14. MEDIAÇÃO NO ÂMBITO INTERNACIONAL
14.1. Breve estudo sobre a mediação nos Estados Unidos
Conforme já sabemos, os métodos alternativos de resolução de conflitos existem desde os primórdios da humanidade.
Há registros de que os chineses já praticavam a mediação desde a época de Confúcio, que viveu aproximadamente entre os anos 551 a 479 a.C. A respeito disso, os ensinamentos da autora Maria de Nazareth Serpa são mais esclarecedores:
Os chineses, na Antiguidade, influenciados pelas idéias do filósofo Confúcio, já praticavam a mediação como principal meio de solucionar contendas. Confúcio acreditava ser possível construir-se um paraíso na terra, desde que os homens pudessem se entender e resolver pacificamente seus problemas. Para ele existia uma harmonia natural nas questões humanas que não deveria ser desfeita por procedimentos adversariais ou com ajuda unilateral. Seu pensamento estabelecia que a melhor e mais justa maneira de consolidar essa paz seria através da persuasão moral e acordos e nunca través da coerção ou mediante qualquer tipo de poder. (SERPA, 1999, p. 67-68).
Nos Estados Unidos, graças, sobretudo, aos primeiros grupos de imigrantes como os judeus e os chineses, o instituto da mediação foi aprimorado naquele país. Isso porque os imigrantes, pouco familiarizados com o ordenamento jurídico do novo mundo, viram-se desencorajados a buscar a resolução de suas contendas nos moldes norte-americanos, preferindo seus próprios métodos de solução de conflitos.
Hoje, os Estados Unidos da América contam com agências públicas e privadas especializadas em métodos alternativos de resolução de conflitos, são exemplos a Federal Mediation and Conciliation Service, principal agência pública de mediação e conciliação pública daquele país; bem como a AAA -American Arbitration Association, principal agência privada de arbitragem norte-americana. O sucesso desses novos métodos tornou-se tão evidente, que, com intuito de treinar novos mediadores, criou-se em 1971 a chamada Society of Professionals in Dispute Resolution.
A legislação relativa aos métodos alternativos de solução de controvérsias, ou Alternative Dispute Resolution (ADR), tornou-se cada vez mais abundante nos EUA, haja vista que o país experimentou uma verdadeira “explosão” de novos processos judiciais, sobretudo nas décadas de 1970 e 1980. Somam-se às já tradicionais mediação, conciliação e arbitragem, verdadeiros métodos mistos ou híbridos de solução de controvérsias também criados naquele país, são exemplos:
O mini-julgamento (mini-trial), que é um método privado usado para tentar resolver certas questões sem interveniência estatal, podendo inclusive serem contratados advogados e arroladas testemunhas.
O julgamento abreviado por jurados (summary jury trial), criado pelo Juiz Thomas D. Lambros, que consiste numa exposição breve do caso em questão para jurados leigos que encorajarão as partes a celebrarem o acordo após prolatarem o veredicto, o qual não tem força judicial. Tal veredicto servirá de paradigma para que as partes alcancem por si mesmas o acordo, mas não a impede de buscarem o provimento estatal.
O (rent-a-judge), literalmente, alugue um juiz, é outro método híbrido de resolução de conflitos nascido nos EUA, sendo que o Professor César Fiúza, citado por Fernando Horta Tavares, assim preconiza:
Aqui, o juiz, a pedido das partes, poderá nomear indivíduo, apontado por ele mesmo ou pelos próprios peticionantes, para compor a lide. Em geral, trata-se de juiz aposentado ou de advogado de boa reputação, recebendo estes os mesmos poderes do juiz, limitados, entretanto, à demanda. Ocorre, na realidade, transferência de poderes jurisdicionais, do juiz ao árbitro. Este poderá ordenar condução forçada de testemunhas, marcar audiências, determinar produção de provas, praticar, enfim, todos os atos que ao juiz caberia praticar na condução do processo. De sua decisão, cabe recurso, como em qualquer processo normal. (TAVARES, 1998, p. 105).
O autor Rodrigo Almeida Magalhães (2008, p. 33-34) explica que “esse juiz particular recebe os mesmos poderes do juiz, limitados, entretanto, à demanda. Ele cumpre todas as fases processuais de praxe (...). Da decisão, cabe apelação para o tribunal superior”.
