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Relevância do licenciamento ambiental para a concretização dos princípios constitucionais da defesa ambiental

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4. EFETIVIDADE E EFICÁCIA DE NORMAS JURÍDICAS.

Andreas J. Krell[14] assinala que um dos aspectos fundamentais do estudo do Direito Ambiental é a eficácia de suas normas, sendo necessário distinguir entre a eficácia jurídica, como potencialidade da norma jurídica ser aplicada aos casos concretos, e a eficácia social, isto é, a sua adequação em vista da produção concreta de efeitos reais na sociedade. Esta também é chamada de efetividade, que significa desempenho concreto da função social do direito através da materialização dos preceitos legais no mundo dos fatos.

Para Marcelo Neves apud Andreas J. Krell[15], sem dúvida, a maior dificuldade reside na falta de aplicação dessas normas, e, em muitos casos, pode-se ganhar a impressão de que as leis de proteção ambiental servem menos para ser executadas (função normativa) e mais para legitimar o sistema político, que, através de sua promulgação, finge a capacidade e vontade de resolver os problemas (função simbólica ou álibi). Como a atividade legiferante constitui um momento de confluência concentrada entre sistemas político e jurídico, pode-se definir a legislação simbólica como produção de textos cuja referência manifesta à realidade é normativo-jurídica, mas que serve, primária e hipertroficamente, a finalidades políticas de caráter não especificamente normativo-jurídico. Desta forma existem, segundo esse autor, leis – normalmente dotadas de fórmulas vagas e pouco concisas – que são criadas por forças políticas, as quais não têm a verdadeira intenção de vê-las aplicadas, mas somente querem realizar uma demonstração de sua “boa vontade”. Nesses casos, pode-se falar até de uma programação de ineficácia da norma. Em outras circunstâncias, pode ser mais fácil para os opositores de uma lei evitar sua implementação do que sua promulgação, especialmente quando os partidários do status quo possuem poderes políticos e econômicos suficientes para abafar reformas legais no nível administrativo. Parece ser este o caso de uma boa parte das leis brasileiras de proteção ambiental.

Sobre esta distinção, Marcos Bernardes de Mello[16] preceitua que se a norma existe com vigência e é válida, ou sendo inválida, ainda não teve a sua nulidade decretada por quem, dentro do sistema jurídico, tenha poder para tanto, poderá ser eficaz desde que concretizem no mundo os fatos que constituem seu suporte fático. Se os fatos previstos pela norma como seu suporte fático não se materializarem, integralmente, no plano das realidades, a norma jamais será (= não incidirá); existirá com vigência, porém sem eficácia. A eficácia da norma jurídica (= incidência) tem como pressuposto essencial a concretização de todos os elementos descritos como seu suporte fático (= suporte fático suficiente).

Ressalta ainda este autor que enquanto não se realizam no mundo os fatos por ela previstos, a norma jurídica, mesmo com vigência, constitui mera proposição referente às hipóteses, não se podendo falar em geração de qualquer conseqüência jurídica. Está-se no plano lógico da normatividade, não no mundo do direito, que somente se compõe a partir dos fatos juridicizados.

De forma incisiva, Andreas Krell[17] ensina que toda a problemática da deficiente implementação de políticas ambientais reside, no fundo, na reduzida “eficácia de comportamento” das respectivas leis (Verhaltensgeltung) em virtude da falta de consenso social sobre as mesmas, fato este que compele o Estado a exercer um alto esforço burocrático de controle, para alcançar um certo grau de “eficácia de sanção” das normas (Sanktionsgeltung). Considera, ainda, que a falta de efetividade da legislação ambiental sofre com a inadequação das estruturas administrativas encarregadas de fiscalizar e executar as leis, sendo comum um desajustamento entre a estrutura e as tarefas atribuídas aos órgãos de controle ambiental.

Em relação à efetividade da Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605/98), Márcia Elayne Berbich de Moraes[18] destaca que quando se fala em ineficiência do direito penal brasileiro moderno para a tutela penal do meio ambiente (a qual foi efetivada pela Constituição de 1988 e pela Lei 9.605/98), é necessário, além das observações feitas em termos de dogmática e política criminal, verificar in loco, a aplicação desta lei. Ressalta que, em levantamento realizado na Polícia Militar do Rio Grande do Sul sobre as ações de combate a crimes ambientais, observou que o número de registros pode estar associado a uma nova ética ambiental impregnada socialmente, somada a fatores como os locais de fácil acesso pelo poder de polícia e às denúncias da população, as quais se denotam por motivos de convivência, exposição na mídia, e até mesmo emotivos (solidariedade quando de maus tratos a animais e corte de árvore).

Afirma a referida autora[19] que existe um critério de seleção policial que reforça a idéia de que o controle ambiental existe e que apesar de todo este processo seletivo policial, é importante destacar que as instâncias de policiamento ostensivo, por sua vez, não são os responsáveis diretos pela seleção que é feita, uma vez que a polícia, pelo contexto de organização do Estado, é colocada a atuar junto à população para vigilância, ao invés de investigação, tornando-se, de certo modo, contaminada. Assim, o critério de seleção, apesar deste estigma de polícia, é interferido pelo Estado, em instâncias muito anteriores ao registro da ocorrência ambiental, as quais, mediante o estabelecimento do controle ambiental, estabelecem uma “segurança” a respeito de que algo está sendo feito pela questão ambiental.

