1. INSTÂNCIA ARBITRAL
A instância arbitral é composta por fases distintas, que se dividem em três, sendo estas: tribunal arbitral, procedimento e sentença arbitral. A instância arbitral é única, ou seja, não possui segundo grau de jurisdição, o que a torna mais rápida em relação à corte estatal.
Sublinha-se que o fato de não existir a reapreciação por uma segunda instância não compromete o contraditório, assim como a equidade entre as partes. Em sua maioria, os procedimentos arbitrais são presididos por no mínimo três árbitros especializados no mérito do conflito, o que assegura uma decisão coerente, como também o equilíbrio entre as partes.
O início da instância arbitral ocorre com a constituição do tribunal arbitral, prosseguindo com a instrução e análise do litígio, tendo como termo final o laudo arbitral, proferido pelos árbitros.
De acordo com o Professor Charles Jarrosson[1], a instância arbitral é o momento em que o procedimento arbitral se desenvolve, estendendo-se do período de instalação do tribunal arbitral até o anúncio do laudo arbitral.
2. O Tribunal Arbitral
O tribunal arbitral é o início do procedimento de arbitragem, ou seja, é a primeira etapa da instância arbitral.
No caso do MERCOSUL, João Bosco Lee[2] observa que os ordenamentos jurídicos dos países pertencentes ao bloco econômico consideram o início da instância arbitral com a instalação do tribunal de arbitral, ou seja, quando os árbitros concordam com a incumbência de resolver o litígio existente entre as partes.
O tribunal arbitral possui como “pessoa chave”[3] o árbitro, sem o qual não há que se falar em arbitragem. A constituição do tribunal ocorre no momento de apontamento dos árbitros, que são escolhidos de acordo com o convencionado entre as partes.
Observa-se que a escolha do árbitro constitui elemento fundamental para o sucesso da arbitragem, e está diretamente ligada ao princípio da autonomia da vontade; contudo, essa liberdade não é absoluta. As partes deverão respeitar, por exemplo, o número de árbitros para a constituição do tribunal arbitral, não podendo desrespeitar a ordem pública e os bons costumes.
Ressalta-se que o Brasil não possui qualquer restrição em seu ordenamento quanto ao número de árbitros, assim como a Argentina. No entanto, existem leis mais rigorosas, como no direito uruguaio, que determina que o tribunal seja composto por três ou cinco árbitros. Já a Lei Modelo da UNCITRAL estabelece que, no caso de não existir acordo, o tribunal terá, no mínimo, três árbitros.
As regras de ordem pública, as quais os envolvidos são obrigados a respeitar desde a constituição do tribunal arbitral, têm como escopo a proteção da igualdade entre as partes. Ou seja, visam assegurar um processo arbitral baseado na equidade.
O artigo 18 da Lei Modelo da UNCITRAL determina que, no momento de constituição do tribunal arbitral, “[...] as partes devem ser tratadas em pé de igualdade” [4].
Os árbitros, os quais são investidos de poder jurisdicional, podem se dividir em duas categorias: a do árbitro que julga com base no direito e a do árbitro que julga com base na equidade.
O árbitro de direito atua com base nas regras de direito, enquanto que o “amiable compositor” possui a liberdade de não aplicar a regra de direito, desde que a ordem pública seja respeitada. Na Argentina, existe também uma terceira categoria, denominada perito-árbitro, que se aplica aos casos em que a matéria discutida envolva questões de conhecimento específico.
De acordo com a doutrina, os desentendimentos que podem surgir durante o processo de instalação de um tribunal arbitral são o “[...] tendão de Aquiles da arbitragem” [5]. Esse obstáculo pode provocar a obstrução de toda a instância arbitral. Assim, como forma de evitar essas barreiras e preservar a arbitragem, várias legislações preveem a possibilidade da intervenção de um terceiro, que tem como objetivo garantir o desenvolvimento do procedimento arbitral. Dessa forma, a sua incumbência não se limita apenas à instalação do tribunal, mas também à sua manutenção.
3. O Procedimento
O procedimento arbitral, diferentemente do procedimento aplicado aos processos judiciais, é regido de acordo com a vontade das partes. A autonomia da vontade, que é comum àquelas, é o seu princípio base. No direito comparado, o poder das partes de eleger o procedimento a ser adotado é amplamente aceito.
As legislações dos países do MERCOSUL estipulam que, no caso de as partes não determinarem as regras para o procedimento, os árbitros irão escolhê-las ou será adotada a lei do local da sede do tribunal arbitral. O Brasil segue a posição segundo a qual as dificuldades oriundas do procedimento serão solucionadas pelas partes, sendo que, em caso de impossibilidade, a solução será apontada pelos árbitros.
A instauração do procedimento envolve fatores fundamentais para o sucesso da arbitragem. Podemos citar como exemplos o lugar e o tempo da arbitragem, bem como a escolha do secretário do tribunal arbitral.
