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A legitimidade da Defensoria Pública para o mandado de segurança coletivo

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31/07/2012 às 10:44
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A Constituição assegura a propositura do Mandado de Segurança Coletivo pela Defensoria Pública e, por conseguinte, o acesso qualificado à justiça em favor dos necessitados por via de representação de pertinência à atuação institucional da Defensoria Pública.

Resumo: O presente estudo visa à análise da legitimidade constitucional dada à Defensoria Pública para a propositura de Mandado de Segurança Coletivo ante as premissas democrático-constitucionais albergadas no art. 134 e sua remissão ao inciso LXXIV do art.5º., da Constituição Federal de 1988, a prescindir de autorização infralegal expressa para atuar na defesa de direito líquido e certo de todas as categorias de hipossuficientes, a abranger o cidadão hipossuficiente, o grupo vulnerável, a coletividade de pessoas cuja desorganização social, cultural ou econômica não consiga, por seus próprios meios, transpor obstáculos e limitações ao pleno acesso à justiça.

Palavras-chave: Defensoria Pública – Cidadania Ativa – Acesso à Justiça – Legitimidade – Necessitado – Coletividade – Mandado de Segurança Coletivo.

Sumário: 1. Introdução - 2. Acesso à Justiça e a Cidadania Ativa - 3. A Defensoria Pública na Constituição Federal de 1988 - 4. A Assistência Jurídica Integral e o Necessitado - 4.1. A Assistência Jurídica Integral, a Assistência Judiciária e a Gratuidade de Justiça - 4.2. O Necessitado - 5. Os Necessitados no Plano Coletivo - 6.A Legitimidade da Defensoria Pública para o Mandado de Segurança Coletivo - 7. Conclusão – 8. Referências Bibliográficas.


1. INTRODUÇÃO

Os paradigmas clássicos do direito nacional têm passado por mudanças sensíveis em virtude de um movimento proativo e silencioso de centenas de cidadãos brasileiros que procuram concretizar seus direitos outorgados pelo Estado Democrático.

Essa modificação de postura vem sendo sentida por todas as Defensorias Públicas do país, tanto no âmbito Estadual quanto Federal, quando da prestação da assistência jurídica integral para conduzir as pretensões individuais e coletivas dessa parcela significativa da população nacional à realização do acesso à justiça.

Por sua vez, a efetivação desse acesso à justiça está diretamente relacionada à renovação de um sistema pelo qual a Defensoria Pública realmente possa reivindicar os direitos e dar vazão a esse movimento ativo amparado no ideal de concretização de direitos.

Isso ocorre porque a prestação da assistência jurídica integral pela Defensoria Pública enfrenta, desde o seu nascedouro, entraves políticos e jurídicos embasados na ausência de previsão infralegal a (des)autorizar a legitimidade da Defensoria Pública à adoção de medidas jurisdicionais tendentes a conduzir problemas e gerir reivindicações daqueles interesses individuais e coletivos, não apenas dos pobres, mas do indivíduo ou grupos de pessoas vulneráveis, contra litigantes organizados. 

A despeito da postura equivocada adotada por alguns segmentos políticos e instituições jurídicas contrárias à ampliação da legitimidade da Defensoria Pública para a defesa natural do seu objeto institucional, as linhas que se seguirão têm por fim demonstrar que o constituinte deferiu à Defensoria Pública uma legitimidade ativa ampla e irrestrita, então amparada em premissas democrático-constitucionais albergadas no art. 134 e sua remissão ao inciso LXXIV do art.5º. da Constituição Federal de 1988, hodiernamente corroboradas pelos incisos VII, VIII, IX, X e XI do art. 4º. da Lei Complementar 80, de 1994 (com alteração dada pela Lei Complementar 132, de 2009), a autorizar a defesa e orientação dos interesses e direitos de todas as categorias de hipossuficientes, o que inclui o cidadão hipossuficiente, o grupo vulnerável, a coletividade de pessoas cuja desorganização social, cultural ou econômica não consiga, por seus próprios meios, transpor obstáculos e limitações ao pleno acesso à justiça.