Márcia Elayne Berbich de Moraes[20] afirma também que no critério seletivo das condutas ambientais para a esfera penal, uma primeira fase de fiscalização do poder de polícia, a qual seleciona, através do que lhe é “visível”, pelo maior e melhor acesso. Nessa primeira etapa, os maiores selecionados referem-se a delitos de pessoas físicas como pesca (46%) e pássaros em cativeiro (16,3%) em um universo de 572 casos analisados. Numa segunda fase, já dentro dos aparelhos encarregados de iniciar a instrumentalização penal (Ministério Público, delegacias e até mesmo os juizados especiais), existe uma seleção baseada em critérios éticos, como “reincidência”, descumprimento de acordos e o enfoque da mídia. Estes critérios demonstram que as situações que se transformam em inquéritos criminais apresentam a característica da “visibilidade”. Tal fato se deve ou pela veiculação na mídia ou para com o órgão fiscalizador, no caso de não-cumprimento de termos de compromissos firmados, o que denota uma perda de confiança por parte do agente ambiental, ou ainda, uma certa espécie de “reincidência ambiental”. Existe, ainda, o interesse de particulares envolvidos que geram “notícias crime”.

Ainda nas lições da supramencionada autora[21], convém mencionar que esta considera que ao observar os casos que forem selecionados para entrar no processo penal, juntamente com a aplicação hierárquica ou, se preferir, patrimonialista, de Lei no Brasil, em contraposição aos critérios do licenciamento ambiental do Estado, pode-se concluir que:

a)                                                                              A seleção processual penal dos crimes ambientais reflete o caráter simbólico da Lei 9.605/98, uma vez que não demonstra estar responsabilizando os verdadeiros poluidores e apenas estar atingindo determinado segmento da população;

b)                                                                        Este tipo de seleção desvirtua o Direito Penal para uma função educativa ou coercitiva, transformando-o num instrumento funcionalista;

c)                                                                        Existe uma “capa protetora” ou “fator de invisibilidade” que é negociado com as empresas potencialmente poluidoras junto ao Estado, no sentido de permissão para poluir, uma vez que a atual situação de nosso ecossistema demonstra sério desequilíbrio, deixando ainda mais evidente a “irresponsabilidade organizada” do Estado;

d)                                                                        A situação agrava-se coma dificuldade frente ao envolvimento científico que a solução do problema acarreta, uma vez que é necessário um verdadeiro “domínio do saber” para se conseguir o estabelecimento de novos critérios de licenciamento ambiental[22].

Recorda, a autora, que no mesmo ano de publicação da Lei nº 9.605/98, foi publicada uma Medida Provisória, nº 1.710 de 7 de agosto, dando às pessoas físicas e jurídicas que envolvam construção, instalação, ampliação e funcionamento de atividades utilizadores de recursos ambientais, consideradas efetivas ou potencialmente poluidoras permissão para requerer, até 31 de dezembro de 1998, o prazo de 90 (noventa dias) até cinco anos, prorrogável por igual prazo (ou seja, até 10 anos), aplicações de sanções administrativas para aqueles que assim requisitassem. E, conseqüentemente, não há que se falar em ação penal, no máximo sendo passível de uma ação civil pública. O argumento em prol de tal medida é o do fechamento desses estabelecimentos que não poderiam suportar um ajuste tão drástico em tão pouco tempo.

Por fim, esta jurista[23] assevera que o “recorrer” à esfera penal está, habitualmente, atrelado a uma noção de eficiência. Contudo, tal “eficiência” acaba por instrumentalizar indivíduos de um modo ilegítimo. Isto se dá através de uma seleção policial e judicial que os transforma em mero “meio” para atingir os fins do legislador, que nada mais foram do que mostrar preocupação e uma atitude eficaz (que diz com os fins) para com a questão ambiental.


5. LICENCIAMENTO AMBIENTAL À LUZ DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA PROTEÇÃO AMBIENTAL

Estudaremos a seguir, de forma mais aprofundada, os principais fundamentos para a tutela do meio ambiente equilibrado, de modo a revelar o licenciamento ambiental como instrumento necessário para se dar efetividade aos princípios constitucionais da proteção ambiental. Primeiramente far-se-á considerações sobre a natureza jurídica do licenciamento ambiental no Brasil, mostrando como pode funcionar como eficaz instrumento na execução da política ambiental. Na seqüência será feita uma breve exposição sobre princípios jurídicos e sua importância para a integridade e eficiência da ordem jurídica vigente, e, por fim, será feita uma análise da relação entre o licenciamento ambiental e os princípios constitucionais de proteção ao meio ambiente, mostrando de que forma este procedimento administrativo pode auxiliar na efetivação de tais princípios.

5.1. Licenciamento Ambiental no Brasil

A Lei nº 6.938/1981, antes, portanto, da Constituição Federal de 1998, já estabelecia em seu artigo 2º que a Política Nacional de Meio Ambiente tinha por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento sócio-econômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana, atendido os seguintes princípios:

I - ação governamental na manutenção do equilíbrio ecológico, considerando o meio ambiente como um patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo;

II - racionalização do uso do solo, do subsolo, da água e do ar;

III - planejamento e fiscalização do uso dos recursos ambientais;

IV - proteção dos ecossistemas, com a preservação de áreas representativas;

V - controle e zoneamento das atividades potencial ou efetivamente poluidoras;

VI - incentivos ao estudo e à pesquisa de tecnologias orientadas para o uso racional e a proteção dos recursos ambientais;

VII - acompanhamento do estado da qualidade ambiental;

VIII - recuperação de áreas degradadas;

IX - proteção de áreas ameaçadas de degradação;

X - educação ambiental a todos os níveis do ensino, inclusive a educação da comunidade, objetivando capacitá-la para participação ativa na defesa do meio ambiente.

