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Reflexões sobre a violência e a participação da sociedade nos novos rumos da segurança pública

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01/10/2001 às 00:00
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"Cada detento uma mãe, uma crença

Cada crime uma sentença

Cada sentença um motivo, uma história de lágrima, sangue, vidas e glórias

Abandono, miséria, ódio, sofrimento, desprezo, desilusão, ação do tempo

Misture bem essa química, pronto, fiz um novo detento"

(Diário de um Detento-Racionais MC’s)


Introdução

Ao iniciarmos este ensaio merece cabida o seguinte pensamento horaciano: Se desejais escrever, escolhei um assunto igual às vossas possibilidades.(1) O tema escolhido estará sempre além de nossas possibilidades quer pela complexidade, quer pela amplitude. Entretanto, ousamos uma tentativa de com este analisar a violência e suas formas de manifestação, com ênfase crítica à Segurança Pública e ao Direito Penal pátrio bem como a possibilidade de reação através da conscientização e formas de participação social em defesa do direito fundamental, de primeira geração, à segurança.


1. Violência

A paz é um direito e um dever de cumprimento obrigatório (Constituição Política da Colômbia). Exemplificamos com este princípio insculpido na Carta Política de um país assolado pela violência e pela guerra do narcotráfico a realidade de que uma Carta Política por si só não se legitima se o seu conteúdo não encontra meios de efetivação social. A não violência, por ora, no Brasil, assim como em outros países da América Latina, não passa de utopia, desprovida de significação. Um convite à sociedade e ao Estado a tornarem-na realidade.

1. 1. A violência doméstica...Essa violência invisível

A violência doméstica, gerada pela agressão entre familiares, pouco visível e que nem sempre chega ao Judiciário por questões de cunho psicológico, como medo das vítimas de sofrerem nova violência, caso denunciem o autor, por não considerarem grave a conduta lesiva, medo de prejudicar o autor por ser este membro da família e outras questões que não convém analisar aqui; esta violência resulta em formas de delinqüência oculta que embora aparentemente sejam de pouca danosidade social configuram uma determinante nos índices da violência urbana.

É aqui que encontramos a violência conjugal e contra a criança e o adolescente. O governo, está claro, deveria adotar medidas para promover a educação da comunidade no sentido de que a violência contra a mulher representa um comportamento criminoso e de que uma vez que o papel da mãe é primordial no desenvolvimento de uma criança ou adolescente, esta somente poderá transmitir uma educação equilibrada aos filhos se também viver em um ambiente livre de conflitos. Entretanto, levantamento da Sociedade Mundial de Vitimologia conclui que 23% das mulheres brasileiras estão sujeitas à violência doméstica.(2)

No período da adolescência, considerada por profissionais da área da saúde como um dos períodos mais importantes da vida, onde o adolescente forma convicções a respeito de sua identidade e encontra-se especialmente vulnerável e influenciável, nota-se que a agressividade juvenil nada mais é que uma resposta à desagregação familiar pela violência levando jovens a apresentar distúrbios afetivos e de conduta, depressão e uso de tóxicos, outros fatores de violência.

Neste sentido, entre os princípios fundamentais arrolados pelas Nações Unidas como princípios orientadores e preventivos da delinqüência juvenil temos : 1.A delinqüência juvenil é uma parte essencial da prevenção do crime na sociedade. Ao enveredarem por atividades lícitas e socialmente úteis e ao adotarem uma orientação humanista em relação à sociedade e à vida, os jovens podem desenvolver atitudes não criminógenas. 2. Uma prevenção bem sucedida da delinqüência juvenil requer esforços por parte de toda sociedade para assegurar o desenvolvimento harmonioso dos adolescentes, com respeito e promoção de sua personalidade, desde a mais tenra idade. (3) (negritei)

Segundo levantamento do Conselho Estadual dos Direitos da mulher (CEDIM), no Rio de Janeiro, a cada uma hora, há sete mulheres em situação de violência. Ainda, de acordo com levantamento da Sociedade Mundial de Vitimologia 41% dos homens que espancam suas parceiras também são violentos com as crianças da casa, das quais 1/3 tende a perpetuar a agressividade o que mostra a repetição dos modelos familiares.(4)

Matéria publicada em jornal porto-alegrense de grande circulação, em dois de julho do corrente (à onze dias do aniversário do ECA) enfocou a situação do menino Alexandre Pedroso que há sete anos atrás havia sido alvo de notícias por simbolizar o submundo infantil. Hoje, com vinte anos de idade, o adolescente foi encontrado nas seguintes condições: um tiro no fêmur direito o deixou coxo, um jato de gás de efeito moral quase o cegou e o vírus da Aids destrói os pulmões.(5)

As autoridades, há sete anos atrás (1º de maio de 1993), ao tomarem conhecimento dos doze meninos que buscavam os bueiros para dormir e saiam dos esgotos ao amanhecer, mandaram lacrar os bueiros e deter o líder da gangue e hoje se comemoram os dez anos do Estatuto com a sombria constatação de que dos dez meninos localizados três estão mortos, cinco permanecem nas ruas com passagens sistemáticas pela FEBEM (Fundação para o Bem Estar do Menor) e consumo de drogas e destes, dois estão infectados pelo vírus da Aids.

