11.CONCLUSÃO
Essa pesquisa nasceu como fruto de uma realidade constatada. O papel começou a morrer. Elemento base mais importante da literatura do século XV ao XXI começou a ser substituído. Dados gravados de forma digital, filmes, fitas magnéticas, CDs e DVDs, até o que se chama hoje de papel eletrônico, aliados a uma forma cada vez mais agradável de sua leitura anunciam o início do fim do papel fabricado a partir da pasta de celulose.
Os leitores de livros digitais passarão a ser o suporte físico da informação num futuro próximo. Naturalmente os e-readers não extinguirão por completo desde já os livros de papel, lentamente substituirão esta matéria prima até que nenhum livro seja impresso em papel.
Apostamos que esta substituição se iniciará pelos jornais diários e periódicos de notícias posto que diante do custo de sua impressão, sua periodicidade, juntamente com sua distribuição representam uma grande parcela dos custos fixos de uma edição.
Os leitores de livros mais modernos, como o Kindle 3, logo que ligados fazem o download automático dos periódicos assinados. A assinatura para Kindle do jornal O GLOBO custa U$9,90 ou aproximadamente R$16,81 e pode ser lido em qualquer parte do mundo o mesmo jornal na sua versão impressa custa R$39,90 e só é entregue nos estados do Espírito Santo, Minas Gerias e Rio de Janeiro. Os leitores de livros eletrônicos possibilitam o acesso à cultura e informação em qualquer lugar formando mais um canal à concretização daquilo que o constituinte originário decidiu por alçar à condição de cláusula pétrea.
A migração para as novas mídias já é sentida no Brasil [37]. O Jornal do Brasil, um dos mais tradicionais veículos de imprensa do país, primeiro a possuir uma edição eletrônica, a partir de 31 de agosto de 2010, passou a ser editado exclusivamente para a mídia digital não sendo mais impresso em papel nem para os seus assinantes, por um preço de R$9,90 ao mês contra um preço médio de R$3,00 por dia a edição impressa.
Essa migração viabiliza até a libertação dos jornais dos seus anunciantes, tendo um custo fixo menor os jornais podem fixar-se à informação, relegando a publicidade a outros veículos.
Aliada a essa explosão de novas mídias associam-se outros fatores como o interesse dos leitores por experimentarem a informação sem intermediários, diminuindo o numero de envolvidos entre os fatos e o leitor. O interesse em informações especificas livres das determinações do editor do jornal comum que opta por publicar aquelas matérias mais vendáveis. Podemos falar até no surgimento de uma consciência ambiental, pois os leitores eletrônicos possibilitam a manutenção inúmeras árvores que seriam utilizadas para a fabricação do papel de imprensa.
O futuro, seja ele qual for, será digital. Os governos não podem e não devem ignorar a realidade posta. É um fato constatado pela ciência de que as crianças de hoje se sentem mais confortáveis digitando do que escrevendo. Não devemos tentar barrar a história por simples apego a noções tradicionais, o livro começou a morrer, primeiramente morrerão os periódicos comuns, paradidáticos, livros escolares, científicos, leituras gerais, daí para diante. Os códices em papel como conhecemos hoje virarão peças de museus, talvez somente restritos àqueles livros edificantes cujos proprietários queiram possuir uma versão em papel mediante uma impressão por demanda.
Lya Luft em entrevista afirmou o impasse que existe hoje entre as editoras e os novos escritores, estes desejam ter suas obras publicadas em papel, porém aquelas diante dos custos de uma edição impressa hesitam em investir em um escritor desconhecido do público. Não confiando no potencial dos escritores, querem publicá-los virtualmente, nenhum dos dois sabe estimar com suficiente precisão o que significa publicar nesse meio, todos ficam cheios de dúvidas sobre os investimentos e lucros nesse mercado nascente.
Um exemplo dessa insegurança nós vemos nas novas edições eletrônicas de livros impressos. Várias lojas de comércio eletrônicos do Brasil inauguraram no ano de 2010 sua seção de livros eletrônicos, onde os livros são baixados pelos compradores imediatamente após a compra, livres de custos de impressão e frete, os volumes eletrônicos são vendidos pelo mesmo preço que os volumes impressos entregues em casa.
