Um dos questionamentos mais frequentes de gestores públicos municipais é quanto à questão do valor de repasse de FPM. Há um desagrado generalizado quanto ao valor de repasse e à falta de constância dos valores, o que obriga os gestores, muitas vezes, a lançar mão de ações nem tanto ortodoxas para manter a folha de pagamento em dia, por exemplo, deixando de pagar fornecedores e etc. Aliás, é comum em muitos municípios pelo Brasil afora, fornecedores aguardando a chegada de recursos para receber o que lhes é devido. Isso quando não há atraso de salário de servidores ou mesmo falta de pagamento.
O presente texto objetivo analisar a situação dos municípios brasileiros quanto à diminuição dos valores de repasses constitucionais via Fundo de Participação dos Municípios – FPM, influenciado mais especificamente pela redução das alíquotas do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI.
Por isso, farei uma breve analise da situação fiscal dos municípios brasileiros e posteriormente uma análise do impacto da diminuição dos repasses do FPM, já que grande parte dos municípios brasileiros tem nessa transferência sua principal fonte de receita.
SITUAÇÃO FISCAL DOS MUNICÍPIOS BRASILEIROS
A Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro realiza, de tempos em tempos, um levantamento da situação fiscal dos municípios brasileiros, objetivando estimular a cultura da responsabilidade administrativa e da gestão pública eficiente, a partir da avaliação do desempenho fiscal dos municípios, publicando um relatório sobre a situação fiscal desses municípios. A FIRJAN, no ano de 2012, com base nos dados de 2010, realizou nova pesquisa que apresentou alguns resultados interessantes para esse estudo, que analisarei mais detidamente.[1]
Todos os dados colhidos para a pesquisa foram retirados de fontes oficiais, tais como a Secretaria do Tesouro Nacional, através dos arquivos “Finanças do Brasil”, mais comumente conhecido como FINBRA. O referido banco de dados é constituído de informações orçamentárias e patrimoniais declaradas pelos próprios municípios atendendo ao cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal em seu artigo 51. Os dados retirados propiciaram os subsídios técnicos para corroborar a pesquisa.
A pesquisa se debruça sobre cinco indicadores, especificamente: “Receita Própria do Município”, “Gastos com Pessoal”, “Investimentos”, “Liquidez” e “Custo da Dívida”. Para aquela pesquisa, o “Custo da Dívida” tem peso de 10% no resultado agregado, enquanto os outros quatro indicadores têm 22,5%. Essa diferença se fez necessária já que a capacidade de endividamento dos municípios está reduzida pela Resolução n.º 43/2001, que veda ofertas de títulos de divida pública municipal até 2020. A partir da referida data, os municípios poderão retomar sua capacidade de endividamento via emissão de títulos, claro, se a legislação não for alterada.
Na mesma pesquisa, para análise dos indicadores, se observa quatro conceitos, distribuídos da seguinte forma: Conceito “D”, Gestão Crítica do Município, com resultados sendo inferiores a 0,4 pontos. Conceito “C”, Gestão em Dificuldade, com resultados entre 0,4 e 0,6 pontos. Conceito “B”, resultado compreendidos entre 0,6 e 0,8 pontos, que compreende uma Boa Gestão e o Conceito “A”, para aqueles municípios que apresentam uma Excelente Gestão, com resultados superiores a 0,8 pontos.
Nessa pesquisa estabeleceu-se o Índice Firjan de Gestão Fiscal – IFGF, que objetiva resposta à necessidade de promoção da Gestão Eficiente, por meio de uma ferramenta de accountability democrática.
Segundo a pesquisa, quanto ao indicador “Receita Própria”, os municípios brasileiros avaliados apresentam um resultado crítico, em média menos de 0,25 pontos. Somente cerca de 2% dos municípios brasileiros apresentaram excelência na gestão fiscal, com pontuações acima de 0,8 pontos, ou seja, cerca de 95 municípios, somente.
Além do indicador “Receita Própria”, outros dois indicadores também apresentaram notas baixas, “Liquidez”, e “Gastos com Pessoal”, cerca de 0,57 pontos cada, indicando respectivamente elevado comprometimento das receitas com os servidores públicos municipais, e o uso disseminado de restos a pagar sem cobertura orçamentária.
O índice ainda demonstrou que grande parte dos municípios brasileiros apresenta grande dependência das transferências intergovernamentais, já que tais transferências representam a principal receita desses municípios. Cerca de 83,0% dos municípios foram avaliados no conceito “D”. Para serem autossustentáveis eles devem apresentar uma Receita Corrente Líquida acima de 40%. Nesse item, mais de 4.370 prefeituras geraram menos de 20,0% de sua Receita Corrente Líquida. Os restantes das transferências são oriundas dos recursos transferidos pelo Estado ou União, demonstrando mais uma vez, a grande dependência dos municípios quanto a esses tipos de repasses, principalmente o FPM.
