5. CONCLUSÃO
O direito atual prioriza o justo equilíbrio entre as partes de um negócio jurídico, ressaltando, assim, a função social do contrato.
Para tanto, não se imagina mais absoluta a igualdade entre os contratantes, como pretendiam os cultores do individualismo voluntarista do século XIX.
Sobre o tema, anotem-se as percucientes palavras do Mestre Alvino Lima: "O princípio da igualdade, tão nobremente alçado como dogma fundamental da concepção individualista, assegurando uma igualdade formal, criou o abismo mais profundo entre os homens, porque se esqueceu de que a igualdade legal não corrige as desigualdades sociais e econômicas reveladas na vida. Destruiu-se, ante o egoísmo humano, que encontrou, na própria lei, o amparo para a exploração do mais fraco social e economicamente. A liberdade contratual tornou-se, na realidade social, a liberdade da ditadura do que é socialmente poderoso, e a escravidão do que é socialmente fraco."22
Sob a ótica do Direito Civil Constitucional, o fato é que, diante do disposto na Carta Magna de 1988 – em especial nos arts. 1º, 170, e 5º, XXXV –, não mais se pode conceber um contrato em que impere o desequilíbrio, a ausência de boa fé e equidade, a vantagem exagerada de um dos contraentes e o prejuízo acentuado do outro, mesmo nas relações firmadas entre particulares que continuam a ser reguladas pelo Código Civil Brasileiro23.
Humaniza-se a idéia do contrato, que seria uma simples oportunidade para que as partes manifestassem as suas vontades (BETTI), e não um instrumento de opressão econômica.
Nesse contexto, como vimos, a teoria da imprevisão, reforçada pela esperada aprovação do Projeto do Código Civil, caracteriza-se por ser um dos instrumentos de socialização do contrato, na medida em que, por imperativo de equidade, permite o restabelecimento do equilíbrio negocial injustamente violado por força de um acontecimento imprevisível.
NOTAS
1 WALD, Arnoldo. O contrato: passado, presente e futuro - Revista da Associação dos Magistrados Brasileiros. Ano IV, número 08. Rio de Janeiro, 1º semestre de 2000.
2 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, vol. III. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997.
3 Outra não é a lição do Mestre Darcy Bessone que preleciona: "o formalismo, extremamente rigoroso em direito romano, deixou-se substituir, progressivamente, pela consensualidade, que logo conduziu ao princípio da liberdade da forma nas convenções, segundo o qual ‘a validade das declarações de vontade não dependerá de forma especial’, senão quando a lei expressamente a exigir – art. 82. " (BESSONE, Darcy. Do Contrato – Teoria Geral. 4.ed. São Paulo: Saraiva).
4 BESSONE, Darcy. Ob. cit, pág. 33.
5 SALEILLES, Raymond. De la déclaration de volonté. Paris: Librairie Générale de Droit et de Jurisprudence.
6 AZEVEDO, Álvaro Villaça de. Princípios Gerais de Direito Contratual, 1997, p. 100, cit. por FACHIN, Luiz Edson. Teoria Crítica do Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.
7 Nesse sentido, o pensamento de MORIN, DUGUIT, SAVATIER, JOSSERAND, RIPERT, dentre outros.
8 Cit. por JR. THEODORO, Humberto. O Contrato e Seus Princípios. Rio de Janeiro: 1993.
9 WALD, Arnoldo. Art. citado.
10 Já em 1918, surgiria a primeira Lei Francesa de revisão dos contratos – a Lei Failliot, seguindo-se-lhe, inclusive após a Segunda Grande Guerra, numerosos outros diplomas legais de emergência no mesmo sentido.(BRUNO, Vânia da Cunha. A Teoria da Imprevisão e o Atual Direito Privado Internacional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1994). É digno de registro ainda que, na Itália, antes da Lei Failliot, apontada como o marco legislativo da teoria da imprevisão, em 1915, um decreto já havia equiparado à força maior a circunstância que tornasse excessivamente onerosa a obrigação assumida antes da mobilização geral decorrente da guerra (BESSONE, Darcy, ob. cit.).
