SUMÁRIO: Resumo. Introdução. Desenvolvimento. As Escolas Jusnaturalistas e Juspositivistas. Comentários a respeito das Escolas Jusnaturalistas e Juspositivistas. Pós-positivismo Jurídico: uma terceira via. Conclusão. Bibliografia
“A divisão positivista entre valores e fatos, longe de indicar uma solução, define um problema.”
(Habermas, in Teoria Analítica da Ciência e Dialética, 1974)
RESUMO
O presente trabalho apresenta os preceitos fundamentais da corrente jurídica pós-positivista contrapondo-a com a escolas clássicas do Direito.
INTRODUÇÃO
Às escolas do jusnaturalismo e do positivismo jurídico, insuficientes para explicar o Direito, veio se juntar o pós-positivismo jurídico que admite preceitos de ordem moral e a normatividade dos princípios na solução de conflitos concretos.
Propondo novos preceitos e negando outros característicos das escolas jusnaturalista e juspositivista, o pós-positivismo assentou novas bases teóricas que fazem desta corrente uma terceira via ao pensamento jurídico.
Com esse propósito, este ensaio aborda a corrente pós-positivista e suas diferenças das correntes clássicas.
1. As Escolas Jusnaturalistas e Juspositivistas
Na história do Direito pode-se apontar a existência de duas concepções: o jusnaturalismo; e o positivismo jurídico.
No jusnaturalismo, eis que de cunho dualista, se admite a existência do direito natural e do direito positivo, sendo que este deveria confirmar a existência daquele que, portanto, lhe seria superior.
Para o jusnaturalismo moderno, o direito natural é a concepção de que cada indivíduo, em virtude de sua própria natureza, possui direitos subjetivos reconhecidos por meio do uso da razão, e confirmados pelo poder político ao positivá-los, tais como os direitos humanos e os direitos fundamentais.
Dessarte, o Direito Natural seria uma ordem não escrita e não promulgada pelos homens, mas que, uma vez eterno, imutável, perfeito, abstrato e universal, seria paralelo à ordem institucionalizada pelos Estados.
Para a corrente positivista há apenas o Direito que emana do Estado ou de fontes por ele legitimadas; logo, uma concepção monista de exclusividade do direito positivo.
Para os defensores dessa Doutrina, o positivismo gera segurança jurídica ao reduzir o grau de subjetividade na utilização e aplicação do Direito-lei, além de dar ao Direito o status de ciência.
Ambas as correntes não poderiam escapar das críticas aos seus preceitos fundamentais.
2. Comentários a respeito das Escolas Jusnaturalistas e Juspositivistas
Socorrendo-se das lições de Norberto Bobbio, ambas as correntes jusnaturalista e juspositivista não são suficientes para explicar o Direito.
Caso houvesse somente o direito natural, estaria se negando o juspositivismo, bem como contrariando a Escola do jusnaturalismo, posto que esta admite a dualidade. De outro modo, admitindo-se somente o direito positivo, não haveria a aceitação dos jusnaturalistas.
Caso o direito natural e direito positivo coexistissem sem hierarquização, os jusnaturalistas, embora dualistas, não aceitariam a igualdade entre o direito natural e o positivo, nem mesmo a superioridade deste, posto que o direito natural deveria estar em patamar de superioridade. Cabe ressaltar, mais uma vez, que para os juspositivistas sequer existe o direito natural.
A própria definição de direito natural, que pode variar entre as Escolas jusnaturalistas, também é motivo de críticas dos juspositivistas. Se para a linha de pensamento escolástica é o direito natural um conjunto de princípios gerais éticos que servem de inspiração para o legislador, vindo de encontro, os juspositivistas não aceitam que princípios éticos possam ser universais ou absolutos, nem tão pouco que as leis possam ser imutáveis, pois deveriam sofrer modificação conforme as mudanças axiológicas que ocorrem na sociedade.
Mesmo as vertentes jusnaturalistas que entendem que o direito natural é o conteúdo para a regulamentação das normas, ou o fundamento ao poder do legislador dando-lhe legitimidade, são ambas criticadas pelos juspositivistas.
O jusnaturalismo como ideologia admite que somente é preciso obedecer as leis justas submetidas a um critério exterior de justiça, de tal sorte que o direito positivo que for contrário ao direito natural não é jurídico. Esta assertiva é combatida veementemente pelos juspositivistas, pois, segundo eles, é preciso obedecer as leis enquanto tal, posto que elas são o critério de justiça. A respeito dos juspositivistas:
O Direito é a Lei; seus destinatários e aplicadores devem exercitá-la sem questionamento ético ou ideológico. Para eles não existe o problema da validade das leis injustas, pois o valor não é objeto da pesquisa jurídica. Quanto à justiça, consideram apenas a legal, mesmo porque não existiria a chamada justiça absoluta. [NADER, 2003]
Tal posicionamento não passa impune, uma vez que, o direito é dinâmico e não se pode aceitar cegamente que o conceito do que é justo seja apenas sinônimo de obediência à norma, pois os conflitos sociais possuem particularidades e razões subjetivas que a lei por sua característica de generalidade não consegue alcançar. Portanto, a ponderação entre o direito positivo e o direito natural deveria ser analisada numa perspectiva mais ampla, onde uma manifesta e intolerável violação do direito natural autorizaria a desobediência à lei, nao devendo o mesmo ser tolerado no caso de análise de uma regra isolada.
