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A constitucionalidade do IPTU progressivo e a sua social função para o município

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17/06/2012 às 11:10
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A progressividade do IPTU representa a busca por um ambiente sadio, pois tenta homogeneizar as disparidades perseguindo um ambiente sustentável.

RESUMO

O presente artigo demonstra, por meio do método dedutivo, que a progressividade do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana, tanto em sua vertente fiscal quanto extrafiscal, harmoniza-se com os direitos humanos fundamentais na medida em que busca um desenvolvimento sadio, pois tenta homogeneizar as disparidades perseguindo um ambiente sustentável.

Palavras-chave: IPTU; progressividade; propriedade privada; função social.

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1.DIREITOS E GARANTIAS CONSTITUCIONAIS. 1.1.DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS. 1.2.PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS. 1.3.PROPRIEDADE PRIVADA.1.4.FUNÇÃO SOCIAL1.5.PROPRIEDADE PRIVADA x FUNÇÃO SOCIAL.. 2.PROPRIEDADE PRIVADA, FUNÇÃO SOCIAL E IPTU. 2.1.ORIGEM PÁTRIA DO IPTU. 2.2.IPTU, DEFINIÇÃO E CONCEITO. 2.3. IPTU PPROGRESSIVO.. 2.3.1.Progressividade Fiscal. 2.3.1.1Emenda Constitucional Nº 29. 2.3.2 Progressividade Extrafiscal. 3.O IPTU PROGRESSIVO E A PROIBIÇÃO DO TRIBUTO COM EFEITO DE CONFISCO. CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.


INTRODUÇÃO

O objetivo do presente artigo é demonstrar que a progressividade do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana, tanto em sua vertente fiscal quanto extrafiscal, é constitucional já que contribui para o desenvolvimento municipal na medida em que preza pelo bem estar coletivo e não afronta as diretrizes constitucionais.

Para tanto, proceder-se-á, primeiramente, a uma análise histórica do atual Estado Social e Democrático de Direito demonstrando, por meio de uma digressão, que o advento da Constituição Federal de 1988 representou um significativo avanço à coletividade sem, contudo, ferir direitos e garantias constitucionais ou ressuscitar os cânones absolutistas.

Fixados os parâmetros iniciais, balizar-se-á o conceito do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana, sua natureza jurídica, alcance, modalidades e extensão.

Por fim, confrontar-se-á a figura progressiva do IPTU com os institutos da propriedade privada, função social, dignidade da pessoa humana e vedação ao confisco.


1.DIREITOS E GARANTIAS CONSTITUCIONAIS

O advento da Constituição Federal de 1988 proporcionou aos habitantes pátrios um conjunto normativo sem precedentes, intitulado de Estado Social e Democrático de Direito. Todavia, antes de ingressarmos na seara principal de nosso trabalho, oportuno se mostra a decodificação e delimitação desses conceitos.

Assim, cumpre aqui consignar que o Estado Social e Democrático de Direito em nada guarda nexo com o Estado Socialista. Ambos são, na verdade, antagonistas, pois o primeiro, a grosso modo, funciona como um “up grade” do Estado Liberal. O segundo, por sua vez, confronta-se com este último.

Neste esteio, tem-se que o Estado puramente Liberal ganhou vida por meio dos ideais iluministas. Filósofos como John Locke, Adam Smith, Pierre Bayle, Baruch Spinoza, Montesquieu e Rousseau eram contrários a figura dos déspotas absolutistas, de um governo divino sem lastro e de uma comunidade constituída por súditos (Estado Moderno).

Foi justamente em resposta a este fictício poder divino que surgiu o Estado Liberal. A poderosa burguesia, cansada dos mandos e desmandos perpetrados pela nobreza/realeza, fomentou revoluções buscando a codificação de direitos básicos.

A ascensão da burguesia ao poder se caracterizou, então, pela limitação dos poderes governamentais e foi marcada pela conquista da liberdade individual, livre iniciativa, do direito de propriedade e de uma igualdade formal. Na teoria, todos nasciam iguais e possuíam as mesmas possibilidades de obterem sucesso. O Estado deveria ser mínimo e competiria ao mercado auto regulá-lo.

Todavia, a figura do não intervencionismo, característica do pensamento liberal, começou a ser contestada em virtude das más condições de trabalho vivenciadas na época da revolução industrial.

A ausência de um limite etário, piso salarial e fixação de horário à jornada de trabalho fizeram com que Karl Marx, Friedrich Engels e, posteriormente, John Maynard Keynes começassem a questionar até que ponto um governo deveria ser omisso.

