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A responsabilidade do Estado e o ônus da prova no Código de Defesa do Consumidor

sob o enfoque da teoria do risco administrativo

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01/10/2001 às 00:00
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Sumário: 1.O ônus da prova. 2. A Responsabilidade Objetiva e a noção de culpa. 3. A Responsabilidade do Estado: Culpa ou Risco? 4. Conclusões.


1. O ônus da prova

O ônus da prova, no dizer de ECHANDIA é o poder ou faculdade de executar livremente certos atos ou adotar certa conduta prevista na norma, para benefício e interesse próprios, sem sujeição nem coerção e sem que exista outro sujeito que tenha o direito de exigir seu cumprimento, mas cuja inobservância acarreta conseqüências desfavoráveis.(1)

O princípio distributivo atinente ao ônus da prova tem base legal no Código de Processo Civil(2). De acordo com esse sistema, incumbe ao Autor a prova da ação e ao réu, da exceção. De modo mais simples, cada parte tem a faculdade de produzir prova favorável às suas alegações, o denominado ônus da afirmação, de que tratou ROSENBERG.(3)

Também BETTI ressalta que a divisão do ônus da prova acompanha o da afirmação, compatível com a diferente posição processual das partes.(4)

CARNELUTTI considera que o critério para determinação do ônus da prova reside no interesse na afirmação, o que se harmoniza com o conteúdo da lide e decorre de regra de experiência, segundo a qual as partes buscam a prova dos fatos que lhes sejam favoráveis.(5)

Resulta óbvio que nenhuma das partes será obrigada a (ou terá interesse em) fazer prova contrária às suas alegações, a favor do demandante adverso, ficando o tema restrito à seara da prova negativa quanto ao fato constitutivo.

Em sede de responsabilidade civil, a Lei 8.078/90, atual Código de Defesa do Consumidor (artigo 6º,VIII), contém dispositivo que permite a inversão do ônus da prova, desde que verificadas a verossimilhança do direito e a condição de hipossuficiência do demandante.

A respeito, convém ressaltar que, ao contrário da opinião de alguns doutrinadores, a simples condição de hipossuficiência não autoriza, por si só, essa modificação, pois a total ausência de evidências do indispensável nexo de causalidade redundaria em esdrúxulas situações.

ANTONIO GIDI a respeito adverte que verossímel a alegação sempre tem que ser. A hipossuficiência do consumidor, de per se não respaldaria uma atitude tão drástica como a inversão do ônus da prova, se o fato afirmado é destituído de um mínimo de racionalidade. A ser assim, qualquer mendigo do centro da cidade poderia acionar um shopping center luxuoso, requerendo, em face de sua incontestável extrema hipossuficiência, a inversão do ônus da prova para que o réu prove que seu carro não estava estacionado nas dependências do shopping e que nele não se encontravam suas compras de natal.(6)

A verossimilhança, de outro lado, com a devida venia de larga doutrina, não se resume a uma mera plausibilidade de direito, mas à evidência desse direito, como do próprio termo resulta. JOSÉ ROBERTO BEDAQUE analisa o termo concluindo que embora tal requisito esteja relacionado com aquele necessário à concessão de qualquer cautelar – o fumus boni iuris, tem-se entendido que tais expressões não são sinônimas, pois prova inequívoca significa um grau mais intenso de probabilidade da existência do direito.(7)

O instituto da antecipação da tutela consagrou o princípio da verossimilhança, aliando-o à condição de prova inequívoca. Carlo Furno fala em noção da verdade suficiente(8). Portanto, a doutrina vincula o termo verossimilhança à prévia existência de prova inequívoca do direito, ônus a cargo do demandante.

