3 CONSIDERAÇÕES PONTUAIS ACERCA DO ABONO DE PERMANÊNCIA
A EC nº 41/2003 não repetiu a terminologia utilizada pela EC nº 20/1998. Ao invés de isenção, preferiu chamar “abono de permanência”, instituto destinado a poupar o servidor dos ônus contributivos, incentivando-o a permanecer em atividade, ganhando como isso tanto o próprio servidor como também a Administração Pública; aquele, por receber maior remuneração; e esta por poder contar com um profissional experimentado durante mais algum tempo, pagando-lhe apenas remuneração e tendo como contraprestação os serviços, ao invés de pagar proventos ao aposentado, cumulados com a remuneração de outro servidor que o substituiria.
O abono de permanência foi previsto tanto mediante regra que se incorporou ao texto da Constituição Federal como também por regras de natureza transitórias, constando apenas do texto da própria Emenda Constitucional nº 41/2003.
3.1 O abono de permanência como regra permanentes da Constituição Federal
Como regra incorporada ao texto da Constituição, o abono de permanência refere-se às hipóteses das regras permanentes de aposentadoria do art. 40 da CF, na forma do disposto no seu § 19, que assim prescreve:
Art. 40 [...].
[...].
§ 19. O servidor de que trata este artigo que tenha completado as exigências para aposentadoria voluntária estabelecidas no § 1º, III, a, e que opte por permanecer em atividade fará jus a um abono de permanência equivalente ao valor da sua contribuição previdenciária até completar as exigências para aposentadoria compulsória contidas no § 1º, II. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003).
[...].
A hipótese beneficia o servidor que implementa os requisitos da aposentadoria por idade e tempo de contribuição (art. 40, § 1º, III, “a”) e opta por continuar em atividade, sendo-lhe outorgado um plus salarial como forma de incentivá-lo a permanecer em atividade.
Diferentemente da isenção, uma vez caracterizado o direito do servidor ao abono de permanência, este se estende até que o servidor decida por sua aposentadoria, requerendo-a, ou até completar os seus 70 anos de idade, quando então será alcançado pela aposentadoria compulsória.
3.2 O abono de permanência como regra transitória da EC nº 41/2003
Outras hipóteses de abono de permanência figuram no próprio texto da EC nº 41, constando das suas regras transitórias, nos seu art. 3º, § 1º e art. 2º, § 5º, assim dispondo:
Art. 2º Observado o disposto no art. 4º da Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998, é assegurado o direito de opção pela aposentadoria voluntária com proventos calculados de acordo com o art. 40, §§ 3º e 17, da Constituição Federal, àquele que tenha ingressado regularmente em cargo efetivo na Administração Pública direta, autárquica e fundacional, até a data de publicação daquela Emenda, quando o servidor, cumulativamente:
I - tiver cinqüenta e três anos de idade, se homem, e quarenta e oito anos de idade, se mulher;
II - tiver cinco anos de efetivo exercício no cargo em que se der a aposentadoria;
III - contar tempo de contribuição igual, no mínimo, à soma de:
a) trinta e cinco anos, se homem, e trinta anos, se mulher; e
b) um período adicional de contribuição equivalente a vinte por cento do tempo que, na data de publicação daquela Emenda, faltaria para atingir o limite de tempo constante da alínea a deste inciso.
[...];
§ 5º O servidor de que trata este artigo, que tenha completado as exigências para aposentadoria voluntária estabelecidas no caput, e que opte por permanecer em atividade, fará jus a um abono de permanência equivalente ao valor da sua contribuição previdenciária até completar as exigências para aposentadoria compulsória contidas no art. 40, § 1º, II, da Constituição Federal.
Art. 3º É assegurada a concessão, a qualquer tempo, de aposentadoria aos servidores públicos, bem como pensão aos seus dependentes, que, até a data de publicação desta Emenda, tenham cumprido todos os requisitos para obtenção desses benefícios, com base nos critérios da legislação então vigente.
§ 1º O servidor de que trata este artigo que opte por permanecer em atividade tendo completado as exigências para aposentadoria voluntária e que conte com, no mínimo, vinte e cinco anos de contribuição, se mulher, ou trinta anos de contribuição, se homem, fará jus a um abono de permanência equivalente ao valor da sua contribuição previdenciária até completar as exigências para aposentadoria compulsória contidas no art. 40, § 1º, II, da Constituição Federal.
