1. Introdução
Características das Empresas Públicas e de Economia Mista
Antes de adentrarmos ao mérito deste trabalho, urge deixar consignado o que vem a ser uma empresa pública e o que vem a ser uma empresa de economia mista, traçando seus laços gerais.
Como é do saber de todos, a Administração Pública se divide em Direta e Indireta. A primeira é aquela exercida diretamente pelo Estado através de seus órgãos e seus agentes públicos integrantes das pessoas jurídicas políticas (União, Estados, Municípios e Distrito Federal), preponderantemente pelo Poder Executivo, para atender as necessidades coletivas e promover o bem estar social.
A segunda, Administração Indireta, é composta pelas entidades de direito público (excluídas as entidades estatais) ou privado, criadas por lei, para praticar, de modo descentralizado, algumas atividades estatais delegáveis.
As empresas públicas e as de economia mista se enquadram na segunda classificação: Administração Indireta. Ambas têm a sua criação autorizada por lei e são pessoas jurídicas de direito privado. Caracterizam a intervenção do Estado no domínio econômico para salvaguardar imperativos da segurança nacional ou relevante interesse coletivo (art. 173, CF/88).
Tal entendimento é solidificado no inc. II, alínea b e c, do art. 4o do Dec.-Lei nº 200/67.
Podemos ainda ressaltar algumas diferenças entre as empresas públicas e as empresas de economia mista, tais como a natureza do capital e a forma societária.
Quanto a natureza do capital, nas empresas públicas 100% dele tem que ser originário do Estado, não importando que advenha de entidades de sua Administração Indireta. Já nas Empresas de economia mista, o capital não é 100% oriundo do Estado. Uma parte vem do particular enquanto a outra se origina de pessoas de direito público e/ou entidades de sua Administração Indireta. Vale destacar que a participação estatal tem que ser majoritária.
Quanto a forma societária, as empresas públicas podem ter qualquer uma das existentes, inclusive a unipessoal, enquanto as empresas de economia mista somente podem ter a forma de sociedade anônima (art. 5o do Dec.-Lei nº 200 e arts. 235 a 242 da Lei nº 6.404/76).
2 – A Emenda 19/98
O que muda para as Empresas Públicas e as de Economia Mista
Com a Emenda 19/98 algumas alterações importantes ocorreram na Constituição Federal no tocante a licitação e ao envolvimento das empresas públicas e as de economia mista nos certames licitatórios.
Com a nova redação dos arts. 22, 37 e 173, §1o chega-se a conclusão que no futuro haverá dois estatutos legais para regulamentar licitações: um destinado as pessoas jurídicas de direito público interno (União, Estados, Distrito Federal, Municípios, Autarquias e Fundações) e outra voltada para as empresas estatais que explorem atividade econômica.
E outra não poderia ser a interpretação da nova redação dos artigos supra mencionados. Com efeito reza o novo artigo 22 da CF:
"Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
XXVII – normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, §1o, III"
Importante também transcrever os incisos I, II e III do parágrafo primeiro do art. 173 da CF:
"Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definido em lei.
§1o A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre:
I – sua função social e formas de fiscalização pelo Estado e pela sociedade;
II – a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários;
III – licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações, observados os princípios da administração pública".
Desses apontamentos se chega a conclusão que a partir da confecção da lei prevista no art. 173, §1o da CF as empresas públicas e as de economia mista, quando realizarem seus certames licitatórios, observarão estatuto outro que não a lei 8.666/93, o chamado Estatuto Jurídico da Empresa Pública.
Vale ressaltar, ainda, que as considerações até aqui feitas não se aplicam as prestadoras de serviço público, pois estas não exploram atividade econômica.
3 – Algumas Considerações
Considerações sobre o caso de dispensa previsto no inc. VIII do art 24 da Lei 8.666/93.
Até agora a discussão tem sido polarizada pelos reflexos da Emenda 19/98 em relação ao agente promotor do certame licitatório, ou seja, de quem realiza a licitação.