Aliás, a doutrina tem emprestado ao tema relevância que sequer foi admitida por KAZUO WATANABE, um dos autores do anteprojeto do Código de Defesa do Consumidor, o qual admite que não há uma verdadeira inversão do ônus da prova. O que ocorre, como bem observa LEO ROSENBERG, é que o magistrado, com a ajuda das máximas de experiência e das regras da vida, considera produzida a prova que incumbe a uma das partes. Examinando as condições de fato com base em máximas de experiência, o magistrado parte do curso normal dos acontecimentos e, porque o fato é ordinariamente a consequência ou o pressuposto de outro fato, em caso de existência deste, admite também aquele como existente, a menos que a outra parte demonstre o contrário. Assim, não se trata de uma autêntica hipótese de inversão do ônus da prova.(9)

Mesmo frágil a inversão, quase inócua, sendo o Poder Público parte na demanda, a questão há que ser examinada de forma adequada ao sistema de garantias processuais da Fazenda Pública.

Tais garantias (e não privilégios) decorrem da supremacia do interesse público em confronto com o individual. ALVARO MELO FILHO justifica esse sistema afirmando que significa ser no interesse público que se radica o traço determinante de legitimidade fundamentadora, perante o ordenamento jurídico, do fator discriminatório que identifica a observância do princípio da isonomia, pois é nítido que a Fazenda Pública reúne uma série de atribuições e interesses que não são de seu proveito próprio mas, sim, da coletividade que a criou.(10)

Pois bem, a respeito o atual Código de Processo Civil, artigo 320,inciso II,(11) não admite a decretação dos efeitos da revelia nas demandas que versam sobre bens indisponíveis, como é o caso da Fazenda Pública(12), encerrando, portanto, regra de presunção juris tantum a favor da Fazenda Pública, entre outras hipóteses.

ROGERIO LAURIA TUCCI preleciona que segundo opinião generalizada em direito processual, a noção de direito indisponível importa a inadmissibilidade de presunção de verdade relativa(13).

De acordo ainda com o disposto no artigo 334,IV do CPC, não dependem de prova os fatos: ... omissis .... IV- em cujo favor milita a presunção legal de existência ou veracidade.

LUIS EDUARDO BOAVENTURA PACIFICO afirma a respeito que a presunção produz, pois, uma modificação do tema de prova.(14). E, ocorrendo presunção, não importa o posicionamento das partes no processo, o ônus da prova será sempre atribuído àquele a favor de quem a presunção não milita, preleciona PONTES DE MIRANDA(15). RAPAHEL CIRIGLIANO também afirma que estas presunções dispensam o ônus da prova àquele que as tem a seu favor.

As disposições do Código de Defesa do Consumidor que revelam idêntica hipótese de inversão legal do ônus da prova, merecem trato de convivência com as de regra geral, especialmente quando a norma especial não as tenha revogado expressamente.

A jurisprudência tem enfatizado essa posição, a exemplo do que se destaca:

Indenização. Danos causados pelo exercício de profissão liberal. Má prestação de serviços médicos. Prova de culpa necessária. Incumbência que compete ao Autor, porquanto a responsabilização objetiva de nenhuma forma pode afastar-se das normas gerais processuais atinentes ao ônus probatório. Aplicação do parágrafo 4o do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor. (16)

Do corpo desse acórdão consta ainda que nem se diga que o Código de Defesa do Consumidor consagra um direito novo, desligado do antigo; antes, o que existe é o direito antigo revelado em posições novas e mais atuantes.(17)

Ademais disso, CARLOS ROBERTO BARBOSA MOREIRA admite que a distribuição do ônus probatório, nos litígios envolvendo consumidores, assim como nos demais de natureza civil, se submete, em princípio, às normas do artigo 333 do CPC, pois o direito processual codificado é o direito comum, que obedece todo e qualquer procedimento, salvo naquilo que o texto específico diversamente porventura disciplina ou que com o seu sistema seja incompatível.(18).

