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Os limites jurídicos da publicidade nas relações de consumo brasileiras: as manipulações de desejo nas relações pré-contratuais consumeristas.

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12/09/2012 às 10:44
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3 A PUBLICIDADE NOCIVA

3.1 Publicidade nociva na Lei nº 8.078/90

Para o direito consumerista, não se trata de analisar sobre a natureza artística da publicidade, mas de seu poder persuasivo embutido nas mensagens, o que movimenta o mercado e estimula o consumo, muitas vezes em detrimento da saúde, das integridades física e psíquicas, e do meio ambiente.[108]

No texto do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90), a publicidade possui uma seção normativa exclusiva, na qual é definida, nos dizeres do artigo 36, como atividade de dar conhecimento ao público da oferta de produtos e serviços, facilmente identificada como anúncio publicitário pelo homem médio.

O art. 37 traz as definições do que seja oferta viciada, publicidade enganosa e publicidade abusiva:

 Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.

§ 1° É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.

§ 2° É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.

§ 3° Para os efeitos deste código, a publicidade é enganosa por omissão quando deixar de informar sobre dado essencial do produto ou serviço.

De acordo com Federigui, o Código de Defesa do Consumidor inovou ao criar as categorias de publicidade nociva: a enganosa e a abusiva. Enquanto a enganosa é a que induz o consumidor a erro, a abusiva está relacionada à forma de abordagem do consumidor. 

“O consumidor recebe a informação, mas não a avalia como apelo de vendas”, afirma Rizzatto Nunes.[109] Então a avaliação crítica do consumidor e sua autonomia da vontade muitas vezes são deturpadas pelas técnicas publicitárias. É o que ocorre no merchandising.

Como discorre Fernanda Nunes Barbosa sobre a acuidade da análise da publicidade na ciência do direito:

A importância da repercussão das técnicas publicitárias no direito tem em vista o seu caráter persuasivo, que busca entorpecer ou mesmo suprimir a vontade real do consumidor, que é o elemento nuclear da autonomia privada.[110]

E é na lógica da abordagem abusiva que constata-se uma possível nocividade nas estratégias publicitárias atuais:

Se aceitarmos que a publicidade pode induzir alguém a algo além de consumir, isto já é um nocivo de per si, porque estará servindo de instrumento à criação de uma necessidade extra, além daquela à qual está social e juridicamente autorizada. Não fosse por esse raciocínio, a publicidade, em si seria uma violência, por inverter o processo de necessidade no mercado de consumo, e não somente criá-la, mas por inserir um comportamento padrão ainda não existente.[111]

A publicidade é, tecnicamente, perigosa, pois cria necessidades extras, afetando os indivíduos e a coletividade, gerando novos comportamentos sociais. Contudo, ainda não há norma positivada explícita a respeito da relação entre publicidade nociva e o comportamento do consumidor, com exceção de restrições à publicidade de produtos fumígenos (tabaco), bebidas alcoólicas, medicamentos, terapias e as voltadas ao público infantil.

3.2 Publicidade abusiva

No que pese rever a conceituação de publicidade, o enquadramento social e o jurídico divergem. Embora ambos concordem que a publicidade consista numa manifestação unilateral da vontade, juridicamente, incide em um ato unilateral do fornecedor que depende da aceitação do contratante para concretizar o negócio. Para o campo da comunicação, “é difusa e agregada a um apelo marginal, que pode ser um conjunto de valores (que conotam alegria, felicidade, saúde, sucesso, status social, força física e juventude) que integram o contrato”.[112]

Conforme conceituado anteriormente, a publicidade nociva pode ser enganosa ou abusiva, no que diz respeito à informação ou à mensagem que veicula. Desta forma, pode-se deduzir que a indução do consumidor a comprar produtos ou serviços a fim de “adquirir qualidades” embutidas num conjunto de valores aquém que os próprios itens podem oferecer é uma publicidade abusiva. E a publicidade abusiva é, na doutrina, objetiva:

As chamadas “práticas abusivas” são ações e/ou condutas que, uma vez existentes, caracterizam-se como ilícitas, independentemente de se encontrar ou não algum consumidor lesado ou que se sinta lesado. São ilícitas em si, apenas por existirem de fato no mundo fenomênico.[113]

Então, a abusiva é aquela publicidade que, através da sua veiculação, pode induzir o consumidor utilizando de argumentos que atingem sua integridade moral e pessoal.[114] Esta está explicitada no artigo 37, parágrafo 2º, do CDC Vejamos:

§ 2º É abusiva, dentre outras, a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança. [grifos nossos]

Vê-se que a manipulação dos desejos do consumidor pode ser considerada uma forma de prática abusiva[115], pois se aproveita de suas fraquezas e pode induzi-lo a agir de forma prejudicial. A publicidade discretamente adequa o produto ou serviço a um estilo de vida almejado. Essa “adequação” pode estar influenciando para o aumento da depressão, da criminalidade, de atitudes permissivas, de endividamento, destruição ambiental etc.[116]

No entanto, não se deve confundir a publicidade abusiva do trabalho publicitário lato senso, pois a abusiva, embora eivada de ilicitude, é uma espécie do gênero publicidade. Assim, não é que a publicidade seja completamente nociva, mas que há dois lados, um positivo, outro negativo.

