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A imunidade tributária dos leitores de livros eletrônicos

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9. A ISONOMIA ENTRE OS EQUIPAMENTOS

Devemos inicialmente considerar que ao importar ou fabricar um equipamento destinado à leitura de livros eletrônicos o contribuinte não pode estar sujeito aos humores do agente fazendário, interpretações divergentes, ou qualquer outra intercorrência intangível que possa influenciar no enquadramento do produto. Deve-se primar por um rigor técnico e científico a fim de definir o que se enquadra como livro eletrônico e consequentemente por via de exclusão saber o que não é considerado livro.

Em busca deste critério diferenciador apresentamos algumas lições de Celso Antônio Bandeira de Mello [31] importantes para enquadrarmos o leitor de livros eletrônicos, criando um discrímen no tocante a o que é imune e a razão de sê-lo.

Os fundamentos da imunidade já foram tratados anteriormente, o constituinte, baseado em um critério extrajurídico maior (liberdade, cultura, educação) deliberadamente optou por tornar imune de impostos os livros e seu principal insumo, por serem estes considerados como formas de concretização dos princípios democráticos de liberdade de opinião, de formação de pensamento, livre acesso à informação.

É preciso definir o discrímen, posto que aparelhos de televisão, rádios e computadores também são veículos de conhecimento; demarcar precisamente o que diferencia o livro, protegido constitucionalmente, de outros bens que têm utilidade similar.

O constituinte originário de 1988 fundamentou a redação do dispositivo em estudo nas constituições anteriores, nas práticas que haviam sido adotadas pelos Governos como forma de dificultar o exercício dos direitos civis, vislumbrando os dois requisitos principais da cidadania, ler e escrever e conferiu uma proteção especial aos livros e ao seu principal insumo:

Historicamente, quer no Brasil, quer em muitos outros países, especialmente naqueles da Comunidade Européia, a proteção da liberdade de expressão restringiu-se à manifestação do pensamento impresso e nada melhor para garantir essa limitação do poder normativo [32] do que o destaque constante da imunidade papel destinado a sua impressão. [28]

O princípio da igualdade reside exata e precisamente em dispensar tratamento desigual, a legislação nada mais faz do que discriminar situações.

Definir quais os critérios possibilitadores desta diferenciação é papel tanto do legislador, do aplicador da norma, como do julgador, o três Poderes da República devem estar envolvidos em busca da realização desse critério.

Devem buscar a peculiaridade que diferencia os fatos aparentemente semelhantes, que justifica contrariar o princípio de que "a lei deve ser uma e a mesma para todos"; "qualquer especialidade ou prerrogativa que não for fundada só e unicamente em uma razão muito valiosa do bem público será uma injustiça e poderá ser uma tirania" [33].

MELLO arrola três questionamentos a serem respondidos a fim de saber se está atendida ou não a isonomia material:

1) o elemento tomado como fator de desigualação;

2) correlação lógica abstrata existente entre o fator erigido em critério de discrímen e a disparidade estabelecida no tratamento jurídico diversificado;

3) consonância desta correlação lógica com os interesses absorvidos no sistema constitucional e destarte juridicizados.

A resposta ao primeiro critério é uma imunidade objetiva oferecida ao bem, independentemente da propriedade e da qualidade e ao seu principal insumo; imunidade esta em razão do que os livros, jornais e periódicos representam como veículos carreadores do conhecimento, formadores de opinião, disseminadores da cultura e do conhecimento. Além disso, o constituinte indiretamente procurou tornar os livros mais baratos, acessíveis a todas as classes sociais, facilitando sua divulgação e, com esta, a propagação da cultura nacional

A correlação lógica entre o discrímen conferido aos livros e aos demais bem veículos carreadores de cultura; o constituinte conferiu imunidade somente aos livros, jornais e periódicos, não incluindo no texto todos os outros suportes físicos existentes à época da Assembléia Nacional Constituinte.