Além disso, essa modificação no campo probatório não decorre das circunstâncias do caso ou de determinação judicial, mas de imperativo legal, sujeito a interpretação restritiva.(19)

LUIS EDUARDO BOAVENTURA PACIFICO menciona a respeito que as normas de inversão do ônus probatório, referindo-se expressamente à Lei 8078/90, revestem-se desenganadamente de caráter excepcional e, como tal, só podem ser interpretadas restritivamente: Exceptiones sunt strictissimae interpretationis. (20)

Revela-se então inadmissível a aplicação das regras de inversão do ônus probatório contra a Fazenda Pública, porque incompatível com as normas de distribuição contempladas em nosso Codex, plenamente vigente.


2. A responsabilidade objetiva e a noção de culpa.

A responsabilidade objetiva, conquanto referida a fato de outrem, não dispensa, de per se, a aferição de culpa, muito embora, de modo subjetivo, esteja ligada a pessoa apenas indiretamente conectada ao fato danoso.

Inúmeros juristas consideram que, nesses casos, há um elo ligando o responsável ao ato praticado pelo culpado, considerando, por isso, de fato próprio a imputabilidade. O artigo 1521 do Código Civil(21) contempla hipóteses taxativas, que não resistem a evidência de que a responsabilidade objetiva deriva do dever de custódia legal outorgado aos indicados, revelado insuficiente à cautela exigida, o que resulta de negligência, elemento formador da culpa civil.

A exemplo, ALVINO LIMA em sua clássica obra afirma que a responsabilidade do pai ou da pessoa a quem legalmente compete a vigilância do menor será elidida, uma vez que o civilmente responsável prove que não houve de sua parte culpa ou negligência. Não haverá, pois, a responsabilidade, provando-se que o ato do menor ou tutelado não resultou de deficiência, de ausência de educação ou de qualquer outro fato imputável ao responsável.(22)

A doutrina considera, portanto, subsidiária a responsabilidade civil denominada objetiva e, se fundada na culpa indireta, não carece desse fundamento o reconhecimento da indenizabilidade, desde que não esteja fundada no simples risco.

Portanto, risco e culpa são teorias opostas, mas ambas podem integrar individualmente o conceito de responsabilidade objetiva, dependendo das circunstâncias do caso em exame. O fabricante que coloca seu produto em circulação responde pelo risco da atividade mercantil, independente de culpa, exceto se esta for o móvel da demanda, quando, independente da natureza da imputabilidade, o autor deverá provar a ocorrência de negligência, imprudência ou imperícia subsidiárias.

Nesse caso estaremos então postos diante de hipótese de responsabilidade objetiva com pressuposto de culpa do agente, porque assim apresentou-se o fundamento da demanda e assim deverá ser julgada, sob pena de nulidade.

A respeito do vício de que padece a sentença que altera a causa de pedir pronunciou-se com destaque o Prof. ARRUDA ALVIM:

"A decisão "extra petita" poderá consistir num pronunciamento excedente sobre o pedido (pedido imediato) propriamente dito, como ainda será "extra petita" se, conquanto atendido o pedido, tal ocorra por outro fundamento jurídico. Assim, se alguém solicita desquite, fundado em injúria grave e o juiz decretar o desquite, mas baseado em adultério, padece tal sentença de referido vício.."(23).

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"Nula é a sentença que altera a causa de pedir e o pedido", decidiu o Supremo Tribunal Federal (24).

Na mesma linha de raciocínio, TERESA ARRUDA ALVIM PINTO preleciona que " a ´causa petendi´ tem a função de identificar o pedido, exatamente da mesma forma que os fundamentos do decisório delimitam o seu sentido. Assim, deve-se entender que a identidade entre o objeto do pedido e o objeto da sentença envolve também a identidade da causa de pedir (da petição inicial) e de fundamento (da sentença).." (25).

Resulta claro que os limites da lide fixarão a espécie de teoria aplicável ao caso em exame e, mesmo objetiva a responsabilidade em relação à pessoa, a alegação de culpa indireta conduz, necessariamente, ao afastamento do aspecto do risco.

3.A responsabilidade do Estado: Culpa ou Risco?