Galgados nesta indagação e em consonância com as revoltas que ansiavam condições dignas de vida foi que nasceu o Estado Social e o Estado Socialista.

O Estado Social, segundo Paulo Bonavides, “representa efetivamente uma transformação superestrutural por que passou o antigo Estado Liberal” (BONAVIDES; PAULO apud FERREIRA, Siddharta Legale, 2009, p. 07).

Logo, vê-se que na configuração social não existe mudança de sentido no leito do rio, mas apenas um aprofundamento em seu curso e um alargamento de suas margens. Têm-se, portanto, uma evolução, ou seja, uma aglutinação de novos direitos e garantias. 

Há, de acordo com o expresso por Siddharta Legale Ferreira, uma “combinação de direitos sociais e democráticos, conciliando direitos e liberdades, individuais e políticas, com os direitos sociais, econômicos e culturais que antes eram descartados pelos liberais ortodoxos” (FERREIRA, 2009, p. 10).

Em contrapartida, no Socialismo há a aposição do interesse coletivo sobre o individual. É o governante quem detêm as prerrogativas sobre a propriedade e os meios de produção. Extinguem-se boa parte dos direitos e garantias codificados pelo Estado Liberal, tais como a propriedade privada e a livre iniciativa.

Em âmbito nacional, o Estado Social foi concebido sob a Era Vargas. No entanto, diversos direitos e garantias possuíam funções meramente decorativas. Legale Ferreira afirma que houve a preponderância do Poder Executivo sobre os demais “ao ponto de Vargas chegar a afirmar que seria o primeiro reformador da Constituição” (FERREIRA, 2009, p.12).

As demais Constituições que sucederam o governo getulista mantiveram o mesmo núcleo, mas, também, sem muita efetividade. O receio criado em torno do comunismo relegava a codificação dos direitos e garantias a um segundo plano.

 Portanto, vê-se que o Estado Social e Democrático de Direito apenas ganhou corpo no texto Constitucional de 1988.

1.1.DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS

Tecidas sucintas considerações preliminares acerca das modalidades de Estado, oportuno se mostra conceituar o que são esses direitos e garantias constitucionais tutelados pelo Estado Social e Democrático de Direito.

Garantias, em uma abreviada explicação, são acessórios necessários para o exercício dos direitos. Direitos, por sua vez, são as prerrogativas asseguradas pelo regramento.

Neste mesmo diapasão o jurista português Jorge Miranda ensina que:

[...] os direitos representam por si só certos bens, as garantias destinam-se a assegurar a fruição desses bens; os direitos são principais, as garantias são acessórias; os direitos permitem a realização das pessoas e inserem-se direta e imediatamente, por isso as respectivas esferas jurídicas; as garantias só nelas se projetam pelo nexo que possuem com os direitos [...] os direitos declaram-se, as garantias estabelecem-se (MIRANDA; Jorge apud MAIA; Juliana, 2006, p. 103).

Desta forma, extrai-se que as garantias se destinam à proteção dos direitos tutelados pelo Estado Social e Democrático de Direito.

Sem prejuízo de se banalizar as conquistas sociais, resta salientar que alguns desses direitos recebem um “plus” a mais e passam a ser denominados de humanos e fundamentais.

 É oportuno trazer à baila que todo direito humano e fundamental remonta aos constitucionalmente tutelados, mas a recíproca nem sempre é verdadeira, ou seja, não é todo direito garantido que é alçado a condição de fundamental ou humano. Exemplificando o supracitado se encontra o parágrafo 2º do artigo 242 da Constituição Federal de 1998 que dispõe que o “Colégio Pedro II, localizado na cidade do Rio de Janeiro, será mantido na órbita Federal”.

Neste passo, têm-se que os direitos, para serem humanos e fundamentais, deverão ostentar um viés jusnaturalista e apresentar uma codificação pautada em conquistas sociais.

Logo, apenas são considerados humanos os que se originam da própria condição humana. Ao passo que serão taxados como fundamentais aqueles que alçam a vida digna como fundamento de todo o ordenamento jurídico.

Elucidando o ventilado se mostra o direito à vida, incurso no “caput” do artigo 5º da Carta Constitucional, garantido pela vedação à pena de morte descrita no inciso XLVII do mesmo comando normativo.

Régis Santiago de Carvalho aduz que “os direitos fundamentais são as matrizes de todos os demais direitos, pois são entendidos como direitos que emanam fundamentalidade sobre os demais, devido à sua natureza constitucional” (CARVALHO, 2010).

