8. Espécies de bem de família que devem existir
Já alertava, em 1972, que a espécie de bem de família tratada no Código Civil brasileiro, como nos Códigos Civis de legislações estrangeiras, fundada na instituição de uma coisa imóvel (modelo texano), com excesso de formalismos e com a inalienabilidade do bem, não tem, por si, qualquer subsistência, pois não resolve o sério problema, qual seja, o de descoberta de instituto, capaz de pôr a salvo o patrimônio familiar. Essa espécie de bem imóvel de família assenta suas bases na determinação, atualmente, dos cônjuges e dos que vivem em entidade familiar.
Propus, então, primeiramente, a criação de duas novas espécies de bem de família: uma voluntária móvel, a par da já existente (imóvel), e outra involuntária ou legal móvel e imóvel.
Em razão dessas novas espécies de bem de família, posso, agora, classificá-lo em duas grandes categorias:
a) voluntário, decorrente da vontade dos interessados, com instituição, nesse regime, de bem móvel ou imóvel; e
b) involuntário ou legal, que, por não depender da manifestação da vontade do instituidor resulta de estipulação legal, por norma de ordem pública, objetivando bem móvel ou imóvel.
Podemos, assim, visualizar essa classificação no quadro adiante:
-
BEM DE FAMÍLIA
-
Voluntário
Móvel
Imóvel
-
Involuntário (Legal)
Móvel
Imóvel
-
Como podemos observar, o bem de família voluntário, móvel ou imóvel, nasce pela vontade do instituidor, pela própria vontade individual, nos moldes preestabelecidos na lei; o bem de família involuntário ou legal, que deve ser objeto da unificação legislativa internacional, institui-se por determinação da lei, pela vontade soberana do Estado, garantidora de um mínimo necessário à sobrevivência da família.
É preciso evidenciar que o bem de família é o patrimônio, a propriedade, num sentido protetivo do núcleo familiar, devendo, por isso, apresentar-se com maiores limitações, além das normais.
9. Minha proposta de lei sobre o bem de família internacional, ao modelo da lei brasileira
Impenhorabilidade do bem de família
Art. 1.º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por dívida de qualquer natureza, contraída pelos cônjuges pelos companheiros ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta Lei.
Parágrafo único. A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias e acessões de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, e móveis que guarnecem a residência.
Art. 2º No caso de imóvel locado ou dado em comodato, a impenhorabilidade aplica-se aos bens móveis que guarnecem a residência e que sejam de propriedade do locatário ou do comodatário.
Art. 3.º Em qualquer das situações dos artigos anteriores, excluem-se da impenhorabilidade os veículos de transporte, as obras de arte e os adornos suntuosos.
Art. 4.º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução de qualquer natureza, salvo se movido:
I — em razão dos créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias;
II — pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção, à reforma ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato;
III — pelo credor de pensão alimentícia;
IV — para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições, e despesas condominiais, sempre devidas em função do imóvel familiar;
V — para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar;
VI — por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens;
VII — por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.
Art. 5.º Não se beneficiará do disposto nesta Lei aquele que, sabendo-se insolvente, adquire de má-fé imóvel mais valioso para transferir a residência familiar, desfazendo-se ou não da moradia antiga.
Parágrafo único. Neste caso poderá o juiz, na respectiva ação do credor, transferir a impenhorabilidade para a moradia familiar mais valiosa para execução ou concurso, conforme a hipótese.
Art. 6.º Quando a residência familiar constituir-se em imóvel rural, a impenhorabilidade restringir-se-á à sede de moradia, com os respectivos bens móveis, e à área limitada como pequena propriedade rural, nos moldes da lei.
Art. 7.º Para os efeitos de impenhorabilidade, de que trata esta Lei, considera-se residência um único imóvel utilizado pelo casal ou pela entidade familiar, para moradia permanente.
Parágrafo único. Na hipótese de o casal, ou entidade familiar, ser possuidor de vários imóveis utilizados como residência, a impenhorabilidade recairá sobre o de menor valor, salvo se outro tiver sido registrado, para esse fim, no Registro de Imóveis e na forma do bem de família voluntário, nos moldes da lei.
Art. 8.º Esta Lei entrará em vigência na data de sua publicação.
Art. 9.º Revogam-se as disposições em contrário.
São Paulo, maio de 2000
Referências
AZEVEDO, Álvaro Villaça. Bem de Família, com comentários à Lei n. 8.009/90. 4. ed. rev. e ampl. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais. 1999. 254p. (A tese foi defendida em 1972 e a 1ª edição é de 1974).
BUREAU, Paul. Le Homestead ou L’insaisissabilité de la Petite Propriété Foncière. Paris: Arthur Rousseau, 1895.
LEHR, Ernest. Étuds sur le Droit Civil des États-unis de l’Amérique du Nord. Sirey: Librairie de la Société du Recueil J. B., 1906.
Notas
1 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Bem de família, com comentários à Lei n. 8.009/90. 4. ed. rev. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. 254. p. A tese foi defendida em 1972 e a 1. ed. é de 1974.
2 LEHR, Ernest. Étuds sur le droit civil des États-unis de l’Amérique du Nord. Paris: Sirey, 1906. p. 74.
3 BUREAU, Paul. Le homestead ou l’insaisissabilité de la petite propriété foncière. Paris: Arthur Rousseau, 1895. p. 45.
4 Id. Ibid., pp. 63-64.
5 Id. Ibid., pp. 69-70.
6 Law Digest, Martindale-Hubel – Law Directory, Summit, New Jersey, 1972, v, pp. respectivamente pela citação dos Estados, 34/35; 76; 110; 149; 201; 257/258; 305; 436/437; 541; 582/583; 640; 741/742; 780; 836; 890/891; 936; 1.039; 1.014/1.105; 1.156; 1.200; 1.252; 1.295; 1.340; 1.391; 1.437; 1.555; 1.619; 1.692; 1.743; 1.797; 1.851/1.852; 1.897; 2.080; 2.128; 2.175; 2.225; 2.272; 2.305; 2.339/2.340; 2.407/2.408; 2.453; 2.501; 2.549/2.550 (com legislação); 361; 490; 497; 977; 1.502; 1.946; 2.031 (sem legislação). Conforme pesquisa realizada em 1972.
7 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Bem de Família, com comentários à Lei n. 8.009/90. 4. ed. rev. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 76. Pela Lei francesa (de 1909), as ressalvas de direitos de credores necessitam de julgamento e de homologação judicial e de registro (artigos 7º a 9º). op. cit., p. 60.
8 Id. Ibid., p. 72. (artigos 24º e 30º do Decreto n. 7.033, de 1920).
9 Id. Ibid., p. 73. (arts. 731. e 742 do código civil mexicano).
10 Id. Ibid., pp. 84-86.
Abstract: This paper examines the historical root, concept and evolution of family property. Considering it as a protection institute to debtor´s minimum possessions. Considering Comparative Law techniques, it analyses the singularities of the subject in different legislative systems of Europe and America in order to elicit similar characteristics. By the end of this paper, it is presented laws that could be made aiming a law standardization in different countries.
Key words : Civil law. Family property. Proposal of an international standard.