A escolha do lugar para a realização do procedimento é de extrema importância, principalmente quando envolve a aplicação de leis estatais, ou mesmo quanto à nacionalidade da sentença arbitral. Já no tocante ao tempo para a duração da arbitragem, as partes têm autonomia de vontade para determiná-lo. A lei de arbitragem brasileira aponta que a sentença arbitral será proferida dentro do prazo por elas estipulado[6].
Após a instalação do tribunal arbitral, a instrução do procedimento obedecerá às regras estipuladas pelas partes. A única legislação dos países pertencentes ao MERCOSUL que adota procedimentos quanto à oitiva de testemunhas, produção de provas, entre outras, é o Brasil. O artigo 22, § 5º da lei de arbitragem brasileira (9.307/96), também estipula que, no caso de um árbitro ser substituído, o novo poderá repetir as provas já realizadas.
O árbitro, ainda que detenha poder jurisdicional, não pode exercê-lo de forma plena, uma vez que não possui o poder de tomar medidas de caráter coercitivo (imperium), de tal modo que, quando necessário, poderá utilizar-se da assistência dos tribunais estatais[7] para garantir o cumprimento da medida.
4. A Sentença Arbitral
A sentença arbitral é resultado do procedimento arbitral. O objetivo principal do tribunal é solucionar o litígio submetido à sua análise de forma decisiva. Observa-se, entretanto, que, na hipótese de as partes envolvidas na arbitragem chegarem a um acordo, o tribunal arbitral poderá proferir uma sentença arbitral homologando o acordo estabelecido.
Beat Walter Rechsteiner observa:
Na prática da arbitragem internacional estima-se que mais de 50% de todas as lides são resolvidas mediante transação entre as partes e isto durante o procedimento arbitral. Perante a Corte do Tribunal Arbitral da Câmara Internacional de Comércio de Paris (CCI) a percentagem das lides, resolvidas pela transação, atinge a 65% dos laudos ou sentenças arbitrais[8].
Algumas leis que versam sobre arbitragem permitem que as partes possam renunciar ao direito de a sentença arbitral estar fundamentada. No entanto, outras leis preveem de forma expressa a fundamentação da sentença[9].
Os requisitos formais norteadores da sentença arbitral quanto à motivação serão definidos de acordo com a legislação que será aplicada à arbitragem. A lei de arbitragem brasileira, por meio do seu artigo 26, estabelece que a fundamentação da sentença deverá ser examinada de acordo com as questões de fato e de direito, informando de forma expressa se os árbitros julgaram a lide com base na equidade.
A sentença arbitral produz entre as partes os mesmos efeitos da sentença proferida por um Juiz de Direito, no âmbito do Poder Judiciário. No caso de a decisão proferida pelo tribunal arbitral ser condenatória, a sentença constituir-se-á em um título executivo. Isso exprime o fato de que se aplicam às sentenças arbitrais as mesmas regras sobre o trânsito em julgado das sentenças judiciais.
As sentenças arbitrais deverão obedecer aos seus requisitos formais, pois, no caso de não serem atendidos, serão passíveis de ação de nulidade pelo Poder Judiciário Estatal.
5.LEI 9.307/96 – LEI DA ARBITRAGEM
A lei brasileira de arbitragem introduziu modificações de grande importância quanto à realização do procedimento arbitral no Brasil. Dentre as maiores e mais significativas alterações, podemos citar duas em especial: a possibilidade de execução específica da cláusula compromissória e a equiparação do laudo arbitral a uma sentença judicial, não exigindo a homologação da sentença do tribunal arbitral pela autoridade judiciária.
Quanto à equiparação, observa-se a crítica de José Carlos Magalhães, apontada por Jacob Dolinger:
A alteração feita pela Lei de Arbitragem ao art. 584, III, do CPC, que passou a considerar o próprio laudo arbitral como um titulo executivo judicial. Ele argumenta que laudo não é título executivo judicial, mas extrajudicial, pois não provém do Poder Judiciário O legislador deveria ter classificado o laudo arbitral como título executivo extrajudicial, o que em nada alteraria a sua executoriedade, nem em regra a dispensa a homologação judicial posterior[10].
Ressalta-se também que a lei de arbitragem equiparou à sentença judicial, tanto na esfera do direito interno quanto no âmbito internacional, os efeitos provocados pelo compromisso arbitral, como também os gerados pela cláusula compromissória. Dessa forma, quando estiver previsto no contrato firmado pelas partes o compromisso arbitral, estas estarão obrigadas a respeitá-lo, instaurando o tribunal arbitral na forma prevista no contrato.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996. Dispõe sobre a arbitragem. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/L9307.htm>. Acesso em: 20 ago. 2010.
CORTE DE ARBITRAGEM DA CÂMARA DE COMÉRCIO INTERNACIONAL. Lei modelo da UNCITRAL sobre arbitragem comercial Internacional. 1985. Disponível em:<http://www.felsberg.com.br/pdf/arbitragem_lei_modelo_uncitral.pdf>. Acesso em: 7 ago. 2010.
LEE, João Bosco. Arbitragem comercial internacional nos países do Mercosul. Curitiba: Juruá, 2009.