DARNTON [38] afirma que o livro editado em meio eletrônico tem um potencial de usabilidade muito maior do que o livro editado em papel, os hiperlinks possibilitam ao leitor o acesso em camadas do texto, onde na camada superior estaria o texto tradicional e os hiperlinks possibilitariam o acesso a camadas inferiores onde estariam informações adicionais, desenvolvimento de temas secundários ou mesmo o acesso a páginas de internet ou arquivos de áudio e vídeo. O texto se desenvolveria como uma árvore onde o leitor se aprofundaria cada vez mais e um tema específico a partir de um texto inicial.
O Estado Brasileiro não pode ficar inerte diante dos fatos. A nova tecnologia dos leitores de livros eletrônicos proporciona uma interação nunca antes vista entre os leitores e as obras e tem o potencial de reaproximar as pessoas da leitura.
O Brasil, ano a ano, vem diminuindo seus índices de analfabetismo, porém ainda somos uma nação de poucos leitores, os livros eletrônicos são mais um braço forte para o desenvolvimento da leitura entre as camadas mais baixar da sociedade, possibilitando o acesso dos mais variados autores diversos daqueles existentes nas bibliotecas públicas39 possibilitando o desejo do constituinte de proporcionar cultura, conhecimento e educação a todas as camadas da sociedade.
O livro eletrônico a despeito de contar com acesso a internet e outros acessórios incomuns aos livros tradicionais não pode ser equiparado a computadores portáteis sob pena tornar-se, nas palavras de magistrada Lucia Valle Figueiredo, o exclusivo livro dos ricos, somente acessível àqueles de classe mais abastada aptos a arcar com a opressiva carga tributária incidente sobre os eletrônicos.
Uma vez que o constituinte originário tenha incluído na Constituição da Republica Federativa do Brasil o art. 150, VI, "d", o dispositivo tem que ser cumprido sem prejuízo de outras garantias, os livros, jornais e periódicos e o papel destinado a sua impressão são imunes, tentar restringir todo o alcance dessa determinação cai em inconstitucionalidade, a norma tem que ser cumprida em toda sua amplitude.
Além de cumprida na sua determinação literal tem que ser cumprida na sua essência, admitir a cobrança de Contribuições viola o preceito constitucional democrático.
Os leitores de livros eletrônicos, apesar de suas características gerais inferiores a outros equipamentos, podem ser tributados na absurda quantia de 58,65% sendo cobrados todos os impostos incidentes como II, IPI e ICMS.
A verdadeira intenção do constituinte foi tornar a informação acessível a todos possibilitando a livre formação de opinião, tributar qualquer publicação em qualquer percentual sem falarmos sobre outros impostos indiretos incidentes sobre a atividade contraria o preceito posto na Constituição.
A Convenção Americana sobre Direitos Humanos de 1969, Pacto de São José da Costa Rica foi provavelmente o instrumento que inspirou o legislador pátrio à redação que temos hoje, nesse sentido é a redação do artigo 12 do Pacto:
Liberdade de pensamento e de expressão
1. Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e idéias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha.
2 O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente fixadas pela lei e que se façam necessárias para asseguras:
a) o respeito aos direito ou à reputação das demais pessoas; ou
b) a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas
3. Não se pode restringir o direito de expressão por vias ou meios indiretos, tais como abuso de controles oficiais ou particulares de papel de imprensa, de freqüências radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação, nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de idéias e opiniões.
Anteriormente a esta a Declaração Universal dos Direito do Homem de 1948 e o Pacto de Direitos Civil de 1966 já traziam algumas dessas garantias, o certo é que nenhum destes instrumentos procura desonerar da carga tributária nenhum jornal ou insumo utilizado na atividade. O que afirmam os documentos é que o poder público não pode criar critérios anti- isonômicos para inviabilizar o exercício da livre opinião e sua divulgação, não se pode onerar excessivamente o insumo, atividade, ou determinadas pessoas, tem que haver igualdade na tributação, proporcionalidade na medida de suas desigualdades.