Na linha de raciocínio antes desenvolvida, temos evidenciado que a responsabilidade civil do Estado, prevista no artigo 37, parágrafo 6º da Constituição Federal(26), tanto pode ser apurada em razão do risco da atividade pública, como em decorrência da culpa verificada no desempenho dessa atividade, por seus agentes.

De acordo com MENEGALE a responsabilidade do funcionário público é o substratum da responsabilidade do Estado; onde de fato não houve responsabilidade direta do funcionário, não pode haver responsabilidade indireta do Estado.(27)

Em regra, a responsabilidade do Estado tem, portanto, fundamento na atitude culposa do agente, que tenha liame com o dano verificado, estando a cargo do demandante o ônus da prova a respeito, conforme antes verificado.

HAURIOU apud JOSÉ DE AGUIAR DIAS, ao comentar a teoria do risco administrativo, adverte que apenas excepcionalmente se deve utilizar o risco como pressuposto necessário à responsabilidade civil, quando insuficiente a teoria da culpa e que a evolução da culpa para o risco depende de obra legislativa e não de interpretação jurisprudencial.(28)

CAIO TÁCITO acompanha esse entendimento, afirmando que o sistema que encontra ressonância na jurisprudência brasileira é o da culpa administrativa, reservando-se o princípio do risco aos casos excepcionais consagrados em lei.(29)

A exemplo, a responsabilidade por conduta omissiva do poder Público, não prescinde da demonstração de culpa, " determinando-se então a responsabilidade pela teoria da culpa ou da falta de serviço, seja porque este não funcionou quando deveria normalmente funcionar, seja porque funcionou mal ou funcionou tardiamente"(30),como afirma CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO.

O mesmo Autor afirma que "o Estado só responde por omissões quando deveria atuar e não atuou..", vale dizer: quando descumpre o dever legal de agir. Em uma palavra:: quando se comporta ilicitamente ao abster-se"(31). E ainda: " A responsabilidade por omissão supõe dolo ou culpa em suas modalidades de negligência, imprudência ou imperícia, embora possa tratar-se de uma culpa não individualizável na pessoa de tal ou qual funcionários, mas atribuída ao serviço estatal genericamente"(32), para concluir que " só o exame concreto dos casos ocorrentes poderá indicar se o serviço funcionou abaixo do padrão a que estaria adstrito por lei"(33).

Essa doutrina tem larga aceitação e agora, independente do fundamento da ação, a alegação de omissão estatal não poderá ser analisada sob o aspecto do risco, sendo defeituosa a inicial que contenha essa causa de pedir na hipótese aqui versada.

Isso porque a omissão decorre do descumprimento de dever legal, atento à regra constitucional do artigo 5º, inciso II(34) e somente no exame do caso concreto se poderá avaliar a responsabilidade do ente público, obviamente sob a égide da ilicitude civil.

Há outras hipóteses em que o Poder Público não pode estar adstrito à responsabilidade decorrente do risco administrativo, por exemplo, quando o ato praticado não esteja revestido do caráter administrativo, equiparando-se a Administração ao particular, para esse efeito.

Típico exemplo ocorre nos acidentes de trânsito. A exemplo, anote-se a orientação jurisprudencial que se destaca:

"Em se tratando de delito de trânsito, a questão deve ser focada pelo ângulo da responsabilidade subjetiva, pois não pode interpretá-la sob a modalidade do risco administrativo. O ato de dirigir veículo não pode ser confundido ou interpretado como sendo um ato administrativo, ou seja, manifestação da Administração Pública, que, agindo em tal qualidade, procura adquirir, resguardar, transferir, modificar, extinguir e declarar direitos, ou, ainda, impor obrigações aos administrados ou a si própria"(35)

"Não se aplica o princípio da responsabilidade objetiva do Estado, quando se trata de colisão de veículos" (36)

"Em se tratando de acidente de veículos, é entendimento desta Câmara que não se aplica na hipótese a teoria do risco administrativo, devendo, em conseqüência, ser provada a culpa da Administração"(37)

Na verdade, tal qual o direito comum, a teoria do risco administrativo, que é aquela decorrente da atividade extracontratual do Estado por atos de gestão, rende ensejo à responsabilidade independente da averiguação de culpa, porque de risco exclusivamente se trata, quando o ato lícito praticado pela Administração Pública tenha efeitos danosos sobre o indivíduo, de caráter genérico e anormal, sendo inexigível da parte o sacrifício a ela imposto, em benefício da coletividade.

