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O fenômeno da dependência afetiva na criminalidade feminina no Estado do Piauí

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09/06/2012 às 11:16
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4. A DEPENDÊNCIA AFETIVA

4.1. Introdução aos conceitos de Psicologia Comportamental

Como dito em linhas anteriores, muitos pesquisadores identificaram a existência de um elemento masculino na prática delitiva feminina, o que pode vir a ser explicado por meio do fenômeno da dependência afetiva. Para melhor compreensão do estudo que se fará neste trabalho, é necessário que se faça uma breve explanação sobre conceitos que serão abordados no decorrer do mesmo. Isso por que é necessário que haja uma demonstração dos processos ocorridos no âmbito emocional, a fim de que se possa verificar a plausibilidade da hipótese trabalhada, ou seja, é necessário que se demonstre se as influências emocionais podem, de fato, levar alguém a praticar condutas ilícitas. Por isso, antes de se tentar uma definição e caracterização do fenômeno da dependência afetiva, é imprescindível a abordagem de algumas questões oriundas da Psicologia, ciência que estuda o assunto, e que pode ser definida como “o estudo científico do comportamento e dos processos mentais”189.

A Psicologia tem sido utilizada, cada vez mais, por outras ciências, como o Direito, no nosso caso, a fim de obter melhor entendimento sobre os fenômenos que afetam as relações entre pessoas, de modo que sejam elaboradas leis mais eficazes e seja aplicada a medida adequada ao infrator da lei. Emilio Mira Y Lopéz, ao tratar da aplicação e importância da Psicologia para os juristas, assim comenta:

“Não é possível julgar um delito sem compreendê-lo, mas para este se necessita não só conhecer os antecedentes da situação, senão o valor de todos os fatores determinantes da reação pessoal que antes temos estudado; e esta é a obra psicológica que compete realizar ao jurista se quiser merecer tal nome. Dois delitos aparentemente iguais e determinados pelas mesmas circunstâncias externas podem, sem embargo, ter uma significação inteiramente distinta e devem, por conseguinte, ser julgado e penalizado de um modo absolutamente diferente.”190

No caso deste estudo em específico, será tratada com mais destaque a perspectiva psicológica comportamental, que melhor se ajusta ao objetivo do presente trabalho, sem, contudo, excluirmos outras concepções que possam contribuir, de alguma forma, para a descrição dos feitos e motivações das mulheres alvo desta pesquisa, ou seja, aquelas mulheres que cometem infrações em razão de outro.

4.1.1. Evolução da Psicologia e a Psicologia Jurídica

A Psicologia tem origem na Grécia antiga, com filósofos como Sócrates, Platão e Aristóteles, que questionavam sobre aspectos importantes da vida mental. Num aspecto mais fisiológico, Hipócrates, “o pai da Medicina”, fez muitas observações sobre a atuação do cérebro.

Inicialmente, as maiores discussões eram relacionadas ao dualismo nativismo e empirismo. A questão era saber se o homem nascia “com um suprimento inato de conhecimento e entendimento da realidade”191 ou, como defendia John Locke, o homem é uma tábula rasa, adquirindo conhecimento e entendimento com as experiências de vida. Atualmente, a tendência tem sido adotar um entendimento integrado entre as duas visões, em que os processos biológicos e a experiência influenciam o comportamento e pensamentos humanos.

A psicologia, enquanto estudo da mente humana e do comportamento, só passa a ser considerada como ciência, porém, ao separar-se da filosofia, deixando de buscar a essência humana e passando a adotar métodos para não só conhecer, mas também intervir no ser humano192. Assim, só teve início em 1879, com a criação do laboratório de psicologia da Universidade de Leipzig, na Alemanha, por Wilhelm Wundt, que se preocupava especialmente com os sentidos, a atenção, a emoção e a memória, utilizando o método introspectivo, que consistia na “observação e registro da natureza de nossas próprias percepções, pensamentos e sentimentos”193.