Aludida justificativa, que visa a assentar a legitimidade da Defensoria Pública para a propositura do Mandado de Segurança Coletivo em defesa do grupo vulnerável de pessoas e da coletividade, perpassa pelos fundamentos do Estado Democrático, além dos contornos históricos e legais da assistência jurídica integral e da Defensoria Pública, a formatar a base da prestação do serviço jurídico assistencial deferido pelo Estado à população mais vulnerável do segmento social por uma instituição pública criada justamente com essa finalidade.

Não se descura, outrossim, para a necessidade de uma análise interpretativa da norma jacente no art. 5º., LXX, da Constituição Federal e do art. 21 da Lei 12.016, de 2009, à luz daqueles postulados constitucionais e a finalidade de assentar as premissas institucionais de atuação da Defensoria Pública em favor de todas as categorias de hipossuficientes. Igualmente, propõe-se a releitura da rubrica necessitado no jargão jurídico-nacional diante da evolução do direito e do surgimento de interesses transindividuais dos cidadãos hipossuficientes, o que redunda, por si só, na premência de dotar a Defensoria Pública de instrumentos jurisdicionais aptos a sustentar a tutela coletiva daqueles interesses.

Para tanto, discute-se o uso desse instrumento processual coletivo e o propósito da inclusão da Defensoria Pública como legitimado ativo para o Mandado de Segurança Coletivo consoante Proposta de Emenda à Constituição número 74, de 2007, em trâmite no Senado Federal.

Essas considerações, além de perpassarem pelo tecido jurídico-constitucional, também representam a evolução por que tem cruzado o direito, o qual procura dotar os cidadãos vulneráveis de novos mecanismos de representatividade. E, como se verá ao final, essa questão traz à baila a quebra de toda uma cultura jurídica até então amparada na aplicação mecânica das regras jurídicas que sempre descurou para a possibilidade de uma postura ativa da sociedade, através de órgão próprio, notadamente a Defensoria Pública, na busca dos seus direitos constitucionalmente assegurados e do efetivo acesso à justiça.

 De nada adiantaria a mera titularidade de direitos se ao cidadão vulnerável e coletivamente considerado não fosse garantida representatividade adequada quando da reivindicação dessas pretensões. De nada adiantaria, tampouco, deferir à Defensoria Pública a representatividade para a defesa e orientação dos necessitados, se não armá-la de mecanismos aptos à reivindicação processual de direitos individuais e transindividuais de todas as categorias de hipossuficientes.


2. ACESSO À JUSTIÇA E A CIDADANIA ATIVA

Voltada à modificação de uma cultura política e jurídica nacional, até então liberal e positivista, a Constituição Federal de 1988 impôs o ativismo social e jurídico, de modo que não deve surpreender a mobilização da sociedade pela concretização de direitos individuais ou coletivos e, por conseguinte, realizar a premissa do Estado Democrático e de Direito.

O cidadão está exigindo direitos em números cada vez maiores, não apenas para causas rotineiras, mas também para reivindicar direitos novos, não tradicionais, seja como autor ou como réu.[1]

Vive-se, hoje, a alteração de paradigmas. A movimentação proativa de uma sociedade em amadurecimento, quanto aos seus direitos, tem demandado respostas imediatas do Estado, a desestabilizar o antigo estado jurídico-cultural. Radicalismos desse movimento devem ser entendidos como produto de transformação de uma nova ordem jurídica.

