4. A CONCILIAÇÃO
A conciliação é igualmente denominada negociação, advém do termo latino conciliare, que quer dizer “acerto de ânimos em choque”. É outro instituto bastante antigo.
Atualmente, a conciliação é definida como “processo pelo qual o conciliador tenta fazer que as partes evitem ou desistam da jurisdição”. (FIÚZA, 1995, p. 56).
Conforme bem elucida o Professor Rodrigo Almeida Magalhães:
O terceiro interventor (conciliador) atua como elo de ligação [sic]. Sua finalidade, (...), é levar as partes ao entendimento, através da identificação de problemas e possíveis soluções. Ele não precisa ser neutro [diferentemente do mediador], ou seja, pode interferir no mérito das questões. O conciliador não decide o conflito, ele pode apenas sugerir decisões; a decisão cabe às partes. (MAGALHÃES, 2008, p.28).
A conciliação poderá ser realizada dentro ou fora de um processo em curso, quando é realizada dentro do processo ela pode ser obrigatória ou facultativa, quando realizada fora do processo ela se dá devido à vontade das partes.
A conciliação encontra ampla aplicabilidade no ordenamento jurídico brasileiro, por exemplo, no curso da audiência trabalhista, ela é obrigatoriamente proposta, nos termos dos art. 846 e 847 da CLT, após a apresentação da defesa por parte do reclamado. Consoante aduz o art. 850 da mesma Consolidação das Leis do Trabalho, a tentativa de conciliação é reiterada após a apresentação das razões finais.
A Lei nº. 9.958, de 12 de janeiro de 2000, diploma alterador da CLT, trouxe à baila a necessidade de ser realizada uma conciliação prévia de qualquer demanda de natureza trabalhista, se na localidade da prestação de serviços houver sido instituída a Comissão no âmbito da empresa ou do sindicato da categoria (art. 625-D).
No âmbito processual civil, a conciliação é destaque por estar prevista entre os art. 447 a 449 do CPC. O parágrafo único do referido art. 447 dispõe que em causas relativas à família, terá lugar igualmente a conciliação, nos casos e para os fins em que a lei consente a transação. O art. 448 aduz que antes de iniciar a instrução, o juiz tentará conciliar as partes. Chegando a acordo, o juiz mandará tomá-lo por termo. Por fim, o art. 449 dispõe que o termo de conciliação, assinado pelas partes e homologado pelo juiz, terá valor de sentença.
Por semelhante modo, o art. 125 do mesmo diploma processual civil estabelece que, dentre outros, ao juiz compete velar pela rápida solução do litígio e tentar a qualquer tempo conciliar as partes, inclusive em audiência preliminar (art. 125, II e IV e art. 331 do CPC).
Com efeito, com o advento da Lei nº. 9.099, de 26 de setembro de 1995, a conciliação passou a ser regra em se tratando de infrações penais de menor potencial ofensivo e de demandas que não ultrapassem 40 (quarenta) salários mínimos.
O CNJ – Conselho Nacional de Justiça, ciente da importância do instituto da conciliação, criou o Dia Nacional da Conciliação, celebrado em todo país aos 08 (oito) de dezembro, data em que os tribunais e juízes participam de um verdadeiro mutirão pela conciliação. O CNJ, junto com os demais juízes e tribunais em todo Brasil, também mantém o projeto Semana Nacional da Conciliação, em que diversas controvérsias são rapidamente solucionadas, sem necessidade de processo judicial. O CNJ lançou ainda em 27/08/2010 o prêmio Conciliar é Legal, incentivando magistrados e tribunais a apresentarem práticas de conciliação individuais ou em grupos. Os prêmios incluem até mesmo menções honrosas.[1]
O TJMG – Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais junto com a EJEF – Escola Judicial Desembargador Edésio Fernandes mantêm um amplo programa de conciliação, como a Semana da Conciliação e o recém criado 1º Congresso de Conciliação, lançado em 23/11/2010 com homenagens, premiações, palestras, mesas redondas, conferências, simpósios e atividades culturais, tudo com o escopo de conscientizar a população que conciliar é legal e importante para o desenvolvimento humano e social. Em sua primeira edição, o evento foi realizado no Minascentro, em Belo Horizonte.[2]
Em 14 de fevereiro de 2003, a Corte Superior do TJMG publicou a Resolução nº. 407/2003, instaurando Centrais de Conciliação Cíveis em Varas de Família, cuja proposta de conciliação prévia, preferencialmente, dar-se-á nas causas relativas a pedido, oferta, exoneração e execução de alimentos; separação judicial, consensual ou litigiosa; divórcio, consensual ou litigioso e reconhecimento de união estável (art. 18, I a IV).