RECHSTEINER, Beat Walter. Arbitragem privada internacional no Brasil depois da nova Lei 9.307, de 23.09.1996: teoria e pratica. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 103.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
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DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado: arbitragem comercial internacional. Rio de janeiro: Renovar, 2003.
FINKELSTEIN, Claudio; VITA, Jonathan B.; CASADO FILHO, Napoleão (Coord.) Arbitragem Internacional: UNIDROIT, CISG e Direito Brasileiro. São Paulo: Quartier Latin, 2010.
GIUSTI, Gilberto. A arbitragem e as partes na arbitragem internacional. Revista de Arbitragem e Mediação, ano 3, n. 9, p. 120 – 133, abr./jun. 2006.
INTERNATIONAL CHAMBER OF COMMERCE. 2010. Disponível em<http://www.iccwbo.org/.>. Acesso em: 19 set. 2010.
MAGALHAES, José Carlos de. Reconhecimento e execução de laudos arbitrais estrangeiros. Revista dos tribunais, São Paulo, v. 740, p. 116-117, 1997.
MARTINS, Pedro A. Batista; LEMES, Selma M. Ferreira; CARMONA, Carlos Alberto (Coord). Aspectos fundamentais da lei de arbitragem. Rio de Janeiro: Forense, 1999.
RECHSTEINER, Beat Walter. Arbitragem privada internacional no Brasil depois da nova Lei 9.307, de 23.09.1996: teoria e pratica. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.
UNITED NATIONS. United Nation Convention on Recognition and Enforcement of Foreign Arbitral Awards – New York. 1958. Disponível em:<http://www.uncitral.org/pdf/english/texts/arbitration/NY-conv/XXII_1_e.pdf>. Acesso em: 11 out. 2010.
UNITED NATIONS COMMISSION ON INTERNATIONAL TRADE LAW. Model Law on International Commercial Arbitration 1985 with amendments as adopted in 2006. 2008. Disponível em<http://www.uncitral.org/pdf/english/texts/arbitration/ml-arb/07-86998_Ebook.pdf. Acesso em: 11 out. 2010.
Notas
[1] “l’instance arbitrale est la période qui correspond au déroulement de la procédure arbitrale; elle s’ étend du moment ou Le tribunal arbitral est constitué, jusqu’à celui ou la sentence est rendue.” (Cf. JARROSSON. Le role respectif Fe l’instituition, de l’arbitre et des parties dans l’instance arbitrale”. Rev. Arb.,1990, p. 381.).
[2] LEE, João Bosco. Arbitragem comercial internacional nos países do Mercosul. Curitiba: Juruá, 2009. p. 115.
[3] Para utilizar o termo empregado por Thomaz CLAY: “Homme clê (L’arbitre, prefácio de Ph. Foucahrd. Paris, Dalloz, 2001, p. 12). LEE, op cit., p. 115.
[4] “Artigo 18. Igualdade de Tratamento das Partes As partes devem ser tratadas em pé de igualdade e devem ser dadas a cada uma delas as possibilidades de fazerem valer os seus direitos.” CORTE DE ARBITRAGEM DA CÂMARA DE COMÉRCIO INTERNACIONAL. Lei modelo da uncitral sobre arbitragem comercial. Internacional. 1985. Disponível em:< http://www.felsberg.com.br/pdf/arbitragem_lei_modelo_uncitral.pdf>. Acesso em: 7 ago. 2010.
[5] “talon d’ Achille de l’arbitrage” FOUCHARD, E. GAILLARD; B. GOLDMAN. Traité de l’arbitrage commercial internacional. p. 499. apud LEE, op. cit., p. 137.
[6] BRASIL. Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996. Dispõe sobre a arbitragem. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/L9307.htm>. Acesso em: 20 ago. 2010. “[...] a sentença será proferida no prazo estipulado pelas partes”.
[7] Idem – Lei brasileira de arbitragem - “[...] ressalvado o disposto no § 2º, havendo necessidade de medidas coercitivas ou cautelares, os árbitros poderão solicitá-las ao órgão do Poder Judiciário que seria, originalmente, competente para julgar a causa”.
[8] RECHSTEINER, Beat Walter. Arbitragem privada internacional no Brasil depois da nova Lei 9.307, de 23.09.1996: teoria e pratica. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 103.
[9] Cf. entre outros, art. 31,2, da Lei Modelo da UNCITRAL sobre Arbitragem Comercial Internacional de 21.06.1985, com o seguinte teor: “2. A sentença será fundamentada, salvo se as partes convencionarem que não haverá lugar à fundamentação ou se tratar de uma sentença proferida com base num acordo das partes nos termos do art. 30”; e art. 32,3, do Regulamento de Arbitragem da UNCITRAL de 28.04.1976: “O tribunal arbitral exporá as razões, nas quais o laudo se baseia, a menos que as partes tenham convencionado ser desnecessária qualquer fundamentação”.
[10] Cf. MAGALHÃES, José Carlos de. Reconhecimento e execução de laudos arbitrais estrangeiros. Revista dos tribunais, v. 740, 1997. DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado: arbitragem comercial internacional. Rio de janeiro: Renovar, 2003. p. 36.