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Responsabilidade social das empresas de telecomunicação em face do meio ambiente cultural: o problema da televisão no Brasil

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04/07/2012 às 17:31
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VI. Responsabilidade social das empresas de telecomunicação e o problema da televisão no Brasil.

VI. 1. Função social das empresas emissoras de televisão.

A função social das empresas de televisão vem albergada na Constituição Federal (art. 170, III, c.c. 221).

No plano infraconstitucional, temos o Decreto 52.795/63, que reconhece essa função social no art. 3º:

Art. 3º. Os serviços de radiodifusão têm finalidade educativa e cultural, mesmo em seus aspectos informativo e recreativo, e são considerados de interesse nacional, sendo permitida, apenas, a exploração comercial dos mesmos, na medida em que não prejudique esse interesse e aquela finalidade.

Como observa Guilherme Fernandes Neto, “a função social da comunicação de massa evidencia-se em razão da capacidade desta em alterar comportamentos, do impacto que causa na sociedade [...]”[19].

Reconhecer essa função social é importante para atribuir responsabilidades. Nesse sentido, Guilherme Döring Cunha Pereira afirma que “as exigências éticas implicadas pela noção de função social tem, em determinadas circunstâncias, tal densidade que se impõe que impregnem a própria análise da responsabilidade jurídica que possa advir de tal situação”[20].

As empresas emissoras de televisão têm responsabilidade pelos serviços que oferecem. Essa responsabilidade nasce com a Constituição Federal, como visto acima, e vai extrapolar para todo o ordenamento jurídico. Anota Guilherme Fernandes Neto, que “a função social da comunicação de massa irradia-se – por força de imposição constitucional de valores sociais e éticos – para todo o ordenamento jurídico [...]”[21]. O autor refere-se, em especial, ao Código de Defesa do Consumidor, para quem “[...] não restam dúvidas quanto à aplicabilidade do CDC a toda a programação televisiva, aberta ou fechada.”[22].

Mas não é apenas o direito do telespectador enquanto consumidor que está em jogo, pois este é fácil identificar com as disposições da lei consumerista, embora o âmbito seja restrito.  

É o direito do cidadão (CF/art. 1º, II), que tem direito a uma vida digna (CF/art. 1º. III), respeitados direitos mínimos, neles incluído o lazer (CF/art. 6º). É o direito a um meio ambiente – cultural – equilibrado como garantia da sadia qualidade de vida (CF/art. 225). É o direito de não ser bombardeado com programas de baixo nível cultural, que atentam contra os valores morais e éticos seu e de sua família (CF/art. 221).

VI. 2. Responsabilidade das empresas emissoras de televisão pelo conteúdo transmitido.

Não há censura no País. Toda forma de censura foi abolida pela Constituição Federal. Melhor ainda, podemos dizer que a censura foi definitivamente banida do País.

Vigora, hoje, o princípio da liberdade de expressão.

Mas essa liberdade não é absoluta. Como todas as liberdades reconhecidas na Constituição Federal (liberdade de ação, liberdade de associação, liberdade de concorrência, etc.) a liberdade de expressão está mitigada, limitada por outros princípios igualmente importantes, como vemos no art. 221 da Constituição Federal:

I - preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas:  

II - promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação;

III - regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei;

IV - respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.

Assim, as empresas emissoras de televisão tem o dever de observar, na sua programação, tais princípios. Isso significa que, embora tenham a liberdade de expressão, na sua programação deverão dar preferência aos programas de caráter educativo, promovendo a cultura e respeitando os valores éticos e sociais.

A emissora que não cumprir estas diretrizes estará sujeita a todos os tipos de sanção, nas esferas administrativas, civil e penal.

É preciso observar que as emissoras de televisão exercem uma atividade concedida pelo Poder Público, em prol dos telespectadores. As emissoras devem servir aos telespectadores e não o contrário.

O que temos visto, no entanto, é essa inversão de valores. As emissoras não atendem aos princípios do art. 221 e empurram para o telespectador uma programação enlatada, repetitiva, de baixo – ou nenhum – nível cultural, sensacionalista, que explora a nudez e a violência gratuitas.

Esse tipo de programação é uma agressão aos valores culturais, morais e sociais, consubstanciando uma degradação – poluição – do meio ambiente cultura do País.