Esta lei considera o licenciamento ambiental como um dos instrumentos da Política Nacional de Meio Ambiente (art. 9º, inciso IV), a qual tem como principais objetivos (art. 4º): a compatibilização do desenvolvimento econômico social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico (inciso I); a definição de áreas prioritárias de ação governamental relativa à qualidade e ao equilíbrio ecológico, atendendo aos interesses da União, dos Estados, do Distrito Federal, do Territórios e dos Municípios (inciso II); o estabelecimento de critérios e padrões da qualidade ambiental e de normas relativas ao uso e manejo de recursos ambientais (inciso III); o desenvolvimento de pesquisas e de tecnologia s nacionais orientadas para o uso racional de recursos ambientais (inciso IV); a difusão de tecnologias de manejo do meio ambiente, à divulgação de dados e informações ambientais e à formação de uma consciência pública sobre a necessidade de preservação da qualidade ambiental e do equilíbrio ecológico (inciso V); a preservação e restauração dos recursos ambientais com vistas á sua utilização racional e disponibilidade permanente, concorrendo para a manutenção do equilíbrio ecológico propício à vida (inciso VI); a imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados, e ao usuário, de contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos (inciso VII).

Verifica-se, diante do exposto, que o Estado já estava obrigado, por força desta lei, a realizar ações de controle e fiscalização das atividades efetiva ou potencialmente causadoras de degradação ambiental.

Neste contexto, pode-se afirmar que a Constituição Federal de 1988 veio apenas ratificar a idéia que já estava sendo amplamente disseminada na sociedade brasileira: a necessidade de cuidados em relação ao meio ambiente. Este tratamento que a Constituição Federal de 1988 dispensou às questões ambientais dotou o Estado brasileiro de inúmeros instrumentos e mecanismos capazes de assegurar a proteção ambiental, ou, ao menos, minimizar os impactos decorrentes da instalação ou funcionamento de empreendimento, ou da realização de determinadas obras.

A Carta Magna de 1988 reforçou a tese de que o Estado deveria, efetivamente, controlar e fiscalizar atividades capazes de gerar danos ambientais. Tanto é que estabelece em seu art. 225, §1º, inciso IV, que incumbe ao Poder Público exigir, na forma da lei (geralmente políticas nacionais e estaduais de meio ambiente), para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação ao meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade.

Convém destacar que os interessados devem providenciar a elaboração dos estudos solicitados, arcando inclusive com os custos dos mesmos, e depois apresentarem ao órgão responsável pelo licenciamento, o qual fará a análise do mesmo, decidindo pela concessão ou não da licença pleiteada. Estes estudos serão anexados ao procedimento administrativo da Licença Ambiental, onde por despacho da autoridade competente, depois dos pareceres necessários, será analisada, de forma discricionária, a possibilidade de concessão ou não da licença de instalação ou de operação.

Outra questão que merece análise é a constitucionalidade das Resoluções CONAMA, no que se aplicam ao licenciamento ambiental. A Resolução 237/97 dispõe sobre o procedimento administrativo do licenciamento ambiental e todas etapas para a obtenção da licença ambiental, explicando quais os tipos de licenças e estabelecendo os requisitos mínimos para a sua execução.

Sobre a constitucionalidade das mesmas não devem pairar dúvidas, uma vez que a Constituição de 1988 recepcionou a Lei 6.938/81, e esta, em seu artigo 6º, inciso II, dispõe que ao CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente) compete a função de assessorar, estudar e propor ao Conselho de Governo, diretrizes de políticas governamentais para o meio ambiente e os recursos naturais e deliberar, no âmbito de sua competência, sobre normas e padrões compatíveis com o meio ambiente ecologicamente equilibrado e essencial à sadia qualidade de vida.

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Vale considerar também que o artigo 8º desta mesma lei estabelece que compete ao CONAMA estabelecer, mediante proposta do IBAMA, normas e critérios para o licenciamento de atividades efetiva ou potencialmente poluídoras, a ser concedido pelos Estados e supervisionado pelo IBAMA (inciso I), e ainda, determinar, quando julgar necessário, a realização de estudos das alternativas e das possíveis conseqüências ambientais de projetos públicos ou privados, requisitando aos órgãos federais, estaduais e municipais, bem assim a entidades privadas, as informações indispensáveis para apreciação dos estudos de impacto ambiental, e respectivos relatórios, no caso de obras ou atividades de significativa degradação ambiental, especialmente nas áreas consideradas patrimônio nacional (inciso II).

Merece destaque a lição de Ioberto Tatsch Banunas quando este considera o licenciamento ambiental[24] como uma medida preventiva de atuação negocial, visto que há “situação em que o particular é titular de um direito relativamente à exploração ou uso de um bem ambiental de sua propriedade. Mas o exercício deste direito depende do cumprimento de requisitos legalmente estabelecidos, tendo em vista a proteção ambiental”, momento em que deve o Poder Municipal Ambiental maximizar sua atuação, examinando o pedido de licenciamento ambiental, levando em conta todos os instrumentos anteriormente examinados.

5.2. Breves Considerações sobre Princípios Jurídicos

Os princípios possuem qualidade de verdadeiras normas, qualitativamente distintas das outras categorias de normas, ou seja, das regras jurídicas. As diferenças qualitativas traduzir-se-ão, fundamentalmente, nos seguintes aspectos. Os princípios são normas jurídicas impositivas de uma optimização, compatíveis com vários graus de concretização, consoante os condicionalismos fácticos e jurídicos; as regras são normas que prescrevem imperativamente uma exigência (impõem, permitem ou proíbem) que é ou não é cumprida (nos termos de Dworkin: applicable in all-or nothing fashion); a convivência dos princípios é conflitual (Zagrebelsky), a convivência de regras é antinômica; os princípios coexistem, as regras antinômicas excluem-se[25].

José Ricardo Alavez Vianna[26] ensina que o vocábulo princípio emana do latim principiu. Significa começo, origm, causa primária. Sugere, pois, início, fonte, ponto de partida, alicerce, base. Para Miguel Reale apud José Ricardo Alavez Vianna, princípios são “certos enunciados lógicos admitidos como condição ou base de validade das demais asserções que compõem dado campo do saber”. Aduz ainda o tratado autor que os princípios são autênticos vetores, linhas diretivas, regras mestras que orientam o intérprete em sua atividade hermenêutica, ceifando aparentes antagonismos entre as normas jurídicas, além de servirem como relevante instrumento na concretização de uma orientação correta, eficaz e útil à sociedade por ocasião da subsunção do fato à lei.