Em relação a teoria do direito, a fundamentação jusnaturalista baseia-se em pressupostos metafísicos (direito natural), enquanto o juspositivismo realiza uma operação lógico-semântica das regras criadas pelo legislativo.
Mas é na metodologia do direito onde reside um ponto em comum nas doutrinas, posto que ambas buscam disciplinar condutas humanas possíveis, atualizando-as na medida em que há a evolução do direito, a fim de resolver os conflitos humanos.
3. Pós-positivismo Jurídico: uma terceira via
Buscando respostas ao embate existente entre o pragmatismo dos juspositivistas – tecnicismo do Direito Positivo – e o idealismo dos jusnaturalistas, surgiram vários teóricos que, em face da falta de perfeita consonância de suas idéias com as bases das duas linhas de pensamento, passaram a receber diferentes denominações que, uma vez agrupadas, podem eles ser classificados como pós-positivistas. Dessarte, fariam parte deste grupo, além das escolas pós-positivistas propriamente ditas, os positivismos denominados: jurídico-institucional; crítico[1]; e inclusivo, entre outros.
Considerando como ponto de partida a existência de uma crise do positivismo jurídico pela falta de consideração de ordem moral nos seus preceitos, houve uma evolução natural de diversas doutrinas heterogêneas de cunho positivista até chegar ao que se pode denominar de pós-positivismo.
O pós-positivismo não busca negar a importância do Direito Positivo, mas torná-lo mais flexível, ao adotar, além da racionalidade, princípios, tais como, a razoabilidade e a proporcionalidade, submetidos à uma ponderação de valores. Neste sentido o STF tem colecionado diversos julgados:
DIREITO PROCESSUAL PENAL. habeas corpus. PRISÃO PREVENTIVA. ALEGAÇÃO DE EXCESSO DE PRAZO. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO. DIREITO À LIBERDADE PROVISÓRIA. RELAXAMENTO DA PRISÃO EM FLAGRANTE. CRIMES DE TRÁFICO DE ENTORPECENTE, ASSOCIAÇÃO PARA FINS DE TRÁFICO, POSSE DE OBJETOS DESTINADOS À PREPARAÇÃO, PRODUÇÃO OU TRANSFORMAÇÃO DE ENTORPECENTE. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. APLICAÇÃO DA LEI PENAL. JUSTA CAUSA PARA A AÇÃO PENAL. DENEGAÇÃO. 1. As questões de direito tratadas nos autos deste habeas corpus dizem respeito ao alegado excesso de prazo de prisão processual, à ausência de justa causa para a ação penal em face do paciente, à ausência de fundamento concreto para a prisão processual do paciente, à nulidade de sua prisão em flagrante e à presença dos requisitos para a concessão da liberdade provisória. 2. Esta Corte tem adotado orientação segundo a qual há proibição legal para a concessão da liberdade provisória em favor dos sujeitos ativos do crime de tráfico ilícito de drogas (art. 44, da Lei n 11.343/06). 3. A redação conferida ao art. 2 , II, da Lei n 8.072/90, pela Lei n 11.464/07, prepondera sobre o disposto no art. 44, da Lei n 11.343/06, eis que esta se refere explicitamente à proibição da concessão de liberdade provisória em se tratando de crime de tráfico ilícito de substância entorpecente (HC 92.723/GO, rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJ 11.10.2007; HC 92.243/GO, rel., Min. Marco Aurélio, DJ 20.08.2007; HC 91.550/SP, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 31.05.2007, entre outros). (...) 8. A maior complexidade das relações sociais, bem como a verificação da crescente sofisticação das práticas delituosas mais graves e complexas, inclusive com o desenvolvimento de atividades por organizações criminosas, fazem com que seja essencial o sopesamento dos vários interesses, direitos e valores envolvidos no contexto fático e social subjacente. 9. Os critérios e métodos da razoabilidade e da proporcionalidade se afiguram fundamentais neste contexto, de modo a não permitir que haja prevalência de determinado direito ou interesse sobre outro de igual ou maior estatura jurídico-valorativa. (...) (HC 94661, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 30/09/2008, DJe-202 DIVULG 23-10-2008 PUBLIC 24-10-2008 EMENT VOL-02338-03 PP-00536) [grifei]
Para os pós-positivistas há a aceitação da normatividade dos princípios como instrumento capaz de resolver conflitos concretos, ou seja, a utilização dos princípios, sejam eles explícitos no ordenamento constitucional, ou apenas existentes como razões de ordem éticomoral[2]. E, ainda, há a tentativa de ponderação de interesses legítimos que, ao serem tratados de forma equânime, respeitando as diferenças e particularidades de cada caso concreto, estariam em maior sintonia com um Estado Democrático de Direito[3] comumente encontrado nas sociedades contemporâneas.