Como salienta Guilherme Döring Cunha Pereira,  

[...] a agressão que um abuso dos meios de comunicação é capaz de produzir pode dirigir-se a bens das mais variadas índole, incluindo bens praticamente intangíveis por qualquer outro meio: o patrimônio cultural e moral de uma nação, por exemplo, isto é, o conjunto das suas convicções mais arraigadas e mais valiosas, alicerçadas ao longo de séculos e ainda bens outros, ao alcance de instituições ou pessoas menos onipresentes.[23]

Ter uma programação calcada em programas alienantes como reality shows, programas sensacionalistas travestidos de jornalísticos que promovem a violência em todos os seus aspectos, novelas com altas doses de sexualidade e nudez despropositada, programas matinais de fofoca, e seriados americanos repetidos à exaustão, representa uma grave violação dos preceitos constitucionais.

É preciso que se veja que não basta, como proclamam alguns, que se mude de canal ou se desligue o televisor. Isso não resolve o problema. A utilização do espectro eletromagnético – que é um bem ambiental, de uso comum do povo – se dá por autorização do Poder Público e essas ondas transmitidas atingem pessoas indiscriminadas, até mesmo pessoas vulneráveis que não tem o discernimento necessário para trocar o canal, ferindo o seu direito de antena.

As empresas emissoras de televisão podem – e devem – ser responsabilizadas por isso. Alguns autores argumentam que essa responsabilidade depende de lei ordinária que a regulamente. Mas não depende, não. As bases para a responsabilização estão na própria Constituição, especialmente no art. 5º, V e X.

Seguindo a lição de Fiorillo,  

[..] todo e qualquer brasileiro ou estrangeiro residente no País tem direito à informação (arts. 5º, XIV, e 220), captada através de meios que utilizam o espectro eletromagnético, caso do rádio e da televisão, podendo responder em face de eventuais agravos que venha sofrer, bem como receber indenização por dano sofrido – material, moral ou à sua imagem (art. 5º, V), ou de ter violada, através das transmissões de rádio ou televisão, sua intimidade, sua vida privada e honra (art. 5º, X).[24]


VII. Conclusão

As empresas emissoras de televisão exercem um papel fundamental como meio de comunicação de massa. Nas grandes cidades, quase todos os lares contam com um aparelho televisor. Alguns, com dois ou três, até mais.

Por conta desse papel, tais empresas devem ser exercidas de maneira responsável, atentando para sua função social.

A preservação do meio ambiente cultural passa em muito pela atuação dessas empresas.

A liberdade de expressão, conquistada com a redemocratização do Brasil, somente será legítima quando exercida de acordo com os princípios estabelecidos na Constituição Federal. Não existe liberdade absoluta, de sorte que, ao não observar os princípios informadores da comunicação social, a empresa emissora de televisão sujeita-se à responsabilidade integral, nas áreas administrativas, civil e penal.

Já está mais do que na hora de cobrar dessas empresas o respeito à Constituição, oferecendo ao telespectador programas de melhor nível cultural, educativo, com respeitando aos valores morais e sociais tão raros ultimamente.


Bibliografia.

BARROS, Wellington Pacheco. Curso de direito ambiental. São Paulo: Atlas, 2008.

BULOS, Uadi Lammêgos. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2009.

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FERNANDES NETO, Guilherme. Direito da comunicação social. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.

FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2009.

_____. O direito de antena em face do direito ambiental no Brasil. São Paulo: Saraiva, 2000.

GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Direito ambiental. São Paulo: Atlas, 2009.

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2009.

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SALES, Fernando Augusto de Vita Borges de. A natureza jurídica da praça à luz da ordem constitucional e sua submissão  ao Estatuto da Cidade. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1376, 8 abr. 2007. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/9710>. Acesso em: 27 jun. 2012.

SILVA, José Afonso da. Ordenação constitucional da cultura. São Paulo: Malheiros, 2001.

RODRIGUES, José Rubens Andrade Fonseca. Princípios de direito internacional de telecomunicação e a Lei n. 9.472/97 da República Federativa do Brasil. Rio de Janeiro: Renovar, 2007.      


Notas:

[1]Sobre a classificação do meio ambiente, ver nosso artigo: A natureza jurídica da praça à luz da ordem constitucional e sua submissão ao Estatuto da Cidade.

[2]Ordenação constitucional da cultura, p. 29.