HELY LOPES MEIRELLES aborda o tema afirmando que, na avaliação do risco administrativo, não se cogita da culpa da Administração, bastando que a vítima demonstre o fato danoso e injusto ocasionado por ação ou omissão do Poder Público. Ensina o Mestre que tal teoria baseia-se no risco que a atividade pública gera para os administrados e na possibilidade de acarretar danos a certos membros da comunidade, impondo-lhes ônus não suportado pelos demais, concorrendo, portanto, todos os demais administrados para a reparação, sendo o risco e a solidariedade social os suportes dessa doutrina.(38)

ELCIO TRUJILLO, autor de obra exclusivamente dedicada ao assunto, coloca como pressuposto da indenizabilidade decorrente da atividade lícita do Estado, o ato lícito que venha a causar um prejuízo especial e anormal, isto é, ato impositivo de sacrifício e não, simplesmente, restritivo de direito.(39) Ainda assim, o ato deverá ter natureza administrativa e revela-se em razão do risco imposto pela atividade pública.

Disso resulta que o ato lícito, decorrente de atividade de natureza administrativa e que venha a causar restrições de direitos a toda uma coletividade, com fundamento no interesse público, não pode gerar qualquer direito indenizatório.

JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO , em obra antiga, dedicada à discussão do tema da responsabilidade do Estado por ato lícito à luz do ordenamento da época, considera que a necessidade de apuração de culpa na conduta do agente estatal tem como pressuposto a aplicação do direito privado e que a teoria do risco administrativo somente se verifica na seara da atividade lícita do Poder Público.(40)

O mesmo Autor afirma que a Administração Pública não poderia ser responsável independentemente da averiguação de culpa, em qualquer hipótese, a menos que se considere – hipótese inaceitável – a máquina

estatal e todas as suas ramificações, como excepcionalmente perigosa, tornando indenizáveis situações que não se enquadram como típicas de risco ou de perigo.(41)

WEIDA ZANCANER BRUNINI, atualmente considerada a Autora que mais diretamente enfrentou a questão da abrangência da teoria do risco administrativo, inicia a abordagem do tema afirmando que o ato ilícito não tem a natureza de encargo atribuído pelo Poder Público ao particular, em razão da atividade administrativa, pois a ninguém será exigida tolerância nessa hipótese.(42)

A Autora relata a posição de AMARO CAVALCANTI, que admite a responsabilidade do Estado com pressuposto de culpa baseado na teoria da representação. Argumenta que a causalidade tem a sua explicação natural e fácil no princípio da representação, segundo a qual, o Estado é causa eficiente do ato lesivo, por tê-lo querido e praticado pelo seu funcionário ou representante.(43)

Todavia, relatando o posicionamento de vasta doutrina, acaba concluindo a Autora que o fundamento da responsabilidade do Estado reside no exame da licitude do ato e do nexo de causalidade, resolvendo-se dessa forma na teoria objetiva.(44)

Muito embora evidenciado o acerto da posição da ilustre doutrinadora, no deslocamento da teoria do risco administrativo exclusivamente para as hipóteses de ato lícito, não se pode admitir que o reconhecimento da ilicitude da conduta administrativa resultaria na desnecessidade de verificação de culpa, porque esta é elemento daquela. Segundo Alvino Lima, o ato ilícito, como denominação genérica, compreendendo o delito e o quase-delito da antiga doutrina, é um todo, do qual a culpa é apenas um dos elementos.(45)

Assim, mais defensável será a posição que admite a que responsabilidade objetiva pode abarcar o fundamento da culpa indireta, nos casos necessários e quando em exame a atividade ilícita da Administração Pública, como antes demonstrado, do que aquela que insere na teoria do risco as hipóteses de atividade ilícita.

