Artigo Destaque dos editores

Reforma do Judiciário (VI):

Justiça Federal comum e especializada

Exibindo página 2 de 4
01/09/1998 às 00:00
Leia nesta página:

JUSTIÇA DO TRABALHO

         Quando se discute a Justiça do Trabalho, logo se discute também a representação classista paritária que a distingue dos demais ramos judiciários brasileiros.

         Muito se tem discutido quanto à impropriedade da presença de representantes classistas como julgadores, eis que logicamente falta-lhes requisito basilar do exercício da magistratura: a imparcialidade.

         Logo, se os representantes classistas são parciais, suas posições a cada julgamento conduzem para meros votos ideológicos e contrários à imparcialidade que deve posicionar o Judiciário; doutro lado, se perdem a imparcialidade, perdem igualmente a justificativa de suas presenças nos Colegiados Julgadores.

         Ora, há que se ter em consideração que a representação classista existe noutros Países, e disto não podemos nos descuidar. Contudo, nunca com a extensão pretendida no campo brasileiro. Noutros Países, quando surgem, atuam os representantes classistas apenas como conciliadores ou como assessores dos fatos, plenamente atuando como meros jurados, julgadores dos fatos ocorridos, sem que os posicionamentos jurídicos lhe sejam permitidos, por restritos a magistrados efetivamente conhecedores das Ciências Jurídicas.

         Mesmo, contudo, na posição de assessores sociais, a representação classista enfrenta o dilema de não repassar dados ao magistrado togado fora da realidade de suas respectivas categorias, e são regra os casos em que um representante classista está a atuar, na sistemática brasileira, em caso envolvendo trabalhador ou empregador de categoria totalmente diversa da sua. Neste sentido, o que se extrai é que a experiência social exigida para tais peculiares litígios decorre muito mais da inteligência do Juiz Togado, envolvido ao longo de anos com as mais diversas categorias, do que a do Juiz Temporário, que limitado pelo conhecimento relativo à sua categoria específica, não atinge, pelo tempo de seus mandatos, condições de assessorar o julgador togado nos fatos relacionados a categorias diversas da sua própria.

         Tais defeitos, logicamente, poderiam ser ultrapassados se os classistas passassem a ser escolhidos não mais por prazos certos e para Juízos determinados, mas apenas para processos específicos em que estivesse envolvida sua categoria, e ainda assim restritivamente ao voto de análise do fato, na forma do que ocorre com os jurados no campo do Tribunal do Júri, quando, definido pelos mesmos os fatos, cabe ao respectivo Juiz Togado, presidente do Colegiado, pronunciar a sentença decorrente, fixando os parâmetros jurídicos aplicáveis à deliberação adotada. No entanto, a complexidade de tal sistema impediria a devida celeridade exigida em litígios que envolvem, em regra, a necessidade alimentar do trabalhador frente a uma alegada inadimplência pelos serviços prestados, por parte de quem os tomou. E ainda que tal sistemática pudesse ser ultrapassada, outro dilema se configuraria, como ora já tem se pronunciado, consistente na falta de representação de determinadas categorias jurisdicionadas pela Justiça do Trabalho, como a dos servidores públicos, e mesmo na abertura constitucional de casos decorrentes da relação de trabalho que não necessariamente envolvam como partes o trabalhador e seu empregador, e que, assim, por despida a condição de litígio de classe, igualmente tornaria imprópria a participação de classistas que nada ou pouco estão a representar.

         No contraponto de tais discussões, os classistas têm clamado por uma posição de conciliadores na Justiça do Trabalho, tentando reverter para si os louros do alto índice de acordos homologados pela Justiça Especializada, notadamente no campo das Juntas de Conciliação e Julgamento.

         Com a devida vênia, contudo, minha experiência como magistrado Presidente de Junta repele tais argumentações. O acordo é elemento de predisposição das partes ou de seus procuradores, tanto assim que muitos chegam às audiências já tendo antes, enquanto mesmo aguardam os pregões, formulado propostas conciliatórias, que ou apenas são acabadas ou mesmo de logo homologadas. A resistência aos acordos, doutro lado, em regra apenas é ultrapassado pela argumentação técnica do Juiz Togado quanto às possibilidades de cada lado envolvido, tema que passa ao largo da possibilidade de exame do representante classista, que não consegue vislumbrar, pelo exame dos autos processuais, o campo possível da prova para cada qual das partes, nem ainda os defeitos técnicos envolvidos que podem afetar as chances de um ou outro lado envolvido na lide. Neste sentido, a constatação inequívoca é que, dos acordos realizados na Justiça do Trabalho, a quase unanimidade decorre da predisposição das partes ou de seus procuradores à conciliação, e a parcela restante, em regra, à colocação pelo Juiz Togado de elementos processuais que denotam obstáculos à concretização da postulação ou da resistência deduzida em Juízo por um ou outro lado, acarretando, ao final, que as partes dispensem créditos na incerteza dos argumentos ou das provas que possuem. Em poucos casos os acordos não previamente constituídos pelas partes são fruto da argumentação conciliadora ou mediadora dos representantes classistas, embora, por dever de ofício, havemos que reconhecer que também possam ocorrer — representam, contudo, isto é certo, a menor parcela dos acordos homologados regularmente pela Justiça do Trabalho, sendo inteiramente injusta a colocação levada à mídia de que tais representantes classistas é que são os responsáveis pelo grande índice de conciliações obtidas na Justiça Laboral, e, quando ocorrem, são resultado de atitudes isoladas de certos vogais, que exatamente por serem a exceção confirmam a regra exposta.