Segundo o advogado e mediador norte-americano Edward P. Davis, os tipos de mediação previstas nos EUA são a mediação estatutária (prevista em lei), relativamente rara, como casos internos, casos de Direito de Família e casos trabalhistas; a mediação contratual, também raro, que segundo o autor acontece quando os litigantes, geralmente na esfera empresarial, reúnem-se e chegam a um acordo sobre um contrato para resolver seus litígios pela mediação; a mediação voluntária, igualmente rara de acontecer, ocorrendo quando os litigantes preferem mediar o caso voluntariamente a recorrer ao sistema judicial tradicional e, por fim, a mediação por determinação judicial, a mais recorrente e importante, ocorrendo quando o juiz determina às partes que realizem a mediação.[4]
14.2. Breve estudo sobre a mediação na Argentina
Muito embora o desenvolvimento dos métodos alternativos de resolução de conflitos seja recente na América Latina, ao contrário dos EUA e do oeste europeu; a Argentina, após a verificação do êxito da Alternative Dispute Resolution (ADR) dos EUA, buscou incluir em seu ordenamento jurídico novas formas de solução de litígios que não o acesso direto ao Poder Judiciário. Com efeito, foram editados o Decreto 1.480/92, no qual o Ministro da Justiça ficou encarregado de formular e executar o recém criado Programa Nacional de Mediação e a Lei 24.573/95 regulamentada pelo Decreto 1.021/95 (substituído posteriormente pelo Decreto 91/98), o qual instituiu a obrigatoriedade de prévia mediação em juízo, antes da análise do mérito da causa pelo juiz, exceto se as partes demonstrarem que tentaram, antes do ajuizamento da ação, a conciliação e não lograram êxito.
O estudo de Márcia Terezinha Gomes Amaral sobre a mediação na Argentina merece relevância pela sua completude. Ela aduz:
A Lei nº 24.573, de 25 de outubro de 1995, instituiu a mediação e a conciliação na Argentina, regulamentada pelo Decreto nº 1.021, de 28 de dezembro de 1995, o qual foi modificado pelo Decreto 477/96 e, posteriormente, substituídos pelo Decreto 91/98. Foi criada a mediação prévia e obrigatória em todo juízo. As partes estarão isentas dessa obrigatoriedade se comprovarem que tentaram a mediação antes do ajuizamento da ação, efetuada por mediadores registrados no Ministério da Justiça (§ 1º e 2º do art. 1º). Contudo, o procedimento obrigatório da mediação não será aplicado em algumas causas, tais como: penais, ações de separação e divórcio, nulidade de matrimônio, filiação, e pátrio poder, salvo nas questões patrimoniais delas derivadas, etc. (art. 2º). Nos artigos 4º a 14 da Lei nº 24.573/95 está prescrito o procedimento da mediação. O reclamante deverá formalizar sua pretensão ante a mesa geral de expedientes, especificando-a em um formulário. Em seguida, procede-se ao sorteio do mediador e a designação do juízo que eventualmente decidirá a lide. O mediador, no prazo de dez dias, após tomar conhecimento de sua designação, marcará uma data para a audiência à qual deverão comparecer as partes. O prazo da mediação será de até 60 (sessenta) dias, contados a partir da última notificação do requerido e/ou do terceiro, ou de 30 (trinta) dias corridos, nos casos dispostos no art. 3º, sendo que em ambas as hipóteses poderá ser prorrogado por acordo das partes. No prazo previsto para a mediação, o mediador poderá convocar as partes para todas as audiências que se fizerem necessárias. Caso as partes não compareçam às audiências, deverão pagar uma multa, cujo valor será equivalente a duas vezes os honorários básicos percebidos pelo mediador. As sessões serão confidenciais. O mediador tem ampla liberdade para fazer sessões com as partes, podendo realizá-las de forma conjunta ou separada, com o cuidado de não favorecer nenhuma delas e observar seu dever de confidencialidade. Caso haja acordo, deverá ser lavrado ata na qual constará os termos do acordo, o qual deverá ser assinado pelo mediador, pelas partes e pelos advogados intervenientes. Ainda que as partes não façam acordo, será lavrada ata, cuja cópia será entregue às partes, que ficarão habilitadas para demandar em juízo. (AMARAL, 2008, p. 105).