Segundo J. J. Gomes Canotilho, os princípios, dentre outras, têm as seguintes utilidades destacadas: 1) constituem padrão que permite aferir a validade das leis tornando inconstitucionais ou ilegais as disposições legislativas ou regulamentares, ou os atos que os contrariem; 2) são auxiliares na interpretação de outras normas jurídicas; e 3) permitem a integração de lacunas[27]. Ressaltam ainda estes autores que os princípios jurídicos são as normas basilares que dão sustentáculo a Ciência do Direito, a qual é dividida em ramos por uma questão meramente didática, uma vez que o Direito é uno. A doutrina, unanimemente, os consideram como blocos estruturais dorsais na composição do ordenamento. No Direito Ambiental, “os princípios auxiliam a compreensão e consolidação de seus institutos.”[28]

A Constituição Federal de 1988 é formada por um conjunto de direitos, deveres e princípios ambientais que podem apresentar-se de forma explícita: princípio do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, ou implícita: princípio da precaução, princípio da  prevenção, princípio do desenvolvimento sustentável, princípio do poluidor-pagador, princípio do usuário-pagador, princípio da informação ambiental, princípio da cooperação, princípio da reparação, princípio da participação. 

Estes princípios devem reger e nortear todas as ações de quaisquer das funções do Estado, principalmente as que partem do Poder Executivo. A Constituição de 1988 é também conhecida como Carta de Princípios, uma vez que nela se encontram todos os fundamentos principiológicos para proteção do meio ambiente. Estes princípios funcionam como “regras gerais e abstratas que se obtêm indubitavelmente, extraindo o essencial das normas particulares, ou como regras gerais preexistentes.”

No presente trabalho, o procedimento administrativo do licenciamento ambiental será analisado à luz de cada um dos princípios acima indicados, do modo que se possa revelar sua importância na persecução de um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Analisemos, a seguir, cada um destes princípios:

5.3. Princípios Constitucionais Ambientais aplicáveis ao Licenciamento Ambiental

Como ressaltado em linhas anteriores, a Constituição Federal de 1988 demonstrou uma grande preocupação com o esgotamento dos recursos ambientais e com a qualidade de vida da população brasileira, tanto é que em diversos de seus dispositivos condicionou a realização de determinado evento à compatibilidade com a preservação ambiental.

A essência desta preocupação se faz através de diversos princípios, muitos dos quais já existiam muito antes do advento desta Constituição.

Vale frisar que a existência de uma principiologia própria é fator decisivo para se conferir, no âmbito didático, autonomia a um novo ramo do Direito. Nesse ponto, o Direito Ambiental, embora de recente normatização na seara universal, encontra-se em estágio avançado de sistematização. As Constituições mais recentes dos diversos países não se furtaram à apreciação expressa da matéria ambiental, propiciando, com isso, imediata alteração do plano infraconstitucional, com significativa edição de leis sobre o tema[29].

Oportuno se faz explicitar que não existe um consenso sobre os princípios do direito ambiental, e que são enormes as divergências doutrinárias sobre o conteúdo de cada um deles. Por estão razão trataremos a seguir dos princípios constitucionais que consideramos mais importantes para a tutela do meio ambiente:

5.3.1. Princípio da Prevenção

Para Édis Milaré[30], este princípio é basilar em Direito Ambiental, concernindo à prioridade que deve ser dada às medidas que evitem o nascimento de atentados ao ambiente, de modo a reduzir ou eliminar as causas de ações de alterar a sua qualidade.

O princípio da precaução constitui a busca do afastamento, no tempo e no espaço do perigo, na busca também da proteção contra o próprio risco e na análise do potencial danoso oriundo do conjunto de atividades. Sua atuação se faz sentir, mais apropriadamente, na formação de políticas públicas ambientais, onde a exigência de utilização da melhor tecnologia disponível é necessariamente um corolário[31].

O Princípio da precaução tem sua origem no direito alemão a partir do conceito de Vorsorgeprinzip, do ordenamento jurídico, que exige a atuação mesmo antes de qualquer dano efetivo. Esse princípio surgiu na década de 1960 quando as questões ambientais se tornaram uma grande questão política na Alemanha, vindo a ser positivado na década de 1970[32].

Esse princípio reforça a idéia de que as agressões ao meio ambiente, uma vez consumadas, são, normalmente, de reparação difícil, incerta e custosa, e pressupõem uma conduta genérica in dúbio pro ambiente. Isso significa que o ambiente prevalece sobre uma atividade de perigo ou risco e as emissões poluentes devem ser reduzidas, mesmo que não haja certeza da prova científica sobre o liame de causalidade e os seus efeitos[33].

Paulo de Bessa Antunes[34] denomina de princípio da prudência ou da cautela este princípio que denominamos de princípio da prevenção. Na sua concepção o princípio da cautela ou prudência englobaria também o princípio da precaução, e seria “aquele que determina que não se produzam intervenções no meio ambiente antes de se ter a certeza de que estas não serão adversas para o meio ambiente”.

Pela aplicação deste princípio, antes de ser concedido qualquer tipo de licença (por parte do Poder Público) para instalação ou operação de qualquer atividade ou empreendimento, este deve analisar se aquele empreendimento ou aquela atividade são efetiva ou potencialmente causadores de significativa degradação ambiental. Para realizar esta análise o Poder Público deve solicitar os estudos prévios de impacto ambiental que achar convenientes, e se, mesmo a entrega do estudo ainda tiver dúvida quanto ao risco ambiental, por aplicação deste princípio, deve impedir a execução das obras ou atividades.

