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Análise dos decretos regulamentares no campo de incidência do ICMS.

Regulamentação para fiel execução da lei ou limitação dos direitos nela conferidos?

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09/05/2012 às 15:55
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A edição dos decretos regulamentares vem vilipendiando os direitos conferidos na lei e na Constituição, confirmando que a tributação atual possui como norte a maximização da arrecadação e não a colocação do contribuinte no centro do sistema, em descompasso com o neoconstitucionalismo.

RESUMO

A presente pesquisa possui como objetivo geral analisar os Decretos Regulamentares e os seus limites, no âmbito da tributação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS e, objetivamente, estudar a tripartição dos poderes, desde a sua origem até o presente momento; a figura dos Decretos e as delegações de competências de acordo com a CF/88, bem como as suas espécies; dissecar o ICMS, buscando os aspectos da sua hipótese de incidência e respectivo fato gerador; e por fim, de forma pontual, observar como o Estado da Paraíba, utilizando-se dos Decretos, tem legislado em matéria de ICMS. Dentre as considerações finais, percebeu-se que o princípio constitucional da separação dos poderes, previsto no art. 2º da CF/88, encontra-se em crise com a supremacia do Poder Executivo que: legisla, no âmbito tributário, através de Decretos Regulamentares (usurpando a competência do Legislativo. O Decreto Regulamentar trata-se de ato normativo secundário, cuja norma primária é a lei que o vincula e impõe os seus limites. Todavia, não poderíamos deixar de reconhecer que este instrumento legal inova no ordenamento jurídico na medida em que constitui procedimentos novos, com a ressalva de que não pode o Executivo, a pretexto de estar regulamentando a lei, criar obrigações para o contribuinte não previstas nela. Se o Decreto executivo divergir do sentido e do conteúdo da norma legal que o ato secundário pretendeu regulamentar, ter-se-á crise de legalidade, com possível inconstitucionalidade reflexa ou oblíqua, cuja apreciação não se revela possível em sede jurisdicional concentrada. Conclui-se pela ilegalidade praticada pelo Executivo, em editar Decretos Regulamentares, vilipendiando os direitos conferidos na lei e na própria Constituição, reforçando a tese de que a tributação atual possui como norte a maximização da arrecadação e não a inclusão do contribuinte no centro da tributação, o que demonstra o seu congelamento no tempo e o descumprimento do neoconstitucionalismo.

PALAVRAS-CHAVE: Decreto Regulamentar. Inconstitucionalidade. ICMS.

SUMÁRIO: Considerações iniciais. Capítulo I – TRIPARTIÇÃO DOS PODERES. Contornos históricos da tripartição dos poderes. 1.2. Tripartição dos Poderes no ordenamento jurídico brasileiro. Capítulo II – DELEGAÇÃO DE PODERES NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. Capítulo III – DOS DECRETOS. 3.1. Espécies de Decretos. 3.2 Do Decreto Regulamentar. Capítulo IV – CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS SOBRE O ICMS. Capítulo V – DECRETO REGULAMENTAR DO ICMS NO ESTADO DA PARAÍBA. 5.1. Da definição de mercadoria para fins tributários pelo Regulamento do Estado da Paraíba. 5.2. Da incidência de ICMS sobre operações entre estabelecimentos do mesmo titular. 5.3. Da restrição da isenção do ICMS para portadores de deficiência pelo Decreto Estadual da Paraíba. Capitulo VI – DECRETO DA PARAÍBA SOBRE COBRANÇA DE ICMS NAS COMPRAS ON-LINE. CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.


CONSIDERAÇÕES INICIAIS.

Para analisar os Decretos Regulamentares e os seus limites, no âmbito da tributação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS, faz-se mister retroagir no tempo, buscando a origem e a separação das funções primordiais do Estado, para compreender o atual estágio de (des)harmonia e (in)dependência dos Poderes, pois “não é possível desvincular o direito atual das causas que determinaram a sua juridicidade” (AZEVEDO, 2010, p. 23), até porque o direito não surgiu espontaneamente, pelo contrário, sempre esteve condicionado a incontáveis ordens de realidade, nunca estáveis, mas dinâmicas e que se alternam conforme igualmente se modificam outros inumeráveis fatores que a vida continuamente proporciona.

Sendo assim, nos reportaremos ao passado para tentar compreender os traços atuais dos Decretos Regulamentares e os seus limites, bem como analisar, no presente, a (in)observância ao princípio constitucional da separação dos Poderes e as conseqüências advindas destas condutas.