Como resultado geral da pesquisa, a análise demonstra que o Brasil progrediu pouco, ou quase nada, quanto à gestão das contas públicas municipais em comparação com 2006, data da última pesquisa. Tal desempenho se produziu por uma série de fatores, dentre eles, o maior crescimento com gastos com pessoal.
Mas nem tudo está perdido, o lado positivo foi o crescimento de 16,3% da Liquidez, demonstrando que apesar do indiscriminado uso de restos a pagar, as administrações tem se preocupado em deixar recursos suficientes para cobrir essas dívidas nos exercícios posteriores, outra exigência da Lei de Responsabilidade Fiscal que moralizou um pouco mais o uso indesejado dessa prática.
A pesquisa demonstrou que grande parte dos municípios brasileiros apresentam uma gestão fiscal deficiente, que carece de melhores mecanismos de controle e acompanhamento. Só a partir de um controle maior e uma administração mais eficaz e eficiente, as administrações municipais conseguirão maximizar a qualidade dos bens e serviços públicos oferecidos à sua população, fator fundamental ao desenvolvimento socioeconômico do país.
FUNDO DE PARTICIPAÇÃO DOS MUNICÍPIOS
O Fundo de Participação dos Municípios é uma transferência constitucional, composta de 22,5% da arrecadação do Imposto de Renda (IR), bem como do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). A distribuição dos recursos junto aos municípios é realizada conforme o número de habitantes. Os critérios para o cálculo dos coeficientes de participação dos municípios estão disponibilizados na Lei n.º 5.172/66, Código Tributário Nacional e no Decreto Lei n.º 1.881/81, cabendo ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, a divulgação das estatísticas dos municípios, que serão a base para os coeficientes para repasse do fundo.[2]
É uma transferência redistributiva, paga pela União a todos os municípios do País, de uso incondicional, obrigatória e sem contrapartida. O fundo é a partilha de receita de impostos específicos e não a receita da União como um todo, sendo segmentado da seguinte forma: [3]
Deter-me-ei nas informações relativas ao FPM dos municípios classificados como de “Interior”, ou seja, não-capitais. Esses recursos são distribuídos conforme coeficiente de habitantes de cada município, segundo descrição da tabela abaixo:[4]
A fórmula de cálculo da distribuição do FPM-Interior é da seguinte ordem:[5]
Os autores do estudo descrito acima analisam as vantagens e desvantagens dos critérios que definem o repasse do FPM para os municípios do Interior. Nesse diapasão, analisam o FPM sob vários aspectos, entre eles, a responsabilidade fiscal e incentivo à gestão eficiente, redução do hiato fiscal, flexibilidade para absorção de choques, internalização de externalidades, independência de fatores políticos, redistribuição regional, autonomia subnacional e accountability.
Não analisarei todos esses itens, já que extrapolam o objetivo do presente texto. Um dos pontos mais positivos quanto à formula hoje existente da distribuição de FPM para os municípios, é a independência de fatores políticos, já que não é possível alterar o valor da cota de um município, com base em qualquer tipo de negociação, a não ser através de legislação, que exige amplo debate. Isso dificulta que algum município com maior influência política possa alterar, a bel prazer, o valor da cota.
Contudo um ponto negativo quanto à vinculação legal é a inflexibilidade para absorção de choques, já que em momentos de crise fiscal, a União ficaria, em tese, impossibilitada de reduzir o montante total transferido aos municípios. A legislação não permite a intervenção direta da União no percentual fixo da arrecadação do IR e do IPI, porém, se a União, como vêm ocorrendo, desonera o IPI para a chamada linha branca, ou para veículos, objetivando dinamizar a economia nacional, há automaticamente uma redução nos valores de repasse do FPM, que acaba diminuído, já que há uma entrada menor de recursos. Ou seja, quando se quer, sempre é possível passar ao largo da legislação, e aquilo que deveria ser um ponto positivo, deixa a desejar.
Porém, um dos critérios que mais impacta negativamente o repasse do FPM é a redistribuição regional, pois o que predomina nesse critério, é o coeficiente populacional. O uso dessa variável beneficia proporcionalmente os municípios menos populosos, em detrimentos dos de maior população, como se pode depreender do gráfico abaixo. Nele percebe-se que, na medida em que aumenta a população municipal, há uma queda da receita per capita do FPM.[6]
Esse resultado é determinado pela cota mínima fixada no FPM-Interior para municípios com até 10.188 habitantes, o que gera elevada receita per capita para municípios de menor população.