No campo da prova, em sede de risco, aplica-se à hipótese as regras gerais do código de processo civil, cabendo ao demandante a prova do nexo de causalidade (e não de culpa, porque não se cogita de ilicitude) e à Fazenda Pública o ônus relativo à prova das causas excludentes – que resume a teoria da ação a cargo do autor e da exceção a cargo do réu, abordada no primeiro capítulo.

Isso porque a Constituição Federal não consagrou a teoria do risco integral, podendo ser elidida a responsabilidade civil do Estado mediante a prova de ocorrência das excludentes civis (culpa da vítima, caso fortuito, etc...).

A responsabilidade do Estado por ato lícito, portanto, tem como pressuposto o nexo causal entre os fatos e o dano causado, certo que a teoria do risco integral não encontra previsão legal em nosso ordenamento jurídico, a teor do artigo 37 parágrafo 6o. da Constituição Federal.

Essa disposição representa reedição do artigo 107 da anterior Carta Magna, a respeito do qual já se havia manifestado o Supremo Tribunal Federal:

"Responsabilidade Civil do Estado. Culpa exclusiva da vítima. O art. 107 da Constituição não adotou a teoria do chamado risco integral. Precedentes do STF"(46)

De fato, "não se qualifica como antijurídico, excluída desse modo a responsabilidade civil do Estado, o dano que tem como causa exclusiva o dolo ou a culpa grave do próprio prejudicado, sem que nenhuma falha da Administração, ou culpa anônima do serviço possa ser identificada como causa, ainda que concorrente, na verificação do evento danoso" (47).

Como já teve oportunidade de ressaltar o E.Tribunal de Justiça de São Paulo, "o risco administrativo não significa que a Administração deva indenizar sempre e em qualquer caso o dano sofrido pelo particular, significa que a vítima fica dispensada de provar a culpa da Administração" (48)

Assim, quanto ao ônus probatório, a teoria do risco administrativo não submete o Estado a nenhum tipo de inversão apenas porque dispensada a vítima da prova de culpa da Administração Pública.

É que a culpa, nesse caso, não se revela como pressuposto do reconhecimento da responsabilidade do Estado, sendo de todo irrelevante qualquer exigência de prova a respeito.

Resta todavia, ao Autor, o ônus da prova quanto ao fato constitutivo de seu direito, especialmente o nexo de causalidade entre a atuação estatal e o resultado apontado, bem como a anormalidade e especificidade da exigência pessoal decorrente da imposição administrativa.

Incumbe ainda ao demandante provar o dano e sua extensão, também como fatos constitutivos do direito reclamado.

Em se tratando, como visto, de atos administrativos a respeito dos quais o reconhecimento da indenizabilidade tenha como pressuposto a

culpa indireta da Administração, seja porque esse tenha sido o móvel da demanda, seja porque a natureza do ato não guarde equivalência com o risco da atividade pública, como nos casos de conduta omissiva e de atos praticados sem caráter administrativo, à parte incumbe o ônus da prova a respeito da ilicitude do ato, além do nexo de causalidade e do dano verificado.

Também não se pode modificar o regime de apuração quando se discuta a responsabilidade do Estado com base em relação protegida pelo Código de Defesa do Consumidor, seja na hipótese de culpa, seja na de risco, porque, como antes demonstrado, a regra de inversão do ônus da prova a favor do consumidor não implica na revogação do sistema probatório do Código de Processo Civil, muito menos das regras atinentes ao Estado em juízo, garantidoras do interesse público.

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Sobre a autora
Mirna Cianci

procuradora do Estado de São Paulo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CIANCI, Mirna. A responsabilidade do Estado e o ônus da prova no Código de Defesa do Consumidor: sob o enfoque da teoria do risco administrativo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 51, 1 out. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2159. Acesso em: 25 dez. 2024.

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