O conciliador responsável pela oitiva das partes em início de litígio será um estagiário, o qual dará oportunidade para que elas exponham suas razões, ouvindo-as atentamente e diligenciando para que se obtenha a conciliação (art. 20). Terminada a sessão e lavrado o termo de acordo, se houver, os autos serão conclusos ao Juiz-Orientador, para as providências legais cabíveis e, em seguida, devolvidos à Secretaria da Vara de origem, mediante carga (art. 21).[3]
Por isso é que, nesse sentido, Pedro Lenza (2008, p. 638) estabelece a perspectiva de um novo tempo para o Judiciário brasileiro, ao aduzir, em síntese, que “’A reforma do Poder Judiciário’, as diversas alterações da legislação infraconstitucional e tantas outras que ainda estão por vir, (...), sinalizam uma luz na busca da esperada e ‘sonhada’ eficiência da prestação jurisdicional”.
5. A PROXIMIDADE ENTRE A MEDIAÇÃO E A CONCILIAÇÃO
Mediação e arbitragem não se confundem, naquela há a figura do mediador, que não tem poder decisório; nesta, há a figura do árbitro, que possui poder decisório.
No que tange às figuras da mediação e da conciliação, há um pouco mais de dificuldades em se estabelecer suas distinções, muitas pessoas inclusive pensam tratar-se de sinônimos. Por isso, faz-se necessária a observância das características inerentes a cada uma dessas figuras, a fim de se saber com precisão quando estaremos diante de uma situação de mediação ou de conciliação.
Lília Maia de Morais Sales elucida com exatidão a diferença entre esses dois institutos.
A diferença fundamental entre a mediação e a conciliação reside no conteúdo de cada instituto. Na conciliação, o objetivo é o acordo, ou seja, as partes, mesmo adversárias, devem chegar a um acordo para evitar um processo judicial. Na mediação as parte não devem ser entendidas como adversárias e o acordo é conseqüência da real comunicação entre as partes. Na conciliação, o mediador [conciliador] sugere, interfere, aconselha. Na medição, o mediador facilita a comunicação, sem induzir as partes ao acordo. (SALES, 2004, p.38).
Pelo exposto, verifica-se que na mediação, o mediador tem o dever de conduzir a discussão da maneira mais amena possível, evitando proferir opiniões próprias, mas guiando as partes para que elas mesmas alcancem a pacificação. O mediador deve ainda instruir as partes a chegarem ao acordo, mas sem palpitar no mérito da questão, orientando-as acerca das prováveis conseqüências de uma “aventura” judicial. Nessa modalidade de solução de controvérsias, as próprias partes decidem, o mediador é o guia, o qual não detém poder decisório. Ao contrário, na conciliação, há uma intervenção um tanto quanto mais objetiva do conciliador, ele pode, por exemplo, sugerir um “meio termo”, proferir opiniões, sugestões, etc. É claro, o conciliador (assim como o mediador) devem atentar-se para as questões de ordem pública em toda a sua atuação, não permitindo acordos contrários ao bom costume, à ética e ao direito.