5.3.2. Princípio da Função Socioambiental da Propriedade

Este princípio reza que o direito à propriedade privada não deve ser exercido de qualquer forma, ou seja, ao bel prazer de seu proprietário, mas sim conforme as finalidades econômicas e sociais previstas no ordenamento jurídico daquele Estado.

Isso significa que a propriedade não mais ostenta aquela concepção individualista do Código Civil de 1916, direcionado a uma sociedade rural e agrária, com a maior parte da população vivendo no campo. Hoje, com o predomínio de uma sociedade urbana aberta aos imperativos da socialização do progresso, “afirma-se cada vez mais forte o seu sentido social, tornando-se assim, não instrumento de ambição e desunião dos homens, mas fator de progresso, de desenvolvimento e de bem-estar de todos.”[35]

Dessa feita, o uso da propriedade pode e deve ser judicialmente controlado, impondo-se-lhes as restrições que forem necessárias para a salvaguarda dos bens maiores da coletividade, de modo a conjurar, por comandos prontos e eficientes do Poder Judiciário, qualquer ameaça ou lesão à qualidade de vida[36].

A atual Constituição Federal, atendendo aos novos reclames sociais, ao mesmo tempo que garante o direto de propriedade, condiciona-o ao cumprimento de sua função social, conforme consta do art. 5º, incs. XXII e XXIII. O contorno constitucional acerca da função social da propriedade, porém, não se restringe aos dispositivos retro citados. Ao contrário, traduzindo um Estado Social, permeia todo o texto constitucional, explicitando como há de ser cumprida essa função social[37].

O licenciamento ambiental, quando realizado da forma correta, seguindo todos os comandos normativos é instrumento capaz de dar efetividade a este princípio, uma vez que assegura a quem realizou alguma obra, instalou ou fez operar determinado empreendimento, o direito de não ser incomodado, uma vez que seu imóvel cumpre com a função sócio-ambiental da propriedade. Sem o licenciamento ambiental ou com um licenciamento ambiental falho, por exemplo, um posto de revenda de combustíveis pode gerar uma contaminação (por vazamentos de tanques) do aqüífero responsável pelo abastecimento público de uma determinada cidade, o que mostra que o imóvel em questão não está cumprindo com sua função sócio-ambiental.

5.3.3. Princípio do Desenvolvimento Sustentável

Este princípio sugere que a atual geração, em sua busca pelo crescimento econômico e pelo desenvolvimento, preocupe-se com o não esgotamento dos recursos naturais, adotando uma postura sustentável, de modo que as gerações futuras também possam usufruir de tais recursos, imprescindíveis também ao seu desenvolvimento sócio-econômico.

O princípio preconizado infere-se da necessidade de um duplo ordenamento – e, por conseguinte, de um duplo direito – com profundas raízes no Direito Natural e no Direito Positivo: o direito do ser humano de desenvolver-se e realizar suas potencialidades, individual ou socialmente, e o direito de assegurar a seus pósteros as mesmas condições favoráveis[38].

Luís Paulo Sirvinskas[39], sobre o princípio do desenvolvimento sustentável, assevera que a justiça ambiental é o conteúdo do desenvolvimento sustentável. A palavra “sustentável” está relacionada ao processo de desenvolvimento e voltada para determinada finalidade, ou seja, a melhoria da qualidade de vida das pessoas no mundo. O conceito de desenvolvimento encerra um sentido de continuidade temporal, sem definição de suas dimensões. O conceito sustentável, por sua vez, expressa um sentido de tempo – curto, médio e longo prazo – e se evolui com o passar deste pelo menos até o momento em que as pessoas terão alcançado o mesmo grau de bem-estar em todos os níveis.

O mesmo autor (citado no parágrafo anterior) também denomina de princípio da ordem econômica, pois as atividades econômicas são responsáveis por grande parte da degradação ambiental, e destaca que este princípio alicerça-se em quatro pilares: a) desenvolvimento nacional (art. 3º, II da CF); b) proteção do meio ambiente (arts. 170, VI, e 225 da CF); c) valorização do trabalho humano (arts. 1º, IV, e 170 da CF); e d) livre iniciativa (arts. 1º, IV e 170 da CF)[40].

Em síntese, pode-se afirmar que a postura da atual geração para com as futuras gerações, visando à igualdade do direito ao bem-estar e ao desenvolvimento constitui a essência do desenvolvimento sustentável.

Sem dúvida alguma o licenciamento ambiental é instrumento capaz de compatibilizar o desenvolvimento nacional com a manutenção de um equilíbrio aceitável das características ambientais, na medida em que o órgão responsável acompanha, passo a passo, a forma de instalação e operação de atividade, ou a construção de determinada obra, e em observando alguma irregularidade pode determinar a correção da impropriedade ou fazer cessar o mal, evitando a ocorrência de dano ou até mesmo minimizando o dano já ocorrido.

5.3.4. Princípio da Precaução

Alguns autores consideram como sinônimos o princípio da prevenção e o princípio da precaução. Entre eles estão Rui Piva[41], Ioberto Tatsch Banunas[42]e Paulo de Bessa Antunes. No entanto, a grande maioria considera que existe uma distinção entre princípio da precaução e princípio da prevenção. Esta também é a posição a ser adotada neste trabalho.

Paulo Affonso Leme Machado[43] informa que a Lei de Política Nacional do Meio Ambiente no Brasil (Lei 6.938/81) inseriu como objetivos dessa política a compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico e a preservação dos recursos ambientais, com vistas à sua utilização racional e disponibilidade permanente (art. 4º, I e VI), e diz que se tornou incontestável a obrigação de prevenir ou evitar o dano ambiental quando o mesmo pudesse ser detectado antecipadamente.

Michel Prieur apud Paulo Affonso Leme Machado[44] assinala que o princípio da precaução é atualmente uma referência indispensável em todas as abordagens relativas aos riscos.