A presente pesquisa possui como objetivo geral analisar os Decretos Regulamentares e os seus limites, no âmbito da tributação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS e, objetivamente, estudar a tripartição dos poderes, desde a sua origem até o presente momento; a figura dos Decretos e as delegações de competências de acordo com a CF/88, bem como as suas espécies; dissecar o ICMS, buscando os aspectos da sua hipótese de incidência e respectivo fato gerador; e por fim, de forma pontual, observar como o Estado da Paraíba, utilizando-se dos Decretos, tem legislado em matéria de ICMS.

O método de abordagem utilizado foi o indutivo. Partimos de uma premissa particular que é a usurpação das funções do Legislativo pelo Executivo que utiliza os Decretos para regulamentar o ICMS, para chegarmos às conclusões expostas neste estudo. Os métodos de procedimento utilizados foram o histórico e o comparativo. A técnica de pesquisa utilizada foi a investigação bibliográfica. Exploramos os contornos da literatura através dos mais variados materiais publicados em livros, jornais, revistas, bem como na Internet.


1. TRIPARTIÇÃO DOS PODERES.

1.1. Contornos históricos da tripartição dos poderes.

Remonta à Antiguidade a noção de que o Soberano editava regras, administrava a coisa pública (res publica) e protegia o seu território, além de executar as leis já existentes; e, por fim, decidia as questões controvertidas, solucionando os conflitos.

Quanto à questão do exercício dos poderes, desde os filósofos antigos já se cogitava a necessidade de limitação do poder dos governantes. Platão, no Diálogo das leis, já doutrinava que não se deveria estabelecer uma autoridade demasiadamente poderosa e sem freio nem paliativos.

Ainda na Grécia Antiga, Aristóteles, discípulo de Platão e fundador do Liceu, na obra A Política, percebeu que o governo exercia três funções: a legislativa, a executiva e a administrativa, bem como “considerava injusto e perigoso atribuir-se a um só indivíduo o exercício do poder” (DALLARI, 2000, p. 218).

Ressalve-se que, nesse momento histórico, não se cogitava a separação destas funções, pois a fragmentação do poder retardaria o processo de tomada de decisões, além de enfraquecer a defesa do Império e fragilizar o processo de ampliação dos seus domínios.

Em que pesem as contribuições de Aristóteles, a teoria do sistema de freios e contrapesos[1] – em que os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário exerciam as suas funções e eram reciprocamente controlados uns pelos outros; na medida em que o Legislativo editava atos normativos gerais e abstratos, estes seriam, por sua vez, executados pelo Executivo, observando os limites legais, e, existindo extrapolação desses poderes, o Judiciário atuaria fiscalizando-os e julgando os seus excessos – não possui suas raízes no pensamento aristotélico.

A história notícia que foi o filósofo inglês John Locke, de forma pioneira, que buscou sistematizar a separação dos poderes – certamente com base no Estado Inglês do Séc. XVII –, identificando quatro funções (legislativa, judiciária, executiva e federativa) exercidas pelos dois órgãos do poder (Legislativo e Executivo), sendo as funções legislativa e judiciária atribuídas ao parlamento e as executiva e federativa ao Rei. Percebe-se, neste contexto histórico, de forma mais nítida, a preocupação quanto à concentração das funções de legislar e aplicar as leis na mesma pessoa ou entidade. Locke, como defensor da tese supramencionada, afirmava que a lei, para ser subsumida imparcialmente, não poderia ser aplicada pelos mesmos homens que a construíam, logo, seria necessária a separação entre o Legislativo e o Executivo.

Para Locke, o Poder Legislativo, com a função precípua de legislar, era o principal dos poderes, sendo, inclusive, a função jurisdicional a ele atrelada. Noutro giro, a função perene de aplicação das leis era do Executivo e a incumbência de se relacionar com os estrangeiros, seja formando alianças seja decidindo sobre a guerra ou paz, caberia ao Federativo[2].

Mesmo sendo de John Locke a noção de separação dos poderes, foi apenas com Montesquieu, na sua obra O Espírito das Leis, que tal separação ganha sistematização e força. A teoria da separação dos poderes “apresentava a figura dos três poderes, o legislativo, o executivo e o judiciário, exercendo seus papéis harmonicamente e independentes entre si, separação esta que hoje é prevista em quase totalidade das constituições” (SILVA, 2007, p. 04).