[3]Curso de direito ambiental, p. 143.

[4]Ordenação constitucional da cultura, p. 35.

[5] Em relação aos bens materiais, o Decreto-lei n. 25, de 30 de novembro de 1937, dispõe sobre a proteção do patrimônio histórico. O seu art. 1º dispõe: Constitui o patrimônio histórico e artístico nacional o conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico.

[6] Cf. Celso Antonio Pacheco Fiorillo, Curso de direito ambiental brasileiro, 2009, p. 299.

[7] Maria Luiza Machado Granziera, Direito Ambiental, p. 252.

[8]Ordenação constitucional da cultura, pp. 149-150.

[9] Ver arts. 966 e seguintes do Código Civil.

[10] Ver arts. 40 e seguintes do Código Civil

[11] Cf. José Arruda de Andrade Fonseca Rodrigues, Princípios gerais de direito internacional de telecomunicação..., passim, pp. 64-65.

[12] O art. 21 é um exemplo de competência administrativa exclusiva, que não pode ser transferido de um poder para outro, apenas podendo ser exercida pelo ente federado que a Constituição especificou (cf. Uadi Lammêgo Bulos, Curso de direito constitucional, p. 829).

[13] Marçal Justen Filho, Curso de direito administrativo, p. 621.

[14] Em 15 de setembro de 1968, Caetano Veloso, acompanhado do grupo Os Mutantes, apresentou a música “É proibido proibir”, no III Festival de Música da TV Record. Em dezembro de 1968, Caetano Veloso foi preso pela ditadura militar. Libertado em fevereiro de 1969, partiu para o exílio em Londres em julho do mesmo ano.

[15] O Pacto de San Jose da Costa Rica foi incorporado ao nosso direito interno através do Decreto n. 678/92, ostentando a qualidade de norma supralegal (STF, HC 87585/TO).

[16] A Escola Base foi fechada em 1994, em razão de denúncia de que seus proprietários teriam cometido abuso sexual contra uma aluna. Os meios de comunicação de massa, em especial as emissoras de televisão, acusaram, julgaram e condenaram aquelas pessoas.  Todavia, a acusação não era verídica, como ficou demonstrado na investigação policial. A Rede Globo foi condenada a pagar R$ 1,35 milhões de indenização.  Revista Veja, Isto É, Folha de São Paulo e Estado de São Paulo forma outros veículos de comunicação condenados.

[17]O direito de antena em face do direito ambiental no Brasil.

[18] Cf. Celso Fiorillo, O direito de antena..., p. 121.

[19]Direito da comunicação social, p. 78.

[20]Liberdade e responsabilidade dos meios de comunicação, p. 42.

[21]Direito da comunicação social, p. 80.

[22]Direito da comunicação social, p. 80.

[23]Liberdade e responsabilidade dos meios de comunicação, p. 75.

[24]O direito de antena..., p. 187.

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Sobre o autor
Fernando Augusto Sales

Advogado em São Paulo. Mestre em Direito. Professor da Universidade Paulista - UNIP, da Faculdade São Bernardo - FASB e do Complexo de Ensino Andreucci Proordem. Autor dos livros: Direito do Trabalho de A a Z, pela Editora Saraiva; Súmulas do TST comentadas, pela Editora LTr; Manual de Processo do trabalho; Novo CPC Comentado; Manual de Direito Processual Civil; Estudo comparativo do CPC de 1973 com o CPC de 2015; Comentários à Lei do Mandado de Segurança e Ética para concursos e OAB, pela Editora Rideel; Direito Ambiental Empresarial; Direito Empresarial Contemporâneo e Súmulas do STJ em Matéria Processual Civil Comentadas em Face do Novo CPC, pela editora Rumo Legal; Manual de Direito do Consumidor, Direito Digital e as relações privadas na internet, Manual da LGPD, Manual de Prática Processual Civil; Desconsideração da Personalidade Jurídica da Sociedade Limitada nas Relações de Consumo, Juizados Especiais Cíveis: comentários à legislação; Manual de Prática Processual Trabalhista e Nova Lei de Falência e Recuperação, pela editora JH Mizuno.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SALES, Fernando Augusto. Responsabilidade social das empresas de telecomunicação em face do meio ambiente cultural: o problema da televisão no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3290, 4 jul. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22148. Acesso em: 25 abr. 2024.

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