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A caracterização do atentado terrorista em aeronaves e a incidência da responsabilidade do Estado brasileiro

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10/09/2012 às 15:05
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5. RESPONSABILIDADE POR ATENTADO TERRORISTA NO ESTADO BRASILEIRO:

A partir do artigo 4º, VIII da Constituição Federal de 1988, o Estado Brasileiro consagrou como princípio regente de suas relações internacionais, o repúdio ao terrorismo, considerado como crime inafiançável e insuscetível de graça ou anistia (artigo 5º, XLIII da Constituição Federal de 1988).

Entretanto, antes mesmo da promulgação da “Constituição Cidadã”, algumas legislações nacionais já cuidavam do terrorismo, quais sejam: Lei 6815/80 – estabelece que o terrorismo não pode ser considerado crime político; Lei 7170/83 – crimes contra a segurança nacional.

Em 1990, a Lei 8072 veio a tratá-lo como crime hediondo, e, com o advento da Lei 9.613/98, passou a receber o mesmo tratamento que a lavagem de dinheiro[24].

Sabe-se, contudo, que o combate ao terrorismo sofreu maior impacto após os atentados às torres gêmeas e ao Pentágono, nos Estados Unidos, em 2001, inclusive com mais rigor no tratamento da legislação internacional, como já tratado alhures.

A tormentosa questão que se trata, entrementes, versa sobre o âmbito da responsabilização civil do Estado em decorrência de atentados terroristas. Sob tal medida, foram editadas as leis 10.309, de 22 de novembro de 2001, e 10.744, de 09 de outubro de 2003. Acerca de tal circunstância, José dos Santos Carvalho Filho[25] pondera que:

Conquanto fora do âmbito do art. 37§6º, da CF, há legislação pela qual a União assume a responsabilidade civil perante terceiros, na hipótese de danos a bens e pessoas provocados por atentados terroristas, atos de guerra ou eventos assemelhados, ocorridos no país ou no estrangeiro, contra aeronaves de matrícula brasileira operadas por empresas brasileiras de transporte aéreo público. É o objeto da Lei nº 10.744, de 9.10.2003, caracterizando-se, na espécie, responsabilidade civil do governo federal por atos de terceiros, mais abrangentes, portanto, que o citado preceito constitucional.

No primeiro caso (lei 10.309/2001), não seria leviano afirmar que sua edição se deu ainda sob o pânico decorrente do atentado às torres gêmeas em Nova York, e dispôs, em sua ementa, acerca da “assunção pela União de responsabilidades civis perante terceiros no caso de atentados terroristas ou atos de guerra contra aeronaves de empresas aéreas brasileiras”.

A crise aérea e o impacto das notícias internacionais, por certo, foram determinantes para a adoção desta postura pelo Governo Brasileiro, impondo-se, no artigo 5º, que: “a autorização a que se refere esta Lei vigorará por trinta dias, contados a partir de 00:00 horas do dia 25 de setembro de 2001, podendo ser prorrogada por ato do Poder Executivo pelo prazo de até cento e vinte dias”.

Com a conversão da medida provisória 126/2003, a lei 10.744/2003 cuidou de explicitar a responsabilização da União nos casos de “atentados terroristas, atos de guerra ou eventos correlatos, contra aeronaves de matrícula brasileira operadas por empresas brasileiras de transporte aéreo público, excluídas as empresas de táxi aéreo”. Sob tais parâmetros, a União Federal ficou autorizada a assumir tais responsabilidades perante terceiros até o montante global equivalente, em reais a US$1.000.000.000,00 (um bilhão de dólares dos Estados Unidos da América)[26]

Com vistas a delimitar o objeto da reparação, o §2º do artigo 1º explicita que:

As despesas de responsabilidades civis perante terceiros, na hipótese da ocorrência de danos a pessoas de que trata o caput deste artigo, estão limitadas exclusivamente à reparação de danos corporais, doenças, morte ou invalidez sofridos em decorrência dos atos referidos no caput deste artigo, excetuados, dentre outros, os danos morais, ofensa à honra, ao afeto, à liberdade, à profissão, ao respeito aos mortos, à psique, à saúde, ao nome, ao crédito e ao bem-estar, sem necessidade da ocorrência de prejuízo econômico

O grande problema ocasionado pela interpretação legislativa, entretanto, é a delimitação do que sejam, efetivamente, “atentados terroristas, atos de guerra ou eventos correlatos”, tal como enunciado na ementa da Lei 10.744/2003. Senão vejamos:

Art. 1º (...)

§ 3º Entende-se por atos de guerra qualquer guerra, invasão, atos inimigos estrangeiros, hostilidades com ou sem guerra declarada, guerra civil, rebelião, revolução, insurreição, lei marcial, poder militar ou usurpado ou tentativas para usurpação do poder.