4 A ISENÇÃO E O ABONO DE PERMANÊNCIA – SEMELHANÇA E DISTINÇÃO
Como já destacado, as reformas no âmbito securitário são imposições da evolução do próprio sistema, quase sempre estando relacionadas com a questão do custeio, haja vista a premente necessidade de manutenção do equilíbrio financeiro e atuarial, de modo a que os valores arrecadados possam fazer face aos valores utilizados no pagamento dos benefícios e serviços previdenciários.
Apesar de as mudanças verificadas quase sempre serem prejudiciais aos direitos dos servidores, até mesmo por observância ao princípio da segurança jurídica, que exige estabilidade das relações jurídicas e respeito da ao princípio da confiança legítima, ou seja, a boa-fé dos servidores que acreditaram na validade dos atos praticados pelo poder público, cuidou-se também em estabelecer certas garantias e prerrogativas àqueles que estivessem no serviço público quando da implementação de cada reforma, tudo em homenagem ao direito adquirido ou simplesmente em curso, a exemplo das regras transitórias, tão comuns em matéria previdenciária.
Nesse diapasão, foram criadas as “vantagens pecuniárias relativas ao custeio”, consistentes na isenção, fruto da EC nº 20/1998, que daria origem ao abono de permanência, estabelecido pela EC nº 41/2003.
Com a Lei nº 10.887/04, que regulamenta a EC nº 41/2003, o legislador infraconstitucional cuidou de disciplinar o abono de permanência nos termos do seu art. 7º, assim dispondo:
Art. 7º - O servidor ocupante de cargo efetivo que tenha completado as exigências para aposentadoria voluntária estabelecidas na alínea a do inciso III do § 1º do art. 40 da Constituição Federal, no § 5º do art. 2º ou no § 1º do art. 3º da Emenda Constitucional nº 41, de 19 de dezembro de 2003, e que opte por permanecer em atividade fará jus a abono de permanência equivalente ao valor da sua contribuição previdenciária até completar as exigências para aposentadoria compulsória contidas no inciso II do § 1º do art. 40 da Constituição Federal.
Efetivamente, isenção previdenciária e o abono de permanência não se confundem e não se misturam. É o que objetivamos aqui demonstrar.
A isenção, como dito, instituída pela EC nº 20/1998, deu origem ao abono de permanência, criado pela EC nº 41/2003. Mas a isenção não se extinguiu com a EC nº 41/2003, o que só veio a ocorrer em 20 de maio de 2004, quando foi, digamos assim, “transformada” definitivamente em abono de permanência, na forma da Lei nº 10.887/04, § 1º do art. 16, assim dispondo:
Art. 16 As contribuições a que se referem os arts. 4º, 5º e 6º desta Lei[5] serão exigíveis a partir de 20 de maio de 2004.
§ 1º Decorrido o prazo estabelecido no caput deste artigo, os servidores abrangidos pela isenção de contribuição referida no § 1º do art. 3º e no § 5º do art. 8º da Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998, passarão a recolher contribuição previdenciária correspondente, fazendo jus ao abono a que se refere o art. 7º desta Lei.
[...].
Sob um aspecto geral, pode-se dizer do instituto da isenção, enquanto instituto de natureza tributária, que constitui causa de inibição do lançamento, excluindo o respectivo crédito tributário, mas não o fato gerador, tratando-se, pois, de uma dispensa legal do tributo. No caso da isenção previdenciária ora em análise, nos termos professados pela EC nº 20/98, estaria afastado, nas condições especificadas, o crédito relativo à contribuição social que seria exigida do servidor.
Noutro giro, o abono de permanência consiste numa vantagem financeira para o servidor público vinculado a regime próprio de previdência social optante pela continuação no exercício do cargo, mesmo já tendo cumprido todos os requisitos para se aposentar, equivalendo tal vantagem ao valor da contribuição previdenciária, que não será dispensada como na isenção, mas descontada e em seguida devolvida ao servidor.