Para finalizar a distinção entre os referidos institutos, transcrevo os ensinamentos de Roberto Portugal Bacellar, o qual afirma:
A conciliação é opção mais adequada para resolver situações circunstanciais, como indenização por acidente de veículo, em que as pessoas não se conhecem (o único vínculo é o objeto do incidente), e, solucionada a controvérsia, lavra-se o acordo entre as partes, que não mais vão manter qualquer outro relacionamento; já a mediação afigura-se recomendável para situações de múltiplos vínculos, sejam eles familiares, de amizade, de vizinhança, decorrentes de relações comerciais, trabalhistas, entre outros. Como a mediação procura preservar as relações, o processo mediacional bem conduzido permite a manutenção dos demais vínculos, que continuam a se desenvolver com naturalidade durante a discussão da causa. (BACELLAR, 2003, p. 231).
Assim, conclui-se que a mediação e conciliação não são institutos usados indiscriminadamente, um como se fosse o outro. Dependendo da situação, uma dessas modalidades pode ser mais adequada do que a outra.
6. A ARBITRAGEM
Diversamente do que ocorre na mediação, em que um terceiro imparcial e dotado de neutralidade assiste às partes a fim de que elas mesmas possam alcançar a pacificação, o acordo; bem como, diversamente da conciliação, em que o conciliador, também imparcial, integrante ou não do Poder Judiciário, tem liberdade para verdadeiramente aconselhar e/ou induzir as partes ao acordo, não apenas abrindo caminho para elas mesmas decidirem a demanda; na arbitragem, concede-se a um terceiro igualmente neutro, o poder de emitir decisões quanto às controvérsias levadas pelas partes, que devem eleger o árbitro de comum acordo, ou, não havendo acordo, o juiz pode indicar o árbitro.
Verifica-se, portanto, que o árbitro emite decisões, não se tratando apenas de conduzir as partes a um acordo. O árbitro atua com poder decisório relativamente ao mérito da demanda. É claro que, desejando, no curso do procedimento arbitral, as partes podem celebrar um acordo, submetendo-o à homologação do árbitro. Nesse ínterim, a lei da arbitragem (Lei nº. 9.307/96) preconiza em seu art. 31 que a sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui título executivo.
O pacto celebrado entre as partes, antes da instauração do procedimento arbitral, constitui uma espécie de contrato entre elas. Mais do que isso, as partes elegem o árbitro, celebrando com este um novo contrato. Tal pacto chama-se convenção arbitral, dela advém a cláusula compromissória e o compromisso arbitral, que serão objeto de estudo mais à frente.
Sem dúvida, em relação à natureza jurídica da arbitragem, não se pode olvidar que o árbitro exerce verdadeira jurisdição, paralelamente à força estatal, fazendo-o com amparo da lei e da convenção celebrada.
Nesse sentido, o eminente José Cretella Neto (2009, p. 15) salienta que “a doutrina vê na arbitragem instituto misto, sui generis, pois abriga aspecto contratual e também jurisdicional, que coexistem, posição defendida por Pierre Lalive e Philippe Fouchard”.
Havendo compromisso firmado entre as partes, não pode haver descumprimento de suas cláusulas, sob pena de violação do consagrado princípio do “pacta sunt servanda”, segundo o qual o contrato é lei entre as partes.
Consoante aduz Carlos Alberto Carmona (1998, p. 258) “a equiparação entre a sentença estatal e a arbitral faz com que a segunda produza os mesmos efeitos da primeira”.
6.1. Arbitragem e arbitramento
Há aparente similaridade entre os conceitos de arbitragem e arbitramento, razão porque se deve saber distingui-los. Ambos não se confundem. Aquele que exerce a arbitragem é o árbitro, ele tem poder decisório e por força de lei sua decisão é dotada de caráter executório. Aquele que exerce o arbitramento é arbitrador, ele é um experto, um perito, geralmente contrato pelas partes ou nomeado pelo magistrado, após fixação de seus honorários, para formação de um laudo pericial que servirá de meio de prova no procedimento em curso.