Frise-se que a teoria originária da separação dos poderes de Montesquieu – que surgiu para se contrapor e frear o Absolutismo vigente naquela época (século XVII) – apresentava a separação das funções do Estado em órgãos que, mesmo harmônicos, exerciam a sua função típica sem interferência dos demais poderes. Neste ínterim, caberia ao legislativo instituir as normas gerais e abstratas, ao executivo aplicá-las e punir, e ao judiciário julgar os litígios postos a sua apreciação.

Destacando a limitação das atribuições do Executivo, na visão de Montesquieu, Dallari (2000, p. 218) elenca que “as leis, elaboradas pelo legislativo, deveriam ser cumpridas pelos indivíduos, e só haveria interferência do executivo para punir quem não as cumprisse”.

Pela redução das funções do Executivo, a teoria da separação dos poderes, da forma como externada por Montesquieu, nos tempos modernos, foi flexibilizada, superando a rígida separação formal e reorganizando o Estado de modo a conciliar a necessidade de eficiência administrativa com os princípios democráticos. Ademais, passou a delegação de poderes, com as devidas ressalvas, a ser admitida pelo constitucionalismo moderno, considerando a própria dinâmica da sociedade e do Direito.

1.2. Breve análise da Tripartição dos Poderes no ordenamento jurídico brasileiro.

Para analisar a tripartição dos poderes no ordenamento jurídico brasileiro atual, utilizaremos a Constituição Imperial de 1824 como ponto de partida.

Após a independência do Brasil, que ocorreu em 1822, o Imperador Dom Pedro I outorgou a 1ª Constituição do país e a única durante o período Imperial. Diz-se outorgada, porque ele dissolveu a Assembléia Constituinte brasileira em 1823 e, no ano seguinte, impôs o texto constitucional, cuja elaboração não teve a participação popular, prevalecendo o autoritarismo e a imposição pela força.

A Constituição Imperial de 1824 previa a existência de 04 (quatro) poderes: o Moderador, o Judiciário, o Executivo e o Legislativo. O Poder Moderador era exercido exclusivamente por D. Pedro I, que fiscalizava os demais e tinha autonomia de anular as decisões dos outros três poderes, bem como chefiava o Poder Executivo, com a participação dos ministros de Estado nomeados por ele. Quanto aos Poderes Legislativo e Judiciário, noticia a história, que eram acessórios, servindo aos interesses do Imperador e sem possuir autonomia nem independência.

Com a Proclamação da República e o surgimento das Constituições Federais de 1891, 1934, 1937, 1946, 1967 e a atual de 1988[3], percebe-se, quanto à separação dos poderes, que essas constituições aboliram o Poder Moderador, permanecendo apenas os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário.

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A Carta Magna de 1988, no seu art. 2º, dispõe que “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.” Harada (2007, p. 01), de maneira circunstanciada, abordando a função típica desses poderes, bem como a fiscalização recíproca existente entre eles, leciona que:

O Poder Legislativo, preponderantemente, exerce a função de criar normas jurídicas gerais e abstratas. Porém, existe um processo para sua formação no qual o Executivo participa, quer tomando a iniciativa de lei, quer sancionando ou vetando a proposta legislativa aprovada pelo Parlamento.

O Poder Executivo é aquele incumbido de, preponderantemente, aplicar as leis e administrar os negócios púbicos, isto é, governar.

O Poder Judiciário é aquele voltado, fundamentalmente, para a administração da justiça, mediante aplicação da lei às hipóteses de conflitos de interesses, objetivando a sua composição de forma imparcial. Não participa do processo legislativo, mas cabe-lhe a prerrogativa de declarar a inconstitucionalidade das leis, não as aplicando nestes casos.

Ressalve-se que o art. 60, §4º, inc. III da CF/88 assevera que não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir a separação dos poderes, garantindo o status de cláusula pétrea ao princípio em tela[4].

É cristalina a importância da separação dos poderes, com a sua fiscalização recíproca – teoria dos freios e contrapesos –, para garantir os direitos fundamentais dos cidadãos e contribuintes, impondo limites à atuação Estatal.

Todavia, ultrapassando o plano teórico e abstrato desse princípio, e alcançando a realidade fática, percebe-se que a teoria não se subsume à prática, pois a independência dos poderes no Brasil sempre foi alvo de severas críticas quanto às interferências exercidas entre eles, chegando ao ponto de hoje deflagrar uma verdadeira crise de identidade dos poderes.