Percebe-se que o caráter voluntário, inerente ao processo de mediação, não foi observado pela referida lei argentina, o que não afasta a constitucionalidade do referido diploma legal. O que a Lei Argentina de Mediação fez, nas palavras de Rodrigues Júnior (2007, p. 147), não foi excluir a resolução de conflitos do Judiciário, mas tão-somente estabeleceu mais um requisito para o ajuizamento da ação. Ademais, prossegue o autor, em nenhum momento, a Constituição Argentina estabelece que a única forma de resolver conflitos é por intermédio do Judiciário.
14.3. Breve estudo sobre a mediação em alguns países europeus
14.3.1. Portugal
Criado em 17 de outubro de 2005, o IMAP – Instituto de Mediação e Arbitragem de Portugal, entidade sem fins lucrativos, atua em parceria com o IMAB – Instituto de Mediação e Arbitragem do Brasil, outra entidade sem fins lucrativos fundada em 1994. O IMAP realiza palestras, cursos e eventos relativos à mediação, à conciliação e à arbitragem com escopo de formar profissionais aptos ao exercício dos métodos alternativos de resolução de querelas em Portugal.
Em nível nacional, Portugal vive uma realidade no que tange a esses meios alternativos. Existem no país vários Centros de Conciliação, Mediação e Arbitragem com competência genérica ou específica em vários ramos do direito, como exemplo temos os relativos a dívidas hospitalares, comércio eletrônico, consumos em geral, viagens e turismo, bem como o relativo à Liga Portuguesa de Futebol Profissional, o de basquetebol, etc.
14.3.2. Espanha
Assim como em Portugal, a Espanha vive um período em que os métodos alternativos de resolução de conflitos estão cada vez mais evidentes. O Instituto de Mediación, Arbitraje y Conciliación (IMAC) foi criado na Espanha em 1979, para tentar solucionar demandas trabalhistas antes do procedimento judicial propriamente dito. Atualmente, é vinculada ao Ministério do Trabalho e Imigração espanhol.
14.3.3. França
Na França, a mediação foi definitivamente implantada, segundo Jean-François Six, nas décadas de 1990, época em que foi publicado Le temps des médiateurs (Edição Du Seuil). Tal década é por ele chamada de “década da mediação”. (SIX, 2001, p. 1)
O país dispõe de um CNM - Centro Nacional de Mediação, cujos mediadores são cidadãos com qualificação para o exercício de suas atribuições.
Em 1992 foi editado o chamado Código da Mediação, o qual estabelece os preceitos norteadores do instituto da mediação na França. A título de exemplo, seu art. 1º dispõe:
A mediação é um procedimento facultativo que requer o acordo livre e expresso das pessoas envolvidas, de se engajarem em uma ação (a “mediação”) com a ajuda de um terceiro independente e neutro (o “mediador”), especialmente formado nesta arte.
A mediação não pode ser imposta. Ela é aceita, decidida e realizada pelo conjunto dos protagonistas.
Aceitar a mediação é, para cada uma das partes, aceitar engajar-se de boa-fé na procura do que possa lhe permitir, com ajuda do mediador, estabelecer-se em nova relação.
Nem o CNM, nem o mediador têm o poder ou a autoridade de obrigar as partes a criar ligações ou aceitar qualquer acordo. Se um acordo é realizado, ele representa vontade daquele junto aos quais o mediador “concebeu criação possível de uma ligação e a realiza”. (SIX, 2001, p. 287).
O atual Código de Processo Civil francês trata da mediação em um título a parte, la médiation, composto pelos art. 131-1 a 131-15. A autora Béatrice Gorchs, citada por Márcia Terezinha Gomes Amaral (2008, p. 116) critica o legislador por confundir conciliação e mediação, sendo distinguidos apenas quanto ao momento, pois enquanto a conciliação é prévia a mediação ocorre no curso do processo; tanto o mediador como o conciliador são investidos na mesma missão: conciliar as partes e resolver o litígio mediante um procedimento negociado.
14.3.4. Inglaterra
Na Inglaterra, existe o chamado serviço consultivo de mediação e arbitragem, ou Advisory Conciliation and Arbitration Service (ACAS), que visa a tentar resolver pacificamente controvérsias entre empregados e empregadores.
