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Democracia, censura e liberdade de expressão e informação na Constituição Federal de 1988

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01/10/2001 às 00:00
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1. Introdução

O tema será abordado sob o ponto de vista do direito constitucional positivo. Vale dizer, como a Constituição da República em vigor disciplina o trinômio democracia-censura-liberdade de expressão e informação. Ademais, a exposição terá como referência o background teórico do direito constitucional contemporâneo.


2. A Proibição de Censura na Constituição Federal de 1988

A exemplo das constituições democráticas contemporâneas, a Constituição Federal de 1988 proíbe qualquer espécie de censura, seja de natureza política, ideológica ou artística (art. 220,§2°).

Do ponto de vista do direito constitucional, censura significa todo procedimento do Poder Público visando a impedir a livre circulação de idéias contrárias aos interesses dos detentores do Poder Político. Vale dizer, o Estado estabelece previamente uma tábua de valores que deve ser seguida pela sociedade. Os censores oficiais aniquilam qualquer manifestação diferente da ideologia do Estado.


3. Democracia na Constituição Federal de 1988

Por seu turno, a Constituição Federal de 1988 também traça as normas básicas para o funcionamento da democracia brasileira. Por exemplo, a democracia brasileira tem como fundamentos a dignidade da pessoa humana, a cidadania1, o pluralismo político, a valorização do trabalho e da livre iniciativa (art. 1°); o Poder emana do povo, que o exerce diretamente -- plebiscito, referendo, iniciativa popular --ou por meio de representantes (art. 1°, parágrafo único); o Texto Constitucional consagra ainda os direitos políticos e o livre funcionamento dos partidos políticos (arts. 14. a 17).

Convém lembrar, como observa NORBERTO BOBBIO, que a Constituição estabelece as normas básicas para o jogo democrático e estabelece penalidades para o descumprimento das normas democráticas. Assim como as regras do jogo de futebol, por exemplo, não garantem um bom espetáculo ou a vitória de um time por si mesmas, igualmente a Constituição não garante a existência de um bom governo ou funcionamento ideal da democracia. Isso depende da vontade dos detentores e destinatários do poder (para lembrar ensinamento de KARL LOEWENSTEIN)2 .Portanto, a Constituição não tem culpa pela existência de maus governos.

Infelizmente, no Brasil, os detentores do poder, como revela a nossa história, sempre demonstraram má-vontade com os princípios democráticos inscritos nas Constituições. Inclusive os vários governos que se sucederam sob a égide da atual Constituição Federal sempre procuraram considerá-la uma constituição semântica que não controla efetivamente o processo político3. Cada Presidente da República que assume quer transformar a constituição num regimento interno do governo, como denunciou FABIO KONDER COMPARATO.

Contudo, a dificuldade de vivermos a democracia não se localiza apenas no âmbito do Estado, na relação autocrática dos governantes para com : os governados. Também, na esfera da sociedade, observa-se a reprodução de comportamentos autoritários. Aqui vale recordar os ensinamentos do renomado sociólogo do direito lusitano -BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS. Segundo este autor, existem vários contextos na sociedade: contexto da cidadania (cidadão e estado); contexto da produção (empregado e empregador); contexto da domesticidade (pais e filhos) e contexto da mundialidade (relação entre países). De acordo com o citado autor, durante muito tempo as reivindicações concentraram-se na democratização do contexto da cidadania, o que propiciou um avanço na conquista dos direitos do cidadão e garantia de status para a cidadania. Contudo, é necessário voltar a atenção para os demais contextos, no sentido de democratizá-los. 4

Com efeito, a nossa experiência pessoal revela que a sociedade em que vivemos é autocrática. Nesse sentido, são as nossas relações com parentes, com amigos, no ambiente de trabalho. Por sua vez, a globalização impõe uma integração econômica que favorece aos países ricos (será o imperialismo que reclamava LÊNIN?).

