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Compra de imóvel na planta

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Nos contratos, há a estipulação de multas e penalidades de toda sorte contra o consumidor em caso de inadimplemento, e nenhuma contra a construtora ou incorporadora.

Diante da crescente expansão imobiliária testemunhada por todos, este artigo tem o objetivo de ilustrar pontos controvertidos acerca da prática de construtoras e incorporadoras que, valendo-se da vulnerabilidade do consumidor acabam por cometer irregularidades que causam enormes prejuízos aos adquirentes.


Danos morais e Materiais pelo atraso da unidade e da área comum de lazer

Vários são os problemas constantes nos contratos de adesão apresentados pelas construtoras aos adquirentes. Por se tratar de contrato de adesão, a negociação e modificação de cláusulas fica prejudicada, o que provoca uma enxurrada de ações judiciais com o fim precípuo de discutir e/ou anular tais cláusulas.

O principal ato danoso praticado é, sem dúvida, o atraso na entrega do empreendimento. É fato notório que este atraso acarreta uma série de danos aos adquirentes, tanto materiais quanto morais. O adquirente se programa, se organiza para ocupar seu bem na data aprazada e acaba sendo surpreendido com a alteração unilateral da data de entrega deste.

O consumidor, além de pagar o financiamento, deve arcar, na maioria das vezes, com gastos de aluguel, até mesmo porque precisa de um lugar para residir com sua família. Tal situação faz com que a obrigação assumida se torne sobremaneira onerosa, causando danos materiais com relação aos gastos mencionados e ao lucro que deixou de obter se tivesse o bem na data aprazada (lucros cessantes) e morais, já que o desgosto, a sensação de impotência, a frustração, o receio (por se tratar de investimento de alto valor) e a inércia das incorporadoras são ensejadores desta modalidade danosa.

Nestes casos, o que costumeiramente se aplica aos casos concretos é uma indenização a título de lucros cessantes, ou seja, aquela vantagem que o adquirente deixou de aferir exatamente por não ter recebido seu bem na data estipulada contratualmente, consistente no valor que o consumidor pagou em aluguéis ou, ainda, em valor equivalente ao aluguel do imóvel adquirido.

PROCESSUAL CIVIL – CIVIL – PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL – INADIMPLEMENTO DA INCORPORADORA QUANTO AO PRAZO DE ENTREGA – INDENIZAÇÃO DEVIDA A TÍTULO DE LUCROS CESSANTES – IMPROVIMENTO DOS EMBARGOS INFRINGENTES.

1. Deixando a incorporadora de entregar a unidade prometida à venda no prazo ajustado, responde por indenização, nesta incluídos os lucros cessantes, que resulta da impossibilidade de o promitente comprador poder auferir renda ou ocupá-lo em negócio próprio.

2. Embargos improcedentes. Conhecidos e improvidos os embargos infringentes. Decisão unânime.

Não obstante a demora na entrega do imóvel, por vezes os adquirentes ainda devem suportar a demora na entrega da área comum de lazer do empreendimento. Ora, compra-se um imóvel, no mais das vezes, pela comodidade que este proporcionará a seu adquirente.

A área de lazer destes condomínios é, por vezes, fator determinante na escolha deste ou daquele empreendimento. A piscina, sauna, salão de jogos, salão de festas, academia, playground, etc. são ambientes dos quais os adquirentes devem estar aptos a utilizarem desde o momento em que se imitirem na posse do imóvel. Porém, a realidade é outra.

Neste caso, entendemos que o adquirente também faz jus a indenização nos mesmos moldes daquela prevista para a entrega da unidade habitacional, eis que a construtora/incorporadora continua em mora.

Outra espécie de indenização que vem sendo aplicada sistematicamente por nossos Tribunais é a que consiste na aplicação de multa contratual, muitas vezes prevista no contrato apenas contra o adquirente, ao vendedor, por força do princípio da equidade.