         No entanto, como a conciliação pode ser suplantada pelo aprendizado de técnicas de convencimento, é possível admitir-se a representação classista quando limitada à fase conciliatória do processo, ao modo atualmente existente nos Juizados Especiais Cíveis, onde instituída a figura de conciliadores leigos.

         Por tal motivação, temos defendido que casos que envolvam controvérsias de menor complexidade ou de pequeno valor sejam, também na Justiça do Trabalho, destinadas ao campo de Juizados Especiais, onde poderiam ter os representantes classistas funções de conciliadores, sempre em caráter honorífico, por similitude do modelo instituído na Justiça Comum, certo que, atualmente, é inconcebível termos processos de grande valor econômico e outros de reduzida repercussão econômica julgados segundo um mesmo rito processual, notadamente na fase de execução.

         Melhor, então, que a representação classista, se mantida, que o seja com tais parâmetros, inclusive porque assim se obteria o pretendido resultado das propostas que tendiam à instituição de Comissões Paritárias, sobretudo em empresas de determinado porte, para tal finalidade, o que decerto esbarraria no preceito constitucional do livre e imediato acesso à Justiça. Transferir tais propostas Comissões Paritárias para o âmbito do próprio Judiciário, ao modo de Juizados Especiais Trabalhistas, onde o Juiz Togado viria atuar como homologador dos acordos realizados ou das decisões prolatadas por juízo de eqüidade em casos possíveis, ou nos demais recebendo as causas não conciliadas ou decididas para exame monocrático, na linha do artigo 23 da Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995 (Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais).

         Ou, ao menos, a ser mantida a estruturação em separado da Justiça do Trabalho, ao invés da defendida integração com a Justiça Federal, por meio de Juízos Especializados, na linha antes referida, em sendo refutada a instituição na forma de Juizados Especiais, que então se permita a instituição do modelo vigente na Justiça Eleitoral, onde ao lado dos Juízes Eleitorais monocráticos há as Juntas, por aqueles presididas, e integradas por leigos. No caso da Justiça do Trabalho, a única observação seria a escolha de tais leigos dentre representantes sindicais, observada a paridade.

         Com isto, poderia ser alcançada uma dinamização do modelo de prestação jurisdicional no campo social, sem as deformidades da presença dos representantes classistas no julgamento de questões jurídicas e em afetação ao princípio basilar da imparcialidade, como atualmente ocorre, mal que se avoluma nos Tribunais do Trabalho, onde recebendo a condição de Relatores muitas vezes atuam monocraticamente no exame liminar de determinadas postulações, assim envergando a condição de suspender ou afetar decisões subscritas por um magistrado de primeiro grau, em regra mais capacitado, em sentença fruto de longo estudo jurídico-científico.

         Logicamente, pois, com todas estas indicações têm-se veementemente refutadas as inserções de representações classistas em Tribunais do Trabalho, onde a atuação em regra baseia-se no exame do acerto ou não de decisões recorridas, segundo os elementos preconstituídos de provas e de argumentos jurídicos.

         Há que se notar que mesmo nos atuais dissídios coletivos as representações classistas foram distanciadas das fases conciliatórias, levadas adiante pelos Presidentes dos Tribunais, ou seus substitutos regimentais, e mesmo os dissídios coletivos estão sendo questionados quanto à amplitude do denominado Poder Normativo da Justiça do Trabalho, que na verdade é restrita aos Tribunais do Trabalho, eis que tal não detido pelos Juízos Trabalhistas de Primeiro Grau de jurisdição.

