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Limites da coisa julgada e recursos na arbitragem

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01/10/2001 às 00:00
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II – RECURSOS NA ARBITRAGEM

1. Irrecorribilidade do laudo (sentença) arbitral

O Art. 18 da Lei 9.307/96 menciona expressamente que a sentença arbitral é irrecorrível, ou seja, não existe um tipo de recurso apto a reformar o mérito da decisão prolatada pelo árbitro. Uma vez expedido o laudo arbitral, o mesmo é irrecorrível, faz coisa julgada com relação às partes e à matéria decidida.(19) Não existe, portanto, um mecanismo legal que possa devolver a matéria decidida a novo julgamento e reformar a decisão do árbitro, como ocorre nas decisões judiciais nos recursos de mérito, que são um remédio voluntário a ensejar, dentro do mesmo processo, a reforma, a invalidação, o esclarecimento ou a integração da decisão judicial que se impugna.

1.1. Recursos e meios de impugnação de decisões judiciais

Recurso, como já foi dito, é o remédio voluntário a ensejar, dentro do mesmo processo, a reforma, a invalidação, o esclarecimento ou a integração da decisão judicial que se impugna. Já os meios de impugnação de decisões judiciais, englobam os recursos e as demais ações ajuizadas contra decisões, judiciais ou não, como os embargos do devedor, os embargos de terceiro, o mandado de segurança, o habeas corpus, a ação rescisória, a ação anulatória. Tratam-se de ações ajuizadas perante grau acima de jurisdição ou, conforme o caso, perante o mesmo julgador mas autuadas em apenso e com procedimento de ação autônoma, tudo com o intuito de reformar a decisão impugnada, por isso tratam-se de procedimentos recursais, embora não sejam recursos propriamente ditos.

2. Embargos de declaração

O artigo 30 da Lei 9.307/96 prevê um instituto que pode ser definido como verdadeiros embargos de declaração.(20) Trata-se do único recurso processualmente definido previsto na legislação para impugnação do laudo arbitral. Mas essa impugnação é restrita aos casos previstos neste artigo, e, não tem a força de reformar essa decisão, impor ao árbitro a prolação de outra decisão diferente. O árbitro apenas saneará erros materiais, esclarecerá pontos obscuros, dúvidas, contradições ou omissões na sua decisão, não reformando jamais o mérito dessa decisão.(21)

2.1. Único recurso dirigido diretamente ao juízo arbitral

Sendo os embargos de declaração o único recurso dirigido diretamente ao árbitro mas sendo inócuo no sentido de reformar o mérito da decisão, resta-nos concluir que a sentença arbitral é irrecorrível com relação ao mérito da questão, deixando apenas os meios de impugnação agirem com relação às possíveis nulidades ocorrentes no juízo arbitral. Sanando eventual nulidade, o recurso deverá remeter a questão novamente ao juízo arbitral ou decretar a nulidade da decisão do árbitro, tornando-a sem efeito. Decisão arbitral nula, uma vez decretada judicialmente, não tem efeito no mundo jurídico,(22) não faz coisa julgada, sendo assim, o recurso utilizado para esse fim, não realizará a reforma da decisão atacada, mas sua decretação de nulidade.

2.2. Erro material da sentença arbitral

A correção, também, via embargos de declaração dos chamados erros materiais porventura ocorrentes na decisão arbitral é uma evolução com relação ao artigo 535 do CPC., que não prevê esse tipo de providência a ser realizada pelo juiz nessa oportunidade. A Jurisprudência vem admitindo a correção dos chamados erros materiais via embargos de declaração, apesar da ausência de previsão legal nesse sentido. Tratam-se, via de regra, de meros erros de digitação ou de colocação gramatical de palavras que acabam ou prejudicando a exata interpretação da sentença ou dando margens a interpretações dúbias. A legislação que regulamenta o procedimento arbitral sanou essa pequena lacuna que até então vinha sendo suprida pela jurisprudência.(23)

2.3. Obscuridade, dúvida ou contradição ou omissão da sentença arbitral

Obscuridade:(24) emprego de termos dúbios, que comportem interpretação equivocada. Contradição: decorre da utilização de proposições inconciliáveis entre si. Omissão: caracteriza-se quando o julgador deixa de resolver alguma das questões suscitadas pelas partes, ou quando deixa de examinar qualquer dos pedidos dos litigantes. Dúvida: ocorre como consequência da contradição e da obscuridade.