No século XIX, ainda utilizando a introspecção, dominou a psicologia a abordagem estruturalista, que buscava descobrir elementos mentais que criavam estruturas mais complexas, influenciada pelos avanços na física e na química.

Como crítica e reação à inexatidão do estruturalismo, iniciou-se o movimento funcionalista, tendo em William James seu principal representante. Este tinha como escopo o estudo das formas com que a mente interferia na adaptação do indivíduo em seu ambiente, com a noção de que a consciência é subjetiva194.

A partir de 1920, suplantando essas abordagens que consideravam apenas a experiência consciente, três escolas ganharam força, em crítica não ao objeto de estudo do funcionalismo, mas a seu método: o behaviorismo, a psicologia da gestalt e a psicanálise.

O behaviorismo, fundado por John B. Watson, afirmava que os comportamentos são resultado de um condicionamento e que são moldados pelo ambiente, reforçado por hábitos específicos. Esta abordagem será de importância fundamental para este trabalho.

Os psicológos da gestalt (palavra alemã que significa forma ou configuração), promovida por Max Wertheimer, Kurt Koffka e Wolfgang Köhler, “acreditavam que as experiências perceptivas dependiam dos padrões formados pelos estímulos e da organização da experiência”195.

Já psicanálise, que é uma teoria da personalidade e um método de psicoterapia, fundada por Sigmund Freud, acreditava que nossos pensamentos, sentimentos e ações eram influenciados pelo inconsciente, da qual fazem parte os desejos inaceitáveis, que, para Freud, quase sempre envolvia sexo ou agressão, reprimidos na infância.

Após a Segunda Guerra Mundial, influenciados pela sofisticação da tecnologia, surgiu a abordagem do processamento de informações, que fazia uma analogia ao funcionamento da mente humana com o de um computador. Com o desenvolvimento da lingüística moderna, desenvolveu-se a psicolingüística, que buscava relacionar as estruturas mentais responsáveis pela linguagem. Igualmente, os avanços na tecnologia biomédica, com descobertas sobre a relação entre os processos neurológicos e mentais contribuíram para o desenvolvimento da neuropsicologia. Estas abordagens contemporâneas têm orientação cognitiva, preocupando-se, principalmente com os processos e estruturas mentais.

Atualmente, a psicologia utiliza diferentes perspectivas, que podem abordar uma variedade de ações, cada uma por um ângulo distinto, não sendo mutuamente exclusivas. As cinco principais são as perspectivas biológica (que procura relacionar o comportamento explícito a eventos elétricos e químicos que ocorrem dentro do corpo), comportamental (que será analisada em tópico próprio), cognitiva (baseada num estudo dos processos mentais, de maneira objetiva, a fim de compreender os comportamentos), psicanalítica (que analisa os processos inconscientes que influenciam o comportamento) e fenomenológica (abordagem humanista, que enfatiza as qualidades humanas que os diferem de animais).

Somente a partir de 1868, todavia, a Psicologia ganhou relevância enquanto ciência capaz de auxiliar a justiça, com o lançamento da obra Psychologie Naturelle, de Prosper Despine, sendo considerado o fundador da Psicologia Criminal196. Esta está contida no que é chamada Psicologia Jurídica, que Liene Martha Leal conceitua como “toda aplicação do saber psicológico às questões relacionadas ao saber do Direito”197. Fátima França afirma que o objeto de estudo da Psicologia Jurídica é o comportamento humano no âmbito do mundo jurídico e as conseqüências das ações jurídicas sobre o indivíduo198.

Buscando analisar um comportamento humano, a fim de compreender, portanto, os mecanismos utilizados na construção da dependência afetiva e a possibilidade de que este estado influencie na prática criminosa, devemos entender sobre o que se funda a Psicologia Comportamental.