Em função de suas características, observa a autora Lídia Miranda de Lima Amaral (1994, p. 37) que, na Grã-Bretanha, “vem ocorrendo maior interesse do processo de mediação para a solução de suas controvérsias, em virtude de se encontrar no meio termo entre o típico distanciamento da conciliação e a impositividade latente da arbitragem”.
15. MÉTODOS ALTERNATIVOS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS NO ÂMBITO DO DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO
Muitas causas distintas podem acarretar divergências internacionais. Atualmente, essas divergências, controvérsias no âmbito internacional, podem ser subdividas em duas classificações, as de caráter político e as de caráter jurídico. Enquanto as de caráter político relacionam-se ao conflito de interesses político-econômicos, ou da ofensa à dignidade de um Estado soberano; as de caráter jurídico relacionam-se às ofensas e violações de um Estado dos direitos do outro, seja em virtude de quebra de tratados ou convenções internacionais, seja através da violação de princípios inerentes ao Direito Internacional.
A Carta das Nações Unidas, assinada na cidade norte-americana de São Francisco em 26 de junho de 1945, já dispunha acerca dos métodos alternativos de resolução de controvérsias. Por exemplo, segundo a Carta (art. 33-1) As partes em uma controvérsia, que possa vir a constituir uma ameaça à paz e à segurança internacionais, procurarão, antes de tudo, chegar a uma solução por negociação, inquérito, mediação, conciliação, arbitragem, solução judicial, recurso a entidades ou acordos regionais, ou a qualquer outro meio pacífico à sua escolha. Ainda segundo a Carta (art. 33-2) O Conselho de Segurança convidará, quando julgar necessário, as referidas partes a resolver, por tais meios, suas controvérsias.
A referida Carta faculta o Conselho de Segurança da ONU, em qualquer fase de uma controvérsia a que se refere o Artigo 33, ou de uma situação de natureza semelhante, a recomendar procedimentos ou métodos de solução apropriados (art. 36-1).
Conforme observam Hildebrando Accioly e Nascimento e Silva (2000, p. 401) são vários os métodos de solução pacífica de controvérsias internacionais, que são classificados em três categorias: duas de caráter amistoso (meios diplomáticos e meios jurídicos) e uma de caráter não-amistoso ou coercitivo (os meios coercitivos). Prossegue dizendo que os métodos coercitivos são, sobretudo, sanções, e não meios pacíficos de solução pacífica de controvérsias. A sua utilização por uma organização internacional, como é o caso das decisões do Conselho de Segurança das Nações Unidas, representa um meio aceitável de implementação do direito internacional; mas, quando se trata de uma sanção aplicada unilateralmente por um Estado mais poderoso em relação a outro, os meios coercitivos não se justificam.
Interessam-nos, no presente trabalho, os métodos ditos amistosos, sejam diplomáticos, sejam jurídicos.
Os métodos amistosos diplomáticos subdividem-se em: negociações diretas ou diplomáticas; sistema de consultas; conferências; bons ofícios; e mediação.
Os métodos amistosos jurídicos podem ser: oriundos de tribunais permanentes; da CIJ – Corte Internacional de Justiça; das comissões internacionais de inquérito e conciliação; de comissões mistas; e de arbitragem.
15.1 Métodos amistosos diplomáticos
15.1.1. Negociações diretas ou diplomáticas
É o método amistoso diplomático que mais logra êxito na solução pacífica de controvérsias internacionais. Um Estado, através de seus representantes, procura outro a fim de solucionar a questão. Dependendo da gravidade da situação, o entendimento entre as partes poderá até mesmo ser verbal, isso caracteriza o informalismo do referido método. Mesmo frustradas as negociações, os Estados podem valer-se de outros métodos para tentar alcançar a solução do impasse. Ressalte-se que não há interferências de terceiros Estados.
15.1.2. Sistema de consultas
Esse método refere-se à troca recíproca de opiniões, a fim de alcançar um ponto comum, entre os representantes dos Estados em divergência.
Geralmente o sistema de consultas é previsto em tratado, onde os representantes dos Estados discutem o ponto controvertido com intuito de fazê-lo cessar.