É fato notório termos a estipulação de multas e penalidades de toda sorte contra o consumidor em caso de inadimplemento e nenhuma contra a construtora/incorporadora. Pode-se, inclusive, fazer pedidos alternativos em relação a estes dois parâmetros de indenização, eis que, na maioria das vezes, se equivalem.

“CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. ATRASO NA ENTREGA DO IMÓVEL. INADIMPLÊNCIA DA CONSTRUTORA RECONHECIDA PELO TRIBUNAL ESTADUAL. RECURSO ESPECIAL. PROVA. REEXAME. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 7-STJ. JUROS MORATÓRIOS, MULTA E HONORÁRIOS. APLICAÇÃO EM CONSONÂNCIA COM A PREVISÃO CONTRATUAL, POR EQÜIDADE. CORREÇÃO MONETÁRIA DAS PARCELAS A SEREM RESTITUÍDAS. INCC INCIDENTE ATÉ O AJUIZAMENTO DA AÇÃO, POR VINCULAÇÃO À CONSTRUÇÃO. INPC APLICÁVEL A PARTIR DE ENTÃO.

I. (...)

II. Multa compensatória, juros e honorários estabelecidos de conformidade com a previsão contratual, por aplicação da regra penal, a contrario sensu, por eqüidade.

III. (...)

V. Recurso especial conhecido em parte e parcialmente provido.

(...)

Igualmente sem nenhuma razão a apelante principal quando pleiteia que seja eliminada da condenação a parcela relativa ao pagamento da multa convencional no percentual de 0,5% sobre o valor do imóvel, pois, apesar de não existir previsão contratual desse pagamento em caso de inadimplemento da obrigação por parte da construtora, a solução encontrada na sentença monocrática é justa, pois contempla o promissário comprador - reafirmo, parte mais fraca na relação contratual - com o direito ao recebimento de multa no mesmo percentual devido à apelante principal se se tratasse de mora do adquirente do bem.” (...)

(STJ – Quarta Turma - Recurso Especial Nº 510.472 / MG – Relator: Ministro Aldir Passarinho Junior – Julgado em 02/03/2004 - DJ 29/03/2004 p. 247 – Grifos nossos).


Correção do saldo devedor pelo INCC

Outra situação que onera sobremaneira o consumidor é a cláusula contratual que prevê a correção do saldo devedor atrelada ao INCC (Índice Nacional de Custo da Construção), elaborado pela Fundação Getúlio Vargas.

Este índice tem o condão de compor as perdas das construtoras durante o período em que o empreendimento está sendo construído. Até este ponto, nada mais justo. O que ocorre é que, quando a entrega das unidades atrasa, este índice, que deve ser aplicado durante o período da construção, continua a ser aplicado.

A aplicação deste índice durante o período de atraso onera ainda mais o consumidor que, além de não poder contar com seu imóvel, ainda é punido com a aplicação de índice mais gravoso por fato pelo qual não deu causa nem de qualquer maneira concorreu.

O que se pode pleitear em sede de antecipação de tutela é o congelamento do saldo devedor e a aplicação de índice menos gravoso ao consumidor a contar da data em que o imóvel deveria ter sido entregue. Caso o imóvel já esteja quitado, cabe o pedido de restituição em dobro do valor pago indevidamente a título de correção pelo INCC.

Este tema ainda é polêmico e encontra resistência em nossos Tribunais, apesar de haver decisões no sentido de ser possível o congelamento. O Douto Magistrado Fábio Varlese Hillal da 4ª Vara Cível da comarca de Campinas, ao deferir antecipação de tutela com o fulcro de suspender a correção do saldo devedor, assim sustentou sua decisão (proc. n°. 2139/2011):

“O tempo corre contra o autor, na medida em que, incidindo o INCC até a entrega das chaves, o saldo devedor aumenta sobremaneira. Não é justo que o autor suporte esse aumento, sem culpa pela mora na entrega da unidade. Presentes, então, a fumaça do bom direito e o “periculum in mora”, defiro a tutela antecipada, para suspender a correção do saldo devedor (que se dá pelo INCC/FGV) [...]” (grifo nosso).