Na conclusão de Gisele Cittadino:

Uma cidadania ativa não pode, portanto, supor a ausência de uma vinculação normativa entre o Estado de Direito e democracia. Ao contrário, quando os cidadãos veem a si próprios não apenas como os destinatários, mas também como os autores do seu direito, eles se reconhecem como membros livres e iguais de uma comunidade jurídica.[2]

Por conseguinte, a realização dos direitos corresponde ao incremento democrático-social dado pela Constituição Federal e está diretamente relacionada à transformação do acesso à justiça, ou seja, à renovação de um sistema pelo qual as pessoas efetivamente reivindicam seus direitos ou resolvem seus litígios.

Acesso à Justiça é requisito básico, portanto, de todo um sistema jurídico moderno que garanta direitos e proclame a sua efetividade. Logo, esse movimento, cujo foco está em concretizar a Constituição através da valoração de seus compromissos sociais, não deve encontrar barreiras na forma de reivindicação desses direitos, notadamente a falta de mecanismos de assistência jurídica ou a carência de representação adequada, sob pena de minar a evolução do processo democrático e o exercício de cidadania.

A ilação decorre da lição de Mauro Cappelletti e Bryant Garth[3], os quais assentam as três ondas renovatórias para a resolução do problema de acesso à justiça, assim sintetizadas:

a) primeira onda renovatória: Assistência Judiciária para os pobres;

b) segunda onda: representação jurídica para os interesses difusos e;

c) terceira onda: relacionada ao enfoque de acesso à justiça ou modo de ser do processo.

Dos mesmos autores anota-se que:

Não é surpreendente, portanto, que o direito ao acesso efetivo à justiça tenha ganho particular atenção na medida em que as reformas do welfare state têm procurado armar os indivíduos de novos direitos substantivos em sua qualidade de consumidores, locatários, empregados e, mesmo, cidadãos. De fato, o direito ao acesso efetivo tem sido progressivamente, reconhecido como sendo de importância capital entre os novos direitos individuais e sociais, uma vez que a titularidade de direitos é destituída de sentido, na ausência de mecanismos para sua efetiva reivindicação.[4]

A história, por sua vez, revela uma sucessão de sistemas de assistência jurídica gratuita para garantir a efetividade dos direitos, dentre os quais cito:

- sistema judicare: a assistência é estabelecida como um direito para todas as pessoas que se enquadrem nos termos da lei e é prestada por advogado pago pelo Estado. Esse sistema confia aos assistidos a tarefa de reconhecer as causas e procurar auxílio; não encoraja, nem permite que o profissional o auxilie a compreender seus direitos e identificar as áreas em que se podem valer de remédios jurídicos. Auxilia apenas a identificação de problemas familiares aos assistidos;[5]

- representação por advogado particular indicado e remunerados pelo Estado: a assistência é outorgada a advogados particulares remunerados pelo Estado, que prestam um serviço tipicamente público, em prol de parcela hipossuficiente da população. Esse sistema compromete a assistência prestada, já que vincula o patrono à causa com viés paternalista. É bem possível que os indivíduos sejam ignorados ou recebam ajuda de segunda classe;[6]

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- representação por Defensor Público: a assistência judiciária é estabelecida como um direito e é custeado pelo Estado em sua integralidade. Trata-se de um misto do sistema judicare, mas prestado por servidores especialistas do próprio Estado. O indivíduo é tratado como objeto da prestação jurisdicional e é criada uma categoria de profissionais hábeis para atuar por aqueles que não suportam os encargos judiciários. Não privilegia apenas disputas individuais, pois identifica os interesses e problemas da comunidade, inclusive aportando soluções transindividuais. Esse sistema é comprometido com o aporte publico, de modo que a restrição de recursos e o número reduzido de representantes prejudica a prestação da assistência buscada pelo cidadão, então sujeito a instabilidades da política pública.

