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Democracia, legitimidade e teoria discursiva do direito: uma análise sobre o pensamento de Jürgen Habermas

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3 CONCLUSÃO

Um dos grandes méritos do pensamento da Escola de Frankfurt, sobretudo de Habermas, é desenvolver uma nova vertente crítica, de modo a trazer um novo ponto de vista às ciências a partir da inserção de um elemento ético, preocupado com o resfriamento técnico que a racionalidade instrumental trouxe com a inauguração da Modernidade. Neste diapasão, o pensamento habermasiano identificou um grave problema estrutural e procedimental na tomada de decisões, pois não era levado em conta o ser humano e sua diversidade, mas a conformidade científica.

Assim, através do princípio da democracia, Habermas constrói a teoria discursiva do direito objetivando, principalmente, resolver o problema da legitimidade do direito a partir da legalidade. Utilizando-se da perspectiva discursiva estruturada a partir de sua teoria de racionalidade comunicativa, o direito e o processo democrático de elaboração normativa são estruturados como próprios desdobramentos da filosofia de linguagem que buscam solucionar o problema da integração social de mundos da vida pluralizados. Neste sentido, Habermas reconhece existir validade nas normas de ação quando todos os possíveis atingidos por ela podem dar o seu assentimento, participando dos discursos racionais.

Esta participação traz a lume um aspecto central da teoria de Habermas: todos os envolvidos devem partir de uma posição de igualdade, já que podem tanto participar do debate no espaço público quanto externar suas opiniões como forma persuasiva de democraticamente tornar a regra jurídica. A igualdade, pode-se dizer, serve como vetor axiológico inicial da teoria do discurso, pois tende à eliminação da característica perversa típica da Modernidade de homogeneização dos indivíduos.

Nesta linha de pensamento que Habermas pode reconhecer a importância da autonomia política dos indivíduos. Ao ser compreendida como liberdade de ação subjetiva, a autonomia dos participantes do processo legislativo democrático sofre o confronto necessário para se chegar a um entendimento comum. Este é transformado em normas regulamentadoras da comunidade, fato que acaba por legitimar todo o processo e estabelecer regras de convivência. Por isso, portanto, que o inicialmente paradoxo da legitimidade advinda da legalidade, no pensamento de Habermas, é desfeito.


4 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BITTAR, Eduardo C. B. Democracia, justiça e direitos humanos: Estudos de Teoria Crítica e Filosofia do Direito. São Paulo: Saraiva, 2011.

COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

DUTRA, Delamar Volpato. A teoria discursiva do direito (Capítulo 5), in Razão e consenso em Habermas: a teoria discursiva da verdade, da moral, do direito e da biotecnologia. UFSC: Florianópolis, 2005.

HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia; entre facticidade e validade – Volume I. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003.

MASCARO, Alysson Leandro Barbate. Filosofia do Direito. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2012.

REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 20ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

SILVA PEREIRA, Caio Mário da. Instituições de Direito Civil – Vol. I. 21ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005.


ABSTRACT

This article has the objective to analyze the thinking of Jürgen Habermas contained in Chapter III of Volume I of the book “Between Facts and Norms: Contributions to a Discourse Theory of Law and Democracy”. Thus, this study seeks, without claiming to exhaust the subject, reconstruct step by step the Habermasian thinking of application of communicative rationality as one of the possibilities of resolving issues relating to the principle of democracy and legitimacy of law from so-called discursive theory of law.

Keywords: Habermas; democracy principle; legitimacy; discursive theory of law.


Notas

[1] O termo “Escola de Frankfurt” foi utilizado informalmente para designar o conjunto de pensadores que surgiram no Instituto para Pesquisa Social da Universidade de Frankfurt. Pode-se destacar como membros Theodor Ludwig Wiesengrund-Adorno, Max Horkheimer, Erich Fromm, Franz Neumann e o próprio Jürgen Habermas, o qual tem sua teoria analisada no presente artigo.