Ilegalidade da cobrança de comissão

Em se tratando da comissão de corretagem, o tema não encontra muita dificuldade, já que o entendimento é sedimentado no sentido de que a cobrança é legítima se houver cláusula contratual especificando a cobrança. Caso o adquirente tenha efetuado o pagamento, presume-se ter anuído para com aquela cobrança.

No mais das vezes, entretanto, o que ocorre é que as empresas tentam empurrar este ônus ao consumidor sem que este perceba. As construtoras/incorporadoras firmam contratos com imobiliárias que são as responsáveis pelas vendas sem que o adquirente tenha participado desta relação, ou seja, estas imobiliárias atuam em benefício das construtoras, devendo estas pagar pelos serviços prestados por aquelas e não o consumidor.

Neste caso, por se tratar de cobrança indevida, o adquirente faz jus à devolução em dobro desta quantia paga, conforme preceitua o artigo 42 parágrafo único do Código de Defesa do Consumidor:

“Art. 42 – [...]

Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável.”

Esse é o entendimento de nossos Tribunais:

IMÓVEL. COMISSÃO DE CORRETAGEM. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. Relação de consumo que se verifica na aquisição de imóvel em loteamento. Abusividade, em tal hipótese, de impor ao consumidor o pagamento da comissão de corretagem, ônus que se impõe ao fornecedor, porque tal profissional induvidosamente atua no interesse deste, estando a comercialização do loteamento ligada ao sucesso do seu empreendimento. Ao comprador somente pode ser exigida a comissão de corretagem quando contratada previamente e por escrito, ou seja, quando o profissional é contratado para encontrar imóvel que preencha determinado perfil, situação absolutamente diversa da verificada nos autos. Trabalho que deve ser remunerado pela incorporadora, uma vez que é quem dele se beneficia e que, in casu, não se desvincula do contrato de promessa de compra e venda firmado. Argumentos trazidos em sede recursal que não se prestam para alterar o que restou decidido. RECURSO IMPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. (Recurso Cível Nº 71000664540, Segunda Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Luiz Antônio Alves Capra, Julgado em 29/06/2005).(grifo nosso).

Portanto, deve-se atentar ao contrato. Caso haja cláusula prevendo que a comissão de corretagem deve ser paga pelo consumidor, a cobrança é legítima se anuido por este. Caso não haja previsão contratual neste sentido e o consumidor pagar a comissão, poderá pleitear o reembolso em dobro da quantia paga.


Ilegalidade da taxa SATI

Outra prática irregular e que as construtoras, valendo-se do desconhecimento dos consumidores adotam, é a cobrança da chamada taxa SATI (Serviço de Assessoria Técnico-Imobiliária) cujo valor corresponde a, geralmente, 0,88% sobre o valor da compra.

Referida taxa tem por escopo a utilização de serviços de advogado que redigiram e analisaram o contrato, além de corresponder a outros serviços que não restam demonstrados de forma clara e precisa. Ademais, o serviço será prestado por advogados contratados pelas próprias construtoras/incorporadoras que, diga-se de passagem, defendem os interesses destas.

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Essa cobrança fere não apenas o Código de Defesa do Consumidor como também o Código de Ética da OAB. Quando contratamos um serviço, nos é assegurada a liberdade de escolha. As construtoras/incorporadoras não podem interferir nessa liberdade, sob pena de ter suas estipulações anuladas.

A contratação desse tipo de serviço deve ser feita em um instrumento apartado daquele destinado à compra e venda do imóvel. Deve ser um contrato autônomo. Um instrumento que especificasse o objeto da contratação com clareza e transparência. Porém, o que se vê na prática é a inserção de uma cláusula no contrato de compra e venda prevendo este serviço e o pagamento a ser efetuado pelo adquirente, o que se pode concluir tratar-se da chamada “venda casada”.

‘’O oferecimento do serviço deve ser claro e preciso, discriminado em contrato separado, expostas todas as condições de maneira que o contratante tenha oportunidade de examiná-lo com atenção.’’ Relator: Elcio Trujillo, Apelação Com Revisão 994040273652 (3673214700), Comarca: São Paulo, Órgão julgador: Quinta Turma Cível.

