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Da (im)possibilidade de responsabilização do advogado em indenização por perdas e danos na litigância de má-fé

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25/05/2012 às 15:07
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É de suma importância a aplicação da sanção de indenização por perdas e danos ao litigante de má-fé e, em especial, ao advogado da parte, por meio de ação autônoma para tal fim ou em decorrência do processo disciplinar.

RESUMO: A sociedade almeja que o Poder Judiciário, no exercício de suas atribuições, as cumpra com maior agilidade e efetividade possível, isto é, desejam a razoável duração do Processo e o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva. Tais desejos se concretizam, com maior facilidade, quando, em sincronia, as partes processuais, os participantes do processo e o juiz cumprem as determinações legais e éticas, evitando, por conseguinte, a discrepância com o princípio da probidade processual. Tanto para prevenir, quanto para reprimir a litigância de má-fé, dispõe o magistrado de mecanismos eficazes contidos no Código de Processo Civil Brasileiro, dentre os quais a possibilidade de condenação do litigante de má-fé em indenização por perdas e danos. Há grande controvérsia, na doutrina e na jurisprudência, quanto à aplicação desta medida, pelo juiz, em face do advogado que age em desconformidade com o princípio da probidade processual, reputando, por conseguinte, litigante de má-fé.

PALAVRAS-CHAVE: Boa-fé. Litigância de má-fé. Probidade processual. Responsabilidade do advogado.

SUMÁRIO: 1.Introdução. 2.Responsabilidade processual por litigância de má-fé. 2.1.Das sanções previstas no ordenamento jurídico brasileiro. 2.2.Da indenização por perdas e danos. 3.Da (im)possibilidade de responsabilização do advogado em indenização por perdas e danos na litigância de má-fé. 3.1.Noções gerais. 3.2.Responsabilidade por dano processual do advogado decorrente da litigância de má-fé e a (im)possibilidade de sua condenação pessoal sob a óptica doutrinária. 3.3.Responsabilidade por dano processual do advogado decorrente da litigância de má-fé e a (im)possibilidade de sua condenação pessoal sob a óptica jurisprudencial. 3.4.Outras considerações. 4.Conclusões. Referências.


1. INTRODUÇÃO

O processo é um instrumento de justa composição do litígio e não apenas simples eliminador de conflitos. Portanto, para que possa atingir seu escopo, é imperioso que todos os participantes do processo cooperem com o Poder Judiciário, o qual assume atitude ativa e participativa. Assim, as partes, os advogados, os auxiliares da justiça e todos os que, de qualquer forma, participam do processo devem operar, de forma combinada, com o juiz ou tribunal, para que, desta forma, referida finalidade seja alcançada.

Não bastassem as diversas demandas em trâmite e a dificuldade de realizar um procedimento célere, a efetividade da prestação jurisdicional torna-se mais difícil, ainda, quando as partes e todos os que participam do processo agem em desconformidade com seus deveres processuais, utilizando-se de expedientes antiéticos, agindo de má-fé. Então, para que seja assegurado o acesso à justiça, bem como o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva e a consequente razoável duração do trâmite processual, é mister a imputação de sanções àqueles que agem em flagrante desrespeito ao ordenamento jurídico.

Por tal motivo, e visando combater eventuais condutas que infrinjam o correto proceder, e, por conseguinte, os deveres de lealdade, probidade e boa-fé processuais por todos aqueles que participam do processo, o ordenamento jurídico brasileiro prevê o instituto da litigância de má-fé. Por meio deste, o sujeito será reputado litigante de má-fé quando restar configurada a prática de ato caracterizador de má-fé, dispondo o magistrado de mecanismos bastante eficazes, quais sejam, as sanções por litigância de má-fé, que englobam as multas e as indenizações por perdas e danos, mais os honorários advocatícios e despesas processuais, expressamente previstas no arts. 16 e 18, do Código de Processo Civil.

Desta forma, tomando por base vasta pesquisa bibliográfica e jurisprudencial a respeito do tema, o presente estudo tem por finalidade a análise de uma das sanções previstas no Código de Processo Civil e aplicada ao litigante de má-fé, qual seja, a indenização por perdas e danos prevista nos arts. 16 e 18, do referido Código, dando-se enfoque, no entanto, à discussão sobre a possibilidade ou não de responsabilização pessoal do advogado em indenização por perdas e danos, quando, no exercício de sua função, pratica atos caracterizadores da litigância de má-fé.