§ 4º Entende-se por ato terrorista qualquer ato de uma ou mais pessoas, sendo ou não agentes de um poder soberano, com fins políticos ou terroristas, seja a perda ou dano dele resultante acidental ou intencional.

§ 5º Os eventos correlatos, a que se refere o caput deste artigo, incluem greves, tumultos, comoções civis, distúrbios trabalhistas, ato malicioso, ato de sabotagem, confisco, nacionalização, apreensão, sujeição, detenção, apropriação, seqüestro ou qualquer apreensão ilegal ou exercício indevido de controle da aeronave ou da tripulação em vôo por parte de qualquer pessoa ou pessoas a bordo da aeronave sem consentimento do explorador.

Diante de disposições tão imprecisas, como se pode afirmar quando e em quais termos a União se responsabilizará pelos danos causados a terceiros, indenizando-os?

Ao que parece, a mens legis não possuía, efetivamente, o intuito de enunciar disposições claras, já que deixou ao Ministro de Estado da Fazenda a definição de normas para “a operacionalização da assunção de que trata esta lei”[27], e relegou ao Ministro de Estado da Defesa o poder de atestar quais seriam as despesas indenizáveis s decorrentes dos atos terroristas, de guerra ou correlatos (artigo 3º).

Destarte, ao que se vislumbra da análise dos textos normativos pátrios, a verificação e operacionalização das indenizações serão procedidas mediante atos administrativos delegados, por lei, aos Ministros de Estado, malgrado se trate de questão de grande relevância.


6. CONSIDERAÇÕES FINAIS:

A desolação vivida pelos Estados Unidos e o estado de consternação mundial gerados pelos atentados de setembro de 2001 marcaram o início de uma nova era nas relações internacionais. O aumento no rigor do processo de imigração americana e a resistência – velada ou não, aos seguidores do islamismo (apontados, por via obtusa, pelo fundamentalismo radical, como responsáveis pela ideologia dos atentados), foram reflexos do pânico decorrente do “terror”.

Em 02 de maio de 2011 – quase dez anos após o atentado, o presidente americano Barack Obama anunciou a morte de Osama Bin Laden, autor intelectual dos atentados de 11 de setembro, por meio da “Operação Gerônimo”, realizada por tropas de elite americanas em Abbottabad, no norte do Paquistão, onde o terrorista estava escondido.

Como símbolo da reconstrução dos Estados Unidos da América, foram erguidos memoriais e homenagens foram prestadas às vítimas, familiares e sobreviventes.

No aniversário de uma década do atentado terrorista que mudou a história da humanidade, o esquema de segurança foi reforçado em diversos pontos dos Estados Unidos, externando-se a conclusão óbvia de que a morte de Osama Bin Laden não fez desaparecer a ameaça terrorista nem tornou o mundo um lugar tranquilo, sob os auspícios de liberdade e de paz.

Evoluindo desde a absoluta irresponsabilidade até a profusão de teses em derredor da responsabilização civil do Estado, afirma-se que, após a crise do “terror” instaurada com os atentados de 2001, o Brasil cuidou de garantir a indenizabilidade dos atentados terroristas ocorridos em aeronaves.

A caracterização dos parâmetros pecuniários teve, por certo, a ideia de limitar a quantia a ser paga pelo Estado Brasileiro, a par de um maior aprofundamento quanto à real verificação de um ato terrorista.

A assunção da responsabilidade do Estado Brasileiro em casos como tais, vê-se, não se faz em virtude da cautela genérica decorrente de atos de seus prepostos, mas de um aporte ainda mais amplo, como efetivo garantidor “universal” da paz e segurança jurídica reinantes em todo o território nacional, incluindo-se, portanto, o espaço de aeronaves de matrícula brasileira operadas por empresas brasileiras de transporte público.


7. REFERÊNCIAS

ABERASTURY, Pedro. Responsabilidad del Estado. 1ª ed. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 2007.

ANZIT GUERRERO, Ramiro. Terrorismo, Analisis de un condicionante crítico del Tercer Milenio. CAET: Buenos Aires, 2005.

      Como se planifica y ejecuta un atentado terrorista: Las nuevas estructuras operativas del extremismo desde el 11-S. Klabenews, 22/09/2006.

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NOHARA, Irene Patrícia. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2011.

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SAGÜÉS, Nestor Pedro. Manual de Derecho Constitucional. Editorial Ástrea: Buenos Aires, 2007.


Notas

[1] “Dicionário Pratico da Língua Portuguesa”, 10ª ed. São Paulo: Melhoramentos, 2005, p. 912.