3. Ação Anulatória do Laudo Arbitral

O artigo 33 da Lei nº 9.307/96 prevê a possibilidade do ajuizamento de uma ação anulatória específica para a anulação do laudo arbitral viciado de alguma das formas previstas nos oito incisos do artigo 32. Tratam-se de anulabilidades, não nulidades,(25) a serem decretadas pela justiça estatal, que apenas decretará a nulidade da sentença arbitral, nos casos dos incisos I, II, VI, VII e VIII; e, nos casos dos incisos III, IV e V determinará que o árbitro profira novo laudo. Trata-se de meio específico de impugnação da sentença arbitral, visando a decretação judicial da sua nulidade, ou o retorno da lide ao árbitro para que profira outra sentença, sanando a nulidade então decretada judicialmente, tudo previsto pela própria Lei de arbitragem.(26)

3.1. Ação rescisória da sentença arbitral?

Trata-se, no caso da ação anulatória, de verdadeira ação rescisória, com peculiaridades próprias. Seria uma ação rescisória tendo em vista o fato de que, a exemplo do art. 485 do CPC., estariam limitados e expressos os casos de nulidades. Mas, diferente da ação rescisória propriamente dita, o prazo é de 90 dias (não de 2 anos), o juiz estatal não reforma a sentença arbitral, apenas decreta sua nulidade e remete ao árbitro a faculdade de emitir outro laudo. A ação rescisória, por sua vez, é ajuizada perante o segundo grau de jurisdição, e, o juízo arbitral não se coloca sob plano inferior ao juízo Estatal, mas ao seu lado, equiparado a ele.(27) No caso da ação rescisória, ainda, o grau superior de jurisdição perante a qual ela é ajuizada emite nova sentença de mérito, reformando a ação de grau inferior e prolatando nova decisão, o que é impossível de ser aplicado com relação à decisão do árbitro pelo juiz Estatal. Existe também o depósito prévio de 5% do valor da ação a ser realizado quando do ajuizamento da ação rescisória, sendo que, a ação anulatória do laudo arbitral não prevê nada nesse sentido, remetendo o litigante ao procedimento ordinário, o qual tem seu procedimento previsto legalmente.

3.2. Ação Anulatória única da sentença arbitral?

O artigo 486 do CPC. prevê uma ação anulatória da sentença que não julga o mérito (meramente homologatória, não julga o processo, não faz coisa julgada) e dos atos jurídicos "em geral". Assim, pode ser ajuizada uma ação anulatória contra nulidades outras presentes no procedimento arbitral? Pode ser concluído que sim, pois, se a lei de arbitragem não prevê outras nulidades ela também não proíbe o ajuizamento de outra ação anulatória já existente em nosso ordenamento jurídico, e, o procedimento arbitral pode ser tido como ato jurídico "em geral".(28) A ação anulatória prevista no artigo 486 do CPC. é genérica, mencionando a possibilidade da anulabilidade dos atos jurídicos em geral, sendo que a ação anulatória do laudo arbitral é específica, restrita a ele, prescrevendo expressamente os casos passivos da anulabilidade via judicial, o que não impede, todavia, de que seja ajuizada outra ação (aquela prevista no artigo 486 supra citado) quando ocorra outra nulidade ou anulabilidade não prevista pela legislação arbitral.

3.3. Sentença Arbitral: Ação Rescisória é cabível, portanto?

A sentença arbitral, assim, não é passiva da correção via ação rescisória, pois estar-se-ia admitindo uma interferência direta no julgamento do mérito da arbitragem por parte do judiciário.(29) Por isso é possível concluir-se que a ação anulatória do laudo arbitral é a substituta da ação rescisória na arbitragem. Trata-se de uma substituição um tanto quanto confusa efetuada pelo legislador, que, facilmente poderia remeter o litigante inconformado com o conteúdo da sentença arbitral ao procedimento existente no artigo 486 do CPC., não criar outra ação similar que possibilite a ocorrência de confusões inevitáveis.