2. RESPONSABILIDADE PROCESSUAL POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ

2.1. Das sanções previstas no ordenamento jurídico brasileiro

O ordenamento jurídico brasileiro prevê, no Código de Processo Civil, algumas sanções que podem ser aplicadas em caso de configuração de litigância de má-fé. Dispõe o art. 18 que o juiz ou tribunal, de ofício ou a requerimento, condenará o litigante de má-fé a pagar multa não excedente a um por cento sobre o valor da causa e a indenizar a parte contrária dos prejuízos que esta sofreu, mais os honorários advocatícios e todas as despesas que efetuou.

Sendo assim, diante da caracterização da litigância de má-fé, sujeita-se o litigante à aplicação das sanções de indenização por perdas e danos, mais as despesas processuais e honorários advocatícios, bem como multa. Neste diapasão, ensina Valentino Aparecido de Andrade que:

O sistema positivo brasileiro opera, assim, com duas formas principais de sanção por ato de litigância de má-fé: uma, de natureza reparatória, a abarcar os danos, materiais ou morais, que a parte adversa suporta em decorrência de conduta processual ilícita; e outra, de caráter meramente sancionador, que envolve, independentemente da ocorrência do dano, a imposição de multa.[1]

Tais sanções não constituem mera discricionariedade do juiz, o qual tem o poder-dever de prevenir e reprimir os litigantes na raia da improbidade processual, como forma não apenas de punir, mas, também, de educar, para que, assim, seja possível alcançar a justa composição do litígio. Nesse sentido, há de se destacar a decisão do Superior Tribunal de Justiça no julgamento do REsp 36.996/SP[2], de relatoria do Ministro Adhemar Maciel, com entendimento de que o processo moderno, além de prestigiar o princípio da lealdade processual, possui caráter preponderantemente público, sendo dever do juiz a prevenção e a repressão de qualquer ato contrário à dignidade e à administração da justiça.

Também nesse sentido, posiciona-se Elpídio Donizetti, ao apontar que, no decorrer do curso do processo, “o juiz tem o poder-dever de velar pela solução do litígio de forma adequada, reprimindo aqueles atos que se manifestem contrários ao desenvolvimento regular do feito e à dignidade da justiça.”[3]

Por fim, como dito alhures, são diversas as sanções que dispõe o magistrado no combate ao improbus litigator, sendo necessário, portanto, a efetiva prevenção, bem assim a repressão àquele que se conduz por meios de condutas ímprobas. Dentre tais sanções, dar-se-á enfoque, no entanto, à indenização por perdas e danos, e, em especial, à responsabilização pessoal do advogado, quando, no exercício de sua função, pratica atos caracterizadores de litigância de má-fé, o qual é objeto do presente estudo.

2.2. Da indenização por perdas e danos

A indenização por perdas e danos decorrente da litigância de má-fé é expressamente prevista no artigo 16, do Código de Processo Civil. Assim, segundo citado dispositivo, responde por perdas e danos aquele que pleitear de má-fé como autor, réu ou interveniente.

Inicialmente, deve-se observar a quem referida sanção poderá ser imputada para que, em seguida, possam ser analisadas suas peculiaridades. Desta forma, nos dizeres de Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery:

A responsabilidade por dano processual é do litigante (autor ou réu) ou interveniente (assistente). São autores ou réus, porque sujeitos da relação jurídica processual secundária, o opoente, o litisdenunciado, o nomeado à autoria que aceita a nomeação (transmuda-se em ré) e o chamado ao processo.[4]

Destaque importante diz respeito ao beneficiário da justiça gratuita, o qual não ficará isento do pagamento da reparação caso seja enquadrado como litigante de má-fé, haja vista que “a gratuidade abrange apenas os atos relacionados com a movimentação do processo, não aqueles dos quais sobrevêm a violação de dever jurídico.”[5]

Destaque-se, ainda, que o Ministério Público não responde por dano processual, nos termos do artigo acima mencionado, pois, de acordo com o art. 85, do Código de Processo Civil, será civilmente responsável quando, no exercício de suas funções, proceder com dolo ou fraude. Quanto ao juiz, também se pode afirmar que o mesmo não responde por dano processual nos próprios autos, mas somente quando, no exercício de suas funções, proceder com dolo ou fraude (art. 133, I, CPC) ou quando retardar ou deixar de praticar ato de ofício ou a requerimento da parte, depois de devidamente cientificado pelo diretor da secretaria (CPC 133, II e par. único do CPC).