[2] HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia; entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003.

[3] SILVA PEREIRA, Caio Mário da. Instituições de Direito Civil – Vol. I. 21ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 34.

[4] Idem, p. 35.

[5] KANT, Immanuel. Über den Gemeinspruch. vol. VI, 143s apud HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia; entre facticidade e validade – Volume I. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. p. 126.

[6] O que será a base de sua teoria discursiva do direito, conforme será verificado adiante.

[7] HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia; entre facticidade e validade – Volume I. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. p. 133.

[8] Não é demais lembrar que a visão encarada como republicana por Habermas é fundada em uma visão histórico-cultural de construção dos direitos humanos, frutos de reivindicações e revoluções históricas. Ao contrário, a visão chamada de democrata identifica a inerência como característica fundamental dos direitos humanos, sendo frutos da própria natureza do homem. Fábio Konder Comparato, por exemplo, adotando a corrente liberal, reconhece os direitos humanos pela pelas suas características de inerência à própria condição humana, sua obrigatoriedade, sua internacionalização, seus princípios axiológicos supremos de liberdade, igualdade e fraternidade e seus princípios estruturais de irrevocabilidade e complementariedade solidária (COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 70-80).

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[9] Este conceito será melhor trabalhado no item 2.3.

[10] HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia; entre facticidade e validade – Volume I. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. p. 137-8.

[11] REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 20ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 658.

[12] Importante ressaltar uma crítica ao pensamento kantiano feita por Miguel Reale o qual constatou que nem sempre esta afirmação é verdadeira: “[p]or outro lado, nem sempre ao Direito basta a “conformidade extrínseca”, como no-lo demonstram as hipóteses de anulação do ato, formalmente perfeito, mas viciado de simulação ou fraude. O sim que o nubente profere perante o juiz de casamentos não tem juridicamente as mesmas consequências, quaisquer que tenham sido os motivos que o ditaram, pois o assentimento pode ter resultado, por exemplo, de coação que invalida o ato.” (Idem, p. 661)

[13] HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia; entre facticidade e validade – Volume I. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. p. 141.

[14] Idem, p. 147.

[15] Nas palavras de Habermas: “[s]ão válidas as normas de ação às quais todos os possíveis atingidos poderiam dar o seu assentimento, na qualidade de participantes de discursos racionais.” (HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia; entre facticidade e validade – Volume I. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. p. 142)

[16] ALEXY, R. A Theory of Practical Discourse. In: BENHABIB, S. & DALLMAYR, F. The communicative ethics controversy. Cambridge/Massachusetts/London: MIT, 1990. p. 166-67 apud DUTRA, Delamar Volpato. A teoria discursiva do direito (Capítulo 5), in Razão e consenso em Habermas: a teoria discursiva da verdade, da moral, do direito e da biotecnologia. UFSC: Florianópolis, 2005. p. 226.

[17] HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia; entre facticidade e validade – Volume I. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. p. 145

[18] Idem, ibidem.

[19] Pode-se exemplificar através das comissões parlamentares que analisam preliminarmente projetos de lei para verificarem a viabilidade de sua discussão em plenário.

[20] DUTRA, Delamar Volpato. A teoria discursiva do direito (Capítulo 5), in Razão e consenso em Habermas: a teoria discursiva da verdade, da moral, do direito e da biotecnologia. UFSC: Florianópolis, 2005. p. 240.

[21] Idem, ibidem. p. 233.

[22] Idem, ibidem. p. 233.

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Sobre o autor
José Eduardo Figueiredo de Andrade Martins

Doutor e Mestre em Direito Civil pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Cursou "Law and Economics" na Universidade de Chicago. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Professor dos cursos de graduação e pós graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINS, José Eduardo Figueiredo Andrade. Democracia, legitimidade e teoria discursiva do direito: uma análise sobre o pensamento de Jürgen Habermas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3326, 9 ago. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22376. Acesso em: 16 abr. 2024.

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