O atual Poder Executivo, em muito se assemelha ao Poder Moderador, previsto na Constituição de 1824, pois aquele busca, incessantemente: 1) legislar, principalmente em matéria tributária, através de Medidas Provisórias e Decretos Regulamentares; 2) burlar os entendimentos consolidados da Suprema Corte, como criar uma contribuição sobre iluminação pública[5] para mascarar a inconstitucionalidade da taxa de iluminação pública que, segundo orientação do STF, não podia ser custeada senão por meio do produto da arrecadação dos impostos gerais[6] (nos quais não se inclui as contribuições!); 3) nomear como Ministro da Corte Suprema advogado com notável saber jurídico questionado pelo Senado[7] e com estreitos laços com o Partido dos Trabalhadores – PT, o que compromete a parcialidade dos seus julgamentos quando envolvam os interesses da União e do PT e, consequentemente, a independência do Poder Judiciário frente ao Poder Moderador, digo, Executivo; 4) interferir na autonomia financeira do Poder Judiciário, realizando corte indevido no seu orçamento para 2012, quando constitucionalmente cabe, exclusivamente, ao Poder Legislativo deliberar sobre as propostas orçamentárias encaminhadas pelos tribunais[8].

Infelizmente, essa triste realidade da supremacia do Poder Executivo se reflete não apenas na esfera federal, como também na estadual, distrital e municipal, gerando, indubitavelmente, desequilíbrio dos poderes com consequências drásticas para a Democracia e para a sociedade.


1.                  DELEGAÇÃO DE PODERES NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988.

Pois bem, se outrora a delegação legislativa era proibida, sendo a atividade de legislar privativa do Poder Legislativo, hodiernamente tal assertiva não poderá prosperar, pois, pela dinâmica da sociedade e do Direito, e considerando que a lei, pelo seu caráter geral e abstrato, não consegue exaurir as matérias legisladas a ponto de serem auto-aplicáveis, faz surgir a necessidade da delegação legislativa para que o Executivo, como executor da norma, possa aplicá-la, observando determinados procedimentos.

Para exercitar a sua função típica, que é administrar, o Poder Executivo precisa legislar (função atípica) regulamentando a forma como a lei será cumprida pelos particulares e pelos próprios funcionários públicos.

E é neste viés que surge a possibilidade do chefe do Poder Executivo editar Medidas Provisórias e Decretos.

Considerando que o objeto do presente estudo são os Decretos Regulamentares no âmbito tributário, não iremos nos ater à inconstitucionalidade/imoralidade da utilização desenfreada das Medidas Provisórias pelo Chefe do Executivo para alterar os aspectos da hipótese de incidência dos tributos, que é matéria constitucionalmente atribuída ao Poder Legislativo.


2. DOS DECRETOS.

Conforme leciona Di Pietro (2006, p. 240), o “decreto é a forma de que se revestem os atos individuais ou gerais, emanados do Chefe do Poder Executivo (Presidente da República, Governador e Prefeito)”. Antes da Emenda Constitucional nº. 32/2000, os decretos eram definidos como atos administrativos de competência exclusiva do Chefe do Poder Executivo, destinados a efetivar situações gerais ou individuais, abstratamente previstas em lei. Todavia, a partir da supramencionada EC nº. 32, o conceito de decreto sofreu alteração em virtude do ingresso, no ordenamento jurídico pátrio, do decreto autônomo, cujas premissas iniciais serão expostas abaixo.

2.1. Espécies de Decretos.

No ordenamento jurídico brasileiro existem, salvo melhor juízo, três espécies de decretos, o autônomo, legislativo e regulamentar.

O Decreto autônomo, com previsão no art. 84, inc. VI da CF/88, permite ao Presidente da República organizar e determinar o funcionamento da administração federal – quando não implicar aumento de despesas nem criação ou extinção de órgãos públicos – e extinguir funções ou cargos públicos, quando vagos[9].

O Decreto legislativo, insculpido no art. 59, inc. VI da CF/88 – que é o instrumento normativo utilizado para materializar as competências exclusivas do Congresso Nacional, previstas nos incs. I a XVII, do art. 49[10], da Carta Magna – retira sua validade diretamente da Constituição, sem a existência de qualquer norma intermediária, inovando no ordenamento jurídico, criando direitos e/ou obrigações em caráter geral e abstrato. Em face da ausência de regulamentação constitucional dessa matéria, cabe ao próprio Congresso Nacional discipliná-lo (MORAES, 2004, p. 589).