Afastando-se da visão positivista, o pós-positivismo prega, ao invés da separação, a interrelação entre as esferas moral, política e jurídica e, nesse desiderato, admite-se a Doutrina como fundamento para a hermenêutica jurídica que também teria um papel fundamental.
E é na Doutrina que poder-se-á encontrar fundamento para a mitigação do princípio da legalidade, este de cunho positivista, como ressaltado por Garcia de Enterría:
... quanto ao conteúdo das leis, a que o princípio da legalidade remete, fica também claro que não é tampouco válido qualquer conteúdo (dura lex sed lex), não é qualquer comando ou preceito normativo que se legitima, mas somente aqueles que se produzem “dentro da Constituição” e especialmente de acordo com sua “ordem de valores” que, com toda explicitude, expressem e, principalmente, que não atentem, mas pelo contrário sirvam aos direitos fundamentais. [4]
É certo que sem os fundamentos teóricos dos doutrinadores a tarefa de interpretação da norma-regra legislativa poderia não alcançar o grau de justiça substantiva necessária na solução dos casos difíceis (hard cases).
Importante salientar que a despeito do pós-positivismo defender a utilização de preceitos éticomorais na aplicação do direito positivo, assim como o jusnaturalismo, com este não deve ser confundido, posto que não se liga a concepções metafísicas e, ainda, sofre influência histórico-positivista. Ademais, no pós-positivismo os princípios jurídicos encontram lugar no centro do processo interpretativo, indo além do pensamento jusnaturalista de considerar os princípios apenas teoremas racionais abstratos de baixa normatividade e eficácia jurídica.
Mais uma vez, reconhecendo a força da norma-princípio será possível dar efetividade jurídica na solução dos hard cases.
Por essas diferenças em relação a ambas as escolas tradicionais, há os que defendem a existência de um pós-positivismo jurídico como uma terceira via, o que parece mais correto, ao invés de, data vênia, considerá-lo uma evolução do jusnaturalismo ou do juspositivismo, podendo o pós-positivismo abarcar várias correntes teóricas ao mesmo tempo o que, por este motivo, irá dar azo às críticas, em função da ameaça de que possa gerar indeterminação e equívocos na sua interpretação conceitual.
CONCLUSÃO
Entre as concepções tradicionais do Direito, tem-se o jusnaturalismo que admite a existência do direito natural e do direito positivo; e o positivismo jurídico no qual o Direito emana do Estado ou de fontes por ele legitimadas, numa concepção de exclusividade do direito positivo.
Ambas as correntes tradicionais não são suficientes para explicar o Direito, de tal sorte que combatendo o pragmatismo dos juspositivistas, bem como o idealismo dos jusnaturalistas, surgiram teóricos que, por suas idéias dissonantes, passaram a fazer de parte de um grupo à parte denominado pós-positivistas.
Surgidos da crise do positivismo jurídico pela falta de consideração de ordem moral nos seus preceitos, os pós-positivistas não buscam negar a importância do Direito Positivo, mas dar-lhe flexibilidade ao admitir a normatividade dos princípios na solução de conflitos concretos.
Desse modo, ao propor a interrelação moral-política-jurídica e admitir os fundamentos doutrinários, o pós-positivismo se desliga do juspositivismo. De modo semelhante, o pós-positivismo não guarda relação com o jusnaturalismo que está ligado a concepções metafísicas e não sofre influência histórico-positivista.
Assim, parece mais correta a linha de pensamento que classifica o pós-positivismo jurídico como uma terceira via, ao lado das escolas tradicionais do jusnaturalismo e do juspositivismo.
BIBLIOGRAFIA
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Notas
[1] Icílio Vanni (1855-1903), segundo NADER [2003], a maior expressão da corrente do positivismo crítico, reconhecia o significado dos valores para o Direito: “Realmente, é sem dúvida uma exigência ética ter o Direito um conteúdo intrinsecamente justo”.
[2] A CRFB/88 consagra em seu texto uma série de princípios, tais como do seu art. 1º ao 4º, nos quais são elencados os princípios fundamentais.
[3] A CRFB/88, no seu art. 1º, caput, constitui a República Federativa do Brasil em Estado democrático de direito.
[4] [ENTERRÍA apud MORAES, 2002].