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Breves considerações sobre a origem social das normas jurídicas e morais e a fundamentação da Teoria Pura do Direito de Hans Kelsen

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20/08/2012 às 11:46
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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A interpretação da obra de Kelsen necessita ir além do procedimento adotado ultimamente pelos seus interpretes (leia-se – detratores). A obra do autor evidência uma necessidade epistemológica de empirismo da compreensão do direito e da moral. Assim, as argumentações que julgam a própria origem das normas morais e jurídicas como formadas apenas pela compreensão lógico-transcendental irredutivelmente afirmam que a teoria pura prescinde de realidade, fixando-se apenas aos problemas lógicos da normatividade, tanto jurídica quanto moral, o que, como visto, é um sério erro interpretativo.

Contudo, procurando analisar mais abertamente o problema, isto é, fazendo uma conexão entre a filosofia política e a teoria do autor, a hipótese de relativismo filosófico evidencia-se como a única possibilidade cognoscitiva das normas enquanto atos de vontade. Desses atos de vontade, evidentemente, não se pode abstrair deveres, mas se pode compreender que tanto as normas morais e jurídicas são, de fato, atos de vontade existentes no espaço e no tempo, passíveis de análise e conhecimento.

Nesse interim, por fim, constata-se a profunda necessidade de diferenciar marcadamente a distinção entre o que Kelsen conceitua como direito – uma técnica social específica – e o conceito de conhecimento jurídico. O conhecimento jurídico, como visto, não se origina da sociedade propriamente, mas é um esquema de interpretação que possibilita o próprio conhecimento, estabelecendo categorias de interpretação. Ocorre que este conhecimento se distingue do seu objeto. Este, de fato, não é conhecimento enquanto coisa, mas apenas interpretado como sentido de uma ato de vontade, existente e observável. Assim, Kelsen concilia o positivismo empirista, mas agrega o racionalismo neokantiano ao problema da interpretação da norma.


Referências

BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: noções de filosofia do direito. Tradução de Márcio Publiesi, Edson Bini, Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 1995. COELHO, Fábio Ulhoa. Para entender Kelsen. 2. ed. São Paulo: Max Limonad, 1997.

HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade, Volume I. Tradução de Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.

KELSEN, Hans. A democracia. Trad.: Ivone Castilho Benedetti et.tal..São Paulo: Martins Fontes, 2000.

_____________A ilusão da justiça.  Trad.: Sérgio Tellaroli. 3. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

_____________O que é justiça? Trad.: Luís Carlos Borges. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

_____________. Teoria geral das normas. Trad.: José Florentino Duarte. Porto Alegre: Fabris, 1986.

_____________. Teoria geral do direito e do Estado. Trad.: Luís Carlos Borges. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

_____________. Teoria pura do direito. Trad.: João Baptista Machado. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

_____________Sociedad y naturaleza – uma investigacion sociológica. Buenos Aires: Editorial Depalma, 1945.

SCHMITT, Carl. Teologia política. Tradução deElisete Antoniuk. Belo Horizonte: Del Rey, 2006.


Notas

[1] Kelsen mesmo trata extensivamente a questão da sociedade e da natureza em uma obra sociológica, não jurídica. Vide. KELSEN, 1945.

[2] Por esse motivo a crítica de Carl Schmitt na sua Teologia política não pode ser considerada por não compreender esta ideia fundamental em Kelsen da origem das normas e do próprio Direito e da Moral diferente do conhecimento jurídico. Para Schmitt, o sistema de Kelsen seria hermético suficiente para não considerar as convulsões sociais (os ‘milagres’), expressos no estado de exceção. Vide: SCHMITT, 2006, p. 21ss.

[3] Deve-se notar que tal incompletude não se refere à chamada ‘lacuna do direito’. O fenômeno da lacuna, segundo Kelsen, é apenas uma ficção, geralmente criada para inserir ao sistema certa ideologia. Argumenta-se, comumente, que nos casos difíceis, não previstos pela lei, o juiz deveria legislar levando em conta a moral ou os costumes. Para Kelsen isto é impossível visto não existirem lacunas em virtude da norma que prevê uma liberdade em sentido negativo aos cidadãos: tal norma diz – o que não é previsto em lei, não constitui crime (nullun crimen sine lege). Vide: KELSEN, 2005, p. 212; KELSEN, 2006, p. 273;

[4] Habermas, a contrário senso, afirma que Kelsen procura separar o Direito da política. Diz o autor (HABERMAS, 1997, p. 250): O positivismo jurídico pretende, ao contrário, fazer jus à função da estabilização de expectativas, sem ser obrigado a apoiar a legitimidade da decisão jurídica na autoridade impugnável de tradições éticas. Ao contrário das escolas realistas, os teóricos Hans Kelsen e H.L.A. Hart elaboram o sentido normativo próprio das proposições jurídicas e a construção sistemática de um sistema de regras destinados a garantir a consistência de decisões ligadas a regras e tornar o direito independente da política. Ao contrário dos hermeneutas, eles sublinham o fechamento e a autonomia de um sistema de direito, opaco em relação a princípios não-jurídicos. Com isso, o problema da racionalidade é decidido a favor da primazia de uma história institucional reduzida, purificada de todos os fundamentos de validade suprapositivos. Ora, uma regra de conhecimento, de acordo com a qual pode ser decidido quais normas pertencem ou não ao direito vigente, permite subordinações precisas.” A posição de Habermas, conforme se demonstra nesta dissertação, não tem suporte textual em Kelsen – não há, infelizmente, a consideração de Habermas acerca da importante diferenciação entre conhecimento jurídico e Direito, ou proposições jurídicas e proposições científicas.

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[5] Mesmo a interpretação contra legem do magistrado está dentro do campo argumentativo do intérprete. Ocorre que o próprio termo ilegal é em si contraditório – se uma lei é interpretada pelo juiz como inválida, mesmo ela estando logicamente inserta em um sistema hierárquico, ela de fato não é uma lei e passa a ser desconsiderada. Então, entende-se indubitavelmente que a postura política do intérprete autêntico deve ser posta em evidência, pois não está restrito, como muitas vezes equivocadamente se julga, ao quadro escalonado de normas. Um julgamento, desse modo, compõe, antes de tudo, esse quadro. É dever apenas do intérprete não autêntico ler esse julgamento sistematicamente, apresentando a postura política do magistrado.

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Sobre o autor
Rubin Assis da Silveira Souza

Pós-graduando em Filosofia do Direito pela Universidade Federal de Pelotas (RS).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Rubin Assis Silveira. Breves considerações sobre a origem social das normas jurídicas e morais e a fundamentação da Teoria Pura do Direito de Hans Kelsen. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3337, 20 ago. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22429. Acesso em: 26 abr. 2024.

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