Importa lembrar que, embora a Constituição apenas garanta as regras do jogo democrático, atualmente estamos assistindo a uma grande abertura interdisciplinar entre a teoria da Constituição e outras ciências tais como a política, a filosofia do Direito. Estas últimas pretendem estabelecer critérios materiais e princípios de justiça para a democracia. Nesse sentido, é a influente teoria do filósofo do direito JOHN RAWLS, que formulou uma teoria da justiça para a sociedade democrática contemporânea. RAWLS estabelece dois princípios: o princípio da igualdade "cada pessoa deve ter igual direito à mais ampla liberdade compatível com a liberdade dos demais" - é o princípio da diferença -"as desigualdades sociais e econômicas devem ser arranjadas de forma a que ambas correspondam (a) a uma razoável expectativa que a todos beneficiarão, e que sejam ligadas a posições e postos abertos a todos." 5

Um outro critério material para funcionamento da democracia contemporânea é formulado pelo influente jurista espanhol ELIAZ DIAS. Segundo este autor, é essencial para a democracia o respeito à liberdade de crítica individual e às minorias.6


4. Antinomia Entre Democracia e Censura

Como é fácil ver, democracia e censura são termos antitéticos, antagônicos, inconciliáveis. A democracia é inconciliável com a censura porque a censura obsta o regular funcionamento da democracia. É que a das condições essenciais para o funcionamento da democracia é a livre circulação de idéias, opiniões, fatos e o pluralismo político, ideológico e artístico. E a censura é uma imposição autocrática e unilateral de idéias e opiniões. E a instituição do monopólio político, ideológico e artístico na sociedade, conforme observou-se durante amarga experiência de regime de censura imposto pela ditadura militar, que até recentemente vigorou em nosso País. Aliás, cumpre evocar que a censura está sempre aliada aos regimes autoritários e antidemocráticos.

Assim, por violar um direito dos mais caros ao homem, a liberdade de expressão e informação (hoje considerada uma instituição fundamental para o funcionamento da democracia), a censura torna-se incompatível com a democracia.


5. A Liberdade de Expressão e Informação

A liberdade de expressão e informação, consagrada em textos constitucionais, sem nenhuma forma de censura prévia, constitui uma característica das atuais sociedades democráticas. Essa liberdade é, inclusive, considerada como termômetro do regime democrático.

A liberdade de expressão e informação encontra-se, outrossim, expressa em vários documentos internacionais: a Declaração dos Direitos Humanos de 1948, aprovada pela ONU (art. 19); o Convênio Europeu para a proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais, aprovado em Roma no ano de 1950 (1 e 2); mais recentemente, a Convenção Americana de Direitos Humanos -Pacto San de José da Costa Rica.

A liberdade de expressão e informação compreende a faculdade de expressar livremente idéias, pensamentos e opiniões, bem como o direito de comunicar e receber informações verdadeiras sobre fatos, sem impedimentos nem discriminações 7.

Com base no mencionado conceito, a doutrina e a jurisprudência . têm assentado a relevante distinção entre liberdade de expressão e direito a informação.

O objeto da liberdade de expressão compreende os pensamentos, idéias e as opiniões, enquanto que o direito à informação abrange a faculdade de comunicar e receber livremente informações sobre fatos, ou seja, sobre fatos que podem ser "considerados noticiáveis". 8

A referida distinção entre liberdade de expressão e direito à informação revela-se de grande importância para a densificação do âmbito de proteção9, bem como para a demarcação dos limites e responsabilidades decorrentes do exercício desses direitos fundamentais. Por exemplo, enquanto os fatos são susceptíveis de prova da verdade, as opiniões ou juízos de valor, devido à sua própria natureza abstrata, não podem ser submetidos à comprovação. Resulta que a liberdade de expressão tem o âmbito de proteção mais amplo do que o direito à informação, vez que aquela não está sujeita, no seu exercício, ao limite interno da veracidade, aplicável a este último.

O limite interno da veracidade, aplicado ao direito à informação, refere-se à verdade subjetiva, e não à verdade objetiva. Vale dizer, no Estado Democrático de Direito o que se exige do sujeito é um dever de diligência ou apreço pela verdade, no sentido de que seja contactada a fonte dos fatos noticiáveis e verificada a seriedade da notícia antes de qualquer divulgação. Em resumo, a veracidade que o direito à informação implica constitui um problema de deontologia profissional.

No âmbito da proteção constitucional ao direito fundamental à informação estão compreendidos tanto os atos de comunicar quanto os de receber livremente informações pluralistas e corretas. Com isso, visa-se a proteger não só o emissor mas também o receptor do processo da comunicação.