Da mesma maneira o único insumo protegido pela imunidade foi o papel destinado à sua impressão, estando excluído todo e qualquer outro insumo utilizado nesta atividade.

Ademais, a imunidade é conferida somente em relação aos impostos, o que no passado não foi suficiente para cumprir o objetivo da Constituição [34], não guardando assim correlação lógica entre os interesses da sociedade retratados na Constituição Federal e o que é decidido pelos tribunais pátrios.

O uso preponderante de um produto é o que diferencia no seu enquadramento fiscal. Como no caso alhures dos livros-piano para definir se os mesmos eram brinquedos ou instrumentos musicais, a ponderação se utiliza nestes equipamentos portáteis para resolver se são livros ou computadores.

Logo que os primeiros e-readers surgiram no mercado como a única coisa que se podia fazer com eles era baixar arquivos de texto através do computador e abri-los para leitura, não havia margem dúvida de que estes eram essencialmente livros.

Porém, rapidamente com a miniaturização da tecnologia foi possível agregar teclado aos equipamentos, possibilitando a inserção de notas pelo leitor, a criação de pequenos arquivos textuais, posteriormente possibilitou-se a função de tocador de músicas, gravação de áudio, baixar livros e navegar na internet o que demonstrou uma intensa aproximação entre os leitores de livros eletrônicos e outros eletrônicos portáteis com as mesmas funções. Contudo todas essas propriedades sempre foram muito limitadas pela pequena memória RAM, pouca capacidade de processamento e pela necessidade de longa duração da bateria.

Por sua utilidade principal ser de livro eletrônico estes têm que ser utilizáveis por longos períodos, sem possibilidade de danos à tela em razão das imagens estáticas, proporcionando aos usuários a leitura confortável por longos períodos seguidos o que determinava a utilização de hardwares especiais com o menor consumo de energia possível.

Como já foi dito a maioria dos leitores de livros eletrônicos utilizam tecnologia de tinta eletrônica numa tela sem brilho - a tela se assemelha a um jornal, com uma pequena memória de armazenamento e um processador simples de baixo consumo de energia.

No entanto a imunidade não deve estar restrita a uma marcar, ou a o rol fechado de produtos, ou mesmo a um determinado tipo de hardware. O Kindle, e-reader que utilizamos neste trabalho como referência, é apenas um dos leitores de livros eletrônicos existentes no mercado, qualquer outro equipamento concorrente com a mesma destinação deve ser protegido pela referida imunidade, mesmo que apresente outras funções incomuns à maioria dos livros.

Os leitores de livros digitais contam com interatividade bem inferior à dos computadores portáteis, capacidade de armazenamento menor, menor capacidade de processamento.

E-readers, tablets e computadores portáteis atuam em segmentos mercadológicos diversos, tanto que o custo de fabricação dos e-readers têm que obedecer a certos limites haja vista que os seus possíveis consumidores diante dos seus preços poderiam optar por outros equipamentos, o que é exatamente o que ocorre no Brasil onde os compradores optam por outros equipamentos com mais funções.

Para atender o preceito isonômico é necessário fazermos os questionamentos e respondê-los num contexto maior além da simples comparação entre os equipamentos. Com por exemplo, ao conferir o cumprimento desta imunidade aos leitores de livros eletrônicos haveria algum efeito maléfico à livre concorrência? Ao se baratear os e-readers isto afetaria o consumos de computadores portáteis?

Trata-se de um novo segmento de mercado que se situa um grau a baixo dos tablets e netbooks, mas que agregam menos funções do que estes, logo seu preço necessariamente tem que ser menor do que o destes, o que não ocorre no Brasil [35].

Entendemos que conferir esta imunidade ao iPad e outros tablets estariam aí sim sendo ferido o princípio da isonomia. Os tablets dentre eles o iPad guardam características e capacidades semelhantes à de alguns computadores pessoais ou netbooks, conferir imunidade tablets e não conferi-la aos netbooks poderia provocar um choque na livre concorrência influenciando o mercado posto que ambos atuam em nichos de consumo relativamente semelhantes.