E, por fim, o Decreto Regulamentar, com previsão no art. 84, inc. IV da CF/88, através do qual o chefe do poder Executivo pode expedir decretos e regulamentos para a fiel execução da lei.

2.2 Do Decreto Regulamentar.

O Decreto Regulamentar, no âmbito tributário, possui fundamento no art. 84, inc. IV da CF/88, bem como nos arts. 96 e 99 do CTN, que dispõem, respectivamente, que:

Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:

[...]

IV - sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução;

Art. 96. A expressão "legislação tributária" compreende as leis, os tratados e as convenções internacionais, os decretos e as normas complementares que versem, no todo ou em parte, sobre tributos e relações jurídicas a eles pertinentes.

Art. 99. O conteúdo e o alcance dos decretos restringem-se aos das leis em função das quais sejam expedidos, determinados com observância das regras de interpretação estabelecidas nesta Lei. (Destaques inexistentes no original)

Neste sentido, podemos conceituar o Decreto Regulamentar como ato normativo oriundo do chefe do Poder Executivo, que disseca a lei buscando a sua fiel execução pela administração pública e pelos administrados. De forma técnica, Geraldo Ataliba (apud Mussi, 2009, p. 2) calcifica que:

Consiste o chamado poder regulamentar na faculdade que ao Presidente da República – ou chefe do Poder Executivo, em geral, Governador e Prefeito – a Constituição confere para dispor sobre medidas necessárias ao fiel cumprimento da vontade legal, dando providências que estabeleçam condições para tanto. Sua função é facilitar a execução da lei, especificá-la de modo praticável e, sobretudo, acomodar o aparelho administrativo, para bem observá-la.

Ressalve-se que este Decreto não é da competência do Legislativo, porque é o Executivo que administra os efeitos oriundos da lei, sendo, por esta razão, o mais indicado para dispor sobre as peculiaridades operacionais do comando legal, bem como regulamentar a sua materialização. Por esta razão, Canotilho (1993, p. 909) afirma que “os regulamentos não constituem uma manifestação da função legislativa, antes se revelam produtos da função administrativa”. Quanto a sua posição no ordenamento jurídico brasileiro, Cretella Júnior (apud Mussi, 2009, p. 2) assevera que:

[...] representam os regulamentos o grau mais alto na esfera administrativa, logo abaixo das normas legais, sendo a complementação destas. Pelo nosso sistema constitucional são os regulamentos aprovados por decreto executivo e a sua amplitude só encontra limites nos textos legais regulamentados.

Na esfera tributária, o Decreto Regulamentar disciplina os procedimentos que serão realizados pelos contribuintes junto à administração pública, bem como os praticados pelos agentes públicos para que os comandos legais sejam concretizados.

Neste ínterim, podemos afirmar que o Decreto Regulamentar trata-se de ato normativo secundário cuja norma primária é a lei que o vincula e impõe os seus limites. Todavia, não poderíamos deixar de reconhecer que este ato inova no ordenamento jurídico, na medida em que constitui procedimentos novos, com a ressalva de que não pode o Executivo, a pretexto de estar regulamentando a lei, criar obrigações para o contribuinte não previstas nela. Ou seja, este Decreto não pode ser contra legem, nem praeter legem, nem ultra legem, nem extra legem, mas exclusivamente, intra legem e secundum legem (CARRAZZA, 2002, p. 323).

E é com base nesta última assertiva que iremos tecer as devidas considerações sobre os limites do Decreto Regulamentar no campo do ICMS.

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Sobre o autor
Saulo Medeiros da Costa Silva

Doutorando em Direito e Ciências Sociais pela UMSA/AR. Pós-graduado em Direito Tributário pelo IESP. Graduado em Ciências Jurídicas pela UEPB. Ex-Diretor Administrativo e Membro do Conselho Fiscal do Instituto Paraibano de Estudos Tributários – IPBET. Presidente da Comissão de Estudos Tributários da OAB/PB – Subseção de Campina Grande. Professor de Direito Tributário e Financeiro da Escola Superior da Advocacia – ESA, Subseção de Campina Grande/PB e do Centro de Ensino Superior Reinaldo Ramos – CESREI. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Saulo Medeiros Costa. Análise dos decretos regulamentares no campo de incidência do ICMS.: Regulamentação para fiel execução da lei ou limitação dos direitos nela conferidos?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3234, 9 mai. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21721. Acesso em: 2 nov. 2024.

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