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A imunidade tributária dos leitores de livros eletrônicos

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7. A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DOS LEITORES DE LIVROS ELETRÔNICOS

O livro eletrônico ou e-reader é um instrumento eletrônico portátil, geralmente composto por bateria, tela monocromática com diversos tons de cinza e controles simples para leitura e anotação; onde o usuário pode baixar via rede de telefonia móvel ou através do computador por cabo USB arquivos de texto os armazenado na memória do dispositivo onde posteriormente poderão ser acessados para leitura e anotação.

São inúmeras as marcas de e-readers no mercado, cada um deles guarda propriedades e qualidades específicas, mas todos têm uma característica comum, são dispositivos portáteis para armazenamento de arquivos de texto e posterior leitura.

O Kindle, o mais popular destes leitores eletrônicos, desde o seu lançamento despertou o interesse de todos devido a sua grande capacidade de armazenamento, durabilidade da bateria e écran de baixo consumo E-ink, não emissor de luz. Tal sucesso também interessou os concorrentes.

Rapidamente disseminado por todo o mercado, esse sucesso possibilitou o lançamento de novas versões agregando as mais diversas propriedades como, player de músicas, acesso a internet; mas nunca descaracterizando ou afastando-o da sua função principal, qual seja de instrumento para leitura de livros digitais.

Logo não tardou para que os primeiros leitores de livros eletrônicos chegassem ao Brasil, primeiro pelas mãos de pessoas físicas, posteriormente por importadores. De imediato já surgiu o problema se estes leitores eram livros, portanto protegidos pela imunidade de impostos, ou se eram computadores, smartphones, ou uma nova categoria de bens.

As Receitas ora faziam incidir os impostos de computadores pessoais, ora de smartphones, os importadores, por sua vez, defendiam que o bem era imune haja vista que era bem equiparado a livro. Rapidamente o conflito desaguou no Judiciário que iniciou a tomada de posição.

Um leading case sobre a matéria foi decidida em sede de Mandado de Segurança pela justiça federal no estado de São Paulo processo no 2009.61.00.025856-1, que relata em decisão:

Mandado de Segurança com pedido de liminar, para que este Juízo determine à autoridade impetrada que não exija o pagamento de quaisquer tributos aduaneiros por ocasião do desembaraço do produto denominado Kindle que possui a função exclusiva de leitor de jornais, revistas e periódicos. Alega que referido produto está abrangido pela imunidade tributária estabelecida no art. 150, inciso VI, alínea "d", da Constituição Federal.

(...)

Atualmente surgiram novos mecanismos de divulgação da cultura e informação, como os livros, jornais e periódicos eletrônicos, dentre eles o produto "Kindle", que se refere a um leitor digital de livros, basicamente, que também devem ser alcançados pela imunidade tributária estabelecida no art. 150, inciso VI, alínea "d", da Constituição Federal.

(...)

DEFIRO A LIMINAR, para reconhecer a imunidade tributária do produto denominado "Kindle", nos termos do artigo 150, inciso VI, alínea "d", da Constituição Federal, em relação ao recolhimento dos impostos incidentes na importação.

Estritamente objetiva, esta imunidade não interessa a quem pertença o livro, o jornal ou periódico, ou papel, também não importa o conteúdo de tais veículos de informação. Esta imunidade visa a proteger o que representa o livro, o seu sentido finalístico como veículo difusor de conhecimento. Na opinião de CARRAZZA: "O que a Constituição pretende, neste ponto, é garantir a liberdade de comunicação e de pensamento (aí compreendida a liberdade de imprensa) e, ao mesmo tempo, facilitar a difusão da cultura e a própria educação do povo". [25]

O objetivo do constituinte na norma em análise foi resguardar e fortalecer os princípios que ele mesmo assentou anteriormente como cláusulas pétreas - liberdade de pensamento, de expressão, direito a educação e cultura.

Naturalmente que para formação de um pensamento e sua divulgação está intrínseco a sua veiculação à sociedade através das publicações, e como forma de torná-la mais acessível e livre das pressões estatais o constituinte decidiu torná-la imune da incidência de tributos.

Foi exatamente neste sentido fundamentação da decisão no caso acima:

Notadamente o objetivo da norma foi resguardar e fortalecer direitos que ele próprio assegurou a todos os indivíduos, refiro-me à liberdade de pensamento e expressão e também o direito à educação e à cultura (art. 5º, incisos VI e IX, art. 6º e capítulo III Seção I e II todos da Constituição Federal).