4.1.2. A Perspectiva Comportamental

A perspectiva comportamental estuda, como o próprio nome diz, o comportamento dos indivíduos em função de sua relação com o ambiente que o cerca, seja respondendo aos estímulos que se apresentam, seja modelando seu comportamento de acordo com as conseqüências de seus atos. A ciência que estuda o comportamento é chamada de Análise do Comportamento, e a filosofia que embasa essa ciência é chamada de Behaviorismo Radical, proposta por Skinner.199

O chamado comportamento respondente se baseia na relação, chamada de reflexo, entre estímulo, que é uma parte ou mudança em uma parte do ambiente, e resposta, uma mudança no organismo eliciada pelo estímulo200, ou seja, uma mudança no ambiente produz uma alteração no organismo. As respostas a determinados estímulos, como, por exemplo, retirar o dedo quando o encostar em uma panela quente, já nasce com o indivíduo; são os chamados reflexos inatos.

Outros reflexos, entretanto, podem ser aprendidos através de um condicionamento. Isso quer dizer que é possível fazer com que um estímulo que não eliciasse determinadas respostas passassem a eliciá-las. Este processo foi estudado por Ivan Petrovich Pavlov, e, em sua homenagem, recebeu o nome de Condicionamento Pavloviano.

O Condicionamento Pavloviano consiste, basicamente, em produzir o emparelhamento entre um estímulo (US – estímulo incondicionado em inglês) que naturalmente produz uma determinada resposta (UR – resposta incondicionada) e um outro estímulo (NS – estímulo neutro) que se deseje que produza a mesma resposta. Após o emparelhamento, o estímulo (agora CS – estímulo condicionado) que não produzia, originalmente, a resposta (agora chamada CR – resposta condicionada), passa a eliciá-la.

O método de Pavlov pode, inclusive, ser utilizado para eliciar respostas de cunho emocional a estímulos que não as produziriam.

Por outro lado, Burrhus Frederic Skinner, baseado no estudo de Edward Lee Thorndike, ao estudar os reflexos, observou que nem todas as ações eram respondentes, e que existia um segundo tipo de comportamento que ele chamou de comportamento operante201. Partindo das formulações já realizadas, Skinner elabora definições – baseadas na economia conceitual – que explicassem os processos comportamentais tanto em animais infra-humanos quanto em seres humanos.

Comportamento operante pode ser definido como aquele “que produz conseqüências (modificações no ambiente) e é afetado por elas”202, tanto para nos fazer repetir o comportamento como para que o deixemos, de forma que as conseqüências de nossos comportamentos irão influenciar sua ocorrência futura, controlando-os. Desse modo, se, ao adotar determinado comportamento, ele produzir uma conseqüência agradável, há maior possibilidade de que ele seja repetido; entretanto, se a conseqüência originada for desagradável, há uma maior probabilidade de que abandonemos este comportamento.

Estas conseqüências que aumentam a probabilidade de ocorrência de um comportamento são chamadas de reforços, que adicionam um estímulo ao ambiente, que podem ser naturais, quando produto do próprio comportamento, ou arbitrárias, quando originado de forma indireta. Por meio dos estímulos reforçadores é possível que se aprenda novos comportamentos, num processo de condicionamento operante que se denomina “Modelagem”203.

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A utilização de reforços traz como conseqüências a diminuição de comportamentos diferentes dos reforçados e, quanto mais repetidos, maior especialização do comportamento, que passa a ocorrer de forma mais parecida e mais rápida. Entretanto, os efeitos do reforço são temporários, pois só permanecem com a continuação das conseqüências agradáveis/esperadas pelo sujeito204. Este processo de suspensão do reforço é denominado extinção operante, que acarreta uma diminuição gradual do comportamento reforçado, até níveis similares aos que havia antes do reforço (nível operante).

Alguns indivíduos encontram maior resistência à extinção de um comportamento do que outros, e esse grau de resistência se deve ao processo de aprendizagem (regularidade dos reforços obtidos) e ao esforço para emitir o comportamento, pois quanto mais difícil, mais rápida a desistência. A extinção, porém, traz como uma das principais conseqüências a eliciação de respostas emocionais negativas, como raiva, frustração, irritação, etc.

