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Questões polêmicas sobre a terceirização.

23/05/2012 às 09:10
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A terceirização, como ideia, não foi discutida e sim imposta pela economia, ficando para o debate apenas a forma de aplicação prática e a responsabilização da empresa tomadora dos serviços.

Considerações necessárias.

Este pequeno texto faz menção a três situações vividas dentro do âmbito do trabalho terceirizado. Todas elas, por evidente, tratam de temas polêmicos e pouco debatidos pela doutrina e jurisprudência, quer pelo aspecto conservador de ambas, quer pela existência de súmula do TST, de número 331 que, a contar de 1993, data da edição do verbete, relegou o debate aos casos concretos, haver ou não subordinação e pessoalidade, além da responsabilidade subsidiária[1].

O que se quer aqui é rediscutir. É trazer novas considerações. Todos estes textos já foram publicados pelo site Espaço Vital[2] mas de forma separada. Entendo que a leitura conjunta pode (e deve) reforçar os argumentos de todos os três textos. É por isso que os repito na integra, sem cortes.


Reflexões sobre a terceirização.

Nos últimos anos tem surgido varias formas de flexibilização e desregulamentação dos direitos dos trabalhadores. Dentre estas, uma chama a atenção: a consagração, pelo direito, da intermediação de mão-de-obra ou “marchandage”.

O direito, por influência da economia que, atualmente, o condiciona e faz dele, no máximo, um apêndice[3], deixou de ocupar-se dos cidadãos e de seus direitos fundamentais, para voltar-se ao direito das pessoas jurídicas de direito privado de grande envergadura, movimentação econômica e faturamento[4].

E é daí que nasce a terceirização, empréstimo de mão-de-obra a título lucrativo. Não se quer aqui defender a impossibilidade da terceirização. Isso, pela leitura simples das normas jurídicas postas (e não interpretação econômica delas) se pode constatar.

Ora, o trabalhador, quando presta trabalho dentro da lógica capitalista, o faz para saciar suas necessidades de consumo e de subsistência. Mas o faz, dentro ou fora do modo de produção presente, também, porque o trabalho é um elemento de existência humana. O homem existe, o homem trabalha, tem a necessidade do trabalho. Ele (trabalho) é parte de seu ser.

E é por isso que quando o trabalhador trabalha, aliena sua existência ao tomador do trabalho. Aliena seu ser inteiro, subordinando inclusive suas vontades, sonhos e desejos. Durante oito horas quem deseja, sonha e vive não é o trabalhador, é o tomador do trabalho, isso através das ordens que dá ao seu empregado, que limita sua existência aos desejos do patrão.

Dentro desta lógica, não é possível terceirizar, ou seja, transferir o bem produzido ou o benefício do serviço prestado a terceiro. Haverá, no mundo fático, uma dupla alienação, dupla apropriação de existência, dupla apropriação de “mais valia”. Registra-se que o artigo 7º, I, primeira parte, da CF/88 preceitua como direito dos trabalhadores relação de emprego, norma esta que deve ser interpretada em consonância com o que consta do artigo 3º da CLT, que não autoriza a intermediação de mão-de-obra.

De outro lado, a cabeça do mesmo artigo 7º da CF/88 preceitua que os direitos dos trabalhadores têm por norma a melhoria da sua condição social. É por isso que, se um dos incisos atesta a relação de emprego como regra (7º, I), a interpretação a ser dada a ele deve observar o que diz o “caput” do artigo 7º, melhoria da condição social, havida em uma relação de emprego direta e não indireta (terceirização).

Interessante que com o projeto que tramita no Congresso Nacional e que quer trazer para dentro da legislação a terceirização, que já é amplamente praticada, necessário, se a norma vai permitir esta dupla alienação, que haja responsabilização solidária entre a empresa prestadora e a tomadora no caso de não-pagamento, sem prejuízo de responsabilização penal dos sócios e/ou gestores de ambas as empresas.

Esta responsabilização penal poderia ser aos moldes da legislação francesa, artigos 8234-1 e 8243-1 do código do trabalho, dez anos de reclusão e multa (no caso francês de trinta mil euros).