Pedro Batista Martins elucida mais ainda a distinção entre os referidos termos:
Inobstante derivarem do latim arbiter (juiz, louvado, jurado), no vocábulo jurídico, as palavras arbitragem e arbitramento contêm significados diferentes, muito embora tenham sido utilizadas como sinônimas em nosso texto constitucional de 1946 (art. 4º), bem como em outras normas legais e, com certa freqüência, em obras jurídicas de caráter doutrinário.
Enquanto a primeira pressupõe a determinação ou estimação de um valor, a segunda corresponde à solução pacífica de um litígio entre sujeitos de direito interno ou internacional. (MARTINS, 1990, p. 1)
6.2. Conceito de arbitragem
Superada a questão da proximidade entre a arbitragem e arbitramento, resta-nos tentar conceituar a arbitragem.
A Lei nº. 9.307/96 não define o que é arbitragem, tarefa que cabe precipuamente à doutrina.
Para Carmona, arbitragem é:
Meio alternativo de solução de controvérsias através da intervenção de uma ou mais pessoas que recebem seus poderes de uma convenção privada, decidindo com base nela, sem intervenção estatal, sendo a decisão destinada a assumir a mesma eficácia de sentença judicial. (CARMONA, 1998, p. 43).
Irineu Strenger conceitua a arbitragem como:
Sistema de solução de pendências, desde pequenos litígios pessoais até grandes controvérsias empresariais ou estatais, em todos os planos do Direito, que expressamente não estejam excluídos pela legislação. (STRENGER, 1996, p. 33).
É fácil perceber que, baseado nesses conceitos, a arbitragem depende da existência de controvérsia que verse sobre direitos disponíveis. O art. 25 da lei de arbitragem versa que sobrevindo no curso da arbitragem controvérsia acerca de direitos indisponíveis e verificando-se que de sua existência, ou não, dependerá o julgamento, o árbitro ou o tribunal arbitral remeterá as partes à autoridade competente do Poder Judiciário, suspendendo o procedimento arbitral.
Mas não é só disso, a arbitragem também depende da indicação do árbitro (ou árbitros, geralmente em número ímpar) pelos próprios litigantes (ou pelo juiz). Igualmente, devem ser observadas as normas previamente estabelecidas na convenção arbitral.
Por fim, decisão do árbitro chamada sentença arbitral possui eficácia de título executivo judicial (art. 475-N, IV, do CPC), podendo ser executada sem a necessidade de um processo de conhecimento.
7. A ARBITRAGEM NO BRASIL
Enquanto o resto do mundo já vivenciava a arbitragem há muito tempo, no Brasil, esse instituto passou a vigorar apenas a partir do império. Nesse ínterim, a Constituição Política do Império do Brazil (nessa época ainda se escrevia Brasil com “z”) de 25 de março de 1824, dispunha em seu art. 160 que nas [causas] cíveis, e nas penais civilmente intentadas, poderão as Partes nomear Juízes Árbitros. Suas Sentenças serão executadas sem recurso, se assim o convencionarem as mesmas Partes.
Igualmente, havia previsão de arbitragem para causas relativas a seguro na Resolução de 26 de julho de 1831; nas causas relativas à locação de serviço, Lei nº. 108, de 11 de outubro de 1837 e no Código Comercial de 1850.
Posteriormente, no séc. XX, o Código Civil de 1916 e os Códigos de Processo Civil de 1939 e de 1973 também dispuseram acerca da arbitragem, como forma alternativa de resolução de conflitos.
Muitos dos institutos da arbitragem previstos nas leis acima mencionadas possuíam dúvidas e incongruências com o princípio da celeridade que hoje a norteia, por exemplo, havia a obrigatoriedade de a sentença arbitral ser homologada pelo Judiciário.
Posteriormente, já quase no final do séc. XX, significativos avanços foram alcançados com a apresentação do PL nº. 78, que deu origem à Lei nº. 9.307, de 23 de setembro de 1996, que dispõe sobre a arbitragem no Brasil. De fato, conforme o Senador Marco Maciel deixou claro na exposição de motivos da lei de arbitragem, paradigmas internacionais foram levados em conta na elaboração da referida lei, exemplifique-se a Lei Modelo sobre Arbitragem Comercial Internacional da UNCITRAL e diversas convenções internacionais sobre o tema, tal como a de Nova Iorque (1958).