Nesse entendimento, Paulo Roque Khouri adverte que o ato de induzir o consumo é abusivo, propiciando vantagens tendo em vista a vulnerabilidade natural do consumidor.[117] Todavia, o mesmo autor argumenta que a prática da publicidade é justamente o convencimento dos consumidores, viabilizando a atividade econômica.

A limitação da publicidade abusiva está inserida no texto constitucional, em seu art. 220, § 3º, quando estabelece a criação de meios legais que impeçam a divulgação de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde (bem jurídico relevante) e ao meio ambiente.

Desta forma, é preciso averiguar até que ponto a publicidade age sem ferir a autonomia do consumidor. A oferta pública é um mecanismo pré-contratual; neste momento, pode-se transformar uma desnecessidade em necessidade de consumo. Em outras palavras, a divulgação de produtos e serviços utilizando as técnicas publicitárias de persuasão e convencimento para suscitar necessidades, embora uma situação pré-contratual,é regulada pelo CDC, com vista a evitar abusos do mercado, independente da fase de negociação que estejam.[118] A proteção do consumidor abrange todos os momentos da tratativa. Por conseguinte, pode haver prática abusiva pré-contratual.

Por ser um mecanismo pré-contratual, a publicidade atinge inicialmente um público indeterminado. Daí a proteção dos interesses difusos, dos valores coletivos e das metas transindividuais, como aponta Fiorillo.[119] Afinal, defender os direitos difusos é garantir o cumprimento dos princípios norteadores da Constituição Federal, e preservar valores e condições essenciais à vida (saúde, segurança, qualidade). Nisto, o Código de Defesa do Consumidor de fato reconhece a hipossuficiência jurídica (vulnerabilidade) dos consumidores.

3.3 Publicidade enganosa

Com criatividade, impacto visual e frases de efeito, qualquer um é passível de se deixar levar pela mensagem publicitária. Também “a publicidade será enganosa se o consumidor pudesse não ter adquirido o produto ou o serviço se este tivesse sido anunciado corretamente”.[120] As formas para enganar são muitas.

Novamente incumbe a leitura do art. 37, caput e parágrafos 1º e 3º, do CDC:

Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.

§ 1° É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.

(...)

§ 3° Para os efeitos deste código, a publicidade é enganosa por omissão quando deixar de informar sobre dado essencial do produto ou serviço.

Nota-se que a enganosidade está ligada à informação errada sobre o produto ou serviço. Não importa se o consumidor ainda não o adquiriu ou contratou:

É de anotar que para a aferição da enganosidade não é necessário que o consumidor seja aquele real, concretamente considerado; basta que seja potencial, abstrato. Isto é, para saber da enganação é suficiente que se leve em consideração o consumidor real. É ele que deve servir de parâmetro para a avaliação.

O anúncio é enganoso antes mesmo de atingir qualquer consumidor em concreto; basta ter sido veiculado.[121]

O CONAR instituiu em sua norma autorregulamentadora (CBAP) que:

Para fins de aferição da enganosidade (e qualquer outro componente) será observado o anúncio como um todo, incluindo seu conteúdo e forma, testemunhas, declarações ou apresentações visuais, ainda que tenham origem em outras fontes (art. 47, CBAP).[122]

Deste modo, enquanto a abusiva se refere a uma agressão (moral) à essência (emoções) do consumidor, pode-se considerar que a enganosa envolve uma informação incorreta ou omissa sobre o produto ou serviço (material):

Logo, o efeito da publicidade enganosa é induzir o consumidor a acreditar em alguma coisa que não corresponda à realidade do produto ou serviço em si, ou relativamente a seu preço e forma de pagamento, ou ainda, a sua garantia etc.[123] [grifo nosso]

Vejamos duas decisões do CONAR abaixo transcritas que envolvem publicidade enganosa:

DECISÕES SOBRE VERACIDADE

“Activia funciona para você”, “Crianças”, “Idosos” e “Barriga inchada”

Representação nº. 067/08, em recurso extraordinário

Autora: Dairy Partners

Anunciante: Danone

Relatores: conselheiros Rogério Salgado, Rogério Levorin Neto e Afonso Champi Jr.