         Aflora que os dissídios coletivos devem passar a ter restrito exame jurídico, eis que a atuação no âmbito de instituição de normas e condições de trabalho desvia o caráter judiciário dos Tribunais, passando os mesmos à condição de órgãos legiferantes, acarretando assim muitas contradições na atuação jurisdicional. Inclusive porque o caminho indicado pelo constituinte foi deturpado ao longo dos tempos, eis que inconcebível o modelo vigente de precedentes normativos, em que o Tribunal Superior do Trabalho passa a nacionalmente ditar normas gerais para determinadas categorias, sem observar as especificidades regionais, ou igualmente passa a ditar normas válidas para diversas categorias, sem observar as especificidades de cada uma, campo mais próprio, portanto, da lei, que são normas de caráter geral.

         Tais críticas ao Poder Normativo dos Tribunais do Trabalho têm conduzido à própria aceitação pelo Judiciário Especializado da redução do campo de atuação no julgamento dos dissídios coletivos, não sendo poucos os Juízes e Tribunais do Trabalho que aceitam a limitação a aspectos jurídicos de âmbito coletivo, seja o examinar a abusividade de exercício do direito de greve, seja o interpretar normas coletivas instituídas em acordos ou convenções coletivas de trabalho.

         Se o modelo sindical brasileiro ainda não permite condições ao equilíbrio nas mesas de negociação, a via própria para a instituição de normas restritas às categorias envolvidas, em substituição a acordos ou convenções malogradas, passa pela arbitragem e não pela tutela jurisdicional, eis que por árbitros podem as partes contratantes conseguir juízos de eqüidade mais próprios, enquanto ainda estão arraigados a juízos de direito os Tribunais do Trabalho. Cabe notar que tal sistemática foi expressamente instituída pela Constituição de Outubro de 1988, ao inserir no parágrafo 2º do artigo 114 a recusa à negociação ou à arbitragem como condição para propositura de dissídio coletivo econômico perante Tribunal do Trabalho. A evolução do modelo poderia transferir toda a solução não-jurídica para o campo arbitral, deixando com os Tribunais apenas o exame da legalidade dos procedimentos eleitos e a interpretação das normas instituídas coletivamente.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

         Com tais colocações, portanto, defendemos que a Justiça do Trabalho, por suplantada a fase crítica de sua instalação, deve ser agregada à Justiça Comum Federal, onde possível com maior dinamização a instituição de Varas especializadas, aliás como já ocorre notadamente em questões criminais, previdenciárias e de execuções fiscais, sem que isto signifique, fique claro, a mera extinção da Justiça Laboral propagada por alguns, mas a agregação de sua estrutura, centralizando a burocracia necessária à administração forense, junto à já existente da Justiça Federal strictu sensu. A criação, portanto, de Varas Federais do Trabalho não traduz nenhuma impropriedade, enquanto efetivamente baliza a duplicidade do Judiciário Nacional em Federal e Estadual, sem a instituição de estruturas burocráticas e caras demandadas pela repartição em diversos ramos descentralizados, porquanto tal efetivamente apenas alcança o campo administrativo de tais Justiças Especializadas. Defendemos, ainda, que as causas trabalhistas devam ser, em todos os graus, julgadas apenas por Juízes Togados, embora aceitando que possam representantes classistas atuarem em funções conciliatórias restritas em Juizados Especiais Trabalhistas ou em Juntas, sob a orientação dos Juízes Federais do Trabalho. Por fim, defendemos a extinção do poder normativo dos Tribunais do Trabalho, eis que tal atribuição não condiz com a atuação jurisdicional, notadamente quando tem sido desviada para a instituição de normas gerais envolvendo diversas regiões ou categorias, distanciando-se, assim, das peculiaridades que poderiam justificar o poder de instituição de normas e condições de trabalho. Com tais reformulações, os Juízes e Tribunais do Trabalho estariam aptos a receber novas controvérsias igualmente decorrentes das relações de trabalho, por via direta ou oblíqua, questões hoje indevidamente distribuídas no âmbito da já sofrida Justiça Comum Local e no da Justiça Federal Comum.

         O modelo proposto para o Judiciário da União, na linha do sistema norte-americano, denota que as controvérsias federais não apenas são aquelas onde envolvidos entes federais, como ainda aquelas onde a questão possui o caráter federal por força da Constituição ou de lei. Não há dúvidas de que as questões trabalhistas, previdenciárias e sindicais, pela amplitude de suas repercussões, denotam interesse nacional próprio ao exame da Justiça Federal, por meio de Juízos e Tribunais Especializados do Trabalho, ou por Turmas e Câmaras especializadas integradas em Tribunais Federais, quando não apropriada a instalação de Tribunal próprio para determinado tema.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Alexandre Nery de Oliveira

Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região (DF/TO). Pós-Graduado em Teoria da Constituição. Professor de Processo do Trabalho.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Alexandre Nery. Reforma do Judiciário (VI):: Justiça Federal comum e especializada. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 3, n. 26, 1 set. 1998. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/219. Acesso em: 28 mar. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos