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A regulação brasileira do registro de nomes de domínios em perspectiva comparada

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03/06/2012 às 08:35
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6. ANÁLISE COMPARATIVA DOS MODELOS DE GESTÃO DE CCTLD

Nos últimos anos, especialmente após 2005, os atores estatais ganharam força política no ciberespaço, com apoio do Conselho Consultivo Governamental da ICANN – GAC e da UIT. A percepção dos estados nacionais quanto à necessidade de exercerem sua autoridade governamental sobre a gestão dos ccTLDs passou a ficar mais clara, e não encontrou muita resistência (PARK, 2009). E foi nesse contexto que diversos países passaram a adotar ações destinadas a consolidar a atuação do Estado no que tange ao registro de nomes de domínios.

Além de se tratar de infraestrutura crítica para a internet de cada país (UNIÃO EUROPÉIA, 2009), os nomes de domínios, assim como sua gestão, têm peculiaridades que exigem um diálogo constante entre o Direito e o uso dessa tecnologia. Aspectos como a proteção ao consumidor, à privacidade e à propriedade intelectual e industrial, bem como a necessária legitimação e accountability da atuação estatal (direta ou indireta) sobre esses serviços, acabam por exigir a criação de marcos regulatórios destinados a garantir a harmonia entre o arcabouço normativo de cada país e a prestação desses serviços sob a tutela do Estado. Ademais, a relevância do serviço para a coletividade requer mecanismos de participação e controle social em questões que envolvem a gestão do ccTLD.

A apresentação dos benchmarks da França, Suécia, Colômbia e Suíça teve como propósito destacar os esforços dos governos desses países com vistas a formalizar a sua atuação sobre a gestão do registro de nomes de domínios, face à relevância nacional e ao interesse coletivo envolvidos. Como visto, foi necessária, nesses países, a aprovação de marcos regulatórios destinados a legitimar a intervenção do Estado na prestação do serviço.

Esses marcos legais definiram qual a entidade pública responsável por regular o serviço. Estabeleceram também a competência regulatória da entidade, que, em geral, se dá por meio da edição de normativos e pelo acompanhamento e fiscalização das atividades exercidas pelo operador do ccTLD. Nos casos da Suíça e da Colômbia, destaca-se a regulação econômico-financeira do serviço. Além disso, obrigações do operador – como encaminhamento de relatório de atividades à autoridade reguladora – critérios de segurança e eficiência, entre outros, são matérias abordadas pela nova legislação aprovada.

Assim como nesses quatro países, o arcabouço jurídico brasileiro exige autorização legal para que haja intervenção estatal no domínio econômico. Apesar disso, desde 1995, o Comitê Gestor da Internet no Brasil intervém na prestação dos serviços de registro de nomes de domínios sem que haja lei dispondo sobre a matéria. O CGI.br, de maneira efetiva, sistematizada e permanente, atua como um regulador técnico e econômico-financeiro dos serviços prestados por uma associação privada, o NIC.br. Sem amparo em lei, o Comitê impõe obrigações ao NIC.br e aos usuários dos serviços prestados, chegando a ser o responsável por estabelecer os preços a serem cobrados dos usuários pela associação privada.

A exemplo da experiência internacional apresentada anteriormente, uma vez tendo o Estado Brasileiro optado por intervir no serviço de gestão do ccTLD, é imperioso que adote as providências cabíveis visando suprir a lacuna legal de que hoje padece a regulação exercida pelo CGI.br.

Para um adequado tratamento legislativo da matéria no Brasil, é especialmente relevante a experiência francesa. Em primeiro, pelas similaridades existentes entre os direitos francês e brasileiro quanto às formas de delegação da execução de serviços públicos e quanto ao princípio da legalidade (DI PIETRO, 2007). Em segundo, pelo conteúdo da recém-aprovada Lei Francesa 2011-302, que abordou de maneira ampla as garantias necessárias aos stakeholders do sistema de registro de nomes de domínios quanto aos direitos de propriedade intelectual, livre iniciativa, liberdade de expressão e de comunicação. Além disso, em recente decisão, o Conselho Constitucional Francês reconheceu que a liberdade de expressão poderia estar em risco no contexto da gestão do sistema francês de nomes de domínios, e que o quadro normativo deveria salvaguardá-la.

Os marcos legais apresentados pela experiência internacional na França, Suíça e Colômbia fixam também os modelos de delegação dos serviços de gestão dos seus ccTLDs. Nos três casos, instituíram-se processos transparentes e isonômicos para selecionar, por prazo determinado, o operador do ccTLD nacional. Nesses processos, são efetuadas consultas e chamamentos públicos, a fim de proporcionar a ampla participação de interessados, e a delegação é formalizada por meio de contrato. No caso da Colômbia, a delegação é feita por meio de concessão, precedida de licitação.

No Brasil, por seu turno, a delegação da gestão do ccTLD ao NIC.br foi formalizada, em 2005, por meio da Resolução-CGI 1/2005, mas não tem amparo legal e não foi precedida de qualquer tipo de consulta pública.

A relação entre o NIC.br e o CGI.br é de sujeição de um ente privado a regras estabelecidas por um ente público, para exercer atividades de interesse da coletividade. Contudo, na relação existente entre essas duas entidades, não se vislumbra a aplicação formal de nenhuma figura contratual ou instrumento de gestão previsto no Direito Administrativo Brasileiro.

A doutrina enfatiza que a imposição da colaboração de particulares com o interesse público deve atender aos pressupostos próprios dessas requisições, com observância às leis e aos princípios que regem tais relações entre o Estado e os particulares, a exemplo da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, economicidade e eficiência. Somente atendendo-se a esses requisitos o Poder Público e a sociedade poderão ser capazes de controlar, supervisionar e acompanhar as atividades desempenhadas pela entidade privada no decorrer do tempo.

O NIC.br é responsável por aplicar parte das receitas recebidas com a prestação do serviço de registro de nomes de domínios em prol do desenvolvimento da internet. Ora, sem que haja um contrato, ajuste, termo de parceria qualquer instrumento formal de gestão, não há como o Estado orientar, estabelecer metas ou fiscalizar a aplicação desses recursos. Um serviço regulado pelo Estado requer uma governança pública orientada para o planejamento e a transparência dos resultados alcançados.

A saudável separação entre o regulador e o regulado também parece não ser tão clara quanto o que se observa nas quatro experiências internacionais apresentadas, tendo em vista que o NIC.br foi criado por integrantes do CGI.br, e três dos sete integrantes de seu conselho de administração são representantes do Comitê Gestor (NIC.BR, 2010b). Observa-se, desse modo, que o processo de escolha do NIC.br como gestor do ccTLD, ao contrário do que foi visto nas experiências da França, Suíça e Colômbia, não resultou de um processo que proporcionasse a ampla participação de interessados em prestar o serviço.

Por fim, nas experiências internacionais apresentadas, o modelo comercial adotado é o de múltiplos registradores, ou seja, o operador do ccTLD concentra apenas as funções que se consistem em monopólio natural. Diversos registradores operam nesses países em um ambiente competitivo de disputa de preços cobrados, qualidade do serviço e de serviços adicionais prestados aos usuários.

Diferentemente dos casos apresentados, no Brasil, o NIC.br exerce o papel de monopolista, não somente de atividades que são tipicamente consideradas como monopólio natural, como a guarda do repositório consolidado dos registros de nomes de domínios sob o “.br”, mas também de atividades que poderiam ser segregadas e atribuídas a outras entidades.

No modelo verticalizado atualmente vigente, o NIC.br faz as vezes de gestor do ccTLD e de registrador, ao tempo que poderia haver uma multiplicidade de registradores no mercado nacional competindo por preços, qualidade e prestado serviços de valor agregado. Desse modo, pode ser que esteja ocorrendo uma monopolização desnecessária de atividades que poderiam ser atribuídas a diversos registradores, a exemplo do que ocorre em países como a França, Suíça, Suécia e Colômbia.


7. CONCLUSÃO

Existe um consenso de que muitos são os impactos sociais, políticos e econômicos que a internet vem ocasionando nos países. A rede mundial de computadores hoje interfere na geografia dos estados nacionais e nas suas dinâmicas internas, afetando a economia, a segurança, a soberania e o cotidiano da sociedade.

De acordo com a União Européia (2011), para que os indivíduos tenham acesso à internet, é necessário que a infraestrutura da rede esteja funcionando de maneira contínua e estável. Portanto, decisões tomadas no âmbito da gestão dos recursos críticos da internet, a exemplo do registro de nomes de domínios, podem exercer uma influência direta sobre o exercício da liberdade de expressão e o direto de transmitir e receber informações.

Nesse contexto, sobressai a relevância da gestão do registro de nomes de domínios, de tal forma que é crescente a preocupação dos governos nacionais em exercer alguma autoridade sobre esse serviço (OCDE, 2006). De fato, a soberania dos estados nacionais sobre seus respectivos ccTLDs foi reconhecida tanto pelo Comitê Consultivo Governamental da ICANN (2005) quanto pela Organização das Nações Unidas, por meio da UIT (2008), e pela OCDE (2006).

Para que a autoridade governamental possa ter legitimidade sobre a gestão de um ccTLD, é essencial que a intervenção do Estado sobre o serviço seja feita com amparo no arcabouço normativo vigente no país. Em algumas situações, é necessária a aprovação de lei que disponha sobre o papel da autoridade governamental na gestão desses recursos e que reflita o interesse público por meio da discussão prévia junto aos stakeholders envolvidos e à sociedade.

Esse processo de legitimação e de formalização da atuação do Estado sobre a gestão do ccTLD não é tarefa fácil. A discussão sobre o modelo a ser adotado e a positivação das regras que confiram legalidade à intervenção estatal em um serviço que, na maior parte das vezes, foi originalmente atribuído a entes não-governamentais, pode se estender por anos. As experiências internacionais expostas neste trabalho evidenciam os esforços dos governos da França, Suíça, Suécia e Colômbia destinados a legitimar a atuação estatal sobre os seus respectivos ccTLDs.

No Brasil, a partir da compreensão histórica e institucional da gestão do “.br”, pode-se deduzir que o Poder Executivo tem intenção de regular o serviço, e o faz – de modo permanente e sistematizado – desde 1995, com a criação do Comitê Gestor Internet do Brasil. O Governo Brasileiro reconhece oficialmente o NIC.br como operador do ccTLD, bem como as funções que ele desempenha. Ocorre, entretanto, que a matéria ainda não foi disciplinada pelo Congresso Nacional, mas tão somente regulamentada pelo Poder Executivo, o que se demonstrou ser insuficiente para legitimar tal atuação estatal na esfera das relações privadas concernentes ao registro de nomes de domínios.

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Se é intenção do Estado regular a gestão do registro de nomes de domínios sob o “.br”, deve o mesmo buscar amparo legal, pois a Constituição Federal restringiu a possibilidade de interferência estatal na ordem econômica. É essencial que as medidas interventivas estejam previstas em lei e sejam executadas pela União ou por seus delegatários legalmente autorizados. Sem atender a essas condições, não há que se falar em legitimidade na atuação estatal nos serviços de registro de nomes de domínios, atribuição de endereços IP e administração do ccTLD “.br”.

Não se busca, neste trabalho, criticar a atuação do gestor do “.br” ou do comitê regulador dos serviços. O propósito, ao se evidenciar o descompasso entre a legislação brasileira e a atuação regulatória do CGI.br – bem como a delegação recebida pelo NIC.br – é suscitar o debate sobre o modelo de governança da internet adotado no país. Afinal, foi a partir de questionamentos e do debate que se iniciou o processo de elaboração dos marcos regulatórios hoje estabelecidos para a gestão dos ccTLDs da França, da Suíça, da Colômbia e de diversos outros países.

As dificuldades enfrentadas pela aplicação, pela Administração Pública, de políticas públicas voltadas ao desenvolvimento da internet, especialmente em temas relevantes como infraestrutura e interoperabilidade, são muitas vezes ocasionadas pela falta de amparo legal (BRASIL, 2011). Esse parece ser o caso da gestão do ccTLD brasileiro, em que a promoção do desenvolvimento da internet no Brasil é parcialmente financiada por uma associação privada, o NIC.br, que não está legalmente obrigada a cumprir as políticas públicas e os regulamentos editados pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil.

Dados recentes da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios apontam a existência de 68 milhões de internautas, com crescimento de 21% em relação ao ano anterior (IBGE, 2010). Além disso, o País tem hoje mais de 2,6 milhões de nomes domínios registrados sob o “.br”, número que tem se incrementado a uma taxa média de 24% ao ano (CETIC.BR, 2011), constituindo-se no sétimo maior ccTLD do mundo em número de registros.

Esses números, ao tempo que evidenciam um crescimento vertiginoso, no Brasil, quanto ao uso de recursos da rede mundial de computadores, expressam a dimensão dos diversos desafios a serem enfrentados pelo Estado para que a internet realize seu potencial social. Um desses desafios é reduzir o descompasso entre nosso direito legislado e o rumo trilhado pela internet, superando uma série de obstáculos críticos, presentes tanto nas instituições estatais quanto difusos na sociedade.

Nesse sentido, foi encaminhado ao Congresso Nacional pelo Poder Executivo o anteprojeto do denominado Marco Civil da Internet34, que resultou no Projeto de Lei 2.126/2011. O anteprojeto, que busca estabelecer “princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da rede mundial de computadores no país”, demonstra a intenção do Governo Federal em iniciar um melhor diálogo entre o Direito e a internet, considerando a riqueza e a complexidade dessa nova realidade.

Embora a questão da governança e gestão do ccTLD “.br” não tenha sido abordada pelo anteprojeto de lei, o momento se mostra oportuno – tanto pelo contexto nacional quanto pelo que se observa na experiência recente de outros países – para que seja discutido o modelo de governança da internet a ser adotado no Brasil, especialmente no que tange à gestão desse elemento crítico de sua infraestrutura, qual seja, o registro de nomes de domínios.


8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Sobre o autor
Uriel de Almeida Papa

Auditor Federal de Controle Externo no Tribunal de Contas da União. Formação acadêmica: Engenheiro eletricista formado pela Universidade de Brasília (2002) e pós-graduado em Controle Externo da Regulação. Estudante de Direito. Experiência Profissional: Diretor da 3ª Diretoria da 1ª Secretaria de Fiscalização de Desestatização e Regulação - Sefid-1 do Tribunal de Contas da União - TCU, em Brasília-DF. Auditor Federal de Controle Externo no TCU com experiência na fiscalização e avaliação da outorga de serviços públicos e de atividades econômicas dos setores de infraestrutura, da execução dos respectivos contratos e da regulação setorial (2006-2011).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PAPA, Uriel Almeida. A regulação brasileira do registro de nomes de domínios em perspectiva comparada. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3259, 3 jun. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21888. Acesso em: 22 nov. 2024.

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Orientador: Marcelo Barros Gomes.

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