5.Last Word Clause
Cumpre registrar que, quando se tem efetuado a atípica intimação da acusação para apresentar “réplica” à resposta à acusação, não se tem intimado a defesa para apresentação de “tréplica”.
Ao assim proceder, também se viola o direito à última palavra, corolário da ampla defesa, que remonta à Lei da Traição (Treason Act) inglesa de 1669, consagrando-o como componente indispensável da defesa técnica no processo penal.[7]
Sobre o tema, válido colacionar precisa lição de Ada Pellegrinni Grinover[8]:
“Também é da essência do contraditório penal o direito que tem a defesa a manifestar-se por último. Isso não representa qualquer privilégio, mas tão-somente consequência lógica do ônus da acusação em demonstrar a procedência da imputação, através de provas e alegações. Assim, para que todos os argumentos acusatórios possam ser refutados, é indispensável que se conceda à defesa a última palavra, antes do pronunciamento judicial. Neste sentido, prevê-se nas audiências do procedimento ordinário (art. 403) ou da primeira fase do júri (art. 411, §4°) alegações orais pela acusação e depois pela defesa. Em caso de alegações escritas os prazos para a acusação e para a defesa serão sucessivos no procedimento ordinário conforme arts. 403 e 404.
A inversão na ordem de apresentação das alegações, ou a concessão de nova oportunidade de manifestação ao acusador, sem a posterior resposta do réu, constituirá evidente cerceamento do direito de defesa e, portanto, nulidade absoluta por violação de preceito constitucional.”
No mesmo sentido, em comentário ao HC 105.739, aduzem Leandro Ayres França e Michelangelo Corsetti[9]:
A fixação de uma ordem procedimental acusação-defesa visa a proteger exatamente a essencial contradição dialética do processo, tão necessária para o magistrado construir sua decisão como, nas palavras de Francesco Carnelutti, o oxigênio no ar que respiramos.
Conclui-se, então, que, ao inverter a ordem procedimental e conferir à acusação a última palavra antes de decidir acerca de possível absolvição sumária, a decisão judicial torna-se eivada de nulidade.
6. Conclusão
Nesse cenário, verifica-se que a prática de intimar o representante da acusação para manifestar-se após a apresentação de resposta à acusação pela defesa, principalmente sem conceder à defesa nova vista dos autos, é nula.
A utilização do contraditório como justificativa para tal prática, consiste, em verdade, na deturpação de seu sentido, posto que não pode servir de escudo para a violação à ampla defesa e ao devido processo legal.
Isso posto, para que não se viole garantias processuais tão relevantes, espera-se que a jurisprudência pátria, ainda oscilante, firme-se no sentido do reconhecimento da nulidade de tal prática.
Notas
[1] A resposta à acusação prevista no art. 396 do CPP não possui uma uniforme denominação, havendo quem a chame de defesa prévia, defesa preliminar, resposta à acusação e resposta escrita.
[2] BARROS, Flaviane de Magalhães. (Re)forma do processo penal: comentários críticos dos artigos modificados pelas leis n° 11.690/08 e n° 11.719/08. Belo Horizonte: Del Rey, 2008, p. 119/120.
[3] FERNANDES, Antonio Scarance. Processo Penal Constitucional. 6° Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 57.
[4]CRUZ, Rogério Schietti Machado. Garantias processuais nos recursos criminais. São Paulo: Atlas, 2002, p. 94-95. Apud DECARO, Luiz Guilherme Rorato. Pode o ministério público manifestar-se sobre a resposta à acusação antes de o juiz a apreciar? In Boletim IBCCRIM. São Paulo : IBCCRIM, ano 19, n. 229, p. 13-14, dez., 2011.
[5] FERNANDES, Antonio Scarance. Processo Penal Constitucional. 6° Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 111.
[6] DECARO, Luiz Guilherme Rorato. Pode o ministério público manifestar-se sobre a resposta à acusação antes de o juiz a apreciar? In Boletim IBCCRIM. São Paulo : IBCCRIM, ano 19, n. 229, p. 13-14, dez., 2011.
[7] MARLAN, Diogo. Defesa Técnica e seus Consectários Lógicos na Carta Política de 1988. In Processo Penal e Democracia – Estudos em Homenagem aos 20 Anos da Constituição da República de 1988. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 180.
[8] GRINOVER, Ada Pellegrini, FERNANDES, Antônio Scarance, GOMES FILHO, Antônio Magalhães. As Nulidades no Processo Penal. 11ª Edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. pp. 193/194
[9] CORSETTI, Michelangelo e FRANÇA, Leandro Ayres. In Boletim IBCCRIM. São Paulo : IBCCRIM, ano 20, n. 233, abr., 2012.