Primeira Câmara, Câmara Especial de Recursos e Plenário do Conselho de Ética

Decisão: Sustação

Fundamento: Artigos 1º, 3º, 4º, 23, 27, parágrafos 1º e 2º, 33, letras “b” e “e”, e 50, letra “c” do Código

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A Dairy Partners questiona os anúncios da campanha da Danone que, segundo a queixa, deixa de mencionar as características do Activia na forma autorizada pela Anvisa, induzindo, assim, o consumidor a engano.

Em primeira instância, o relator concordou com os termos da denúncia, recomendando a alteração da locução dos comerciais, cujo texto diferia do lettering. No caso específico do filme “Crianças”, foi recomendada a inclusão de lettering com frase de advertência para que gestantes, nutrizes e crianças sigam orientação de nutricionista e médico. Para o comercial “Barriga inchada” foi recomendada a sustação, uma vez que contraria as regras da Anvisa, citando sintomas característicos de constipação.

A Danone recorreu da decisão, pleiteando que fosse analisado, especificamente, o caso do comercial “Barriga inchada”. Alega que o filme limita-se a retratar situação em que uma jovem mulher, de aparência saudável, sorridente, relata que tinha intestino preso e, por isso, barriga inchada, e que tomou Activia e o inchaço desapareceu.

A empresa contestou, também, a decisão de alterar o comercial “Criança”. Alega que o produto está licenciado como alimento funcional seguro para consumo por crianças, mulheres e idosos, independente de orientação e supervisão médica, o que desobriga a Danone de fazer este tipo de ressalva em sua publicidade.

Na análise do recurso ordinário, os conselheiros acordaram em recomendar o arquivamento da representação para o anúncio “Criança”, concordando com os argumentos da defesa; e mantiveram a decisão de sustar a veiculação do comercial “Barriga inchada”.

Inconformada, a Danone recorreu novamente, argumentando que o comercial em questão não alude a sintoma característico de constipação ou de qualquer outra patologia.

A afirmação foi contestada pela Dairy Partners, reafirmando que as expressões contrariam decisões da Anvisa, que entende haver sugestão de tratamento para funcionamento irregular do intestino, entre elas a constipação.

O relator do recurso extraordinário confirmou as decisões anteriores pela sustação do comercial “Barriga inchada” e seu parecer foi acatado por maioria de votos pelo Plenário do Conselho de Ética.

“Mat Inset – Passe de mágica”

Representação nº 428/08

Autora: Reckitt Benckiser

Anunciante: Grupo Hypermarcas

Relator: conselheiro Rubens da Costa Santos

Quinta, Sexta e Sétima Câmaras, reunidas em sessão conjunta

Decisão: Alteração

Fundamento: Artigos 1º, 3º, 6º, 37 e 50, letra “b” do Código e seu Anexo “I”

Reckitt Benckiser questiona descumprimento de recomendação do Conar no processo ético nº 220/07, pela utilização de expressões que, conforme a autora, contêm enganosidades, exagerando os atributos do produto Mat Inset, produzido pelo Grupo Hypermarcas, tais como “agora vou mostrar pra vocês como se livrar dos mosquitos, pernilongos e muriçocas num passe de mágica” e “com Mat Inset você não vê mais nenhum inseto em sua casa”. Segundo a denúncia, o produto repele os insetos mas não os mata.

A defesa nega razão à denúncia, já que, de fato, livra o consumidor dos insetos. Em seu voto, o relator concorda que há exagero no filme. Por isso, recomendou a alteração, voto aceito por unanimidade.

Em ambos os casos, as denúncias dirigidas ao CONAR foram feitas por anunciantes concorrentes. No entanto, o órgão de defesa do consumidor (PROCON), com legitimidade conferida no art. 81 do CDC, tem a capacidade de adotar qualquer medida judicial para impedir a transmissão do anúncio enganoso e punir o responsável (no caso, o anunciante). Isso independe da denúncia de um consumidor real.[124]

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Sobre a autora
Luciana Gomes Bittencourt

Profissional graduada em Direito, com habilitação em Civil (UniCEUB, 2008) e pós-graduada em Contratos e Responsabilidade Civil (IDP, 2012). Advogada pela Seccional do DF (OAB/DF), atua em Direito Contratual (elaboração/análise/revisão de contratos diversos) e Direito do Consumidor.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BITTENCOURT, Luciana Gomes. Os limites jurídicos da publicidade nas relações de consumo brasileiras: as manipulações de desejo nas relações pré-contratuais consumeristas.. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3360, 12 set. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22585. Acesso em: 22 nov. 2024.

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