Novamente, o consumidor que se sentir lesado poderá pleitear o ressarcimento deste valor em dobro, pelos mesmos fundamentos do item anterior e, ainda, com fulcro no artigo 31 do Código de Defesa do Consumidor que diz:

Artigo 31 - A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.


Cobrança de IPTU e Condomínio antes da entrega das chaves

Não se pode olvidar o fato de que as incorporadoras/construtoras, mesmo antes da “entrega das chaves”, tentam transferir ao adquirente a obrigação do pagamento da taxa condominial. Por óbvio que o consumidor não deve aceitar tal encargo já que o certo seria que as construtoras/incorporadoras arcassem com tais despesas, mormente pelo fato de que o consumidor não tem, sequer, a posse da coisa.

Segundo entendimento da Segunda Seção do STJ, “a efetiva posse do imóvel, com a entrega das chaves, define o momento a partir do qual surge, para o condômino, a obrigação de fazer o pagamento do condomínio”. Antes disso, quaisquer despesas são de responsabilidade de quem tem a posse do imóvel, ou seja, da construtora/incorporadora. Portanto, é dela que o condomínio deve cobrar as taxas condominiais (EdResp Nº 489.647, tramitado no Rio de janeiro, julgado em 2009).

A responsabilidade de custear as despesas de manutenção decorre da possibilidade de utilização do imóvel e, em muitos casos, há a cobrança sem que o adquirente tenha se imitido na posse do bem.

Caso haja a cobrança indevida de taxas condominiais, o adquirente lesado deve procurar o Juizado Especial Cível munido de documentos que comprovem a data da efetiva imissão na posse e, caso tenha efetuado o pagamento, pleitear sua devolução em dobro, por se tratar de pagamento indevido ou, caso contrário, buscar uma sentença declaratória de inexigibilidade daquela cobrança.

Em se tratando da cobrança do IPTU, a mesma situação se verifica. As construtoras/incorporadoras chegam até a realizar a reunião para instalação do condomínio antes da expedição do habite-se, justamente para se livrarem da obrigação o quanto antes.

Porém, a cobrança de IPTU, assim como a cobrança da taxa condominial antes da efetiva entrega das chaves mostra-se indevida e padece de irregularidades que poderão ser sanadas pela via do judiciário, caso haja necessidade.


Conclusão

O certo é que, diante de todas essas irregularidades perpetradas pelas construtoras/incorporadoras, encontra-se o consumidor que, apesar de adquirir imóvel de alto valor, não tem sua capacidade econômica equivalente à dessas organizações e, portanto, são hipossuficientes nesta relação.

Importante ressaltar a necessidade de documentar todas as negociações e tratativas com essas empresas, desde e-mails trocados e quaisquer outros tipos de correspondência que eventualmente poderão servir como prova em uma ação.

O caminho é árduo, porém, o adquirente tem uma importante e eficaz ferramenta a seu dispor, qual seja, o Código de Defesa do Consumidor, cuja finalidade precípua é equilibrar tais relações contratuais maculadas com cláusulas abusivas e iníquas.

Este artigo tem o condão de elucidar, em consonância com o posicionamento doutrinário e jurisprudencial, questões afetas a este tipo específico de negociação. Não se pretende, de forma alguma, ilustrar direitos de maneira absoluta, até mesmo porque para a configuração deste direito há a necessidade de provas neste sentido, o que varia de acordo com o caso concreto.

Destarte, para evitar estes e outros tipos de dissabores e aborrecimentos, a solução recomendada seria consultar-se com um advogado de sua confiança antes de assinar qualquer contrato, especialmente os de alto valor como os que envolvem a compra e venda de imóveis.

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Sobre o autor
Jorge Luiz de Andrade Barros Junior

Advogado em Santos (SP).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARROS JUNIOR, Jorge Luiz Andrade. Compra de imóvel na planta. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3262, 6 jun. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21945. Acesso em: 23 abr. 2024.

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