A aprendizagem de novos comportamentos pode se dar de outras formas, além da utilização de reforçadores – que são chamados positivos, já que adicionam um estímulo ao ambiente –, a fim de que a freqüência do comportamento aumente. Como dito anteriormente, as conseqüências de nossos comportamentos também podem fazer com que eles parem de ocorrer, se forem desfavoráveis, além de aumentar a freqüência de comportamentos, como dito alhures. Esse processo ocorre por meio do chamado controle aversivo, que é assim denominado porque o indivíduo se comporta com o intuito de evitar que algo aconteça, podendo se dar por meio do reforço negativo, da punição negativa e da punição positiva.

O reforço negativo aumenta a probabilidade de um comportamento ocorrer, mas, ao contrário do reforço positivo, pela retirada de um estímulo (conseqüência), do ambiente, considerado desagradável pelo indivíduo. O reforço negativo aumenta a freqüência de dois tipos de comportamento: o comportamento de fuga, que retira o estímulo aversivo do ambiente; e o comportamento de esquiva, que evita ou atrasa o aparecimento de um estímulo aversivo, que ainda não está presente, no ambiente.205

Os dois tipos de punição, ao contrário dos reforços positivo e negativo, diminuem a ocorrência de um comportamento. Na punição positiva, o comportamento passa a ser evitado em virtude da adição, no ambiente, de um estímulo aversivo. Já na punição negativa, a freqüência do comportamento é diminuída pela retirada de um estímulo reforçador do ambiente.206

O controle aversivo, embora ofereça resultados imediatos e eficazes, acarreta efeitos colaterais pouco interessantes, como eliciação de respostas emocionais, supressão de comportamentos além do punido, que ocorreram próximos a ele, e emissão de outras respostas que evitem o comportamento punido, impedindo que se saiba quando a punição não está mais em vigor.

Com base na abordagem comportamental, portanto, iremos analisar os comportamentos que levaram algumas mulheres à prática de crimes, e verificar a relação entre estes e a plausibilidade da existência do fenômeno da dependência afetiva como motivador dos delitos de autoria feminina.

4.2. Caracterização da dependência afetiva feminina neste contexto

Historicamente, como visto anteriormente, a mulher vem desempenhando o papel de guardiã da família, voltada apenas para a manutenção da casa e cuidados com o marido e os filhos, o que leva Emilio Mira Y López a afirmar que o ideal da mulher adulta é aquela que:

“[...] tende ao cuidado e conservação da casa, mediante a ótima administração do poder (moral ou material) que seu companheiro lhe proporciona. Casada ou não, a mulher necessita depender de um homem, mais que o homem da mulher.”207

O conceito de dependência costuma incluir diferentes tipos de fenômenos, de acordo com Lucila Amaral Carneiro Vianna208. Entre eles está aquele que significa submissão, ou seja, a incapacidade da mulher se manter, condicionando-a em função do outro; é esta a dependência que faz com que a mulher se ajuste ao que outra pessoa espera dela por medo do abandono.

A dependência da mulher pode advir também da necessidade que se tem de outra pessoa para suprimir as carências afetivas, muito mais presentes nelas, mulheres, do que nos homens. Assim, a necessidade afetiva não pode ser confundida com a ausência da autonomia, visto que isso tem posto as mulheres numa relação de submissão no espaço público e privado.

De acordo com a teoria comportamental, as relações afetivas e sentimentais podem ser explicadas através do comportamento emocional. O comportamento emocional consiste em comportamentos realizados a fim de que as pessoas possuam conseqüências agradáveis ou evitem conseqüências desagradáveis, referindo-se ao comportamento operante, ou ainda elicie reações fisiológicas, referindo-se ao comportamento respondente (por exemplo, o prazer). Um exemplo de comportamento emocional consiste no comportamento de amar. Segundo Skinner:

“Tudo o que os amantes fazem no sentido de ficarem juntos ou de evitarem a separação é reforçado por essas consequências, e é por isso que eles passam juntos o maior tempo possível. Nós descrevemos o efeito interno de um reforçador quando dizemos que ele “nos dá prazer” ou “faz com que nos sintamos bem” e, nesse sentido, “Eu te amo” significa “você me dá prazer ou me faz sentir-se bem””209

No comportamento de amar, todos os comportamentos operantes desenvolvidos (conhecer uma pessoa, conversar diversas vezes com ela, ligar para a pessoa cotidianamente, levar-lhe presentes de sua preferência, namorar) propiciam um reforçamento mútuo e aumenta a probabilidade de que comportamentos semelhantes ocorram com maior frequência, produzindo o reforço positivo. Deste modo, amar seria um conjunto de comportamentos contingentes a determinados tipos de relações, onde a história de reforçamento sinalizaria como cada organismo aprendeu a se relacionar.

O reforço positivo é muito poderoso, visto que uma vez obtido, o organismo provavelmente se comportará de forma semelhante a fim de produzir a mesma conseqüência anteriormente produzida. Porém, quando o comportamento é emitido a fim de produzir um reforço positivo, ele pode fortalecer tanto um comportamento desejado quanto um comportamento indesejado, conforme Garry Martin & Joseph Pear210. De acordo com esse raciocínio, muitos comportamentos indesejados se mantêm devido à atenção social fornecida indevidamente aos organismos.

Ao observar o poder do reforço, é conveniente pensar que todas as pessoas se comportarão em busca do reforço, dependendo do que ocupe a função do reforço na contingência em que a pessoa se encontre; no caso específico da mulher alvo deste estudo, este reforço seria o homem. Mediante esse pensamento, surge o conceito de Esquema de Reforçamento Contínuo (CRF). De acordo com Márcio Borges Moreira e Carlos Augusto de Medeiros “no esquema de reforçamento contínuo, toda resposta é seguida do reforçador”211. Como no exemplo ilustrativo do próprio autor, ele relata que o namorado amoroso que aceita todos os convites da namorada ilustra comportamentos continuamente reforçados. Ao pensar na perspectiva criminológica a partir da ciência Análise do Comportamento, uma mulher que é continuamente reforçada sempre emitirá comportamentos a fim de produzir o seu reforço, ainda que com o passar do tempo a exigência para a obtenção do mesmo aumente.

Quando as pessoas estão em um esquema de reforçamento contínuo (CRF), cada um emite comportamentos a fim de agradar o outro, e vice-versa. Porém, existem algumas situações em que a mulher produz o comportamento que agrade a outra pessoa, mas esta pessoa não se agrada mais. O que ocorre é que o emissor dos comportamentos varia suas ações, a fim de que seu novo modo de se comportar agrade (reforce) a outra pessoa, assim como ela anteriormente se agradava. A operação descrita acima é a extinção operante, que segundo A. Charles Catania212 consiste na suspensão do reforço, produzindo uma diminuição na freqüência do comportamento.

A extinção operante é um processo comportamental complexo, pois ao suspender o reforço, ela aumenta a variabilidade comportamental emitida pela pessoa, a fim de emitir algum comportamento que seja reforçador para a outra pessoa. Deste modo, a emissora de comportamento espera ser reforçada por conseqüência, através de reforçamento mútuo. Exemplificando, o marido e a mulher não estão mais no esquema de reforçamento contínuo (CRF), no qual ambos se reforçavam mutuamente. Neste exemplo, a mulher emite os mesmos comportamentos, porém o marido não os considera como reforçadores, e não reforça mais os comportamentos dela. A mulher, então, emite outros comportamentos, a fim de que faça algo que seja reforçador para ele, para que assim ele volte a reforçá-la em alguns comportamentos.

Nessa variação comportamental, as mulheres podem acabar por cometer crimes como furto, roubo e tráfico de entorpecentes, dentre outros delitos, na convicção de que estes atos sejam reforçadores para seu companheiro e ele volte a reforçá-la também.