Noutros termos, pelo novo instituto a contribuição social do servidor será recolhida ao tempo certo e imediatamente devolvido o correspondente valor em forma de abono, ficando registrado o regular recolhimento da contribuição social para todos os efeitos legais, mas não desfalcando o contracheque o servidor beneficiário. Este, aliás, foi o ideal que motivou a transformação da isenção em abono pecuniário, pela EC nº 41/03, porquanto na isenção o valor respectivo da contribuição social simplesmente não era descontado do contracheque o servidor, figurando normalmente na remuneração do servidor e nada contando para os diversos efeitos previdenciários.
Tal bônus será suportado pelo respectivo ente público, correspondendo ao valor descontado a título de contribuição previdenciária. Assim, o servidor continua contribuindo para o regime próprio de previdência ao qual esteja vinculado, cabendo aos cofres públicos o encargo de pagar-lhe o abono de permanência no mesmo valor da contribuição.
A mudança de isenção para abono de permanência se deu por força da nova sistemática de cálculos da renda mensal do benefício nos RPPS, que passou a ter como base não mais a remuneração do cargo efetivo, mas a média aritmética das contribuições sociais vertidas ao sistema previdenciário pelo servidor, à luz do modelo já adotado no Regime Geral de Previdência Social - RGPS.
Em suma, uma vez beneficiário do abono de permanência, o servidor continuará a recolher a sua contribuição ao Fundo Previdenciário, recebendo de volta o valor correspondente em forma de abono, o que não ocorria com a isenção. Por conseguinte o órgão de origem do servidor manterá o recolhimento da correspondente contribuição patronal, bem como também suportará o custo do abono de permanência, na forma do art. 75, § 4º, da Orientação Normativa nº 01/2007, do Ministério da Previdência Social, tudo, tendo em vista o caráter contributivo e a manutenção do equilíbrio financeiro e atuarial do sistema.
Os efeitos financeiros do abono de permanência retroagem à data do cumprimento dos requisitos para a obtenção desse benefício, inclusive, estando sujeito à tributação do Imposto sobre a Renda, pois se trata de uma parcela de natureza remuneratória, isto é, remunera o servidor público por sua permanência no serviço, ao contrário da extinta isenção que apenas o liberava de tal ônus sem qualquer outra implicância para efeito de custeio ou benefício previdenciário.
5 CONCLUSÃO
O abono de permanência, bem como a extinta isenção, estão vinculados especialmente a dois objetivos, quais sejam:
a) incentivar o servidor que implementou os requisitos para aposentar-se a permanecer na atividade do seu cargo, adiando a aposentadoria; e
b) promover maior economia ao Estado que, com a permanência do servidor na atividade, consegue postergar no tempo a dupla despesa com o pagamento de proventos e remuneração ao servidor que ocuparia a vaga deixada.
A modificação introduzida na isenção, pela EC nº 41/03, extinguindo-a, por assim transformá-la em abono de permanência, deveu-se sobretudo para acompanhar as mudanças nos critérios para o cálculo dos proventos nos regimes próprios de previdência social, que passaram a ser pela “média aritmética simples” das maiores remunerações utilizadas como base para as contribuições do servidor aos regimes de previdência a que esteve vinculado, em substituição à regra da remuneração do cargo. Assim, transformou-se o benefício pecuniário de isenção em abono, a fim de que o servidor continuasse a verter sua contribuição para o Fundo Previdenciário, cabendo ao respectivo ente público pagar-lhe o abono no mesmo valor da contribuição.
Com conseqüência disso, ao contrário da isenção, com o abono de permanência não há solução de continuidade ou lacunas na vida contributiva do servidor, o que lhe seria danoso no resultado da média aritmética simples, quando dos cálculos do futuro benefício. Consistindo, pois, o abono, como o próprio nome diz, em bônus, um “plus”, eis que há ganho na remuneração, e não em simples causa de inibição do lançamento, excluindo o respectivo crédito tributário, com se dava no caso da isenção.
Substituto da isenção, como já declinado, o abono constitui benefício de caráter pecuniário relativo ao custeio, estímulo financeiro conferido ao servidor que já poderia requerer sua aposentadoria voluntária, mas opta por permanecer no exercício do cargo, postergando o direito conquistado. Traz vantagem para o servidor, que terá um ganho salarial a mais, e para a administração pública, que não necessitará contratar um novo servidor, adiando as despesas com o pagamento dos correspondentes proventos, portanto, pagando apenas remuneração, ao invés de remuneração e proventos.