Destarte, J.J. Canotilho orienta que apenas serão humanos e fundamentais aqueles que cumprirem “a função de direitos de defesa dos cidadãos sob uma dupla perspectiva”:

Constituem, num plano jurídico-objetivo, normas de competência para os poderes públicos, proibindo, fundamentalmente, as ingerências destes na esfera jurídico-individual;

[...]

Implicam, num plano jurídico-subjetivo, o poder de exercer positivamente direitos fundamentais (liberdade positiva) e de exigir omissões dos poderes públicos, de forma a evitar agressões lesivas por parte dos mesmos (liberdade negativa) (CANOTILHO, 1995, p. 517).

Assim, afere-se que os direitos humanos e fundamentais, conforme relatado alhures, advieram do repúdio as ações/omissões do Estado e foram divididos em três gerações de acordo com a clássica teoria formulada por Norberto Bobbio e esposada em seu livro a Era dos Direitos.

Os direitos humanos fundamentais de primeira geração remontam aos séculos XVII e XVIII, guardando liame com a revolução burguesa. Os filósofos iluministas provocaram o que fora denominado de movimento liberal.

Buscava-se, nesse período, impor uma prestação negativa ao governante, ou seja, impedir uma interferência sem lastro na vida do cidadão.

Os direitos de primeira geração são, também, conhecidos como liberdades individuais, pois, em sua essência, balizam a jurisdição e o grau de competência do Estado sob o constituinte. Aquele apenas poderia intervir na esfera deste para reafirmar a existência da liberdade.

Já os direitos humanos fundamentais de segunda geração se originam do século XIX e, também, surgiram em virtude da conduta Estatal. Porém, desta vez, os movimentos exigiam um corpo constituído mais presente e que fosse capaz de devolver o equilíbrio à sociedade tratando desigualmente os desiguais.

Para Carlos Weis, “estes pressupõem o alargamento da competência estatal, requerendo a intervenção do Poder Público, para reparar as condições materiais de existência de contingentes populacionais” (WEIS, 1999, p.39).

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Os direitos de segunda geração são, igualmente, conhecidos como direitos sociais, econômicos e culturais, já que requerem uma prestação positiva do governante visando corrigir as iniquidades e a garantir uma igualdade material.

Weis explicita, mais uma vez, que “traduzem-se em direitos de participação que requerem uma política pública, encaminhada a garantir o efetivo exercício daqueles, e que se realizam através de serviços públicos” (WEIS, 1999, p.39).

Logo, extrai-se que a segunda geração de direitos humanos fundamentais se constitui num “caminho” necessário para a concretização dos direitos de primeira geração. Buscam uma igualdade real a ser consolidada através de uma gerência parcial dos interesses dos necessitados.

Por fim, os direitos humanos fundamentais de terceira geração se traduzem em interesses difusos e coletivos na medida em que clamam pela paz mundial e por um ambiente sadio.

Paulo Bonavides crê, outrossim, na existência dos direitos humanos fundamentais de quarta geração. Para ele a quarta geração corresponde “ao direito à democracia, à informação, ao pluralismo” (BONAVIDES, 1995, p. 525).  Há, de acordo com este pensamento, uma pangeia de ideais interligando os continentes e possibilitando a preservação desses direitos garantidos.

Contudo, ainda que classifiquemos os direitos humanos fundamentais em três ou quatro (cinco, seis, etc.) gerações, fato é que elas são complementares. O vocábulo geração não deve ser interpretado no sentido de se instaurar uma sucessão. Não há segregação entre as categorias. Estas são, ao contrário disso, dependentes já que necessitam uma das outras para efetivamente garantirem o direito a uma vida digna.  

Neste passo, oportuna se mostra a conclusão de Manoel Gonçalves Ferreira Filho, ao explicar que “a primeira geração seria a dos direitos de liberdade, a segunda, dos direitos de igualdade, a terceira, assim, complementaria o lema da Revolução Francesa: Liberdade, Igualdade e Fraternidade” (FERREIRA FILHO, 1995, p. 57).      

1.2.PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

Compreendido que Estado Social e Democrático de Direito é a governança que tem como sustentáculo a codificação e o respeito aos direitos humanos fundamentais, necessário se faz mencionar que o parágrafo primeiro do artigo 5º da Constituição Federal brasileira de 1988 confere aplicabilidade imediata a estas normas definidoras de direitos e garantia.