Vale lembrar que o Princípio 15 da Declaração do Rio de Janeiro de 1992 trata especificamente do princípio da precaução, cujo teor segue abaixo transcrito:

Princípio 15 - De modo a proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deve ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como razão para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental

Para Cristiane Derani, este princípio indica uma atuação “racional” para com os bens ambientais, com a mais cuidadosa apreensão possível dos recursos naturais numa espécie de “Daseinvorsorge” ou “Zukunftvorsoge”(cuidado, precaução com a existência ou com o futuro), que vai além de simples medidas para afastar o perigo. Na verdade, é uma “precaução contra o risco”, que objetiva prevenir já uma suspeição de perigo ou garantir uma suficiente margem de segurança da linha de perigo. Seu trabalho está anterior à manifestação do perigo.

Por este motivo, pode-se afirmar que o princípio da precaução é bem mais amplo do que o princípio da prevenção, uma vez que este deve atuar sobre o perigo, enquanto aquele atua pelo simples risco de um dano ambiental. Como toda e qualquer atividade antrópica é potencialmente causadora de dano ambiental, o risco é um fator constante na ação humana. Se levarmos a uma rigorosa interpretação deste princípio, o direito ao desenvolvimento estaria comprometido, pois para sua efetivação são necessárias ações e intervenções diretas no meio ambiente.

No entanto, Paulo Affonso Leme Machado explica que a implementação do princípio da precaução não tem por finalidade imobilizar as atividades humanas e que não se trata da precaução que tudo impede ou que em tudo vê catástrofes ou males. Este princípio visa à durabilidade da sadia qualidade de vida das gerações humanas e à continuidade da natureza existente no planeta.

J. J. Gomes Canotilho e José Rubens Morato Leite[45] destacam que no caso do Brasil:

...a atuação preventiva e o princípio da precaução emanam de vários dispositivos constitucionais, sendo que o último não está expresso na Constituição, mas claramente incorporado ao sistema, exercendo função normativa relevante. É possível destacar que o art. 225, §1º, II, III, IV e V da Carga Magna, bem como o art. 54, §3º da Lei 9.605/98, que penaliza criminalmente quem deixa de adotar medidas precaucionais exigidas pelo Poder Público. Encontra-se, ainda, expressamente referido no art. 5º do Decreto federal n. 4.297/2002, regulando o art. 9º, inciso II, da Lei 6.938/81, e também no art. 2º do Decreto federal n. 5.098/2004, tratando do acidente com cargas perigosas.

A relevância do licenciamento ambiental para a efetivação deste princípio é que no curso deste procedimento é possível realizar o controle e acompanhamento da obra ou atividade, desde o seu início, ou antes, na apresentação do projeto, e realizar uma análise sobre os riscos da atividade ou da obra para a preservação do equilíbrio ambiental.

5.3.5. Princípio do Poluidor-Pagador

Visa à internalização dos custos da degradação ambiental. Em decorrência da aplicação deste princípio, exige-se que o empreendedor, produtor, ou seja, o sujeito econômico arque, em caso de dano ambiental, com os custos para a redução ou afastamento do dano.

Cristiane Derani[46] explica que pelo princípio do poluidor-pagador, arca o causador da poluição com os custos necessários à diminuição, eliminação ou neutralização deste dano. Ressalta também esta autora que ele pode, desde que isso seja compatível com as condições da concorrência no mercado, transferir estes custos para o preço de seu produto final.

Kloepfer apud Derani especifica o que se chama de quatro dimensões do princípio do poluidor-pagador: A dimensão objetivo-racional-econômica, a social-ética-normativa, a político-ambiental e a jurídico-normativa

·                     Dimensão objetivo-racional-econômica: retrata não apenas uma estimativa de custo, porém, o efeito corolário, traduzido numa precaução, inspirada na intenção de afastar o custo decorrente da prática de uma atividade poluidora;

·                     Dimensão social-ético-normativa: relativiza a relação causa e efeito, numa ambição de justiça na distribuição dos custos de conservação ambiental, introduzindo o Estado no seu papel social, procurando reconhecer o porte de cada poluidor (poder econômico de cada poluidor e outras variáveis individualizadoras de cada potencial sujeito deste princípio são introduzidas para que a conservação ambiental não se transforme num instrumento de diferenças sociais);

·                     Dimensão político-ambiental: reúne as dimensões anteriores para que se chegue a definir, dentro da corrente da causalidade, o poluidor-pagador. Quem pode ser classificado e, por conseguinte, responsabilizado como poluidor-pagador;

·                     Dimensão jurídico-normativa: apresenta diversas formas jurídicas de responsabilização do poluidor-pagador, uma vez que, na norma jurídica, a relação com o poluidor não é simplificada a ponto de reduzir-se a uma relação causa (dano ambiental)-efeito (pagamento pelo ocorrido). Valem também normas de responsabilização e normas que descrevem princípios, que, mesmo em caso de reclamar uma atuação pública, relativizam a elevação dos custos necessários à reparação perante as vantagens equivalentes decorrentes do aumento da qualidade ambiental.

A importância deste princípio se deve ao fato de que de nada adiantariam ações preventivas e precaucionais se os responsáveis por possíveis danos não estivessem sujeitos a executar seus deveres ou responder por suas ações. Desta forma, sob pena de ausência de responsabilização, existe a necessidade de o Estado articular um sistema que traga segurança à coletividade. O sistema de segurança é quebrado pelo dano ambiental e pela atual sociedade de risco, porquanto se verifica a ausência de um sistema eficaz de compensação. A sociedade atual exige, portanto, que o poluidor seja responsável pelos seus atos, ao contrário do que prevalecia no passado, quanto ao uso ilimitado dos recursos naturais e culturais[47].