No entanto ao estendê-la não se estaria prevenindo a reação em cadeia a que nos referimos anteriormente, "o que autoriza discriminar é a diferença que as coisas possuam em si, não há como desequiparar pessoas e situações quando nelas não se encontrem fatores desiguais" [36].

E-readers enquadram-se numa categoria diversa deste outros equipamentos, coadunando com este raciocínio recentemente as fabricantes de tablets e netbooks Acer e Asustek anunciaram que iniciariam o encerramento das linhas de produção dos netbooks e reforçariam as linhas de tablets. Embora o anúncio tenha sido desmentido posteriormente já demonstra uma tendência de superação entre estes equipamentos.

Para solucionar o conflito entre e-readers e computadores portáteis propomos uma solução baseada em dois critérios, a preponderância de uso e as características técnicas do produto.


10.O USO PREPONDERANTE EAS CARACTERÍSTICAS TÉCNICAS DOS PRODUTOS

A solução que propomos não é estática, não vamos definir aqui uma fronteira clara entre os equipamentos que devem receber tratamento tributário como livros e os restantes. A tecnologia está em constante e acelerada evolução, não é possível definir com precisão matemática quais são as características técnicas de um e-reader.

Quanto mais propriedades, diversas da leitura, que se agregam a um leitor de livros eletrônicos, maior capacidade de processamento se exige, e esta por sua vez demanda mais energia das baterias.

Em razão desse binômio entre a capacidade da bateria e longevidade sem recargas, os fabricantes optaram por instalar equipamentos de baixíssimo consumo nos leitores, processadores, telas especiais tudo nos e-readers é montado de forma a proporcionar uma máxima longevidade da bateria. Inviabilizando, por consequência, o desenvolvimento de novos recursos.

Os netbooks, iPad, computadores portáteis em geral tem capacidade de processamento superior, podendo efetuar várias tarefas ao mesmo tempo e de complexidades variadas. Para termos uma idéia, os leitores de livros eletrônicos não têm capacidade de reprodução de vídeos, além disso, mesmo que os processadores permitissem, a tecnologia de sua tela não possibilita essa utilidade.

Existem produtos que podem causar duvida como é o exemplo dos netbooks e tablets, concebidos como portáteis de baixo consumo, também partiram da mesma premissa de máxima durabilidade das baterias e para isto, da mesma maneira que os e-readers tiveram que diminuir sua capacidade de processamento sem perder a sua capacidade de realizarem o fim a que se destinam.

A convergência digital é uma tendência que tem se tornado cada vez mais presente no nosso dia-a-dia cada vez mais propriedades são agregadas a um mesmo produto tornando-o multifuncional, foi o que aconteceu com as impressoras 3 em 1 que passaram a agregar tecnologia de impressora, copiadora e scanner, ou como no casos do conhecidos MP3, que evoluíram a MP4, MP5, chegando hoje a existirem produtos que se auto-intitulam MP15 por agregarem 15 funções variadas além de player de músicas.

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Notebooks, netbooks, tablets, e-readers, o que diferenciam todos eles entre si é o seu potencial de uso, que pode ser obtido analisando a capacidade de processamento, memória RAM, capacidade de armazenamento de arquivos. Notebooks têm capacidades superiores aos netbooks, que por sua vez as têm, ainda, um pouco maiores que os tablets, que são mais potentes que os e-readers.

Contudo a tecnologia não é estática. Gordon Moore propôs já em 1965 que a capacidade dos processadores dobraria a cada 18 meses e mesma lei serve para as memórias RAM e de armazenamento, então os melhores notebooks de alguns anos atrás tem semelhança técnicas a tablets e e-readers podem vir a contar com tecnologias de netbooks, todos os produtos passam a fundirem-se em um só. Estas situações, que CARRAZZA chama de limítrofes, onde a diferença entre os produtos reside numa avaliação quase subjetiva e que ao final pode resultar numa diferença sensível na tributação se faz imprescindível a adequada classificação do produto pela Receitas ou mesmo a manifestação do Judiciário para dirimir a duvida.