4. Embargos do devedor (arts. 33, § 3º, da Lei 9.307/96 e 741 do CPC.)

O artigo 33, § 3º da Lei 9.307/96 remete o litigante oriundo da arbitragem, inconformado com sua resolução, nos casos de laudos sujeitos à execução judicial,(30) ao procedimento defensivo dos Embargos à Execução. Assim, podemos ver que a lei remete a sentença arbitral ao direito formal, ao lado da sentença judicial, como título judicial, ao lançá-la como título a ser executado nos termos do artigo 741 do CPC. Entregue à apreciação do judiciário em fase executória, o laudo arbitral passa a ser objeto de impugnação sob os mais amplos aspectos possíveis e imagináveis, ou seja, passa a integrar processo civil, passivo de toda a parafernalha de recursos cabíveis em nosso ordenamento jurídico com relação à sentença de mérito que decidir os embargos.

5. Ação Anulatória prevista no artigo 486 do CPC.

O artigo 486 do CPC. prevê uma ação anulatória dos atos jurídicos em geral, que não dependem de sentença ou em que ela é meramente homologatória. A sentença arbitral, uma vez decidindo o mérito da questão, não poderia ser objeto desta ação, pois ela é de mérito, não estando sujeita, portanto, a esse tipo de recurso. Por outro lado, ela não é um procedimento judicial, podendo ser considerada como ato jurídico em geral, passiva, sob essa ótica, da ação anulatória. Ainda pode ser argumentado que, ocorrendo outra nulidade não prevista na legislação que criou a ação anulatória do laudo arbitral já referida, seria cabível a ação anulatória aqui exposta. Também, argumentando-se que a ação poderia ser ajuizada contra o ato nulo, não contra a sentença arbitral poder-se-ia admitir essa ação contra o procedimento arbitral, ajuizada sob o supedâneo de se pleitear a anulação do ato viciado, praticado anteriormente à prolação da sentença arbitral, nos termos do referido artigo 486 do CPC. Finalmente, pode ser cabível a ação anulatória prevista neste dispositivo processual contra decisão judicial homologatória da arrematação ou adjudicação, decorrente da execução da sentença arbitral, já em fase de execução judicial, uma vez que a sentença que homologar essa adjudicação ou arrematação não é de mérito, podendo ser alegada toda a matéria dos embargos, que, de acordo com o artigo 33, § 3º, da lei 9.307/96, pode levantar as nulidades apontadas no artigo 32 do mesmo diploma legal.(31)

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5.1. Atos nulos e anuláveis

O Código Civil, em seus artigos 145 a 158 prevê as hipóteses de atos que, embora realizados, foram praticados sem validade jurídica, são os atos nulos ou anuláveis.(32) Existem atos jurídicos que, por serem praticados de forma contrária à lei, são considerados nulos. Os atos nulos são de ordem pública, de alcance geral, é a chamada nulidade absoluta. Os atos anuláveis somente podem ser decretados no interesse privado, é a chamada nulidade relativa.

5.2. Sentença de mérito e sentença meramente homologatória

As sentenças de mérito não são objeto da ação anulatória, pois, podem ser apenas objeto de ação rescisória, prevista em lei, nos termos expressos, ocorrendo qualquer das hipóteses lá previstas e somente podendo ser ajuizada perante o segundo grau de jurisdição. Tratam-se de decisões terminativas que decidem um litígio, fazem coisa julgada.(33) Já as sentenças meramente homologatórias, não são objeto da ação rescisória, uma vez que não existe sentença de mérito a ser rescindida, não existe decisão do mérito da causa, inexistindo, assim, coisa julgada. Assim, v. g. de sentença meramente homologatória é aquela que homologa uma adjudicação, uma arrematação, uma separação consensual, uma partilha amigável, etc.(34)

5.3. Sentença arbitral: de mérito ou meramente homologatória?

Surge então uma questão: a sentença arbitral é de mérito ou meramente homologatória? Se ela decidir o conflito, julgar a matéria, estará fazendo coisa julgada entre as partes e será de mérito. Por outro lado, se ela apenas homologar uma transação, não será de mérito, será meramente homologatória. Mas, mesmo sendo de mérito, é passiva, como já foi exposto, de anulabilidade via ajuizamento de ação anulatória específica, prevista no citado artigo 486 do CPC.(35)