No aspecto passivo dessa relação da comunicação, destaca-se o direito do público de ser adequadamente informado, tema sobre o qual RUI BARBOSA já chamava a atenção em sua célebre conferência "A imprensa e o dever de verdade"10 e que, atualmente, invocando-se a defesa dos interesses sociais e indisponíveis, desemboca na tese de que o direito positivo brasileiro tutela o "direito difuso à notícia verdadeira". 11

Se a liberdade de expressão e informação, nos seus primórdios, estava ligada à dimensão individualista da manifestação do pensamento e da opinião, viabilizando a crítica política contra o ancien régime, a evolução daquela liberdade, operada pelo direito/dever à informação, especialmente com o reconhecimento do direito ao público de estar suficiente e corretamente informado; àquela dimensão individualista-liberal foi acrescida uma outra dimensão de natureza coletiva: a de que a liberdade de expressão e informação contribui para a formação da opinião pública pluralista - esta cada vez mais essencial para o funcionamento dos regimes democráticos, a despeito dos anátemas eventualmente dirigidos contra a manipulação da opinião pública. Assim, a liberdade de expressão e informação, acrescida dessa perspectiva de instituição que participa de forma decisiva na orientação da opinião pública na sociedade democrática, passa a ser estimada como um elemento condicionador da democracia pluralista e como premissa para o exercício de outros direitos fundamentais. Em conseqüência, no caso de pugna com outros direitos fundamentais ou bens de estatura constitucional, os tribunais constitucionais têm decidido que, prima facie, a liberdade de expressão e informação goza de preferred position.


6. A Liberdade de Expressão e Informação na Constituição Federal de 1988

A nossa atual Constituição Federal regula a liberdade de expressão e informação nos arts. 5° e 220. As principais disposições normativas são:

Art. 5°, IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;

Art. 5°, IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;

Art. 5°, XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardo do sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;

Art. 220. - A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a. informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

§1° - Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5°, IV, V, X, XIII e XIV;

§2° - É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.

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Qual o âmbito de proteção constitucional da liberdade de expressão e informação, tendo em vista que a Constituição Federal veda qualquer forma de censura prévia?

Tem sido um aprendizado duro e difícil para nós, depois de muitos anos de regime de censura, conviver numa sociedade sem censura oficial do Estado. Quem não se recorda dos inúmeros conflitos envolvendo a liberdade de imprensa e artística e os direitos da privacidade verificados nos últimos tempos no País? Por exemplo, os episódios envolvendo o cantor TIRIRICA que gravou música com versos contendo preconceito racial; ou do Ex-Presidente COLLOR DE MELO que impediu que uma rede de televisão apresentasse a novela Marajás por considerá-la uma violação de sua privacidade; ou a proibição de venda de livros, tais como o que narrava a biografia do jogador de futebol GARRINCHA e o livro no qual o ator GUILHERME DE PÁDUA expunha a sua versão sobre a morte da atriz DANIEIA PEREZ, na qual esteve envolvido. Além disso, o Ministério Público Piauiense tem se posicionado contra a exposição compulsória na TV e jornais de pessoas presas envolvidas em crimes, promovendo audiências públicas em procedimentos administrativos. Portanto, de acordo com o direito constitucional, como resolver conflitos envolvendo a liberdade de imprensa?


7. Os Limites da Liberdade de Expressão e Informação

Na verdade, no sistema constitucional não existe direito absoluto. Os direitos ou estão limitados por outros direitos ou estão limitados por valores coletivos da sociedade igualmente amparados pela Constituição.

A liberdade de expressão e informação, que atinge o seu nível máximo de proteção, quando exercida por profissionais dos meios de comunicação social, como qualquer outro direito fundamental, não é absoluta, tem limites. Além do limite interno anteriormente mencionado, da veracidade da informação, a liberdade de expressão e informação deve compatibilizar-se com os direitos fundamentais dos cidadãos afetados pelas opiniões e informações bem como, ainda, com os outros bens constitucionalmente protegidos, tais como: moralidade pública, saúde pública, segurança pública, integridade territorial, etc. Contudo, pelo fato de a liberdade de expressão e informação desfrutar do status de direito fundamental, o Poder Público, ao pretender restringir o âmbito de proteção dessa liberdade para atender os limites supracitados, terá que justificar a necessidade da intervenção e só poderá efetivar a restrição por meio de lei (reserva de lei explícita ou implícita autorizada pela constituição). A restrição c deverá ainda satisfazer a máxima da proporcionalidade, de forma que resulte intacto o núcleo essencial da liberdade de expressão e informação.

A doutrina classifica os limites da liberdade de expressão e informação em limites externos e limite interno.