Ademais, nos dizeres de Luiz Fux, os mesmos limites impostos ao exercício dos direitos em geral são aplicáveis ao exercício do direito de ação e defesa geral, razão pela qual o indivíduo, qualquer que seja sua posição na relação jurídica, que abusar ao demandar será caracterizado como litigante de má-fé, devendo, portanto, reparar as perdas e danos decorrentes da conduta desleal.[6] Assim, haverá para o improbus litigator o dever de indenizar, quando caracterizada a litigância de má-fé, ainda que tenha sido o vencedor na ação, pois referida condenação independe do resultado da demanda.

Nesse sentido, João Marcos Adede Y Castro pontua que:

Como se pode ver do artigo 20, do Código de Processo Civil, caberia ao sucumbente o pagamento dos honorários do advogado do vencedor. Mas o vencedor pode ser declarado como litigante de má-fé, o que implica em obrigação de pagar ao vencido os honorários advocatícios e todas as despesas que ele efetuou.[7]

A partir destes apontamentos, é cediço que “desinteressa para aplicação da sanção por má-fé processual se a parte ocupa a posição de demandante ou de demandado, se se sagrou ou não vencedora no processo”[8], devendo, portanto, ser condenada por litigância de má-fé caso reste demonstrado ato configurador de má-fé.

Tecidas estas considerações, passa-se a analisar em que consistem as “perdas e danos” e os “prejuízos”, constantes dos arts. 16 e 18, do Código de Processo Civil, respectivamente. Ensina Lúcio Grassi de Gouveia que “o conceito de ‘prejuízos’ do art. 18 equivale ao de ‘perdas e danos’ do art. 16.”[9] Assim, as perdas e danos constituem o conteúdo principal da sanção reparatória a que estará sujeita o autor, o réu ou interveniente, quando devidamente configurado como litigante de má-fé, devendo-se entender por perdas e danos a quantia referente ao prejuízo sofrido pelo indivíduo, incluindo neste o que ele efetivamente perdeu (danos emergentes) e o que, razoavelmente, deixou de lucrar (lucros cessantes), conforme a dicção do artigo 402, do Código Civil.

Anota Sérgio Sahione Fadel que as perdas e danos contempladas no art. 16, do Código de Processo Civil, são as de ordem processual.[10] Assim, alcançando a reparação apenas os danos diretamente decorrentes do processo, os danos que resultarem indiretamente não são passíveis de reparação pelo sistema da litigância de má-fé, o que, todavia, não prejudica a parte lesada, podendo, ainda, ser invocado com base noutro fundamento jurídico.[11]

Por sua vez, Misael Montenegro Filho, ainda no que diz respeito aos prejuízos que dão ensejo à fixação da indenização por perdas e danos, defende que, se a pretensão da parte for obter indenização por ocorrência de danos morais, deverá propor ação autônoma de indenização por perdas e danos, sem que haja a possibilidade de fixação do quantum indenizatório no processo no qual o ato que revela a litigância de má-fé foi praticado.[12] Nesse sentido, decidiu o Relator Desembargador Osmando Almeida, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, no julgamento da AC 1.0479.03.054220-9/001[13], ao afirmar que a indenização a que se refere o art. 18, do Código de Processo Civil, decorrente da má-fé processual, é aquela afeta aos prejuízos materiais e que a parte sofreu, não englobando, assim, danos morais.