Assim, uma vez havendo real necessidade de determinada atividade especializada, as empresas solicitação a sub-contratação. Do contrário, contratarão elas de forma direta por ser mais simples e menos arriscado.


Reflexões sobre a terceirização – a questão da redução das desigualdades sociais e regionais.

O fenômeno da subcontratação de trabalhadores, conhecido como terceirização, ganha fôlego a cada dia no Brasil. Há, inclusive, projeto de lei (PL 4.330/04) que visa a regulamentar, em caráter geral, este instituto, hoje matéria apenas de súmula do Tribunal Superior do Trabalho.

Inicialmente, é interessante destacar que todo o debate é válido. E que cabe discutir, como fez o TST há pouco, as matérias envolvendo a legislação que trata da estrutura econômica e social do pais. O que, contudo, se deve chamar a atenção é que a terceirização, como idéia, não foi discutida e sim imposta pela economia, ficando para o debate apenas a forma de aplicação prática e a responsabilização da empresa tomadora dos serviços.

A discussão envolvendo a idéia de terceirização é essencial. Já foi dito neste espaço que a Constituição federal de 1988, pelo que preceitua seu artigo sétimo inciso primeiro, não autoriza a dupla alienação do homem. A dupla exploração da “mais valia”, característica central da subcontratação de trabalhadores onde há duas empresas que exploram a atividade de um único trabalhador.

Também já foi mencionado aqui a questão envolvendo a igualdade. Ora, a terceirização cria trabalhadores de segunda categoria dentro do mesmo ambiente de trabalho, cindindo o poder sindical (artigos 7º, XXVI e 8º da CF/88) e criando empregados mais e menos protegidos pela norma legal e coletiva. Registre-se que a Constituição federal, em seu artigo 3º, IV, proíbe qualquer forma de discriminação, não se podendo afastar do problema trazido pela subcontratação que cria, como dito, trabalhadores de segunda categoria, ou seja, uns mais iguais que os outros.

O que este pequeno ensaio busca trazer à tona neste momento é o problema envolvendo a redução das desigualdades sociais e regionais, tema central constante da Constituição federal de 1988 e que se aplica também à questão envolvendo a terceirização.

Preceitua o artigo 3º, III, da CF/88 que é objetivo da República a redução das desigualdades sociais e regionais. A República brasileira, portanto, deve ter por objetivo a redução das desigualdades sociais e regionais. Isso quer dizer que a ampla desigualdade social existente no país, a grande diferença entre ricos e pobres, entre patrões e empregados, deve ser repensada, reestudada e, o mais rápido possível, reduzida a padrões razoáveis e civilizatórios de convivência.

Ocorre que com a terceirização há um aumento da desigualdade. Isso porque ela permite a maior concentração de renda nas mãos dos tomadores dos serviços, que lucram com a redução dos custos salariais e trabalhistas, e dos prestadores de serviços que, apesar do reduzido valor cobrado junto aos tomadores, ainda assim, apropriam-se da “mais valia” do trabalhador terceirizado, pagando a estes salários bem inferiores a aqueles alcançados aos trabalhadores contratados de forma “direta”.

O que se deve ter em mente é que a média salarial dos empregados no Brasil é de R$1.800,00 ao mês[5]. A dos terceirizados é de R$1.000,00, ou seja, pouco mais da metade[6]. Não fosse isso, a média salarial dos trabalhadores passaria de R$2.000,00, com a inclusão social de boa parte da população obreira nacional, em especial os trabalhadores terceirizados, reduzindo, de fato, a desigualdade social, a diferença econômica entre ricos e pobres[7].

Note-se que os objetivos da República vinculam, por evidente, a atuação do poder público. Vinculam também o legislador, que não tem possibilidade de criar norma que infrinja qualquer dos objetivos. A lei que desrespeitar este imperativo deverá ser considerada inconstitucional por ofensa a um dos objetivos traçados pelo poder constituinte originário em 1988.

Justificar a legislação envolvendo a terceirização no fato de que ela (terceirização) “já está ai e que o que cabe é regulamentar” é, além de aceitar a intervenção direta do econômico sobre o social, permitir que, de forma indireta, a Constituição possa ser alterada pelo poder econômico, conforme conveniência deste, ao ponto de chegar (a Constituição) a ser apenas um amontoado de papel.