Outro efeito decorrente da extinção operante consiste na eliciação de respostas emocionas, como por exemplo, raiva, ansiedade, irritação e frustração, de acordo com Márcio Borges Moreira e Carlos Augusto de Medeiros213. A forma como uma mulher se sente quando seu parceiro rompe o namoro ou quando estava esperando uma ligação e o seu telefone não toca, ilustra as eliciações emocionais sofridas ao ocorrer à extinção operante. Esses exemplos elucidam como ocorre um antecedente (por exemplo, privação de reforço) para que haja uma modificação comportamental.

Alguns crimes cometidos por mulheres também podem demonstrar os contornos de dependência afetiva pela submissão da sua existência ao seu cônjuge. De acordo com a teoria, a forma de aprendizagem dessa mulher teria se dado pela retirada de estímulos aversivos, ao atender prontamente as necessidades do seu marido, figura financeiramente provedora da família e referência de poder do lar. Assim, há o reforçamento mútuo por reforçamento negativo da mulher, onde ela se condiciona em função do outro e se comporta mediante as solicitações dele. A mesma situação pode ser aplicada a outras pessoas de sua convivência afetiva, como pais, irmãos, parentes e amigos, que são referência para a pessoa, e por quem essa se vê compelida a cometer o ato delituoso.

Ainda que seja por reforçamento negativo, observa-se o poder da aplicação do reforço no cotidiano, reforçando comportamentos inadequados. Seja pelo fato de o marido possuir antecedentes criminais, seja pelo fato de a mulher possuir maior habilidade social para realização de furto, roubo e tráfico de entorpecentes, seja por qualquer outra razão, a mulher o faz pela relação de reforçamento mútuo com o seu par. Caso ela cometa tais atos delituosos e não seja pega em flagrante na primeira ação, isso também se configura como variável, na medida em que aumentará a probabilidade de que ela se comporte dessa forma por mais vezes.

Outra explicação comumente ressaltada está na própria dependência de afeto que as mulheres desenvolvem entre si e seus companheiros, foco para o qual se volta a realização dessa pesquisa. Ao observar a forma da sociedade atual, em que as representações sociais da mulher agregaram valores com a sua inserção no mercado de trabalho, evidencia-se também a mudança de padrão comportamental dos relacionamentos. Se os crimes anteriormente eram cometidos em uma situação de intensa paixão ou emoção em relação aos pares, os crimes atuais são cometidos, em algumas vezes, como possibilidade de dar continuidade a esse relacionamento, no qual ambos se reforçam mutuamente. Dessa forma, a configuração de tais práticas se reflete, atualmente, em crimes cotidianos, e não mais apenas em crimes passionais.

Essa forma de se comportar para manter relacionamentos possui uma relevância imprescindível, na medida em que a sociedade deve refletir quais os valores, as normas e as regras estão subsidiando a formação dos cidadãos, a fim de compreender como se constitui a história de reforçamento de cada um.214 Essa forma de se relacionar não se constitui em uma maneira saudável, pois a qualquer momento esse comportamento indesejado (e que é reforçado pelo relacionamento) pode ser punido pela sociedade e causar consequências sociais e psicológicas a quem praticou o crime (como por exemplo, prisão e cumprimento de pena em regime fechado).

Essa situação se constitui em uma contingência – armadilha. Ao cometer algum crime para ser reforçado em algum comportamento pela pessoa que está vinculada afetivamente, o organismo fica atrelado ao pequeno reforço da contingência próxima (obter o reforço da outra pessoa) e não observa a contingência como um todo. A contingência última (por exemplo, cometer crimes é um ato ilegal) sinaliza uma punição a longo prazo, e para que não seja punido, o organismo necessita desenvolver o autocontrole. De acordo com William M. Baum, “os maus hábitos, e particularmente as dependências, são difíceis de largar, e a pessoa que vivencia os desagradáveis efeitos do hábito não parece nem se sente livre”.215

Assim, entende-se que a dependência afetiva pode ser compreendida, a partir da ciência Análise do Comportamento, como a dependência do reforço emitido de uma pessoa para outra, através do comportamento emocional. Os efeitos de a pessoa cometer diversas ações a fim de que a outra pessoa retorne a lhe oferecer afeto pode ser entendido através do esquema de reforçamento contínuo (CRF), e da extinção operante ao reforço, que se suspenso, pode ser uma das razões pelas quais as mulheres podem vir a cometer atos delituosos (para obter o reforço da pessoa a qual ela é vinculada afetivamente).