(...)

Por sua vez, a atinente imunidade tributária deve ser interpretada de forma teleológica, visando aferir a finalidade da norma e se adequar à realidade e às inovações tecnológicas.

(...)

Atualmente surgiram novos mecanismos de divulgação da cultura e informação, como os livros, jornais e periódicos eletrônicos, dentre eles o produto "Kindle", que se refere a um leitor digital de livros, basicamente, que também devem ser alcançados pela imunidade tributária estabelecida no art. 150, inciso VI, alínea "d", da Constituição Federal.

Contudo a Receitas ainda continuaram tributando o equipamento, forçando o  contribuinte ao pagamento ou, quando mais diligente, a ingressar no Judiciário a fim de fazer valer seu direito.

Constatada a popularização de importações, especialmente por pessoas físicas, destes e-readers e do constante mau êxito dos Fiscos em cobrar os tributos quando o importador pessoa física procurava o judiciário a Receita Federal do Brasil editou instrução normativa isentando os leitores de impostos, PIS e CONFINS.

Ao que parece a intenção da Receita é dar ao contribuinte uma falsa sensação de benesse permitindo ao contribuinte ingressar com seu leitor eletrônico como bem de uso pessoal, pelo contrário, a interpretação que se deve dar é que mesmo que a pessoa importasse profissionalmente estes leitores para revenda no Brasil, ainda assim não deveria incidir nenhum imposto, taxa ou contribuição sobre o equipamento.

O interprete da norma não deve aplicá-la de forma mecânica, deve ficar atento às transformações da sociedade, à utilização de novas tecnologias de divulgação de idéias. É natural que inicialmente seja necessária manifestação Judiciária para concretização do direito, contudo não deve e administrador público contando com a pacificidade do contribuinte brasileiro insistir na cobrança de algo que aquele já sabe não ser devido.

O constituinte originário de 1988 poderia e deveria ter adotado uma redação expressa, mais abrangente; ao contrário do que se vislumbrava no ano 1988 onde a substituição do livro impresso por uma versão digital poderia parecer improvável, atualmente isso já é uma realidade, bibliotecas e livraria digitais já atuam no mercado e o Estado não pode ficar indiferente ou mesmo tentar negar ou frear a realidade.

Deveria ter sido dada uma redação mais aberta à matéria, que incorporasse outros veículos de comunicação, novas mídias, ou mesmo o maquinário necessário à impressão. Sobre o assunto escreve Ives Gandra26, endossado por Pinto Ferreira:

A proposta que levei aos constituintes era mais ampla. Em face da evolução tecnológica dos meios de comunicação e daqueles para edição e transmissão, tinha sugerido, em minha exposição para eles, a incorporação de técnicas audiovisuais. O artigo B, III, d, do anteprojeto IASP/ABDF tinha a seguinte dicção: "d) livros, jornais e periódicos e outros veículos de comunicação, inclusive audiovisuais, assim como papel e outros insumos, a atividades relacionadas com a sua produção e circulação".

CANOTILHO chama esta falta de identidade entre a lei formal e a realidade social de crise de reflexividade que se resume na máxima - o Estado não pode ignorar a sociedade sob pena de a sociedade passar a ignorar o Estado.

Atualmente já estão difundidos na sociedade diversos outros meios de transmissão de informações. A própria internet revolucionou a imprensa tirando a notícia dos jornais e colocando-a na tela do computador acessível a um clique. Sobre a informação DARTON divide a humanidade em quatro períodos:

Houveram quatro mudanças fundamentais na tecnologia da informação desde que os humanos aprenderam a falar. Por volta de 4000 a. C., os humanos aprenderam a escrever, a escrita alfabética surgiu em torno de 1000 a. C. Por volta do século III, o códice substituiu o pergaminho, livros com páginas que são viradas, em oposição a rolos de papiro que são desenrolados - nesse período também surgiram os espaços entre as palavras, os parágrafos, capítulos, sumários, índices e outros auxílios à leitura. O códice foi transformado pela invenção da impressão com tipos móveis, na década de 1450, a invenção se propagou de forma avassaladora, deixando o livro ao alcance de círculos cada vez mais amplos de leitores. Melhorias na alfabetização além de panfletos e jornais, produzidos em impressoras a vapor com papel feito com polpa de madeira ampliaram o processo de democratização de modo a permitir um publico de massa na segunda metade do século XIX. A quarta grande mudança é a comunicação eletrônica.