11 Com fundamento na cláusula rebus sic stantibus, no decorrer deste século várias teorias desenvolveram-se, a despeito de a doutrina haver consagrado a teoria da imprevisão, como o "remate do processo evolutivo" (BESSONE). Citem-se as seguintes teorias: da "pressuposição", de Windscheid; da "vontade marginal", de Osti; da "base do negócio jurídico", de Oertmann; da "vontade eficaz", de Kaufmann; do "erro", de Giovène; da "situação extraordinária", de Bruzin; da "diligência", de Hartmann; do "estado de necessidade", de Lehmann e Coviello e do "equilíbrio das prestações", de Giorgi e Lenel (cf. SIDOU, J.M. Othon. Resolução Judicial dos Contratos - Cláusula Rebus Sic Stantibus – e Contratos de Adesão – No Direito Vigente e no Projeto do Código Civil. 3.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000).
12 Cf. SIDOU, J.M. Othon, cit. por Vânia da Cunha Bruno.
13 SERPA LOPES, Miguel Maria de. Curso de Direito Civil, Vol. III. 5. 6d. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2001.
14 FONSECA, Arnoldo Medeiros da. Caso Fortuito e Teoria da Imprevisão. 2.ed. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1943.
15 ZAKI. L’imprévision en droit anglais, cit. por BESSONE, ob. cit.
16 No Projeto do Código Civil, segundo o Relatório Final do Deputado Ricardo Fiúza: "Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra em virtude acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Parágrafo único. Os efeitos da sentença que decretar a resolução do contrato retroagirão à data da citação. Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar eqüitativamente as condições do contrato. Art. 480. Se no contrato, as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva."
17 Uma das mais tormentosas tarefas do estudioso do Direito Civil é fixar a diferença entre caso fortuito e força maior. A doutrina não se entende, propendendo a considerar força maior o fato inevitável que independe da vontade do homem (um terremoto), e caso fortuito aquele imprevisível, decorrente da atuação humana (uma greve). Nesse ponto, preferimos a posição acertada do estimado Professor Silvio de Salvo Venosa, que, interpretando o Código Civil, pontifica: "caso fortuito e força maior são situações invencíveis, que refogem às forças humanas, ou às forças do devedor, impedindo e impossibilitando o cumprimento da obrigação." (VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil – Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos, Vol. 2.São Paulo: Atlas, 2001).
18 Sobre a crise da codificação e a importância das leis especiais no Direito Civil, formadoras de verdadeiros microssistemas jurídicos, consulte-se TEPEDINO, Gustavo. Problemas de Direito Civil Constitucional. Introdução: Código Civil, os chamados microssistemas e a Constituição: premissas para uma reforma legislativa. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.
19 A respeito do caráter protetivo do Código de Defesa do Consumidor, conclui a Professora Aline Arquette Leite Novais: "Portanto, através da edição do Código de Defesa do Consumidor, o Estado garante o respeito ao princípio da tutela do contratante débil, como forma de promover a realização da igualdade material." (Os Novos Paradigmas da Teoria Contratual: O Princípio da Boa Fé Objetiva e o Princípio da Tutela do Hipossuficiente, in Problemas de Direito Civil Constitucional, ob. cit.)
20 JUNIOR NERY, Nélson e outros. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor – Comentado pelos Autores do Anteprojeto. 5. Ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1998.
21 ALMEIDA, João Batista de. Revista do Direito do Consumidor, nº 33., Jan./Mar. de 2000, Ed. RT.
22 LIMA, Alvino, art. publicado, Revista Forense, Vol. 80;19, cit. por LOPES, Miguel Maria de Serpa, ob. cit.
23 CAMARGO VIANA, Rui Geraldo de, ANDRADE NERY, Rosa Maria de. Temas Atuais de Direito Civil na Constituição Federal. São Paulo: RT, 2000.