Este princípio não tem como objetivo tolerar a poluição mediante um preço, nem se limita apenas a compensar os danos causados, mas sim, precisamente, evitar o dano ao meio ambiente. Desta forma, o pagamento pelo lançamento de efluentes, por exemplo, não alforria condutas inconseqüentes, de modo a ensejar o descarte de resíduos fora dos padrões e das normas ambientais. A cobrança só pode ser efetuada sobre o que tenha respaldo na lei, sob pena de se admitir o direito de poluir. Trata-se do princípio poluidor-pagador (poluiu, paga os danos), e não pagador-poluidor (pagou, então pode poluir)[48].

Diante destas considerações sobre o princípio do poluidor-pagador, tem-se que mesmo que um determinado agente econômico tenha conseguido a licença de instalação e operação de seu estabelecimento, este está sujeito à observância do princípio do poluidor-pagador, caso ocorra algum acidente que comprometa a qualidade ambiental da área de influência do tratado estabelecimento.

No entanto, apesar da importância do princípio do poluidor-pagador para a tutela do meio ambiente equilibrado, convém destacar que sua aplicabilidade ao licenciamento ambiental é limitada, uma vez que este instrumento possui natureza de controle prévio, de modo a identificar possíveis danos ao ambiente e combatê-lo.

A aplicação deste princípio no processo de licenciamento ambiental pode ocorrer no seguinte caso: o responsável por determinada atividade (que se opera sem a devida licença ambiental) é surpreendido por uma fiscalização do órgão competente para o licenciamento ambiental, momento em que este órgão constata a ocorrência de um dano ambiental. O que se tem a fazer? O órgão competente, buscando dar efetividade do princípio do poluidor-pagador, vai exigir a reparação do dano (o que em termos técnicos é praticamente impossível de ocorrer), vai impor uma multa, vai embargar a atividade, e ainda, vai sujeitar a liberação desta atividade mediante a análise de estudos ambientais, a serem apresentados no bojo do procedimento do licenciamento ambiental.

5.3.6. Princípio da Informação Ambiental

Este princípio revela-se como de substancial importância para a participação da sociedade nos processos de tomadas de decisões do Estado em relação a requisições de licenças ambientais, uma vez que assegura a cada indivíduo o direito de acompanhar todas as etapas de uma construção de obra, ou as fases de instalação ou operação de atividade que possam trazer algum risco de acidentes ambientais.

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 225, §1º, inciso IV, dispõe que para assegurar a efetividade ao direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, incumbe ao Poder Público “exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade”. Verifica-se que o constituinte teve a preocupação de assegurar que o estudo prévio de impacto ambiental estivesse disponível para a consulta popular, uma vez que o cidadão consciente da responsabilidade sócio-ambiental, caso observe algum procedimento ou desvio de conduta que seja incompatível com o princípio do desenvolvimento sustentável, pode agir, pessoalmente, através do instrumento processual da ação popular, em associação, através de ação civil pública, ou levando o fato ao órgão responsável pela defesa do interesses públicos (ministério público), de modo que tenha o poder de fazer cessar um dano ambiental concreto ou futuro.

Paulo de Bessa Antunes[49] denomina de princípio democrático este mesmo princípio, e ensina que sua importância se revela, na medida em que assegura aos cidadãos o direito pleno de participar na elaboração das políticas públicas ambientais. Ressalta ainda que no sistema constitucional brasileiro, tal participação se faz de várias maneiras diferentes. A primeira delas se consubstancia no dever jurídico de proteger e preservar o meio ambiente; a segunda no direito de opinar sobre as políticas públicas, através da participação em audiências públicas, integrando órgãos colegiados, etc.

Recorda ainda o referido autor, que a Constituição Federal, em seu art. 5º, XXIII estabelece que:

Todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.

A Declaração do Rio de Janeiro de 1992, em um trecho do Princípio 10, afirma que, “no nível nacional, cada indivíduo deve ter acesso adequado a informações relativas ao meio ambiente de que disponham as autoridades públicas, inclusive informações sobre materiais e atividades perigosas em suas comunidades”[50].

Ao se restringir o acesso da população a informações de seu interesse, restringir-se-á também o direito que o indivíduo tem de acionar o judiciário para fazer cessar ação ou omissão nociva ao meio ambiente.

Nesta concatenação de idéias, é possível afirmar que as informações ambientais recebidas pelos órgãos públicos devem ser transmitidas à sociedade civil, excetuando-se as matérias que tratem de segredo industrial ou segredo de Estado. As informações ambientais devem ser prestadas de forma sistemática, e não apenas nos acidentes ambientais. Tais informações devem ser repassadas de forma a possibilitar tempo suficiente aos informados para estudarem a matéria e poderem agir diante da Administração Pública e do Poder Judiciário.

Em relação ao licenciamento ambiental de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação ambiental, observa-se a efetivação deste princípio quando se abre oportunidade para a participação popular através de audiências públicas, podendo esta, nos termos da Resolução CONAMA 237/1997, ser uma das fases deste procedimento administrativo, a ser obrigatoriamente cumprida.

Reforçando este nosso entendimento, Édis Milaré afirma que:

de fato, é fundamental o envolvimento do cidadão no equacionamento e implementação da política ambiental, dado que o sucesso desta supõe que todas as categorias da população e todas as forças sociais, conscientes de suas responsabilidades, contribuam para a proteção e a melhoria do ambiente, que, afinal, é bem e direito de todos. Exemplo concreto de aplicação deste princípio é a garantia estabelecida por lei de realização de audiências públicas no curso de processos de licenciamento ambiental que demandem a realização de estudos prévios de impacto ambiental.

5.3.7. Princípio da Reparação

Também conhecido por princípio da responsabilidade, é o princípio que estabelece que os Estados deverão desenvolver legislação nacional relativa à responsabilidade e à indenização das vítimas da poluição e outros danos ambientais. Os Estados deverão cooperar, da mesma forma, de maneira rápida e mais decidida, das novas normas internacionais sobre responsabilidade e indenização por efeitos adversos advindo dos danos ambientais causados por atividades realizadas dentro de sua jurisdição ou sob seu controle, em zonas situadas fora de sua jurisdição (art. 13 da Declaração do Rio de Janeiro/1992)[51].