Ao mesmo tempo em que a internet facilitou o acesso à informação, diminuindo o número de intermediários, também fez de cada usuário uma fonte de notícia. Um exemplo deste fato são os inúmeros blogs dos mais variados tipos de notícias totalmente desvinculados da imprensa tradicional.

Isto demonstra o poder que esta nova mídia representa e o estreitamento que está ocorrendo entre os fatos e os leitores bem como a transformação da imprensa tradicional, em 2009 no Irã, manifestantes pró-democracia organizaram protestos e manifestações pelo celular através do twitter, momento em que a impressa oficial estava sob censura e as fontes oficiais do Governo afirmavam que nada estava acontecendo no país. [27]

Outro exemplo aconteceu recentemente no Egito, onde os manifestantes organizaram- se através da rede social Facebook, forçando o governo a mudanças significativas após trinta anos de ditadura. [28]

Ao passo que se populariza o acesso a informação via web ao mesmo tempo diminuem o número de leitores dos veículos tradicionais, no final de 2010 o Jornal do Brasil, um dos mais tradicionais jornais do país, anunciou que deixaria de ser impresso passaria a ser exclusivamente digital acessível via internet por computador e outros dispositivos portáteis (um destes dispositivos são os e-readers) a mesma ação vem sendo tomada lentamente por outros jornais que pouco a pouco vem diminuindo o numero de edições impressas e têm adotado novas mídias para sua veiculação, a última noticia que tivemos foi o jornal O Estado do Paraná que após 60 anos deixaria de ser impresso e passaria a ser exclusivamente via internet.

Estamos vivendo um período de transformação onde uma nova mídia surge para superar a mais antiga. É bem verdade que as novas telas ainda terão que evoluir muito até superarem a versatilidade do papel, porém no passado, da mesma maneira, o surgimento de um novo suporte físico não derrogou de imediato a utilização de métodos mais antigos, pelo contrário subsistiram por longo período até que a antiga fosse abandonada.

Uma mídia não toma o lugar de outra, ao menos em curto prazo. A publicação de manuscritos floresceu por muito tempo depois da invenção da prensa móvel por Gutenberg; os jornais não acabaram com o livro impresso; a televisão não destruiu [29] o rádio; a internet não fez os telespectadores abandonarem suas tevês.

A consciência dessa superação fez a Receita Federal do Brasil publicar o novo entendimento equiparando os leitores de livros eletrônicos aos livros tradicionais e isentando- os de tributação desde que trazidos como bens de uso pessoal e que não agreguem funções que o assemelhem a um computador pessoal excluindo o iPad e outros tablets que agregam funções que mais o assemelham a um smartphone. O anuncio virou notícia, porém a Receita Federal buscou classificar a iniciativa como uma benesse ao contribuinte quando na verdade só está obedecendo a uma determinação constitucional. [30]

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A despeito desta mudança de pensamento, esse tipo de importação é somente uma amostra ínfima do que este novo mercado pode movimentar já que o tratamento de isento é conferido somente aos e-readers que venham em bagagem acompanhada sendo equiparados a bens de uso pessoal. Por enquanto ainda não é possível a importação em escala comercial de e-readers gozando da referida imunidade de impostos ou da isenção conferida aos livros.

É preciso que se busque a concretização integral da norma posta pelo constituinte originário: os livros, independentemente da mídia em que são lidos, são imunes por expressa determinação constitucional. Não é preciso que a Receita Federal altere entendimento em instrução administrativa, basta que se atenda a determinação constitucional, a não tributação dos leitores de livros eletrônicos não se utiliza de um favor Legislativo ou de uma tolerância do Executivo, mas se ancora numa determinação constitucional que deve ser amplamente cumprida.


8. A IMUNIDADE DOS TABLETS

Tempos depois após o lançamento do Kindle a empresa norte-americana Apple lançou um equipamento chamado iPad, um tablet que rapidamente virou sucesso de consumo.