Aqui também não se observa a intromissão de outros Estados soberanos.
15.1.3. Conferências
Segundo ensina Aciolly, a conferência (também denominada congresso):
Ocorre quando a matéria em litígio interessa a diversos Estados, ou quando se tem em vista a solução de um conjunto de questões sobre as quais existem divergências; Não existe diferenças substanciais entre conferencia e congresso, pois ambas são reuniões entre representantes de Estados, devidamente autorizados, para a discussão de questões internacionais. (2000, p. 402).
15.1.4. Bons ofícios
Por esse método amistoso, ou um terceiro Estado – que não tem relação com a querela – oferece-se para tentar intermediar a negociação entre os Estados em litígio, ou o(s) próprio(s) Estado(s) em rixa solicita(m) a um terceiro Estado, neutro, a intermediação do conflito.
Esse terceiro Estado (pode ser mais de um) não realiza quaisquer intromissões no mérito da controvérsia, apenas tenta apaziguar os ânimos, limitando-se a tentar aproximar os Estados em querela. Salienta-se que finda a tarefa do Estado que oferece seus bons ofícios quando os Estados litigantes aceitam dar início às negociações.
Salienta-se, por derradeiro, que a recusa dos bons ofícios por parte dos conflitantes não deve ser considerado ato não amistoso, tampouco a sua oferta por parte de um terceiro Estado neutro.
15.1.5. Mediação
A princípio, a mediação internacional pode ser confundida com os bons ofícios. Não obstante, de fato, há certa proximidade, mas ambos são institutos distintos. Embora não imponha nenhuma decisão, o papel do terceiro Estado, neutro, é diferente. Enquanto nos bons ofícios há apenas uma tentativa de aproximar as partes; na mediação, efetivamente, esse terceiro Estado toma conhecimento do problema e propõe uma solução pacífica aos conflitantes.
De modo idêntico ao que ocorre nos bons ofícios, a proposta, aceitação ou recusa da mediação não deve ser encarada como ato inamistoso.
Acerca da mediação entre os Estados, Accioly e Nascimento e Silva afirmam:
A mediação consiste na interposição amistosa de um ou mais Estados, entre outros Estados, para a solução pacífica de um litígio. Na prática, nem sempre é possível distingui-la claramente dos bons ofícios. Pode dizer-se, contudo, em princípio, que a mediação se distingue dos bons ofícios em que, ao contrário do que sucede com estes, constitui uma espécie de participação direta nas negociações entre os litigantes. Distinguem-se também da intervenção, propriamente dita, em que o Estado mediador, ao contrário do que intervém, não procura impor sua vontade e procede com intuitos desinteressa dos: a mediação é ato essencialmente amistoso, ao passo que a intervenção se caracteriza pela coação. Da mesma forma que os bons ofícios, a mediação pode ser oferecida ou ser solicitada; e o seu oferecimento ou a sua recusa não deve ser considerado ato inamistoso. (2000, p. 403-404).
Embora o mediador tenha participação ativa na tentativa de solução do conflito, ele não impõe decisão alguma, mas deve atuar do modo mais imparcial possível, a fim de que se chegue a um ponto considerado aceitável por ambas as parte em litígio.
Salienta-se que o mediador não precisa ser necessariamente outro Estado. Nesse ponto, dispõe o autor José Francisco Rezek:
O mediador, quando não seja nominalmente um sujeito de direito das gentes - o Estado X, a organização internacional Y, a Santa Sé – será no mínimo um estadista, uma pessoa no exercício de elevada função pública, cuja individualidade seja indissociável da pessoa jurídica internacional por ele representada (Henry Kissinger, pelos Estados Unidos. mediando na Palestina, nos anos setenta, o conflito entre Israel e os Estados árabes; e ali mesmo. com igual missão em 1948. o conde Bemadotte, pela ONU). Diversamente do que sucede vez por outra com o árbitro, o mediador nunca é escolhido em função exclusiva de seus talentos singulares, e à margem de qualquer vínculo com Estado soberano ou organização internacional. (REZEK, 2000. p. 333).
Por fim, ressalte-se que a possível solução alcançada pelo mediador não vincula as partes, podendo ser rechaçada, frustrando assim esse método.