Sabendo que a tecnologia evolui, não podemos fixar a classificação dos produtos exclusivamente nos critérios técnicos dos processadores, armazenamento, memória RAM. Estes números alteram-se constantemente, vincular a classificação a esses números não seria suficiente, posto que rapidamente estariam superados

Igualmente restringir o tamanho da tela não atende a necessidade, é um contra-senso, mas consumidores de produtos portáteis desejam telas maiores em dispositivos mais leves. O primeiro Kindle contava com uma tela de 6 polegadas, hoje o Kindle DX porta um écran de 9 polegadas. O mesmo processo aconteceu na evolução do iPhone para o iPad, onde a tela aumentou de 3,5 para 9,7 polegadas. Ao que parece, sempre que se consegue aliar uma tela maior mantendo um peso aceitável os consumidores recebem o produto.

Diferenciar os produtos pela cor da tela também não é suficiente, a maioria dos e- readers atuais possuem tela monocromática enquanto os tablets contam com telas multicoloridas. Contudo, os próprios fabricantes de telas e-readers trabalham no sentido de obter em breve telas multicoloridas para os seus equipamentos, possibilitando a leitura de livros coloridos.

Outros critérios podem ser apresentados, como o número de entradas para dispositivos externos, número de saídas de vídeo, peso, preço, contudo todos estes esbarram no mesmo problema. Individualmente, nenhuma classificação é suficiente para alcançar toda a gama de produtos existentes e que podem vir a existir.

Esse problema já foi experimentado pela Receita Federal no enquadramento fiscal para incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI, na Tabela de Incidência do IPI - TIPI, um rol extremamente detalhado de enquadramentos fiscais variados.

A grande vantagem da TIPI é que a mesma se concretiza por meio de Decreto do Presidente da República, forma extremamente dinâmica de disciplinar a matéria, possibilitando atualizações da TIPI de acordo com a evolução da tecnologia.

Propomos que as Receitas utilizem um critério dinâmico semelhante ao utilizado na TIPI para o enquadramento fiscal dos produtos. Definindo o enquadramento pelo uso principal a que se destinam, mesmo que este uso principal possa vir a ser secundarizado pelo contribuinte.

Fixar-se às inúmeras características técnicas dos produtos, somando-se a isto o uso preponderante sugerido pelo fabricante e adotado pelos usuários, aliados a uma uniformidade de interpretação das Receitas restringiria as situações de duvidas a equipamentos específicos. Ocasião em que a Receita Federal mediante perícia técnica, como no enquadramento da TIPI, buscaria responder todos os critérios propostos acima e uniformizando a interpretação sobre aquele equipamento.

Naturalmente não se afastaria do Poder Judiciário a possibilidade de se manifestar sobre a matéria, porém este deveria dar uma palavra final sobre o equipamento, vinculando as Receitas sobre a tributabilidade ou não do equipamento. Deve-se negar aos Fiscos a possibilidade de apostar na inércia do contribuinte em procurar o judiciário mesmo sabendo da existência do seu direito.

Não se pode permitir é o que está acontecendo no mercado nacional, e-readers tem o mesmo preço dos netbooks. Ambiguação fiscal que frustra a entrada deste produto no mercado nacional já que o consumidor opta por adquirir um netbook, produto com mais funcionalidades, porém não necessariamente mais adequado à sua necessidade.

Tal de desambiguação provocaria o surgimento de um novo mercado como ocorre no Norte, onde já existe uma disputa declarada entre os e-readers sem que se fale que esta disputa prejudicou o mercado consumidor de computadores portáteis.

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Sobre o autor
Raphael Pinheiro Cavalcanti Guimarães

Tabelião Registrador Civil, Pós Graduado em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GUIMARÃES, Raphael Pinheiro Cavalcanti. A imunidade tributária dos leitores de livros eletrônicos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3334, 17 ago. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22017. Acesso em: 23 dez. 2024.

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