Esse último sistema de assistência é bastante simétrico àquele proposto por Mauro Cappelletti e Bryant Garth, quando assentam que a instituição do advogado público melhor representaria os interesses que, até agora, têm sido descuidados. Isso por que:

Há um desequilíbrio na advocacia, que em muitos casos só pode ser corrigido por advogados pagos pelo governo, para defender os interesses não representados dos consumidores, do meio ambiente, dos idosos e de outros interesses não organizados. É preciso que um advogado público fale por esses interesses se pretendermos que eles sejam ouvidos.[7]

Essa mesma proposta unifica uma solução quando da representação judiciária dos interesses coletivos, para dar azo à segunda onda renovatória do Acesso à Justiça.

Sem embargo da possibilidade de impulso individual, a resolução de questões coletivas apresenta-se, na atualidade, como melhor resposta aos direitos de massa, via tutela difusa ou coletiva, o que, de certo modo, diante de sua força transindividual, traveste o caráter regulatório da medida judicial buscada.

Essa tutela difusa ou coletiva – então representada processualmente pela Lei da Ação Popular (Lei 4.717, de 1965), pela Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347, de 1985), pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078, de 1990), pelo Mandado de Segurança (Lei 12.016, de 07 de agosto de 2009, e inciso LXX do art. 5° da Constituição Federal de 1988), - a despeito de não vincular diretamente um grupo específico da sociedade, edita um padrão de conduta para guiar um comportamento futuro.[8]

Questões de política judiciária, então aliada à possibilidade de explosão da litigiosidade, favorecem o encaminhamento dos conflitos via tutela coletiva de direitos. Do mesmo modo, como adverte Aluísio Gonçalves de Castro Mendes, essas ações coletivas implicam:

(a) ampliação do acesso à justiça, de modo que os interesses da coletividade, como meio ambiente, não fiquem relegados ao esquecimento; ou que causas de valor individual menos significantes, mas que reunidas representam vultosas quantias, como os direitos dos consumidores, possam ser apreciadas pelo Judiciário; (…) (d) que as ações coletivas possam ser instrumento efetivo para o equilíbrio das partes no processo, atenuando as desigualdades e combatendo as injustiças em todos os nossos países ibero-americanos.[9]

Nesse ínterim, as tutelas coletivas, especialmente representadas no cenário nacional pela utilização, em escala, das Ações Civis Públicas, trazem ínsito ao instrumento processual a ampliação do acesso à justiça; logo, expressão da cidadania ativa.

Essa questão, até então sem espaço na concepção tradicional de processo civil, segundo Mauro Cappelletti e Bryant Garth, está se fundindo com uma concepção social, coletiva. Apenas tal transformação poderá assegurar a realização dos “direitos públicos” relativos a interesses difusos. E concluem ainda que, entre outras coisas, nós aprendemos, agora, que esses novos direitos frequentemente exigem novos mecanismos procedimentais que os tornem exequíveis.[10]

Em face disso, as tutelas coletivas surgem como propostas hábeis a dar vazão a esse movimento ativo amparado no ideal de efetivação dos novos direitos, agora à disposição das pessoas que antes os desconheciam e, assim, não os reclamavam diante de empecilhos das demandas individuais.

Mesmo assim, direitos que envolvem grupos de pessoas vulneráveis demandam uma representatividade adequada[11] para agir no benefício da coletividade, a exigir uma ação governamental positiva através de instituições que melhor representem aqueles interesses.

A institucionalização específica do serviço público de assistência judiciária, a cargo de órgão público, notadamente a Defensoria Pública, especializado em conduzir problemas e gerir reivindicações de interesses individuais e coletivos, não apenas dos pobres, mas do indivíduo ou grupos de pessoas vulneráveis, contra litigantes organizados, ratifica, sob o pálio do Estado, a realização do Estado Democrático, ante a defesa dos direitos revindicáveis pelos cidadãos, garantindo o efetivo acesso à justiça.  


3. A DEFENSORIA PÚBLICA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

A Defensoria Pública inseriu-se na Constituição Federal de 1988 junto ao capítulo IV, das Funções Essenciais à Justiça. Do mesmo modo que o Ministério Público (Seção I), a Advocacia Pública (Seção II) e a Advocacia (Seção III), a Defensoria Pública constitui instituição que contribui para o regular funcionamento da Justiça.