8. Os Limites Externos da Liberdade de Expressão e Informação

A Constituição Federal, no seu art. 220, §1°, estabelece como limites externos: a vedação do anonimato, o direito de resposta, a indenização por danos materiais e morais, bem como os direitos à honra e à privacidade (a intimidade, a vida privada e a imagem).

A proibição do anonimato assegura a identificação do comunicador, propiciando a garantia da responsabilidade civil por danos materiais ou morais eventualmente causados pela informação a terceiros.

O direito de resposta assegura a retificação da informação falsa ou defeituosa.

A honra, que significa a valoração da dignidade da pessoa feita por ela própria (subjetiva), ou na consideração dos outros (objetiva) não constitui nenhuma novidade na Constituição Federal de 1988. Já era regulada pelo Código Penal (arts. 138. a 140).

Os direitos à intimidade, à vida privada e à imagem, abreviadamente chamados de direitos à privacidade, constituem uma novidade introduzida pela vigente Constituição Federal.

A intimidade significa a proteção do modo de ser da pessoa ou de esfera de sua personalidade que não deve chegar ao conhecimento do público sem o consentimento da pessoa.

A vida privada pode ser considerada um ciclo de proteção mais amplo do que a intimidade, sendo que esta protegeria aspectos mais secretos da personalidade do que aquela.

A imagem significa a faculdade que tem a pessoa de dispor de sua aparência física e só pode ser divulgada com o seu consentimento.


9. O Limite Interno da Liberdade de Expressão e Informação

A liberdade de expressão e informação, como vimos, abrange a liberdade de externar idéias, pensamentos e opiniões que, por sua própria natureza abstrata, não são susceptíveis de comprovação e o direito de comunicar e receber informações sobre fatos ocorridos na sociedade susceptíveis à prova da verdade. Portanto, o direito à informação tem como limite interno a veracidade dos fatos divulgados. Todavia, essa veracidade refere-se à verdade subjetiva e não à verdade objetiva. Vale dizer, o que se exige é um dever de diligência ou apreço pela verdade no sentido de que o comunicador entre em contacto com a fonte dos fatos para verificar a seriedade da notícia antes de qualquer divulgação.

Conforme mencionado, o grande RUI BARBOSA na sua famosa conferência "a imprensa e o dever da verdade" já afirmava que a sociedade tinha o direito de ser informada corretamente. E atualmente o professor LUIS GUSTAVO G. C. DE CARVALHO defendeu a tese do direito difuso à informação verdadeira, ou seja, o direito de qualquer cidadão de postular a retificação de informação falsa. 12


10. A liberdade de Expressão e Informação na Democracia e a Atuação dos Tribunais

Para ilustrar a maneira como os tribunais vêm se comportando quanto ao exercício da liberdade de expressão e informação nas sociedade democráticas, onde, evidentemente, não existe censura, vale mencionar a experiência da Suprema Corte Americana que, em grande parte, é seguida por outros tribunais.

Assim, no caso de colisão entre a liberdade de expressão e informação e os direitos da privacidade, a Suprema Corte tem adotado o critério da opção preferencial por essa liberdade, em razão da valoração daquela liberdade como instituição importante para a democracia pluralista e aberta. Todavia, no caso concreto, estabelece o balancing of interest para verificar existência de dois requisitos: 1 separando o público (assuntos e sujeitos públicos) do privado (assuntos e sujeitos privados) e tendo em vista que essa liberdade tem a finalidade de propiciar o debate público, o controle do poder público e a formação da opinião pública, não há razão para conceder essa preferência para as notícias que se referem ao âmbito privado; 2 examina ainda a citada Corte se o comunicador agiu com diligência, no sentido de produzir uma notícia honesta, pois não deve gozar daquela presunção a seu favor a comunicação que revele desprezo pela verdade.

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Sobre o autor
Edilsom Farias

Mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Brasília -UnB, Doutorando em Direito Constitucional pela Universidade Federal de Santa Catarina -UFSC, Professor da Universidade Estadual do Piauí -UESPI e Promotor de Justiça.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FARIAS, Edilsom. Democracia, censura e liberdade de expressão e informação na Constituição Federal de 1988. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. -639, 1 out. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2195. Acesso em: 23 nov. 2024.

Mais informações

Texto publicado na Revista da Justiça Federal do Piauí nº 1, vol. 1, jul/dez 2000

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