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Em sentido contraposto, no entanto, Lúcio Grassi de Gouveia defende ser possível a existência de dano moral por prática de litigância de má-fé e a consequente reparação do dano moral a título de litigância de má-fé, nos próprios autos, cujo valor poderá ser desde logo fixado pelo juiz, em quantia não superior a 20% (vinte por cento) sobre o valor da causa, ou liquidado por arbitramento, de acordo com o disposto no art.18, §2º, do Código de Processo Civil, destacando-se, ainda, que referida condenação tem finalidade punitiva, bem assim compensatória, ao servir como um meio de amenizar, em parte, as consequências da lesão jurídica sofrida pela vítima.[14]

Por fim, defendendo a possibilidade de condenação em indenização por dano moral decorrente da litigância de má-fé, citado autor aponta que:

No caso do processo civil, se as condutas previstas no art.17 podem gerar danos patrimoniais, podem gerar também danos morais, posto que a parte contrária é atingida no seu direito de ter um processo governado pela probidade, sendo prejudicada muitas vezes pelo descumprimento do princípio da efetividade processual, o que lhe gera uma sofrida ansiedade.[15]

Demonstrado os posicionamentos acima, destaca-se que, há, ainda, outras considerações acerca da sanção de indenização por perdas e danos decorrentes da má-fé que devem ser ponderadas. Em primeiro lugar, observa-se que, para ser aplicada a condenação em indenização por perdas e danos, não se faz necessária, apenas, a ocorrência de uma das hipóteses previstas no Código de Processo Civil como configuradora da litigância de má-fé, devendo ser comprovada a ocorrência de efetivo prejuízo à parte. Nesse sentido, ensina Luiz Fux que “a fixação das perdas e danos pressupõe prejuízo objetivo, restando inócua a simples alegação de atuação temerária.”[16]

Também nesta linha de entendimento, ao interpretar o artigo 18, do mencionado Código processual, o Superior Tribunal de Justiça, em recente decisão no AgRg no REsp 1167320/RS[17], de relatoria do Ministro Herman Benjamin, entendeu por ser indevida a indenização por não restar comprovada a ocorrência de evidente dano causado à parte. Confirma este posicionamento a decisão tomada pela Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, no julgamento da AC 0001348-85.2006.4.03.6123/SP[18], ao pontuar que, para a caracterização do dever de indenizar, em decorrência de litigância de má-fé, faz-se necessária a verificação do efetivo prejuízo ocasionado ao adversário. [19]

Por sua vez, alguns julgados, de forma diferente dos acima expostos, acrescentam, além da necessidade de comprovação do efetivo prejuízo, a prática de uma conduta dolosa por parte do litigante de má-fé, o que nos leva a entender que, para parte da jurisprudência, ainda que caracterizada uma das condutas previstas como de má-fé e o efetivo prejuízo sofrido pela parte, resta impossibilitada a condenação à indenizá-la quando não estiver presente a conduta dolosa. Este é o entendimento firmado no REsp 756.885/RJ[20], de relatoria do Ministro Humberto Gomes de Barros, e seguido, no âmbito do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, no julgamento do AC 200151015251551[21], de relatoria do Desembargador Federal Paulo Barata.

Em segundo lugar, examina-se o caput do art. 18, do Código de Processo Civil, mais especificamente, no que diz respeito à possibilidade de o juiz ou tribunal condenar, de ofício ou a requerimento, o litigante de má-fé em indenização por perdas e danos. Referida condenação de ofício tornou-se possível com as alterações trazidas pelas Leis nº 8.952, de 13-12-1994 e nº 9.668, de 23-6-1998, as quais alteraram a redação do caput do citado dispositivo. A primeira possibilitou que o juiz exercesse atividade oficiosa e condenasse o litigante de má-fé a indenizar à parte contrária os prejuízos que esta sofreu. A segunda, alterando, novamente, o caput, incluiu na dicção do referido dispositivo legal que o tribunal também poderia, de ofício ou a requerimento, condenar o litigante de má-fé a indenizar a parte contrária dos prejuízos sofridos.

Nessa esteira, pontua Lúcio Grassi de Gouveia que:

A má-fé do litigante compromete o funcionamento da atividade jurisdicional, pelo que o legislador houve por bem admitir que o juiz ou tribunal condene de ofício o litigante de má-fé. Assim, tanto na definição desse litigante, quanto na condenação ao ressarcimento dos prejuízos, cabe poder oficioso do juiz.[22]