Aceitar, de forma passiva, norma legal atinente à terceirização, é concordar com a revogação, via transversa, da Constituição (não confundir com a chamada mutação constitucional[8]). O pior é que, daqui a pouco, o direito violado pode ser o de possuir um veículo, uma casa ou, quem sabe, de ser feliz, todos cláusulas pétreas, inalteráveis mesmo que por emenda à Constituição.

Lugar do trabalho – pertencer ou não a determinado grupo. A questão da terceirização e a exclusão de trabalhadores dentro do mesmo ambiente de trabalho.

Muito se disse e pouco se fez, no Brasil, quanto ao tema da terceirização. Até hoje a terceirização geral é regida por uma súmula de tribunal superior[9], o que atesta o descaso das autoridades para com o trabalhador e para com o trabalho humano[10].

O que se quer com este pequeno texto é complementar o que já foi dito antes a respeito da subcontratação de trabalhadores. Ela é uma forma de aumento da desigualdade social[11], pois que permite pagamento de salários mais baixos, sob a justificativa da eficiência econômica[12]. É, ainda, uma forma de dupla alienação, dupla exploração da “mais valia”, sem que uma das partes beneficiada seja responsável de forma direta em caso de inadimplemento dos valores devidos de acordo com a lei trabalhista.

Toda vez que o tomador do trabalho contrata empresa terceirizada o faz, antes, por questões econômicas. O motivo da especialização, salvo situações especiais, como são os casos dos profissionais de tecnologia da informação, é deixado para segundo plano. Até porque, por exemplo, é difícil justificar especialização de serviço de portaria e limpeza, aqueles mais atingidos pela terceirização.

O que se deve ter em conta é que a terceirização cria, dentro da mesma empresa, do mesmo endereço, do mesmo ambiente físico, duas categorias de trabalhadores. Uns são contratados pela empresa principal, contratados e pagos por esta, tendo os direitos previstos nas normas coletivas e regulamentos apresentados por ela. Os demais, contratados por interposta pessoa, recebem pagamento de salário da empresa prestadora e estão vinculados aos regulamentos e normas coletivas atinentes a esta última.

O que causa espécie é que a execução do trabalho dá-se no mesmo local, para o mesmo tomador. Há exploração da energia por parte do mesmo ente, embora o vínculo formal não seja com este. Chega-se ao absurdo de duas pessoas trabalharem a um metro uma da outra e haver variação salarial de até 80%, além de uma gama de direitos alcançados a uns e sonegados a outros.

De outro lado, os trabalhadores vinculados a interposta pessoa não pertencem à categoria ou à “família” da empresa principal, embora trabalhem para esta. Não pertencem, também, à “família” da empresa prestadora, pois que tem pouco contato com esta e com seus empregados. São pessoas que não pertencem a nenhum ambiente de forma plena. Na verdade, são “metade tomadora” (parte da exploração da mais valia), “metade prestadora” (exploração da mais valia e ordens), sem terem a sensação de estarem integrados a um ambiente de forma total.

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O que se deve lembrar é que o humano é um ser social. Ele pertence, desde que nasce, a determinado ambiente, a determinada família, sociedade, e etc. A sensação de pertencer a certo ambiente traz maior segurança e acolhida e maior capacidade de alçar desafios, em razão da segurança que esta forma de inclusão traz. Se o trabalhador terceirizado não pertence a nenhuma categoria, empresa ou ambiente de forma plena, tem violado um dos direitos de personalidade mais importantes: o de integração a determinado grupo e sensação de acolhida. E se a acolhida dá maior capacidade de desenvolvimento coletivo e intersubjetivo do ser, o fato de a terceirização não permitir isso, ela afasta a possibilidade de o homem ser inteiro.

Se o humano não pode ser inteiro por determinado elemento, este elemento não pode fazer parte das relações jurídicas. É para permitir a emancipação do ser humano também dentro do ambiente de trabalho e pelo trabalho que deve pautar a atuação da ordem jurídica nacional[13]. É necessário, para tanto, que fora da miopia presente, se veja a terceirização como ela realmente é, um elemento de exclusão social e de aumento da desigualdade material.