A teoria da responsabilidade por risco tem seu fundamento na socialização dos lucros, pois aquele que lucra com uma atividade deve responder pelo risco ou pelas desvantagens dela decorrentes. Observa-se, inequivocamente, uma tendência em superar os obstáculos trazidos pelo dano ambiental; obviamente a responsabilização por risco, de per si, não elimina toda a complexidade do problema. A dispensa da prova de culpa do agente degradador da responsabilidade por risco denota tal avanço, facilitando a responsabilização[52].

J. J. Gomes Canotilho e José Rubens Morato Leite[53] anotam que no direito brasileiro se tem notado avanço significativo na responsabilização por danos ambientais, pois se estabeleceu a tripla responsabilização, concomitante e independente, nas esferas civil, administrativa e criminal, consoante a Lei 6.938/81, a Lei 9.605/98 e o art. 225, §3º da Constituição da República. Destaca que no que concerne ao aspecto civil, a responsabilização é por risco, e a reparabilidade integral, compreende lesão material e a imaterial (ou extrapatrimonial). Frisam ainda que a norma brasileira não estabelece em numerus clausus as atividades sujeitas à responsabilização civil por risco, podendo qualquer eventual poluidor que venha a causar lesão ao bem ambiental ser sancionado com o uso desse mecanismo.

Talden Farias[54] denomina este princípio de princípio da responsabilidade, e explicita que a primeira parte do inciso VII do art. 4º da Lei nº 6.938/81 prevê o princípio da responsabilidade ao determinar que a Política Nacional do Meio Ambiente visará à imposição ao poluidor e ao predador da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados ao meio ambiente. Este autor também assevera que o inciso IX do art. 9º dessa lei também prevê o princípio da responsabilidade ao classificar como instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente as penalidades disciplinares ou compensatórias ao não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção da degradação ambiental.

O licenciamento ambiental pode servir a dar efetividade a este princípio pela mesma razão exposta em relação ao princípio do poluidor-pagador, ou seja, na medida em que determina que o empreendedor proceda à correção ou reparação do dano ambiental observado, ou ainda efetue o pagamento de indenização pelos prejuízos ambientais observados, caso contrário sua atividade estará fadada ao embargo definitivo.

5.3.8. Princípio da Participação

Em estreita relação com o princípio da informação, este princípio, também denominado de princípio da cooperação ou princípio da gestão democrática, revela-se como de grande importância para a política ambiental, uma vez que garante a participação da população envolvida em fóruns de debates e de tomada de decisões. Obedecendo-se a tal princípio, deve ser oportunizado, em fóruns públicos destinados a debates de problemas ambientais, direito de voz ao cidadão interessado na defesa do meio ambiente.

Esse princípio de gestão democrática diz respeito não apenas ao meio ambiente, mas a tudo o que for de interesse público. Em verdade, a democracia participativa é consagrada por diversos dispositivos da Constituição Federal, como o parágrafo único do art. 1º que dispõe que o poder é exercido por meio de representantes eleitos ou diretamente pelo povo[55].

Talden Farias[56] recorda que os incisos VI, VII e VIII do art. 5º do Decreto nº 99.247/90 determinam a participação da sociedade civil, por meio de entidades de classe, de ONG’s e de movimentos sociais no CONAMA, que é o órgão consultivo e deliberativo do SISNAMA. Destaca ainda que o art. 2º da Resolução nº 9/87 do CONAMA e o art. 3º da Resolução 237/97 do CONAMA prevêem a realização de audiência pública nos processos administrativos de licenciamento ambiental em que for necessário o estudo e o relatório de impacto ambiental, caso alguma entidade civil, o Ministério Público ou pelo menos cinqüenta cidadãos o requeira.

No entanto, deve-se enfatizar que a participação da coletividade deve ser otimizada de forma extremamente organizada para que a participação seja efetiva nas melhorias. É necessário preparar a coletividade para a participação em determinadas audiências públicas, possibilitando que sejam previamente esclarecidos pontos importantes e detalhes técnicos junto às associações e entidades representativas, para que, quando da realização daquelas, estejam devidamente preparadas e qualificadas[57].

Como tratado anteriormente, em casos de requisição de estudos prévios de impactos ambientais pelo órgão competente (integrante do SISNAMA), deverá ser dada oportunidade para que a população interessada possa ter conhecimento do projeto de intervenção no meio ambiente e se manifestar, dando sua opinião, ou ainda mostrando a sua indignação em relação ao mesmo. Com a participação da população, é possível inclusive que o órgão responsável pelo licenciamento ambiental tome conhecimento de fato que ignorava, e que venha a ser capaz de mudar o ponto de vista do mesmo em relação ao projeto proposto. Esta fase do licenciamento ambiental (audiência pública) constitui o principal meio para a efetivação do princípio da participação e da defesa do meio ambiente ecologicamente equilibrado.

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Sobre o autor
Carlos Sérgio Gurgel da Silva

Doutor em Direito pela Universidade de Lisboa (Portugal), Mestre em Direito Constitucional pena Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Especialista em Direitos Fundamentais pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte (FESMP/RN), Professor Adjunto IV do Curso de Direito da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), Advogado especializado em Direito Ambiental, Presidente da Comissão de Direito Ambiental da OAB/RN (2022-2024), Geógrafo, Conselheiro Seccional da OAB/RN (2022-2024), Conselheiro Titular no Conselho da Cidade de Natal (CONCIDADE).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Carlos Sérgio Gurgel. Relevância do licenciamento ambiental para a concretização dos princípios constitucionais da defesa ambiental. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3261, 5 jun. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21931. Acesso em: 29 mar. 2024.

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