as seguintes afirmações
Tradicionalmente, a estabilidade, no direito brasileiro, tem sido entendida como a garantia de permanência no serviço publico assegurada, após três anos de exercício, ao servidor nomeado por concurso, que somente pode perder o cargo em virtude de sentença judicial transitada em julgado ou mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada a ampla defesa
O reconhecimento de estabilidade a esses servidores não implicou em efetividade, porque esta só existe em relação a cargos de provimento por concurso ...
O dispositivo exclui do direito a essa estabilidade os professores universitários, os ocupantes de cargos, funções e empregos de confiança ou em comissão, além dos que a lei declara de livre exoneração, ...
Dita ainda a doutrina, sobre a questão, que não se concede a estabilidade aos empregados públicos, pelo fato de que a Constituição Federal somente reservou estabilidade do artigo 41 aos servidores de cargos públicos, e que para os empregados públicos regidos pela Consolidação das Leis Trabalhistas reservou o artigo 19 dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias rezando que "os servidores públicos civis da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, da administração direta, autárquica e das fundações públicas, em exercício na data da promulgação da Constituição, há pelo menos cinco anos continuados, e que não tenham sido admitidos na forma regulada no artigo 37, da Constituição, são considerados estáveis no serviço público."
Porém corrente jurisprudencial contrária, entendendo ser aplicável aos servidores, bem como aos empregados regidos pela CLT, pois a redação do artigo 41 da Carta Magna não fazia qualquer menção diferenciação em quem seriam os servidores atingidos por esta estabilidade funcional. Assim julgados entendiam ser somente aplicável aos servidores lotados em cargos públicos e não aos empregados regidos por leis trabalhistas.
Esta afirmação é comprovada nas decisões abaixo transcritas.
REINTEGRAÇÃO – ESTABILIDADE – ARTIGO 41, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA – O artigo 41, da Constituição da República atribui estabilidade "aos servidores" públicos e não ao "funcionário", como se dava sob a égide das Constituições de 1967 e de 1969. Ora, sabidamente, "servidor" é gênero, de que o empregado público é espécie. De outro lado, a lógica do sistema constitucional parece indicar que a estabilidade é extensiva a estatutário e celetista, sem distinção. Portanto, servidor celetista concursado dispensado sem justa causa faz jus à reintegração no emprego com todos os seus consectários legais. (TST – RR 224.870/95-1 – 1ª T. – Rel. Min. João Oreste Dalazen – DJU 17.10.1997)
SERVIDOR PÚBLICO – CONCURSADO – REGIME CELETISTA – DISPENSA – Irregular a dispensa do servidor público admitido após aprovação em concurso público. Se é verdade que este é exigência constitucional (inciso do art. 37 da CF), aliás salutar exigência, não menos verdade é que o art. 41, inserido no mesmo capítulo da Carta Magna, garanta a estabilidade, após dois danos, dos admitidos sob essa condições. Ambos os dispositivos (arts. 37 e 41 da CF) não distinguem entre o servidor celetista e o estatutário. A acolhida ao procedimento do reclamado significaria possibilitar que o ente público adotasse como regime estatutário o celetista e ter-se-ia que seus servidores jamais alcançariam a estabilidade, fato que motivou exatamente a elaboração dos referidos dispositivos. A reintegração dos reclamantes é medida que se impõe, imprescindível à observância dos princípios da legalidade e da moralidade, insertos no caput do art. 37 da Carta Política. (TRT 15ª R. – Ac. 3ª T. 3.730/97 – Rel. Juiz Mauro Cesar Martins de Souza – DOESP 31.03.1997)
SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA – ESTABILIDADE – SERVIDOR PÚBLICO CELETISTA – SERVIDOR PÚBLICO ESTATUTÁRIO . – E inaplicável ao empregado celetista o art., 41, caput, da CF, por se destinar aos servidores de que cogita o art. 39, caput, da CF, aos estatutários. (TRT 1ª R. – RO 19634/91 – 3ª T. – Relª. Juíza Nídia de Assunção Aguiar – DORJ 23.05.1995)
ESTABILIDADE – ART. 41 DA CF – Tal dispositivo não se aplica ao servidor celetista mas, apenas, ao estatutário, devidamente nomeado após concurso público. Aos celetistas a CF dirigiu somente o art. 19 do ADCT. (TRT 15ª R. – Proc. 13.799/95 – Ac. SE 2ª T. 633/97 – Relª. Juíza Iara Alves Cordeiro Pacheco – DOESP 29.09.1997) grifos nosso
Verifica-se, em termos de jurisprudência, que o assunto não possuía um entendimento só, pois as decisões eram tanto favoráveis a extensão da estabilidade aos empregados públicos celetistas, como também, pela restrição do artigo 41, ser aplicável aos servidores lotados em cargos públicos regidos por estatutos de vínculo unilateral
Valentin Carrion(5) aborda a matéria fazendo as seguintes considerações:
"A confusão terminológica foi nociva. Há razões para pensar que a estabilidade conferida pelo art. 19 das Disposições Transitórias aos servidores sem concurso, com mais de cinco anos, alcança apenas aqueles que pertencem à espécie dos que normalmente são admitidos por concurso, ou seja, os funcionários e não os empregados públicos (os chamados celetistas). Assim entende Octávio Bueno Magano (Dispensa de Servidores, FSP 22.2.89), cuja conclusão se reforça se se pensar que a estabilidade do direito do trabalho mais corresponde à vitaliciedade do direito público do que à estabilidade deste; assim é que a estabilidade no estatutário se consegue por concurso público, após dois anos de serviço, mas o funcionário pode ser demitido mediante processo administrativo. Só a vitaliciedade do funcionário é que exige sentença judicial, semelhante ao direito do trabalho, pelo chamado inquérito (CLT, 494),que é judicial (CLT, 853). Seria contra-senso conceder estabilidade no emprego, ao mesmo tempo em que se estabelece em todo o país o regime de sua inexistência (FGTS, art. 7º, III). É verdade que surge o óbice da utilização da palavra "emprego" no art. 19, § 2º."
EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 19 E A NOVA REDAÇÃO AO ARTIGO 41 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
A divergência estabelecida com relação à aquisição da estabilidade, com o advento da Emenda Constitucional 19, de 05 de junho de 1998, conhecida como Reforma Administrativa, foi devidamente esclarecido por parte nova redação do artigo 41 que assim preceitua.
"Art. 41. São estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público."
Destarte percebe-se que o artigo constitucional obteve uma considerável alteração, posto que além de ser dilatado o prazo para a aquisição da estabilidade, que era de dois anos e agora passa a ser três, foi acrescido da expressão "cargo de provimento efetivo" no corpo do comando constitucional. Desta forma é requisito constitucional para a aquisição da estabilidade no serviço público ser o funcionário lotado em cargo público de provimento efetivo, o que por si só já exclui os empregados públicos, que são lotados em empregos. Igualmente os servidores lotados em cargos de provimento em comissão, os conhecidos CCs, visto que, conforme determina a atual redação do artigo 41, De toda a sorte o servidor deve ser nomeado em cargo criado por lei, previsto em número certo, e com atribuições próprias e específicas, bem como ser de provimento efetivo, "que é aquele que se confere ao titular a permanência e a segurança, ocupando sem transitoriedade ou adequado a uma ocupação permanente."(6)
Assim sendo, verifica-se que a matéria passa, agora, a ser limitada quanto a sua aplicabilidade em razão de expressar literalmente qual será a sua abrangência pois determina a estabilidade será adquirida, somente, pelos servidores nomeados em cargos públicos de provimento efetivo e que tenham sido aprovados no estágio probatório cumprido após três anos de efetivo exercício do cargo.
CONCLUSÕES
De todo o exposto, a conclusão que pode ser aceita, é que a atual redação do Art. 41, da Constituição da República, com redação dada pela Emenda Constitucional n° 19/98, exclui, em todos os sentidos, a sua aplicabilidade aos funcionários lotados em empregos públicos, haja visto que a Constituição Federal trata ambos de maneira distinta, além de claramente mencionar a estabilidade ao servidor ocupante de cargo efetivo.
NOTAS
1. BASTOS, Celso, "Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política", Revista dos Tribunais, Ano 2, Nº 6, Janeiro-Março de 1994, São Paulo, pp. 167 e 168.
2. MELLO, Celso Antônio Bandeira de, "Curso de Direito Administrativo", Editora Malheiros, São Paulo, 1999, pp.
126 e 127.
3. SILVA, José Afonso da, "Curso de Direito Constitucional Positivo", editora RT, 6º ed., São Paulo, pp. 581 e 582
4. PIETRO , Maria Sylvia Di, "Direito Administrativo", editora Jurídico Atlas, 11º ed., 1999, São Paulo, p. 460
5. CARRION, Valentin, "Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho", editora RT, 11º ed., 1989, São Paulo, pp. 60 e 61.
6. GASPARINI, Diogenes, "Direito Administrativo", editora Saraiva, 4º ed., 1995, São Paulo, p. 194