15.2. Métodos amistosos jurídicos
15.2.1. Tribunais permanentes
São entes judiciários permanentes que, com base no direito internacional, julgam, através de juízes permanentes, litígios internacionais.
A primeira corte internacional permanente foi a CJPI – Cour Permanente de Justice Internationale, em português Corte Permanente de Justiça Internacional, criada ainda no tempo da Liga das Nações, em 1921 na cidade holandesa de Haia, considerada a capital jurídica do mundo. Os brasileiros Ruy Barbosa e Epitácio Lindolfo da Silva Pessoa foram eleitos para assumir cargos de juízes na corte, mas o primeiro não chegou a tomar posse, pois veio a falecer em 1922.
São outros exemplos de tribunais permanentes a Corte Centro Americana de Justiça; o UNAT – Tribunal Administrativo das Nações Unidas; o OASAT – Tribunal Administrativo dos Estados Americanos; o Tribunal Internacional de Direito do Mar; as comissões internacionais de inquérito e conciliação e, mais recentemente, o Tribunal Penal Internacional.
15.2.2. Corte Internacional de Justiça
A chamada CIJ – Corte Internacional de Justiça é o principal órgão judicial da ONU, tem sede na cidade de Haia, Holanda.
O capítulo XIV da Carta das Nações Unidas dispõe acerca da CIJ, que funcionará nos termos do seu próprio estatuto. Accioly e Nascimento e Silva assim se referem a seu estatuto.
O Estatuto da CIJ consta de 70 artigos, quase todos baseados ipsis verbis no Estatuto da antiga Corte. Houve ainda a preocupação de ser mantida a numeração dos artigos, o que permite a solução de continuidade na jurisprudência da Corte. Os juízes são eleitos por nove anos e podem ser reeleitos. O Estatuto esclarece que serão eleitos "sem atenção à sua nacionalidade"; mas na prática a Assembléia Geral e o Conselho, ao efetuarem a elei ção, buscam ater-se às indicações dos cinco grandes grupos da Organização, que, por sua vez, levam em consideração a nacionalidade dos candidatos. Os juízes devem possuir as condições exigidas nos respectivos países para neles desempenhar as mais altas funções judiciárias ou devem ser internacionalistas de reconhecida competência em matéria de direito internacional. (ACCIOLY; NASCIMENTO E SILVA, 2000, p. 410).
15.2.3. Comissões internacionais de inquérito e conciliação
Também denominadas Comissões de Investigação. Visam a esclarecer fatos controvertidos ou ajudar no encontro de soluções para controvérsias de âmbito internacional. A atuação dessas comissões deve pautar-se pela isenção e criteriosidade.
As referidas Comissões têm papel consultivo, as quais elaboram sugestões e apresentam conselhos relativamente aos pontos controvertidos do litígio.
15.2.4. Comissões mistas
Atualmente, as Comissões Mistas, formadas privativamente por representantes dos Estados em conflito estão cada vez mais em desuso.
De acordo com o estudo do Desembargador Federal do TRF da 5ª Região, Paulo Gadelha, as Comissões Mistas:
Tiveram grande presença no cenário internacional no Século XIX, hoje, só esporadicamente recorre-se à sua instrumentalização para debelar os conflitos. Ainda são acionadas, por exemplo, no caso de fronteiras, porém como nome de Comissão Demarcadora de Fronteiras.[5]
15.2.5. Arbitragem
Accioly e Nascimento e Silva, a respeito da arbitragem no âmbito do Direito Internacional Público preconizam em sua obra:
A arbitragem pode ser definida como o meio de solução pacífica de controvérsias entre Estados por uma ou mais pessoas livremente escolhidas pelas partes, geralmente através de um compromisso arbitral que estabelece as normas a serem seguidas e onde as partes contratantes aceitam, de antemão, a decisão a ser adotada. Em geral, os autores, da mesma forma que numerosos governos, sustentam que só podem ser objeto de arbitragem os conflitos de ordem jurídica ou suscetíveis de se formulados juridicamente. As Convenções de Haia, de 1899 e 1907, relativas à solução pacífica dos conflitos, adotaram esse mesmo ponto de vista, estabelecendo como condição, para a arbitragem, a existência de uma questão jurídica ou de uma questão cuja solução possa ser baseada no direito. Na verdade, porém, pode dizer-se que a arbitragem é aplicável a todas as controvérsias internacionais, de qualquer natureza ou causa; e neste sentido poderíamos citar vários tratados internacionais dos últimos trinta anos. (ACCIOLY; NASCIMENTO E SILVA, 2000, p. 419).