Nesse sentido, também, inclina-se a jurisprudência, conforme se observa no julgamento do AgRg no Ag 1226379/RS[23], relatado pelo Ministro Raul Araújo, ao destacar que o art. 18, do Código em comento, autoriza o magistrado, de ofício ou a requerimento, a condenar o litigante de má-fé. Adotando o mesmo entendimento, o Relator Ministro Vasco Della Giustina, no julgamento do AgRg no REsp 303.245/RJ[24], destacou que a jurisprudência da Corte Superior já se firmou no sentido de ser permitido ao juiz decretar de ofício a litigância de má-fé, podendo, desta forma, condenar o litigante insidioso a pagar multa e, também, a indenizar a parte contrária pelos prejuízos causados, uma vez que incumbe ao magistrado dirigir o feito, reprimindo qualquer ato contrário à dignidade da justiça e à efetividade do processo.[25]

Desta forma, vê-se que o entendimento jurisprudencial é no sentido da possibilidade de condenação de ofício do litigante de má-fé em indenização por perdas e danos, tudo em conformidade, também, com o que dispõe o caput do art. 18, do Código de Processo Civil.

Ademais, merece realce, ainda, a discussão a respeito da possibilidade de condenação solidária, nos termos do art. 18, §1º, do Código de Processo Civil, o qual dispõe que, quando forem dois ou mais os litigantes de má-fé, o juiz condenará cada um na proporção do seu respectivo interesse na causa, ou solidariamente aqueles que se coligaram para lesar a parte contrária.

Assim, na hipótese de haver mais de um litigante portando-se com má-fé, deverá o juiz acertar a responsabilidade de cada um e, sendo o caso deles serem responsáveis pelo mesmo ato ilícito, mas não haja conluio para lesar a parte contrária, a regra a ser aplicada é a da proporcionalidade sem solidariedade, motivo pelo qual, cada litigante de má-fé responderá até o limite fixado na decisão pelo juiz, de acordo com seu interesse na causa.[26] Entretanto, sendo o caso de os litigantes estarem coligados na prática de atos caracterizados de má-fé, com o intuito de prejudicarem a parte contrária, serão condenados solidariamente, a pagar não só a indenização por danos emergentes e lucros cessantes, como também honorários advocatícios e despesas efetuadas, desde que devidamente comprovado os prejuízos sofridos.[27]

Já no que tange ao quantum indenizatório, o art. 18, §2º, do Código de Processo Civil, regula que o valor da indenização será, desde logo, fixado pelo juiz em quantia não superior a 20% (vinte por cento) sobre o valor da causa, ou liquidado por arbitramento, razão pela qual resta claro que “a responsabilidade do litigante de má-fé que causa dano processual é aferida e determinada nos mesmos autos, não havendo necessidade de ser ajuizada ação autônoma para tanto.”[28]

Todavia, o juiz apenas não declarará o valor da indenização, desde logo, no caso de os possíveis prejuízos causados pelo litigante de má-fé superarem o valor de 20% (vinte por cento) do valor atribuído à causa ou se a indenização não puder ser quantificada, devendo, assim, o magistrado, na sentença, apenas reconhecer a ocorrência de litigância de má-fé e a quantificação do valor da indenização por perdas e danos ser obtida na liquidação por arbitramento. Ou seja, no caso de ser o valor efetivo do dano superior a 20% (vinte por cento) do valor da causa, o juiz deverá fixar o an debeatur (a obrigação de indenizar) e, por conseguinte, remeter às partes para a liquidação dessa parte da sentença, a qual se dará sob a forma de arbitramento, conforme estabelece o art. 18, §2º, do Código de Processo Civil.

Ainda no tocante a fixação do quantum indenizatório, frisa-se que o dispositivo ora em comento é expresso no sentido de que a indenização será fixada sobre o valor da causa, não podendo, portanto, o juiz ou tribunal fixá-la sobre o valor da condenação. Nesse sentido, o Relator Ministro Ari Pargendler, no julgamento dos EDcl no AgRg no Ag 639308/AL[29], decidiu, ao afirmar que a multa e a indenização a que se referem o artigo 18 e seu § 2º incidem sobre o valor da causa, e não sobre o valor da condenação.[30]

Anote-se, ainda, ter a indenização por perdas e danos, decorrente da litigância de má-fé, natureza jurídica processual, não nascendo por meio de negócio jurídico, nem podendo, portanto, ser objeto de transação pelas partes, em virtude de ser expressamente prevista em norma de ordem pública, bem como proteger, em um primeiro momento, as partes litigantes, e, em um segundo, a própria coletividade, objetivando, portanto, resguardar e recomendar o dever geral de lealdade e boa fé processuais, com respeito tanto ao Estado como à parte adversa.[31]