Segundo texto de Marcos Mendes e outros, autores do estudo, algumas recomendações para o aperfeiçoamento e a reformulação do FPM devem ser observadas. Como um dos problemas mais graves do FPM é a lacuna fiscal, segundo os autores, deve-se usar um novo tipo de partilha dos recursos, utilizando-se indicadores de forte demanda por serviços públicos, em cada um dos municípios, principalmente naqueles municípios conhecidos como “dormitórios”, bem como indicadores de baixa capacidade fiscal local.
Para o indicador de capacidade fiscal, no lugar da utilização da renda per capita, estadual, como é realizado hoje, utilizar-se-ia para todos os municípios, e não só nas capitais, os indicadores municipais que levem em conta a diversidade de capacidade fiscal existente dentro de um mesmo estado. O indicador de capacidade fiscal poderia ser elaborado através de um índice de arrecadação de tributos federais por município, o que seria um substituto para análise da sua capacidade fiscal.
Outra ferramenta objetivando evitar essa lacuna fiscal no repasse do FPM seria, segundo os autores, a eliminação do sistema de faixas de população, já que tal mecanismo gera mudanças bruscas no montante recebido pelo município quando da mudança de faixa, substituindo-a por uma função contínua que relacione população e cota do FPM.
Com o mecanismo de partilha, os indicadores de capacidade fiscal já seriam capazes de estabelecer um limite aos municípios de maior renda, especificamente às capitais, igualmente, os indicadores de pressão por demanda por serviços públicos, estabeleceriam mais recursos para os municípios mais populosos, não sendo necessário retirar recursos das capitais, nem fazer uma reserva de recursos adicionais para os municípios mais populosos.
Seriam soluções pontuais, objetivando aprimorar o sistema hora vigente, que apresenta pontos positivos, mas que necessita de aperfeiçoamentos técnicos, legais e estruturais, objetivando garantir melhor prestação de serviços dos gestores municipais, buscando com isso, uma administração com mais excelência.
A DINÂMICA DO PROBLEMA
Como se pode perceber, temos muitos municípios com uma gestão fiscal pífia e de qualidade duvidosa. Uma ferramenta que poderia minimizar as já tão combalidas administrações municipais, seria um repasse de FPM mais justo, equânime e regular, evitando altos e baixos no repasse. Claro, que só isso não é uma solução em si, mas uma fonte de discussão.
Um grave problema que vem ocorrendo é quando o governo federal diminui o IPI objetivando incentivar o consumo no país, pois acaba, inexoravelmente, afetando a quantidade de recursos que chegam aos municípios através do repasse do FMP. O problema maior se encontra naqueles municípios que acabam vivendo quase que exclusivamente da entrada de recursos via FPM.
Alguns problemas comumente constatados é a disparidade constante nos valores de repasse de um período para outro, ou mesmo, de um mês para outro. Gerenciar valores financeiros tão díspares e inconstantes é, no mínimo, temerário.
Outro problema se concentra na redução dos valores de repasse do FPM, que vem ocorrendo nos últimos meses de 2012, já que mais de 70% dos municípios necessitam desse recurso para administrar suas contas. Do mês de junho/2012 para julho/2012, houve uma redução de mais 35 % no valor de repasse, o que representa para o Estado de Minas Gerais, por exemplo, uma redução da ordem de R$ 250 milhões de reais, apenas de um mês para outro.
Com isso, fica difícil para um gestor municipal conseguir cumprir com suas obrigações legais.
As razões para isso são múltiplas, o governo federal que concentra cerca de 70% da arrecadação do país, aumenta o salário mínimo, já que a política nacional lhes favorece quanto a essa ação, mas deixa os gestores municipais em grande dificuldade para fecharem suas contas no final de ano, já que a folha de pagamento municipal cresce exponencialmente com essas ações do governo federal.
Outro agravante é o aumento dos programas ligados ao governo federal que acabam necessitando de novas contratações para atender às estruturas criadas por meios de convênios do Governo Federal e Estadual, através de programas, como novas unidades básicas de saúde, novas escolas e creches, construção de unidades do pró-infância, entre tantos outros. Os gestores municipais estão tendo grande dificuldade para honrar seus compromissos, como a folha de pagamento de funcionários e fornecedores, e olha que não estamos falando nem em novos investimentos, já que invariavelmente o município não dispõe de recursos para tal, a não ser para aqueles programas já estabelecidos pelo governo federal através de algum programa novo lançado para que o município simplesmente cumpra as determinações do governo federal. Isto é, hoje os gestores municipais, principalmente dos pequenos municípios, não tem autonomia para gerenciar a máquina pública municipal sem a intervenção, principalmente do governo federal, que cria, elabora e deixa ao encargo do gestor municipal simplesmente a implantação do programa, com um agravante: o governo federal encaminha o recurso para a criação do programa, como por exemplo, a construção de uma creche, a instalação de um telecentro, a construção de um hospital, ou unidade de pronto atendimento e não há efetivamente recursos para a manutenção desses aparatos. Ou seja, mesmo para receber recursos do governo federal, o administrador municipal está repensando se é viável para a administração receber aquele recurso, já que o custo de manutenção pode se tornar proibitivo. O que se tem visto no Brasil são obras sendo construídas e posteriormente paradas, por que simplesmente não há recursos para a manutenção da mesma.