Conforme dita o art. 134 da Constituição Federal:

A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV.

Logo, o constituinte originário deferiu grau de relevância à Defensoria Pública tendo-a, à semelhança do Ministério Público, instituição fundamental à Justiça e, ainda, essencial à função jurisdicional do Estado.

Cumpre observar que a Constituição de 1988, ao organizar o Poder Estatal, não se limitou, como o fizeram as anteriores, às descentralizações tradicionais entre os complexos orgânicos denominados de Poder Legislativo, Poder Executivo e Poder Judiciário, instituindo um quarto complexo orgânico que, embora não conformando um quarto Poder, recebeu a seu cargo a função essencial de provedoria da justiça perante todos os demais Poderes de Estado.[12]

Desse modo, o texto constitucional assentou o múnus público histórico a ser exercido pela Defensoria Pública, notadamente a assistência jurídica, dando azo ao dever do Estado em prestar orientação jurídica e a defesa daqueles cujos recursos são insuficientes para afastar obstáculos inerentes à proteção de direitos.

Consoante dita Ana Rita V. Albuquerque:

Frise-se que a instituição da Defensoria Pública ao receber a atribuição constitucional de instituição essencial à função jurisdicional do Estado, não desempenha função “auxiliar” no sentido orgânico, mas sim que sua função é essencial no sentido de ser tão imprescindível à existência do Estado Democrático de Direito quanto qualquer das demais do título IV, e por isso a expressão constitucional se refere a “todos os Poderes do Estado, enquanto diga respeito à realização do valor da Justiça por qualquer deles”[13]

Veja-se que a Defensoria Pública exerce uma função estatal que decorre do art. 5º, LXXIV, da Constituição Federal de 1988; portanto, o dever de prestar a assistência judiciária integral e gratuita será exercida em todos os graus, do que decorre a orientação jurídica (judiciária ou extrajudiciária).

Nesse ponto, conforme asseverou Ada Pellegrini Grinover:

O art. 134 da CF não coloca limites às atribuições da Defensoria Pública. O legislador constitucional não usou o termo exclusivamente, como fez, por exemplo, quando atribuiu ao Ministério Público a função institucional de promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei” (art. 129, I). Desse modo, as atribuições da Defensoria Pública podem ser ampliadas por lei, como, aliás, já ocorreu com o exercício da curadoria especial, mesmo em relação a pessoas não economicamente necessitados, e não sua tarefa exclusiva.[14]

Essas conclusões derivam da própria formação do Estado Liberal consolidada pela Revolução Francesa de 1789. A garantia de defesa passou a incorporar em definitivo os direitos essenciais do cidadão, com fundamento básico no Estado[15], motivo pelo qual o art. 134 da Constituição Federal de 1988 confere à Defensoria Pública a função típica de defesa e proteção de direitos dos necessitados, cuja legitimação judicial e extrajudicial ampla visa a garantir a efetividade da proteção.[16]

À evidência, as premissas escorreitas no art. 134 da Constituição Federal de 1988 expressam as primeiras linhas para dar efetividade ao Estado Democrático e de Direito, ante a existência de um órgão público cuja atribuição cinge-se à defesa lato sensu dos interesses e direitos dos necessitados.

Consoante adverte Paulo Galliez:

(…) a Defensoria Pública se impõe como instituição essencial do Estado de Direito, a fim de enfrentar o desenvolvimento desigual entre as classes sociais, valendo a advertência de Octávio Ianni de que o desenvolvimento desigual e combinado não é uma teoria do acaso, mas um modo particular de funcionamento das leis do capitalismo nas sociedades atrasadas e dependentes.[17]

Por essas razões, a legitimação constitucional deferida pelo Estado à Defensoria Pública constitui a essência do mandato processual, diferentemente do mandado privado firmado à advocacia privada para o qual é imprescindível a participação individual do outorgante. Denota-se, de plano, que a função da Defensoria Pública é diversa daquela desempenhada pela Advocacia.