Os Estados Unidos, considerados um dos estados mais democráticos do mundo preservam a liberdade de expressão e ao mesmo tempo cobram impostos de livros e jornais.
Não vamos entrar no mérito se o constituinte originário agiu corretamente ou não ao imunizar de impostos a imprensa ou restringir seu exercício exclusivamente a brasileiros. O fato é que, apesar de sua questionável necessidade para a concretização ou no auxílio do princípio democrático, a imunidade dos jornais, revistas e periódicos e o papel destinado a sua impressão está inserida no nosso sistema constitucional, sendo uma obrigação negativa do estado, norma de eficácia plena, cláusula pétrea, portanto deve ser aplicada pelo Estado e contra o Estado em toda a sua largueza.
Nesse espaço está a imunidade dos leitores de livros eletrônicos, que apesar de combinarem inúmeras propriedades, incomuns aos livros tradicionais, têm sua destinação e características adequadas a funcionar como uma nova mídia para receber e conservar a informação, possibilitando o acesso à educação, cultura, informação a todos.
Desta feita são imunes de impostos e deveriam ser imunes de todos os tributos os e- readers, seus congêneres e outras tecnologias que surjam no futuro que priorizem e por meio delas possibilite-se a concretização dos princípios democráticos constantes na Constituição posto que tais equipamentos seriam equiparados a papel.
NOTAS
1. Sobre a qualidade dos livros editados já em 1471, Niccolò Perotti escreve que ao ver um único homem imprimir num único mês tantos livros quantos poderiam ser manuscritos por diversas pessoas num ano. Percebeu, contudo, como agora qualquer um é livre para imprimir o que bem desejar, em geral desconsideram aquilo que é melhor e escrevem, meramente para se diverti, aquilo que ficaria melhor se fosse esquecido ou, melhor ainda, apagado de todos os livros.
2. Na verdade o movimento que culminou na Magna Charta Libertatis de 1215 foi um movimento para libertação dos pequenos lideres feudais, os vilões, estes somente séculos depois vieram experimentar a mesma liberdade. Contudo o movimento foi uma semente para o direito que viria a se estender a todos, anos mais tarde.
3. O autor no seu livro a Democracia na América descreve um retrato fiel dos Estados Unidos após a guerra da independência e seu sistema constitucional descrito na Bill of Rights.
4. O mesmo autor faz uma análise inteligente sobre o funcionamento da imprensa na América e afirma que a sua facilidade de impressão aliada com sua exagerada liberdade de opinião são exatamente isto que diminuem a força de suas opiniões, grosso modo o autor afirma que quanto mais jornais tinham o poder de livremente manifestar sua opinião sua força restava pulverizada entre as inúmeras edições.
5. Em Portugal não foram muito disseminados os movimentos iluministas e seus princípios democráticos consequentemente estes somente chegaram ao Brasil muito depois. Em 1576 em Portugal os livros estavam sujeitos à censura episcopal, a da Inquisição, e a Régia.
6. Antônio Conselheiro e o povoado de Canudos em 1896 são um dos vários exemplos de movimentos sociais considerados contrários a República que foram fortemente debelados.
7. SODRÉ, Nelson Werneck. História da Imprensa no Brasil. 4ª ed. Rio de Janeiro: Mauad, 1999. p. 384.
8. Ibid, p 411.
9. MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituïção de 1946. Rio de Janeiro: Boffoni 1946. (vol. I). p.510-511.
10. MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituïção de 1967. São Paulo: RT, 1967. (tomo II). p. 413.
11. BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro, atualizado por Misabel Abreu Machado Derzi. 11ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 148.
12. MORAES, Bernardo Ribeiro de., apud PAULSEN, Leandro. Direito Tributário. Constituição e Código Tributário à luz da Doutrina e da Jurisprudência. 8ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 267.
13. BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. 1ª ed.. São Paulo: Campus,2004. p. 6.
14. HARADA, Kiyoshi. Direito Financeiro e Tributário. 7ª Ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 300.
15. SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. 1ª ed. São Paulo: Saraiva. 2009. p . 320.
16. SILVA, Edgar Neves. Imunidade e Isenção. In MARTINS, Ives Gandra da Silva(Coord.). Curso de Direito Tributário. 11ª ed. São Paulo:Saraiva, 2001. p. 281.
17. NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Imunidades contra impostos na Constituição anterior e sua disciplina mais completa na Constituição de 1988. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1992. p. 145
18. BALEEIRO, Aliomar. Op. cit. p. 152
19. NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Op. cit. 141
20. PAULSEN, Leandro. Op. cit.. p. 268.
21. MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 30ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 290.
22. BALEEIRO, Aliomar., apud NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Op cit.. p. 153.
23. Vide o caso da Argentina no conflito entre a presidenta Cristina Kirchner que iniciou uma guerra pessoal contra os dois maiores jornais privados do país onde ela os acusa terem colaborado com a ditadura e a imprensa afirma que sua intenção é silenciar e imprensa livre restringindo a informação ao veículos oficiais. A briga gira em torno da empresa Papel Prensa única fábrica de papel jornal do país que tem como acionistas e maiores consumidores os jornais El Clarín e La Nación, ferrenhos críticos do governo Kirchner.
24. HARADA, Kiyoshi. Direito Financeiro e Tributário. 7ª ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 295.
25. CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 24ª ed. São Paulo:Malheiros, 2008. p. 771-772
26. BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 186.
27. FREITAS, Ana. Eleições no Irã e o Twitter: usando mídias sociais a favor da democracia. Em: < http://blogs.estadao.com.br/link/eleicoes-no-ira-e-o-twitter-uma-licao-de/>. Acesso em: 8 fev. 2011.
28. Herói da revolta egípcia é executivo da Google. Em: <http://www.dn.pt/inicio/globo/interior.aspx?content_id=1778594&seccao=%C1frica>, acesso em 8 fev. 2011.
29. DARNTON, Robert. A questão dos livros. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. p. 232.
30. Turismo: leitor de livro digital não pagará impostos, diz Receita. Em: <http://dinheiro.br.msn.com/tributos/artigo.aspx?cp-documentid=25104079>. Acesso em: 8 de fev. 2011.
31. MELLO, Celso Antonio Bandeira de. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008.
32. BALEEIRO, Alimoar. Op. cit. p. 150.
33. BUENO, Pimenta apud MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Op. cit. p. 18
34. Da mesma forma como no passado a interpretação constitucional atual e a legislação de suporte não têm sido suficientes para realizar a essência da norma constitucional, o preço do papel de 2010 para 2011 variou 46%. Em: <http://g1.globo.com/videos/bom-dia-brasil/v/preco-dos-livros-didaticos-sobe-muito-e-assusta- pais/1430167/#/Edições/20110208/page/2>, acesso em 8 de fev. 2011.
35. Em uma comparação feita em sítio de venda pela internet entre o preço dos netbooks e os e-readers vendidos no Brasil em alguns casos o preço dos netbooks é inferior.
36. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Op. cit. p. 34-35.
37. Recentemente uma escola nos EUA passou a exigir a obrigatoriedade do iPad em salas de aula em substituição aos livros impressos, o mesmo aconteceu recentemente no Brasil. Em: <http://bagarai.com.br/escola-brasileira- substitui-apostilas-de-papel-por-ipad.html>, acesso em 8 de fev. 2011.
38. DARNTON, Robert. Op cit.
39. Estudo recente feito pelo Movimento Todos pela Educação apontou que seria necessária a construção de 25 bibliotecas por dia no Brasil até 2020, para atender a uma lei sancionada ano passado, pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, determinando que todas as 200 mil escola de educação básica devem ter biblioteca. Em: <http://odia.terra.com.br/portal/rio/html/2011/1/biblioteca_que_sai_do_lixao_140885.html>. Acesso em: 8 de fev. 2011.