Claro que um administrador municipal deseja receber o recurso para um grande hospital, uma faculdade, um posto médico completo, uma escola modelo. Para o prefeito é o dividendo político e pode contribuir para um marketing pessoal ou até mesmo o marketing de sua gestão. No entanto, depois de construído, se não houver recursos para a manutenção e para o aparato necessário para que aquela obra se mantenha, haverá perda de recursos e o mau uso do dinheiro público.
Já existem administradores municipais que estão rejeitando alguns tipos de repasse e/ou programas do governo federal, pois economicamente fica inviável para o município manter a estrutura.
Podemos dar um exemplo concreto: o governo federal está disponibilizando recursos para construção de casas para família de baixa renda, através do programa Minha casa minha vida. No entanto, os governos municipais, principalmente dos pequenos municípios, não têm como arcar com o ônus da aquisição do terreno e a preparação da infraestrutura para receber as casas, já que isso é uma exigência do programa, que se tenha infraestrutura de esgoto, água, luz e outros. Só que tudo isso é ônus para a administração municipal, que muitas vezes não tem recursos para esses novos investimentos. Com isso, esses gestores preferem não receber o programa.
Após essa pequena digressão, voltando à questão do FPM, é aí que está residindo um dos maiores problemas da governabilidade municipal, ou seja, administrar um município que não tem recursos próprios, ou se tem, é irrisório frente à demanda social de novos investimentos, ou de no mínimo, uma gestão consciente.
Quando o governo federal reduz o IPI está automaticamente reduzindo o valor de repasse para os municípios. O governo tem como refazer sua receita através de entradas de outras naturezas, porém os pequenos municípios ficam à mercê da diminuição dos repasses do fundo e sem solução quanto ao tema.
Então, é muito fácil o governo reduzir o IPI objetivando dinamizar a economia do país, mas acaba deixando os gestores públicos em uma situação difícil. Claro que esses gestores devem melhorar a gestão municipal, no entanto, sem recursos não existe mágica a fazer. Terão que cortar gastos, enxugar a folha de pagamento, diminuir investimentos, se houver, aperfeiçoar a máquina publica e o gerenciamento fiscal e, sobretudo, saber lidar com um caixa baixo.
Esperemos que o governo federal melhore sua relação com os governos municipais, criando programas que levem em conta os recursos para custeio dos programas e projetos implantados. Quanto ao FPM, é necessário que o governo, através do Congresso Nacional, implemente normas de transição quanto a mudanças nas regras de repasse, objetivando evitar grande diminuição dos valores repassados aos municípios, prazo para que os municípios sejam capazes de ajustar suas finanças em relação aos recursos repassados pela União. Reduzir a volatilidade dos repasses através das compensações do IPI + IR, novo sistema de vinculação ao orçamento federal. Nova mudança de critério para o repasse de FPM para os municípios considerados do interior. Igualmente, é necessária a observância da diversidade da realidade econômica dos municípios, dentro de cada estado e região do país, pois a realidade dos estados do Sudeste e do Sul é totalmente dispare dos estados que estão localizados na região Norte e Nordeste do país. A mudança de critério também deveria levar em conta a área do município, IDH, entre outros mecanismos, que objetive não somente uma política macroeconômica, mas que observe também a realidade dos pequenos municípios.
Em suma, é importante pensar que as políticas econômicas do governo federal, que objetivam o aquecimento da economia nacional, frente a possíveis crises externas, são importantes, mas, no entanto, não devemos esquecer que um estado federado como o Brasil, a preocupação com os recursos repassados aos municípios é primordial e essencial.
Notas
[1] http://www.firjan.org.br/IFGF/download/IFGF_2010.pdf
[2] http://www.fazenda.mg.gov.br/governo/assuntos_municipais/repasse_receita/informacoes/fpm.htm
[3] Mendes, Marcos, Transferências Intergovernamentais no Brasil: Diagnóstico e proposta de reforma. Brasília, abril/2008, http://www.senado.gov.br/senado/conleg/textos_discussao/texto40-marcosmendesrog%C3%A9riomirandaefernandoblancos.pdf
[4] Ibidem;
[5] Ibidem;
[6] Ibidem.