Um tablet é um computador portátil que, num só equipamento integra funções que vão muito além de simples leitor de livros, tocador de música, GPS, videogame e editor de textos, câmera e várias outras. Com processador muito mais robusto do que o dos leitores de livros digitais e com grande capacidade de processamento, o iPad que é um misto computador pessoal com smartphone, não vem sendo considerado como isento ou imune pela Receita Federal.

Fisicamente semelhantes o Kindle e o iPad estão recebendo tratamento tributário completamente diferentes pela comunidade jurídica, o primeiro está sendo tratado como imune de impostos enquanto o segundo está sendo tributário como equipamento eletrônico.

É tolerável que em situações limítrofes reste duvida quanto ao enquadramento fiscal de produtos que agreguem duas ou mais funções num só equipamento; que no conflito entre o Estado e o contribuinte, o Judiciário seja instado a se manifestar e dirimir a dúvida existente sobre a incidência ou não de determinada tributação sobre um bem.

CARRAZZA narra um interessantíssimo caso decidido pela justiça federal do estado de São Paulo. Uma empresa importou livros-piano - livros infantis com teclado, que percutindo sob a orientação de um texto, permitiam que a criança despertasse para a música. Na hora do desembaraço aduaneiro, tais livros-piano foram considerados brinquedos. Em razão disso, a autoridade fazendária pretendeu fazer incidir sobre esta importação o imposto específico, com a elevada alíquota de 105%.

Imediatamente o Poder Judiciário foi acionado decidindo que a circunstância de a criança se divertir, enquanto aprende música, não retira destes livros-piano a natureza de livros, para fins de imunidade.

O ensino pedagógico não pode prescindir dor recurso modernos, fotomagnéticos, ou outros tais que, tirando o lado árduo do aprendizado, dêem-lhe a leveza necessária para permitir a aceitação, se foi a época em que o ensino deveria ser feito de maneira pesada, aborrecida, que estudar ou conhecer era mal necessário.

Tais palavras sábias da juíza Lucia Valle Figueiredo reproduzidas por CARRAZZA ilustram bem o que está acontecendo hoje: os e-readers a despeito de agregarem algumas propriedades não comuns aos livros tradicionais de modo geral, não se afastam da sua função principal de servirem como livros, jornais e periódicos, tendo a mesma importância que o suporte físico tradicional - o papel - funcionando da mesma maneira que um códice comum como instrumentos para o livre acesso ao conhecimento, liberdade de manifestação do pensamento, formação de opinião, educação, cultura, concretizadores dos princípios democráticos protegidos pelo constituinte, por tanto protegidos pela imunidade do art. 150, VI, D da Constituição Federal.

Ao iPad, por sua vez, entendemos que não deve ser estendida tal imunidade. Muito mais do que um e-reader tradicional o iPad é um computador pessoal, que como dito anteriormente além de possibilitar o acesso à internet agrega inenarráveis outros serviços, muito mais assemelháveis a um computador pessoal do que com um livro suave - equipado com recursos multimídia para tornar o aprendizado menos maçante.

Admitir a imunidade desses equipamentos possibilitaria uma abertura interpretativa excessivamente ampla que, a nosso ver, contrariariam a própria essência da norma, possibilitando a imunidade para muito além da intenção do constituinte de conferir a não tributação às mídias carreadoras da cultura, alongando-a para todos os meios de comunicação, posto que, indiretamente qualquer um deles se encaixaria na possibilidade.

Canais de televisão, ao transmitirem cursos técnicos não tornam os aparelhos de televisão imunes; as rádios também não fazem o mesmo com os equipamentos de som; estudar pelo computador não torna este imune nem isenta a conta de internet da incidência de impostos.

É preciso que encontremos um ponto de equilíbrio, meio termo, entre o que se enquadra como livro, jornal e periódico e papel destinado a sua impressão logo imune de impostos e isentos de tributação, e os outros equipamentos que a despeito de se assemelharem fisicamente aos e-readers, devem ser classificados como tablets, smartphones ou computadores pessoais.

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Sobre o autor
Raphael Pinheiro Cavalcanti Guimarães

Tabelião Registrador Civil, Pós Graduado em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GUIMARÃES, Raphael Pinheiro Cavalcanti. A imunidade tributária dos leitores de livros eletrônicos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3334, 17 ago. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22017. Acesso em: 22 dez. 2024.

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