Consoante salienta Garcez (2007, p. 25) “Esse projeto resultou da operação ‘Arbiter’, do Instituto Liberal de Pernambuco, sob a coordenação do advogado Petrônio Muniz, sendo apresentado ao Senado pelo então Senador Marco Maciel”, continua dizendo que esse projeto recebeu “a contribuição de diversos juristas e estudiosos do tema, em especial dos integrantes da Comissão Relatora, Drs. Selma M. Ferreira Lemes, Carlos Alberto Carmona e Pedro Batista Martins”.
Salienta-se, por fim, que a lei de arbitragem é constitucional, questão que foi superada à luz do que já decidiu o Pretório Excelso no julgamento de Agravo Regimental em homologação de Sentença Estrangeira 5206-7 de 12 de dezembro de 2001 (relatoria do então Ministro Nelson Jobin). Isso porque a instituição da convenção de arbitragem decorre de uma faculdade das partes, as quais por livre e espontânea vontade pactuam a transação de seus direitos disponíveis pelo juízo arbitral.
7.1. A convenção de arbitragem
Semanticamente, o termo “convenção” significa “concordância acerca de determinado assunto”. Conforme fora dito previamente, a convenção arbitral é um pacto celebrado entre as partes, vinculando-as ao cumprimento dos termos ajustados e da sentença. Notadamente, existem dois contratos na convenção arbitral, um celebrado entre as partes, e outro celebrado entre as partes e o árbitro.
Por ser contrato, é claro que a convenção de arbitragem é um negócio jurídico que deve observar os requisitos previstos no art. 104 do Código Civil de 2002, isto é, agente capaz, forma prescrita ou não defesa em lei e objeto lícito possível determinado ou determinável.
7.2. Arbitragem de direito e arbitragem por equidade
Dispõe o art. 2º da Lei nº. 9.307/96, que a arbitragem poderá ser de direito ou de eqüidade, a critério das partes. § 1º Poderão as partes escolher, livremente, as regras de direito que serão aplicadas na arbitragem, desde que não haja violação aos bons costumes e à ordem pública. § 2º Poderão, também, as partes convencionar que a arbitragem se realize com base nos princípios gerais de direito, nos usos e costumes e nas regras internacionais de comércio.
Diversamente do que ocorre com o magistrado, que só poderá decidir por eqüidade nos casos previstos em lei (art. 127 do Código de Processo Civil), o árbitro não está vinculado ao império e ao rigorismo da lei, podendo – havendo prévia estipulação entre as partes – proferir decisão fora dos rigores da lei, através do bom senso, levando-se em conta as circunstâncias do litígio e o contexto em que está inserida a realidade social das partes. Por suposto, não poderá haver violação à ordem pública e aos bons costumes, mesmo no julgamento por eqüidade.
A opção pela eqüidade deve estar previamente exposta no compromisso arbitral, sem a qual o árbitro decidirá de acordo com as regras do direito.
Nada impede que haja mescla entre a eqüidade e as regras do direito, desde que, repita-se, haja respeito à ordem pública e aos bons costumes. Nesse sentido, é a lição do saudoso Carmona:
Sendo considerada inadmissível a escolha das partes relativamente às regras de direito a serem aplicadas pelo árbitro, por violação à ordem pública, considerará este ineficaz a escolha, procedendo ao julgamento com a aplicação das normas que entender adequadas, sem que a ineficácia da escolha da lei afete a validade do pacto arbitral. Se tocar ao juiz resolver a questão, este limitar-se-á a recusar eficácia à escolha das partes, negando-se a aplicar ou efetivar as conseqüências decorrentes da aplicação da lei estrangeira. (CARMONA, 1998, p. 67).