Embora a sua aplicabilidade seja imediata, Vicente Paulo alerta que muitos desses direitos e suas garantias “possuem eficácia limitada na medida em que reclamam por uma posterior regulamentação” (MAIA, 2006, p. 103).

Todavia, ainda que alguns deles estejam com sua eficácia plena comprometida, todos, igualmente, norteiam o ordenamento jurídico na condição de princípios e impedem, consequentemente, o retrocesso. 

O princípio, sobretudo o constitucional, sempre deverá orientar/balizar a confecção/implementação de todo o regramento jurídico. Funciona como o alicerce de todo codex normativo.

Salienta-se que o princípio está para o direito positivo assim como o sol está para a terra. Aquele exerce importância nuclear sobre a existência desta.

Na visão de Maximiliano:

Todo conjunto harmônico de regras positivas é apenas o resumo, a síntese, o substratum de um complexo de altos ditames, o índice materializado de um sistema orgânico, a concretização de uma doutrina, série de postulados que enfeixam princípios superiores. Constituem estes as diretivas, ideias do hermeneuta, os pressupostos científicos da ordem jurídica (MAXIMILIANO, 1988, p. 295).

Humberto Ávila, nesta mesma esteira, partilha da tese esposada por Robert Alexy e entende que os princípios funcionam como um mandamento de otimização das regras (ALEXY; Robert apud ÁVILA; Humberto, 2006, p.38).

Disso tudo e nos moldes da clássica visão de Celso Antonio Bandeira de Mello, extrai-se que:

Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra. Isto porque, com ofendê-lo, abatem-se as vigas que o sustêm e alui-se toda a estrutura nelas esforçada (MELLO, 1993, p. 409).

Merece lembrança, também, o fato de que os princípios não se encontram apenas contidos no artigo 5º da Constituição Federal de 1998. Eles estão espalhados por todo o ordenamento jurídico. Como bem ensina Virgílio Afonso da Silva, “é tarefa do intérprete definir se a norma, produto da interpretação, é uma regra ou princípio” (SILVA, 2009, p. 57).

1.3.PROPRIEDADE PRIVADA

Sabe-se que o ser humano é sociável por sua própria natureza. Astuto, aprendeu cedo que a união possibilita grandes proezas. Seja na caça, na pesca, na edificação de uma usina hidroelétrica ou na construção de um foguete, entendeu que é por meio da aderência de forças e pensamentos que se obtêm a evolução.

Todavia, o indivíduo, ainda que em comunidade, crê na necessidade de manter sua individualidade. Acredita que é a individualidade que os torna diferentes e enxerga que é justamente a diferença que une as pessoas e às impulsiona nas grandes conquistas.

Portanto, é inerente à própria condição e pretensão humana a delimitação de seu espaço. A demarcação de uma área própria, que atende pelo nome de propriedade, traduz-se em diferença, em individualidade, em independência, enfim, em identidade.

Arimatéa, utilizando todo seu poder de síntese define que:

Propriedade, enquanto expressão da língua portuguesa, deriva do latim proprietate, veiculando a qualidade daquilo que é próprio, aquilo que pertence, por direito, a alguém, conferindo-lhe o direito de uso e gozo da forma que melhor lhe convenha. A ideia de propriedade traz consigo, de forma implícita, a noção de posse, razão, aliás, da existência da presunção jurídica, segundo a qual quem tem a posse presume-se proprietário (ARIMATÉA, 2003, p. 17).

Ressalva-se que a garantia do direito de propriedade integra o rol dos direitos humanos fundamentais. Embora se vivencie uma relativização do conceito de propriedade privada é oportuno se asseverar que a instituição do aludido direito pertence à primeira geração e, portanto, apresenta-se permeado por aspirações liberais. Logo, tem por escopo sinalizar a conquista de uma abstenção estatal sem lastro. Não reclama por torná-lo absoluto e inalienável.

Neste esteio, Edgar Kohn explica que:

O direito fundamental da propriedade é um direito a prestação negativa, o cidadão tem o direito de que o Estado não lhe impeça de adquirir propriedade, e o direito de que o Estado não mude a posição legal referente a Constituição, término e consequências legais da propriedade (KOHN, 2007).

A proteção ao direito de propriedade se encontra materializada no “caput” do artigo 5º da Constituição Federal de 1988 e no inciso XXII deste mesmo conjunto normativo.

1.4 .FUNÇÃO SOCIAL

O inciso XXIII do artigo 5º da Constituição Federal brasileira, por sua vez, preconiza que “a propriedade atenderá a sua função social”.