Importante destacar, ainda, que a pessoa ao qual a mulher está afetivamente vinculada, por meio de um esquema de reforçamento contínuo, exerce grande influência emocional sobre ela, de modo que se a mulher crê que deve fazer algo para a manutenção de seu relacionamento, o fará, independentemente de suas amarras morais. Neste sentido:

“[...] o estado sugestivo não é, nem mais nem menos que o resultado da supressão da capacidade de crítica da pessoa, conservando-se normais todas as demais funções psíquicas da mesma. Mas, de outra parte, sabemos que esta capacidade de crítica se acha em razão inversa do grau de afetividade [...]”216

Ainda, corroborando o entendimento até aqui exposto, Emílio Mira Y Lopéz afirma que o estado emocional, resultante da necessidade de conservação do objeto sexual desejado, é um dos fatores com mais força a provocar reações nas pessoas, e aqui, em especial, na mulher, que age delitivamente em razão de uma figura masculina. O sentimento faz nascer na mulher, desse modo, a crença de que deve agir de determinada forma para satisfazer o companheiro, pelo que conclui:

“[...] uma crença não é mais que uma idéia que tem passado pelo tamis do juízo crítico, ou o tem iludido, e que dispõe de uma considerável quantidade de energia latente, disposta a converter-se em ação ante a presença do estímulo desencadeante.”217

Dessa forma, a mulher, ao crer que deve realizar qualquer tipo de conduta com o objetivo de obter uma reação positiva de seu companheiro, mesmo que uma atitude reprovadora, por exemplo, a realizará diante da figura do ser amado, pois este é o seu estímulo desencadeante, haja vista o seu juízo crítico se encontrar limitado em razão de seu estado emocional.

A situação aqui apresentada, dessa forma, indica a possibilidade de que a mulher cometa crime em virtude do desejo de conservar a pessoa amada, sem que haja necessidade de que esta expressamente a provoque. Veja-se que a questão é complexa, não tratando-se simplesmente de mulheres que agem movidas por violenta emoção, como ciúmes, ou em situações desesperadoras, como quando roubam para alimentar os filhos famintos, por exemplo.

Observe-se, ainda, que o legislador pátrio confere real importância ao estado emocional dos indivíduos na prática de crimes. O Código Penal trata especificamente da influência dos sentimentos ao tratar da paixão e da emoção, em seu artigo 28, ao dizer que “Não excluem a imputabilidade penal”, no caput, “a emoção ou a paixão” – estes em seu inciso I.

Embora afirme que os mesmos não excluem a culpabilidade do infrator da lei, a emoção, em alguns crimes, figura como causa de diminuição da pena quando presente de forma específica, a exemplo do homicídio e da lesão corporal, além de constar no rol de circunstâncias atenuantes do artigo 65, do CP.

Desse modo, é importante verificar o estado emocional de mulheres diante de figuras masculinas, haja vista estes poderem atuar como desencadeantes de condutas criminosas, os contextos em que se dão estas condutas e suas influências no plano jurídico.

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Sobre a autora
Malú Flávia Pôrto Amorim

Bacharel em Direito pela Universidade Estadual do Piauí. Pós-graduanda em Direito Ambiental e Urbanístico pela Universidade Anhanguera-Uniderp.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AMORIM, Malú Flávia Pôrto. O fenômeno da dependência afetiva na criminalidade feminina no Estado do Piauí. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3265, 9 jun. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21974. Acesso em: 29 mar. 2024.

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