6. Embargos de terceiro, cabíveis na arbitragem?

Os embargos de terceiro são utilizáveis por terceira pessoa, estranha à lide que teria propriedade sua objeto de apreensão judicial, nos casos expressamente previstos no artigo 1.046 do CPC. Ocorre que, em primeiro lugar, a arbitragem não é procedimento judicial, mas privado, não se falando, assim, de apreensão judicial de qualquer propriedade; poder-se-ia admitir o ajuizamento dos embargos de terceiro somente em fase de execução da sentença arbitral, nesse momento então estaremos dentro dos ditames do citado artigo 1.046 do CPC. Em segundo lugar, a lei não prevê a intervenção de terceiro na arbitragem, não prevendo também o artigo 1.046 o procedimento arbitral, o que impossibilita o terceiro prejudicado de interceder diretamente no procedimento arbitral via embargos de terceiro.(36) Mas, como fica o terceiro nessa situação? E se se tratar da cônjuge de algum dos litigantes? Com relação à cônjuge, a situação da mesma deve ser prevista no procedimento arbitral. Mas, e se ela estiver se separando do litigante e tiver urgência em livrar bem seu de ser de alguma forma depreciado ou perdido via arbitragem?

7. Mandado de segurança (Lei nº 1.533/51, art. 1º)

O artigo 5º, inciso LXIX, da Constituição Federal e a lei 1.533/51 prevêem a possibilidade da impetração do mandado de segurança por pessoa que sofra qualquer ilegalidade ou abuso de poder por qualquer autoridade. Esse seria o meio pelo qual o terceiro prejudicado pode insurgir-se contra atos oriundos do procedimento arbitral que afetem propriedades ou direitos seus, inclusive a esposa do litigante no caso supra referido. O árbitro, sendo autoridade,(37) pode ser passivo de correção de atos abusivos via mandado de segurança a ser impetrado por, não só o terceiro mas qualquer pessoa de qualquer forma prejudicada por qualquer arbitrariedade no exercício de sua função, inclusive as partes. A legislação prevê a aplicabilidade do mandado de segurança também quando tratar-se de decisão judicial arbitrária ou ilegal da qual não existem recursos previstos. O árbitro não prolata decisão judicial mas, no exercício da a jurisdição privada, exerce função similar e tem força de autoridade, e, como tal, está sujeita ao remédio jurídico que é o mandado de segurança.(38)

8. "Habeas corpus", cabível na arbitragem?

Não conseguimos vislumbrar a hipótese do cabimento do habeas corpus na arbitragem. Sendo o mesmo um remédio jurídico para correção da arbitrariedade que limite o direito de ir e vir de uma pessoa,(39) e, sendo o procedimento arbitral limitado a conflitos de ordem privada, civil, comercial e internacional, tratando apenas de direitos disponíveis, não tratando de matéria referente à liberdade das pessoas, não vemos a hipótese de cabimento do habeas corpus na arbitragem, sequer podemos imaginar uma hipótese em que um árbitro estaria ameaçando o direito de liberdade de alguém. Em sede jurisdicional cível, teríamos casos de prisão por inadimplemento de pensão alimentícia, mas esse tipo de matéria não pode ser objeto da arbitragem, por tratar-se de direitos indisponíveis. A hipótese do depositário infiel também é descartada, porque, mesmo que se admita uma decretação de depositário infiel por parte de um árbitro, sua execução, convertida em prisão, dependeria de ato judicial, em ação judicial própria, de ordem judicial decretando essa prisão, esta sim passiva, entre outros recursos (agravo de instrumento em regra) de habeas corpus, quando evidente o abuso de autoridade ou a ilegalidade da prisão.

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Sobre o autor
José Arnaldo Vitagliano

Advogado. Doutorando em Direito Educacional pela UNINOVE - São Paulo. Mestre em Constituição e Processo pela UNAERP - Ribeirão Preto. Especialista em Direito pela ITE - Bauru. Especialista em Docência do Ensino Universitário pela UNINOVE - São Paulo. Licenciado em Estudos Sociais e História pela UNIFAC - Botucatu. Professor de Direito Constitucional, Direito Administrativo, Direito Processual Civil e Prática Civil. Autor de dois livros pela Editora Juruá, Curitiba: Coisa julgada e ação anulatória (3ª Edição) e Instrumentos processuais de garantia (2ª Edição).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VITAGLIANO, José Arnaldo. Limites da coisa julgada e recursos na arbitragem. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 51, 1 out. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2226. Acesso em: 24 abr. 2024.

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