O árbitro, ao contrário do juiz, só se vincula ao julgamento da questão naquele momento. Vale dizer, o foro arbitral não é permanente, contínuo. As partes em litígio elegem o árbitro, findo o litígio também se exaure as atribuições do árbitro.
É claro que o árbitro deve pautar-se pela mesma imparcialidade inerente ao conciliador e ao mediador. Vale dizer, pré-conceitos devem ser deixados de lado, a fim de se chegar à decisão mais equânime possível.
A respeito da escolha do árbitro, ensina Rezek o seguinte:
No princípio, e por largo espaço de tempo, a escolha do árbitro recaiu sobre soberanos, sobre chefes de Estados monárquicos. Ainda hoje é comum que as partes prefiram por árbitro o estadista de primeiro nível, embora cientes de que o estudo do caso e a redação da sentença estarão, na realidade, a cargo de anônimos conselheiros jurídicos, nem sempre os mais qualificados. Há também, neste caso, o risco de que a motivação da sentença arbitral seja sumária e por vezes nebulosa, à conta do receio que o estadista eventualmente nutre de proferir teses que, no futuro, podem voltar-se contra seu próprio interesse. (REZEK, 2000, p. 340).
Para o início da arbitragem é necessária a instituição prévia do chamado compromisso arbitral, que nada mais é que o “de acordo” exarado pelos Estados litigantes. O compromisso arbitral é documento que institui a arbitragem, indicando a controvérsia a ser resolvida e o procedimento a ser seguido; também designa o árbitro (ou árbitros) e seus respectivos poderes, bem como deve conter cláusula de aceitação da sentença arbitral, que é a decisão do árbitro relativamente ao mérito do litígio, sendo em geral definitiva, desde que conste essa cláusula do respectivo compromisso.
A decisão final do árbitro, materializada na sentença arbitral, é inter partes e tem força de aceitação obrigatória, eis que os Estados concordaram previamente em se submeter à decisão do árbitro quando da elaboração do compromisso arbitral. O seu desrespeito não é mera deselegância, mas sim uma ilegalidade. Não se postula, porém, dizer que a sentença arbitral tem força executória, já que não existe autoridade internacional capaz de fazer valer a decisão proferida.
Accioly e Nascimento e Silva destacam alguns casos raros em que a sentença arbitral perde sua força obrigatória, a saber:
1) Quando o árbitro ou o tribunal arbitral exceder, evidentemente, os seus poderes;
2) Quando a sentença for o resultado da fraude ou da deslealdade do árbitro ou árbitros;
3) Quando a sentença tiver sido pronunciada por árbitro ou árbitros em situação de incapacidade, de fato ou de direito;
4) Quando uma das partes não tiver sido ouvida, ou tiver sido violado algum outro princípio fundamental do processo.
A estes quatro casos poderá talvez ser acrescentado o da ausência de motivação da sentença. A decisão arbitral não poderá ser impugnada, entretanto, sob a alegação de que é errônea, ou contrária à eqüidade, ou lesiva aos interesses de uma das partes. De todas essas causas de nulidade, a mais alegada é, sem dúvida, a do excesso de poder. (ACCIOLY; NASCIMENTO E SILVA, 2000, p. 420-421).
O árbitro não se vincula a nenhum Poder Judiciário, tanto que após o julgamento ele se desfaz de sua roupagem decisória e pode nunca mais se ver em nova situação de arbitragem. Por não estar o árbitro vinculado a nenhum órgão com competência judicante, sua decisão é irrecorrível.
A arbitragem pode ter caráter facultativo (voluntário) ou obrigatório (permanente). A de caráter facultativo ocorre quando os Estados, mediante situação controversa nova e imprevista, de comum acordo resolvem submeter a pendência a um árbitro ou a um grupo de árbitros. A de caráter obrigatório ocorre em situações as quais os Estados em litigância já haviam definido previamente que a resolveriam via arbitragem, antes de ela ocorrer.