Se ao árbitro for determinado – pelas partes – que decida o litígio segundo os usos e costumes, estes deverão ser provados caso a caso, por quem os invocar, pois o árbitro não é obrigado – como não o é o juiz – a conhecê-los. (CRETELLA NETO, 2009, p. 60). Os Princípios Gerais do Direito, que são as regras basilares do Direito, assim como os usos e costumes também podem ser utilizados pelo árbitro como fundamento de sua decisão.
No que tange à última parte do art. 2º, § 2º da lei de arbitragem (arbitragem conforme as regras internacionais do comércio), salienta-se que, havendo estipulação por tal modalidade de julgamento, independente da nacionalidade das partes ou do árbitro, ou ainda independente de o Brasil ser signatário da regra, as partes poderão utilizar-se de seus preceitos.
A título de exemplo dessa lex mercatoria, Garcez (2007, p. 145) destaca a aplicabilidade da Convenção Internacional de Viena de 1980, que dispõe sobre a compra e venda internacional de mercadorias, nos casos em que suas regras sirvam para a solução da controvérsia, mesmo o Brasil não a tendo ratificado.
7.3. Cláusula compromissória
Dispõe o art. 4º da lei de arbitragem que a cláusula compromissória é a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato.
Assim, verifica-se que, ao celebrarem uma cláusula arbitral compromissória, as partes se comprometem a submeter ao juízo arbitral determinado litígio de ocorrência futura provável, mas incerta. Tem nítido caráter preventivo, podendo vincular as partes às regras de algum órgão arbitral institucional ou entidade especializada escolhida à forma convencionada para a instituição da arbitragem (art. 5º).
7.3.1. Cláusulas compromissórias cheias e vazias
Doutrinariamente, costuma-se subdividir a cláusula compromissória em cheia e em vazia. Garcez, nesse sentido, define os seus conceitos:
A cláusula compromissória chamada cheia deve referir-se ou a normas de arbitragem de uma determinada entidade especializada ou àquelas normas que as próprias partes possam criar, por meio de um documento escrito. Já a cláusula compromissória dita “vazia” (ou em branco) contempla apenas a estipulação das partes no sentido de que as controvérsias originárias do contrato que firmaram serão solucionadas por arbitragem. (GARCEZ, 2007, p. 181-182)
Melhor explicando, a chamada cláusula compromissória cheia encontra respaldo no art. 5º da Lei nº. 9.307/96, pois o referido artigo, havendo aceitação das partes, vincula-as aos ditames nele previstos, como a submissão às normas de arbitragem de entidade especializada ou às normas criadas pelas próprias partes.
Já a chamada cláusula compromissória vazia refere-se a uma promessa de que futuras querelas serão submetidas a juízo arbitral. Observa-se, portanto, que aqui não existe nenhum dever de vinculação a normas pré-definidas, falta essa definição, razão porque ela está vazia, ou em branco. No entanto, expressa a vontade futura das partes de se submeterem a juízo arbitral.
7.4. Compromisso arbitral
A celebração do compromisso arbitral pressupõe que o litígio já está propagado. Por sua celebração, as partes comprometem-se a levar a questão ao árbitro, renunciando à jurisdição do Estado-Juiz.
Paulo Furtado e Uadi Lammêgo Bulos assim definem compromisso arbitral:
O compromisso arbitral é o veículo do juízo arbitral. É o negócio jurídico por meio do qual as partes em litígio se submetem à decisão de um ou mais árbitros, sobre suas controvérsias. É o ato pelo qual as partes em dissídio resolvem constituir o juízo arbitral, fixando-lhe o objeto, e escolhem o árbitro. Por ele as partes se comprometem a acatar o decidido. (FUTADO; BULOS, 1998, p. 49)
O art. 9º da lei de arbitragem conceitua compromisso arbitral como sendo a convenção através da qual as partes submetem um litígio à arbitragem de uma ou mais pessoas, podendo ser judicial ou extrajudicial.