Tanto a isenção, quando existiu, quanto o abono de permanência, só alcançam as hipóteses de aposentadoria voluntária. E isto, por uma questão muito óbvia: a concessão da referida espécie de benefício envolve a opção do servidor de permanecer no exercício do seu cargo, mesmo já tendo conquistado o direito de requerer a aposentadoria. Esta disposição de vontade não ocorre em relação à aposentadoria de caráter compulsório, como é o caso da aposentadoria por invalidez e da aposentadoria aos setenta anos de idade.
O abono de permanência é também objeto de disciplinamento específico pela Orientação Normativa MPS/SPS nº 1, de 23 de janeiro de 2007 (DOU de 25/01/2007), cujo § 4º do art. 75 dispõe expressamente a concessão do abono de permanência com base em determinada regra de aposentadoria não vincula o servidor a aposentar-se por esta mesma regra, podendo aposentar-se por qualquer outra, desde que cumpridos os respectivos requisitos legais.
Importante ainda destacar que não se inclui neste rol as novas aquisições da aposentadoria prevista no art. 40, § 1°, inciso III, alínea "b", da CF/88, qual seja, a aposentadoria proporcional por idade. Esta, apesar de se tratar de uma espécie de aposentadoria voluntária, não dá direito ao benefício na forma do § 19 do art. 40, por falta de previsão legal. Entretanto, aqueles que a conquistaram até 31 de dezembro de 2003, com base nos critérios da legislação então vigente, desde que contando com, no mínimo, vinte e cinco anos de contribuição, se mulher, ou trinta anos, se homem, fazem jus ao destacado abono, que durará até o servidor se aposentar voluntariamente ou até completar 70 anos de idade, com fundamento no art. 3º, § 1º, da EC nº 41/03 e no art. 75, § 1º, da ON/MPS nº 1/07.
6 REFERÊNCIAS
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TAVARES, Marcelo Leonardo. Direito Previdenciário. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002.
Notas
[1] A contribuição dos inativos foi objeto de apreciação pelo STF (ADI nº 3.105/DF e ADI nº 3.128/DF, Rel. orig. Min. Ellen Gracie, Rel. para acórdão Min. Joaquim Barbosa, 18/08/2004, DOU de 27/08/2004).
[2] Art. 4º - Observado o disposto no art. 40, § 10, da Constituição Federal, o tempo de serviço considerado pela legislação vigente para efeito de aposentadoria, cumprido até que a lei discipline a matéria, será contado como tempo de contribuição.
[3] O art. 8º da EC nº 20/1998 foi revogado pelo art. 10 da EC nº 41/2003.
[4] EC nº 20/98,
Art. 3º [...],
§ 1º - O servidor de que trata este artigo, que tenha completado as exigências para aposentadoria integral e que opte por permanecer em atividade fará jus à isenção da contribuição previdenciária até completar as exigências para aposentadoria contidas no art. 40, § 1º, III, "a", da Constituição Federal.
[5] Art. 4º A contribuição social do servidor público ativo de qualquer dos Poderes da União, incluídas suas autarquias e fundações, para a manutenção do respectivo regime próprio de previdência social, será de 11% (onze por cento), incidente sobre a totalidade da base de contribuição.
[...].
Art. 5º Os aposentados e os pensionistas de qualquer dos Poderes da União, incluídas suas autarquias e fundações, contribuirão com 11% (onze por cento), incidentes sobre o valor da parcela dos proventos de aposentadorias e pensões concedidas de acordo com os critérios estabelecidos no art. 40 da Constituição Federal e nos arts. 2º e 6º da Emenda Constitucional nº 41, de 19 de dezembro de 2003, que supere o limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social.
Art. 6º Os aposentados e os pensionistas de qualquer dos Poderes da União, incluídas suas autarquias e fundações, em gozo desses benefícios na data de publicação da Emenda Constitucional nº 41, de 19 de dezembro de 2003, contribuirão com 11% (onze por cento), incidentes sobre a parcela dos proventos de aposentadorias e pensões que supere 60% (sessenta por cento) do limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social.
Parágrafo único. A contribuição de que trata o caput deste artigo incidirá sobre os proventos de aposentadorias e pensões concedidas aos servidores e seus dependentes que tenham cumprido todos os requisitos para obtenção desses benefícios com base nos critérios da legislação vigente até 31 de dezembro de 2003.