Sem dúvida alguma as alterações vistas nos art. 22, XXVII, 37 e 173, §1o da CF são de suma importância, porém, faticamente ainda não se nota nenhuma mudança pois o dito "Estatuto Jurídico da Empresa Pública" ainda não foi confeccionado, não se observando seus efeitos.
Para nós cabe analisar as modificações na Lei 8.666/93 em virtude do inciso II do §1o, do art. 173 da CF e não as implicações do inciso III da mesma norma.
Reza o inciso II do §1o do art. 173 da CF, que as empresas públicas, as de economia mista e suas subsidiárias ficarão sujeitas "ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários".
Parece-nos que o legislador quis consagrar o Princípio da Isonomia entre as empresas públicas e as privadas. Se aquelas agora estão sujeitas ao mesmo regime, quer dizer que não se pode conceder quaisquer benefícios não extensíveis também ao setor privado. Se o Estado vai intervir no domínio econômico, que seja em igualdade de condições com o particular. Não pode, desta forma, receber qualquer tipo de incentivo ou de vantagem.
Como dissemos alhures, a questão do art. 173, §1o da CF somente tem sido discutida em relação as empresas públicas e de economia mista quando estas duas realizam o certame licitatório, não quando elas participam como competidoras.
Existem na Lei 8.666/93 normas que se aplicam às pessoas integrantes da Administração Indireta quando estas participam dos certames licitatórios promovidos pelas pessoas jurídicas políticas.
No caso em espécie, diz o art. 24, VIII da Lei 8.666/93:
"Art. 24. É dispensável a licitação:
VIII – para aquisição de bens produzidos ou serviços prestados por órgão ou entidade que integre a Administração Pública e que tenha sido criado para esse fim específico em data anterior à vigência desta Lei, desde que o preço contratado seja compatível com o mercado".
Certo é que o inciso acima transcrito não diferenciou entre administração direta e indireta e não caberia aqui, ao intérprete, fazer distinção onde o legislador não a fez. Mas a interpretação neste caso tem que ser a sistemática e tem que ser feita em face das mudanças constitucionais.
Se a Constituição Federal quis dar tratamento isonômico entre as empresas públicas e as empresas privadas, toda e qualquer norma contrária a este Princípio não teria sido, pois, recepcionada pela Lei Maior ou se posterior a esta, não seria, então, constitucional.
Destas considerações chega-se a conclusão de que dispensa de licitação baseada no art. 24, VIII da Lei 8.666/93 para beneficiar empresa de economia mista ou empresa pública é inconstitucional, pois entre em rota de colisão com o art. 173, § 1o, II da CF.
Com a chegada da nova lei, o estatuído no parágrafo único do artigo 1o da Lei 8.666/93, no atinente a subordinação a ela, das empresas públicas e das sociedades de economia mista não mais vigerá, derrogando todos os dispositivos que discipline regras às mesmas, como o caso das alienações previsto no art. 17 da comentada lei.
Podemos, desta forma, fazer o seguinte silogismo:
1)A Constituição é a Norma Fundamental de todas as outras, que procuram naquela a sua validade;
2) A Constituição consagrou o Princípio da Isonomia entre as empresas públicas e privadas, e a confecção de nova norma sobre licitações pelas empresas públicas praticadas;
3)Logo, dispensa de licitação baseada simplesmente em ser o beneficiário empresa pública ou de economia mista não pode mais ser permitida, assim como não devem mais ser observadas as normas acima comentadas sobre as empresas públicas e as de economia mista.
Finalizando nosso trabalho, concluímos que seria de bom alvitre que, quanto as empresas públicas e as de economia mista, que a Administração não mais dispense licitação baseada no art. 24, VIII da Lei 8.666/93, pois seria privilegiá-las, enquanto não é isso que quer a ratio do art. 173, §1o, II da Lex Fundamentalis.