Considerações finais.

É dever do jurista prestar atenção à realidade que o cerca. Não se deixar levar por discursos econômicos e vazios.

Alain Supiot em sua obra Crítica ao Direito do Trabalho menciona que por mais que o jurista saiba quem faz as leis e por mais que tenha relação para com o poder econômico, não pode deixar-se levar por ele no momento de postular, opinar, defender ou julgar.[14]

Deve, ao contrário, o verdadeiro jurista lembrar-se que o trabalho é uma parte da identidade humana e que o trabalho é a reincorporação da identidade do trabalhador dentro da teoria jurídica dos contratos. E esta reincorporação passa a ser ameaçada quando este mesmo jurista cede à tentação de reduzir o sujeito à uma unidade de conta, confundindo sujeito e indivíduo. Este mesmo jurista deve lembrar aos administradores e, acrescento, economistas, que o trabalhador é um sujeito de direitos, deixando de lado o aspecto meramente econômico do trabalho humano.[15]


Notas

[1] Não nego a importância destes debates. Contudo, há algo maior, creio.

[2] www.espacovital.com.br

[3] Tanto que se diz, hoje, “interpretação econômica do direito”.

[4] Embora seja princípio da ordem econômica o favorecimento das empresas de pequeno porte, artigo 170, IX, da CF/88.

[5] http://portal.mte.gov.br/data/files/8A7C812D2E7318C8012FE039D8AA15D9/resultado_2010.pdf - acesso 19 de março de 2012 às 21h17min.

[6] http://www1.folha.uol.com.br/mercado/991990-salario-de-terceirizado-e-54-do-contratado-formal-em-sp.shtml - acesso 19 de março de 2012, às 21h23min.

[7] No Brasil, 22% dos trabalhadores são terceirizados. http://www.adutra.com.br/artigos.php?evento=ad61ab143223efbc24c7d2583be69251 - acesso 18 de março de 2012, 1h35min.

[8] “Mutação Constitucional não é a mudança do texto constitucional , mas a mudança da interpretação de um dispositivo constitucional”. http://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/935862/o-que-se-entende-por-mutacao-constitucional-heloisa-luz-correa - acesso 20 de março de 2012, às 13h56min.

“Considerar-se-á como transição constitucional ou mutação constitucional a revisão informal do compromisso político formalmente plasmado na constituição sem alteração do texto constitucional”. GOMES CANOTILLO, JJ, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra; Almedina. 7ª. Ed., 2003, p. 1228.

[9] Súmula 331 do TST.

[10] Na certa aprovar uma lei que autorize, nos exatos termos da súmyula 331 do TST, a terceirização, seria e é mais difícil do que aprovar a própria súmula. Sem querer mudar o foco, esta súmula, embora haja acórdãos do TST em sendido contrário, destacando sua importância para a garantia dos dirietos dos trabalhadores, nada mais é do que a consagração da intermediação de mão-de-obra pelo sistema jurídico, em desfavor da classe trabalhadora, o que se costumou chamar de flexibilização por via transvesa, através do poder judiciário.

[11] http://www.espacovital.com.br/noticia-26837-reflexoes-sobre-font-colorredstrongterceirizacaostrongfont-artigo-rafael-silva-marques - acesso em 24 de abril de 2012, às 22h35min.

[12] http://www1.folha.uol.com.br/mercado/991990-salario-de-terceirizado-e-54-do-contratado-formal-em-sp.shtml - acesso 19 de março de 2012, às 21h23min e http://portal.mte.gov.br/data/files/8A7C812D2E7318C8012FE039D8AA15D9/resultado_2010.pdf - acesso 19 de março de 2012 às 21h17min.

[13] SUPIOT, Alain, Critique au droit du travail, Paris, PUF, 2008, p. 149. O autor fala nesta obra sobre a civilização do contrato de emprego pela legislação social e pelos acertos coletivos.

[14] SUPIOT, Alain, Critique au droit du travail, cit., p. 267/269.

[15] SUPIOT, Alain, Critique au droit du travail, cit., p. 268.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

. Questões polêmicas sobre a terceirização.. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3248, 23 mai. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21830. Acesso em: 23 dez. 2024.

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