[2] BRANT, Leonardo Nemer Caldeira. “Terrorismo e Direito: os impactos do terrorismo na comunidade internacional e no Brasil”. BRANT, Leonardo Nemer Caldeira (coord). Rio de Janeiro: Forense, 2003.

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[3] Idem, ibidem.

[4] P. 417

[5] Ob cit, p.11.

[6] Idem, ibidem.

[7] BRANT, ob. cit, p. 16.

[8] Idem, p. 17.

[9]  PRADO, Luis Régis.; CARVALHO, Erika  Mendes de. Delito político e terrorismo: uma aproximação conceitual. Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 89, v. 771, p. 421-447, jan. 2000, p. 432.

[10] Notas extraídas do módulo Seminário de Direito Público, a cargo do professor Ramiro Anzit Guerrero, no Doutorado de Ciências Jurídicas e Sociais da Universidad del Museo Social Argentino.

[11] Ob cit, p. 12.

[12] Declaração perante a Assembleia Geral das Nações Unidas em 01 de outubro de 2001.

[13] MIRANDA, Jorge. “Os Direitos fundamentais perante o terrorismo” apud Brant, 2003, p. 66.

[14] Garcia. Márcio P.P. ‘Aviação Civil e Terrorismo, p. 313-314, apud Brant, 2003.

[15] Na doutrina brasileira, vê-se a preferência pela terminologia “responsabilidade civil do Estado”: Marçal Justen Filho, Odete Medauar, Diogenes Gasparini, Yussef Said Cahali, Helena Elias Pinto, enquanto que Maria Silvia Zanella Di Pietro e Lúcia Valle Figueiredo usam a expressão “responsabilidade extracontratual”. Para Celso Antônio Bandeira de Mello, aplica-se a expressão “responsabilidade patrimonial extracontratual”. De outra sorte, Hely Lopes Meirelles preferia a terminologia “responsabilidade civil da Administração”.

[16] NOHARA, Irene Patrícia. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2011, p. 735

[17] DI PIETRO, Maria Silvia Zanella. Direito Administrativo. 24ª ed. São Paulo: Atlas, 2011, p 642

[18] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo, 23ª ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2010, p. 594.

[19] Segundo Hely Lopes Meireles, a teoria do risco compreende 2 modalidades: a do risco administrativo e a do risco integral. A primeira admite – e a segunda não – a adoção de causas excludentes da responsabilidade do Estado: culpa da vítima, culpa de terceiros ou força maior.

[20] Art. 21 – Compete à União: (...) XXXIII – explorar os serviços e instalações nucleares de qualquer natureza e exercer monopólio estatal sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios nucleares e seus derivados, atendidos os seguintes princípios e condições: (...) d) a responsabilidade civil por danos nucleares independe da existência de culpa.

[21] CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade civil. 8ª ed. São Paulo: Atlas, 2008.

[22] DROMI, Roberto. Derecho Administrativo, 11ª edición. Ciudad Argentina: Buenos Aires, Madrid, México, 2006, p. 1099.

[23] Como nota explicativa, a sigla CSJN significa “Corte Suprema de Justicia de la Nación”, instância máxima do Poder Judiciário Argentino, sendo, portanto, irrecorríveis, suas decisões. Quanto às competências da Suprema Corte, Nestor Pedro Sagüés explicita que: “En definitiva, el art. 117 de la Const. Nacional diseña dos tipos de competência para la Corte: una, por apelación, ‘segun las reglas y excepciones que precriba el Congreso’; y otra originaria y exclusiva. Respecto de esta última, la Corte Suprema há dicho, segun vimos, que “no es susceptible de ampliarse, restringirse ni modificarse mediante normas legales” (Manual de Derecho Constitucional. Editorial Ástrea: Buenos Aires, 2007, p. 539).

[24] Importante registrar que o artigo 20 da Lei 7.170/83 é um tipo penal completamente aberto, atendo-se à menção de “atos de terrorismo”, sem a preocupação de delimitar o comportamento delituoso típico.

[25] Ob cit, p. 600.

[26] Art. 1º, §1º da Lei 10.744/2003.

[27] Redação do artigo 2º da Lei 10.744/2003.

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Sobre a autora
Bartira Pereira Dantas

Doutoranda em ciências jurídicas e sociais pela Universidade Del Museo Social Argentino,especialista em direito pela Escola de magistrados da Bahia- EMAB/UCSAL, Servidora pública do Tribunal de Justiça da BA, professora universitária

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DANTAS, Bartira Pereira. A caracterização do atentado terrorista em aeronaves e a incidência da responsabilidade do Estado brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3358, 10 set. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22583. Acesso em: 19 dez. 2024.

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