7.4.1. Compromisso arbitral judicial e extrajudicial
Poderá o compromisso arbitral ser judicial ou extrajudicial, conforme estabelecem os dois parágrafos do artigo 9º. § 1º O compromisso arbitral judicial celebrar-se-á por termo nos autos, perante o juízo ou tribunal, onde tem curso a demanda. § 2º O compromisso arbitral extrajudicial será celebrado por escrito particular, assinado por duas testemunhas, ou por instrumento público.
O compromisso arbitral celebrado judicialmente ocorre quando, havendo procedimento judicial em curso, as partes resolvem deixar de lado a tutela jurisdicional estatal, celebrando compromisso de submeter a questão a um árbitro. O Código Civil de 2002 admite a celebração de compromisso (judicial ou extrajudicial) entre as partes que podem contratar (art. 851). Ocorre por termo nos autos, isto é, o compromisso ficará documentalmente expresso nos autos, nas folhas do processo, sendo assinado pelas partes ou por procurador com poderes especiais, sendo que o mandatário com procuração geral para o foro não poderá celebrá-lo (art. 38 do CPC). Firmado o compromisso judicial, extingue-se a tutela estatal ao caso em questão, o qual será submetido à apreciação de um árbitro ou grupo de árbitros, dependendo do que fora acordado.
O compromisso arbitral celebrado extrajudicialmente ocorre nos moldes do art. 9º, § 2º da lei de arbitragem, Dá-se quando não há procedimento judicial instaurado, tampouco cláusula compromissória em vigor. Assim, havendo o litígio, as partes decidem submetê-lo ao juízo arbitral. Deverá ser lavrado por escritura pública ou por instrumento particular assinado juntamente com duas testemunhas.
De acordo com o art. 10 da lei de arbitragem constará, obrigatoriamente, do compromisso arbitral: I - o nome, profissão, estado civil e domicílio das partes; II - o nome, profissão e domicílio do árbitro, ou dos árbitros, ou, se for o caso, a identificação da entidade à qual as partes delegaram a indicação de árbitros; III - a matéria que será objeto da arbitragem; e IV - o lugar em que será proferida a sentença arbitral.
Já de acordo com o art. 11, facultativamente, poderá constar do compromisso arbitral: I - local, ou locais, onde se desenvolverá a arbitragem; II - a autorização para que o árbitro ou os árbitros julguem por eqüidade, se assim for convencionado pelas partes; III - o prazo para apresentação da sentença arbitral; IV - a indicação da lei nacional ou das regras corporativas aplicáveis à arbitragem, quando assim convencionarem as partes;V - a declaração da responsabilidade pelo pagamento dos honorários e das despesas com a arbitragem; e VI - a fixação dos honorários do árbitro, ou dos árbitros. Parágrafo único. Fixando as partes os honorários do árbitro, ou dos árbitros, no compromisso arbitral, este constituirá título executivo extrajudicial; não havendo tal estipulação, o árbitro requererá ao órgão do Poder Judiciário que seria competente para julgar, originariamente, a causa que os fixe por sentença.
A falta de quaisquer dos requisitos previstos no art. 10 implicará em violação ao ato jurídico perfeito, já a falta de algum dos requisitos previstos no art. 11 não acarretará violação ao ato jurídico perfeito, mas sua observância ajudará a evitar futuras discordâncias as quais podem ser resolvidas desde o início.
Por fim, ressalte-se que o compromisso arbitral, na forma do art. 12 da lei de arbitragem, poderá ser extinto quando: I - escusando-se qualquer dos árbitros, antes de aceitar a nomeação, desde que as partes tenham declarado, expressamente, não aceitar substituto; II - falecendo ou ficando impossibilitado de dar seu voto algum dos árbitros, desde que as partes declarem, expressamente, não aceitar substituto; e III - tendo expirado o prazo a que se refere o art. 11, inciso III, desde que a parte interessada tenha notificado o árbitro, ou o presidente do tribunal arbitral, concedendo-lhe o prazo de dez dias para a prolação e apresentação da sentença arbitral.