Ademais, observa-se, ainda, alguns apontamentos no que diz respeito à possibilidade de a sanção em indenização por perdas e danos decorrentes da litigância de má-fé prevista nos arts. 16 e 18, do Código de Processo Civil, ser cumulada com outras sanções. No que tange à cumulação com a multa prevista como conseqüência do ato atentatório ao exercício da jurisdição, isto é, o contempt of court, apontam Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery que a condenação em indenização por perdas e danos:

pode ser imposta cumulativamente com a pena pelo embaraço à atividade jurisdicional (contempt of court), prevista no CPC 14 V e par.ún., porque os bens jurídicos ofendidos e seus titulares são diferentes: o dever de não causar embaraço ao exercício da atividade jurisdicional e o Estado-juiz (contempt of court) e o dever de probidade e a parte prejudicada (litigância de má-fé).[32]

É possível, também, a cumulação com a sanção de multa prevista no caput do art. 18, do Código de Processo Civil. Acerca desta condenação cumulativa, não há maiores controvérsias, estando os Tribunais[33] condenando o litigante de má-fé nas sanções acima mencionadas, cumulativamente, e, em conformidade com o disposto no art. 18, do Código de Processo Civil.

Ressalta-se, também, que, caso o litigante insista na prática reiterada de condutas configuradoras da má-fé, o juiz ou tribunal, de ofício ou a requerimento, o condenará por meio da aplicação de sucessivas sanções. Nesta linha de entendimento, Luiz Fux posiciona-se ao ensinar que “a prática reiterada da litigância de má-fé autoriza o juiz a impor repetidas sanções.”[34] Por esta razão, o litigante de má-fé poderá ser condenado mais de uma vez, no mesmo processo, se praticar diversos atos caracterizadores da má-fé, cumprindo-se, portanto, a finalidade de punir o improbus litigator.

Há, ainda, importante observação em relação à aplicação do princípio do contraditório e ampla defesa, expressamente previstos no art. 5, inc. LV, da Constituição da República Federativa do Brasil, o qual dispõe que aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. Por expressa disposição legal, bem como em obediência aos princípios consagrados no dispositivo em comento, é que o juiz ou tribunal deverá, antes de manifestar-se a respeito da configuração da má-fé e, por conseguinte, declarar o litigante como de má-fé e condená-lo às penas previstas no art. 18, do Código de Processo Civil, dar-lhe oportunidade para defender-se.[35]

Nesse sentido vem decidindo os Tribunais, como se observa no julgamento do REsp 84.835/SP[36], de relatoria do Ministro Demócrito Reinaldo, ao assinalar haver violação ao art. 17, do Código de Processo Civil, quando a parte é condenada por litigância de má-fé sem que lhe tenha sido dada oportunidade de defesa. Não bastasse, no REsp 250.781/SP[37], de relatoria do Ministro José Delgado, decidiu-se que, para a condenação em litigância de má-fé, é imprescindível o preenchimento de três requisitos, dentre os quais se inclui a necessidade de que à parte tenha sido oferecida oportunidade de defesa. Além disso, a decisão proferida deverá indicar os fatos concretos que a motivaram, não sendo, portanto, suficiente a simples indicação genérica de que houve violação aos deveres processuais e a ocorrência da litigância de má-fé.[38]

Por fim, importante destacar que os atos de litigância de má-fé e a consequente sanção da indenização por perdas e danos poderiam ser evitadas se os litigantes agissem com cautela e atenção, bem como se observassem os preceitos éticos e os deveres a eles impostos. Contudo, reputando-se litigante de má-fé a parte, o réu ou o interveniente, a sanção de indenização por perdas e danos deve ser aplicada com o fito de que a prestação jurisdicional seja prestada de forma efetiva, bem assim seja reprimida qualquer conduta não aceitável e contraposta ao princípio da probidade processual.

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Sobre a autora
Maria Catarina Lopes Calado

Bacharela em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco – UNICAP Pós-graduanda em Ciências Penais na Universidade Anhanguera - UNIDERP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CALADO, Maria Catarina Lopes. Da (im)possibilidade de responsabilização do advogado em indenização por perdas e danos na litigância de má-fé. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3250, 25 mai. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21872. Acesso em: 23 abr. 2024.

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