Adentrando um pouco na seara do Direito Administrativo e de acordo com a ensinança de Celso Antonio Bandeira de Mello, entende-se que o vocábulo função deve ser utilizado “quando alguém está investido no dever de satisfazer dadas finalidades em prol do interesse de outrem, necessitando, para tanto, manejar os poderes requeridos para supri-los” (MELLO, 1993, p. 21).

Assim, ao se decodificar a expressão função social, chega-se a conclusão de que temos função quando há capacidade e legitimidade para o manuseio dos meios de produção. Faz-se presente o social quando o manejo do bem é útil à comunidade.

Neste esteio, afere-se que o princípio da função social guarda íntimo nexo com os direitos sociais, econômicos e culturais oriundos da segunda geração, pois clama por uma utilização racional dos meios de produção voltada no interesse da coletividade.

Arimatéa, ratificando o esposado, define que “função social é o dever imposto à alguém, titular de um direito subjetivo, de exercê-lo de forma compatível com a plenitude de seu desenvolvimento pessoal e bem comum” (ARIMATÉA, 2003, p. 51).

Tércio Sampaio Ferraz Júnior, por sua vez, também esclarece que “as expressões fins sociais e bem comum são entendidas como sínteses éticas da vida em comunidade” (FERRAZ JÚNIOR; Tércio Sampaio apud ARIMATÉA; José Rodrigues, 2003, p. 50).

Portanto, tem-se que tão somente restará atingida a função social quando existir destinação lícita ao meio produtivo e relevante à sociedade. Pode-se entender, por exemplo, como importante à coletividade a busca por um meio ambiente economicamente e ecologicamente sustentável.

1.5.PROPRIEDADE PRIVADA x FUNÇÃO SOCIAL

A harmonização entre os incisos XXII e XXIII da Constituição Federal de 1988 condiciona a utilização da propriedade privada a uma destinação social. Apenas existe direito de propriedade quando este alcança seu fim social.

Assim, temos que a social função da propriedade privada está contida na terceira geração de direitos e representa o resguardo a um meio ambiente saudável.

A afirmação esposada encontra amparo no inciso I do artigo 2º da lei 10.257. Para o Estatuto das Cidades o pleno desenvolvimento da função social das propriedades privadas garantirá às futuras gerações o direito a uma cidade sustentável, ou seja, um meio ambiente sadio.

Neste esteio, o pensador argentino, Leon Deguit, ensina que “a propriedade implica para todo detentor de uma riqueza a obrigação de empregá-la para o crescimento da riqueza social e para a interdependência social” (DEGUIT; Leon apud ARIMATÉA; José Rodrigues, 2003, p. 52).

João XXIII aduz que “é pouco estabelecer que todo homem tenha o direito natural de possuir privadamente bens próprios [...] se ao mesmo tempo não for feito tudo para que o uso desse direito se estenda a todas as classes sociais” (XXIII apud ARIMATÉA; José Rodrigues, 2003, p. 52)

Arimatéa, igualmente, esclarece que:

O uso da propriedade privada urbana está condicionado à observância das posturas municipais. Assim, a municipalidade pode impor determinado padrão estético a ser observado nas edificações, bem como estabelecer quais as atividades poderão ser exercidas no prédio urbano (ARIMATÉA, 2003, p. 140).

Afere-se, portanto, que embora o direito de propriedade e a função social sejam independentes, clamam por uma relação mutualística obrigatória. Não há oposição, mas complementação já que nenhum direito fundamental é ilimitado.

Por fim, Carlos Ari Sundfeld entende que “a função não é título para que o Poder Público se desonere de deveres seus, lançando-os aos particulares” (SUNDFELD; Carlos Ari apud ARIMATÉA; José Rodrigues, 2003, p. 51).

Desta forma, ainda que a Constituição Federal garanta o direito de propriedade condicionado ao exercício de um préstimo coletivo, a função social não dever ser entendida pelos governantes como uma espécie de “carta de alforria” junto aos direitos sociais. O que existe é desempenho de uma atividade voltada ao interesse coletivo, sem substituições de competências e serviços.

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Sobre o autor
Rodrigo Roberto Steganha

Bacharel em Direito pela Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho – UNESP, Pós-graduado em Gestão Pública pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO, Advogado na cidade de Sorocaba-SP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

STEGANHA, Rodrigo Roberto. A constitucionalidade do IPTU progressivo e a sua social função para o município. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3273, 17 jun. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22035. Acesso em: 21 nov. 2024.

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