Segue essa premissa o artigo 44, inciso XI Lei Complementar 80/94, o qual dita que é prerrogativa do membro da Defensoria Pública da União representar a parte, em feito administrativo ou judicial, independentemente de mandato, ressalvados os casos para os quais a lei exija poderes especiais. A legislação complementar assenta o múnus público para a orientação jurídica e defesa dos interesses (coletivos e individuais) dos cidadãos necessitados independentemente de mandato.

Não surpreende tenha o constituinte autorizado à Defensoria Pública a orientação dos necessitados quanto à análise de pretensões e possibilidade efetiva de prevenção à realização de litígios, de modo a favorecer a administração da justiça. E um dos grandes benefícios que isto acarreta é justamente desafogar o aparelho judiciário, evitando a propositura de inúmeras ações judiciais, por meio da celebração de acordos firmados sob a intervenção do Defensor Público, depois de esclarecidas as partes de seus direitos e deveres e das prováveis consequências da demanda judicial.[18]

Na mesma medida, o acompanhamento jurídico, seja no âmbito individual ou coletivo, ratifica a participação efetiva da Defensoria Pública como função jurisdicional do Estado, já que atua como instrumento efetivo a realização de uma resposta social àqueles que comumentemente deixam de recorre ao Poder Judiciário em face da sua complexidade. É de fundamental importância o acompanhamento, sem desconsiderar, portanto, a imprescindibilidade de orientação para prevenir litígios e encaminhar problemas[19], autorizando, finalmente, a participação democrática do cidadão através da Defensoria Pública.

A atividade consultiva realizada pela Defensoria Pública apresenta um caráter preventivo e colima a evitar a injuricidade decorrente da eclosão ou da permanência de qualquer agressão à ordem jurídica, seja em razão de ação, seja de omissão verificada em âmbito público ou privado. Por outro lado, a atividade postulatória consiste na provocação da atuação de qualquer dos poderes do Estado, em especial o Judiciário, com vistas à correção de injuricidades.[20]

Segundo dita Maria Beatriz Bogado Bastos de Oliveira:

Assim, está claro que as funções da Defensoria Pública não se limitam à assistência judicial (representação do assistido em juízo), mas, como já era entendido desde o advento da nossa Lei Maior, também, engloba a assistência jurídica integral, o que obviamente alarga de maneira notável o âmbito da assistência, que também passou a compreender, além da defesa judicial, o aconselhamento, a consultoria, a informação jurídica e a assistência aos carentes em matéria de atos jurídicos extrajudiciais (…).[21]

É possível, diante disso, depreender a orientação jurídica integral sob o pálio da atribuição da Defensoria Pública, o que compreende atuação nas esferas judicial e extrajudicial, nos mesmos moldes do art.179 da Constituição Estadual do Rio de Janeiro:

Art. 179 - A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica integral e gratuita, a postulação e a defesa, em todos os graus e instâncias, judicial e extrajudicialmente, dos direitos e interesses individuais e coletivos dos necessitados, na forma da lei.

Por conseguinte, esse âmago de funções e atribuições democráticas está diretamente relacionado à defesa da ordem jurídica e social, bem como do regime democrático do Estado de Direito e dos interesses sociais, dentre esses, individuais e coletivos.

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Sobre o autor
Felipe Dezorzi Borges

Defensor Público Federal de Primeira Categoria, especialista em Direito Processual Civil pelo Instituto de Direito Público de Brasílila.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BORGES, Felipe Dezorzi. A legitimidade da Defensoria Pública para o mandado de segurança coletivo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3317, 31 jul. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22323. Acesso em: 26 abr. 2024.

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