Estes Ninjas são apenas uma amostragem do que acontece nas ruas pois segundo a FASC (Fundação de Assistência Social e Comunitária), 325 outras crianças encontram-se em situação de rua hoje, somente em Porto Alegre.(6)

Pesquisa realizada pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura) e intitulada Mapa da violência: os jovens no Brasil conclui com um impressionante dado: embora a taxa de mortalidade no Brasil tenha caído de 633, em 100.000 habitantes em 1980 para 560 em 1996, a taxa de mortalidade entre jovens subiu de 128 para 140 no mesmo período, levando-se em consideração que a população jovem (15 a 24 anos) decresceu percentualmente, no conjunto da população de 21,1% para 19,8%. A violência relata a pesquisa, tem sido responsável pela morte de jovens, proporcionalmente 13 vezes mais que a Aids. "A realidade da violência criminosa que atinge os jovens brasileiros é tratada como um fenômeno social e não só como fruto da situação de um indivíduo."(7)

1. 2. A violência social ou a guerra civil social

Não há, por suposto, como analisar a violência social sem que se reconheça o importante papel da violência doméstica para o seu desenvolvimento e vice-versa; um arquétipo familiar violento, como analisamos, gera indivíduos com problemas de conduta e dificuldades de relacionamento com o meio, indivíduos que nas ruas serão violentos e, posteriormente, marginalizados, até que sejam segregados da sociedade para compor uma outra massa, a massa carcerária, de onde um dia regressarão, ainda mais miseráveis, doentes e restringidos em seus direitos. A miséria humana, sob todos os aspectos, avilta o homem que, socialmente, reage à falta de perspectivas com a própria violência.

De conformidade com o Relatório Azul, embora as condições sócio-econômicas não sejam um determinante para a violência, constata-se que em famílias empobrecidas e desagregadas, os fatores que influenciam para a explosão de situações violentas e para a prática da violência afloram com mais facilidade.(8)

Adentramos, portanto, a seara da violência social, ou seja, aquela que extrapola o meio familiar, chegando às ruas, resultado do empobrecimento e falta de perspectivas e agravada pela proximidade física entre as camadas sociais altas e baixas, pela explosão demográfica e modernização rápidas demais, somada à desintegração ética produzida pela ausência de um princípio básico regulador das tensões sociais.

Os números aqui tampouco traduzem a realidade pois há um diferencial entre a violência real e aquela que efetivamente chega ao conhecimento dos órgãos de controle, vítimas e testemunhas não confiam na Segurança Pública e sabem, por exemplo, que se delatarem os agressores não receberão qualquer tipo de proteção pela simples ausência de qualquer Programa de Proteção a Testemunhas efetivado, o que torna a Lei nº 9.807/99 letra morta. Ainda assim é alarmante pesquisa feita pelo Vox Populi que revela que das cinqüenta maiores cidades do país, a criminalidade é citada em quarenta delas como um dos maiores problemas. E, ainda, de acordo com o Ministério da Justiça, nas dez capitais, cinqüenta por cento das pessoas evitam sair à noite por medo da violência. (9)

Não se pode esquecer, tampouco, dos conflitos no meio rural, relacionados à questão da terra e com a pressão exercida pelo MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra) em prol da Reforma Agrária, intensificando de forma exacerbada a violência contra líderes e participantes do Movimento que de acordo com pesquisa realizada pela Human Rights Watch junto à Comissão Pastoral da Terra, no período de 1997 a 1998 aumentou de 736 para 1.100.(10)

Mas será que somente os fatores sociais são causas determinantes para esta exacerbação da agressividade familiar e urbana? Talvez culpar uma situação social, que atinge a todos e não é responsabilidade de ninguém, especificamente, livre nossas consciências de uma reflexão e problematização mais aprofundada sobre o tema.

Não se pretende, aqui, ignorar a condição ignóbil a que está reduzida grande parte de indivíduos da população que já perderam suas identidades para integrar uma horda de famintos de comida, saúde, cultura, lazer, etc. Pretende-se sim determinar qual a nossa participação, que propostas e ações podemos apresentar para combater a violência e a criminalidade cujas causas não podem ser tão simplesmente eliminadas.

1. 3. Os educadores: A família, a escola e... a Televisão

O modelo familiar modificou-se muito nos últimos anos com a quebra da autoridade dos pais e a tentativa de se criar uma relação que fuja aos padrões autoritários na educação dos filhos, ocorrendo que muitas vezes esta crise de autoridade redunda em uma perda de limites e confusão para os jovens, confusão esta que é levada para a escola.

A escola, por sua vez, de acordo com Aida Maria Monteiro Silva, reflete um modelo violento de convivência social onde professores violam os direitos dos alunos com o que intitula de violência simbólica; os mestres não aceitam opiniões divergentes dos alunos, impõem-se pelo temor que infundem e criam um ambiente de frustração e revolta. Dentro da escola a violência seria, possivelmente, a manifestação de uma forma de protesto escolar a este ambiente ou a forma como este serviço é prestado. De acordo com a pesquisadora, 90% dos jovens entrevistados em seu estudo afirmaram já terem sido vítimas de algum tipo de violência.(11)

A defesa dos direitos humanos, no Brasil tornou-se sinônimo de simpatia para com bandidos e não se reconhece o essencial papel da escola e acrescentaria ainda da universidade para o incentivo do estudo destes conteúdos e para a criação de uma cultura da paz. Lamentavelmente, cada vez mais a escola perde espaço para outro educador: a televisão.

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Os meios de comunicação, por seu turno, divulgam a violência urbana real, a violência das ruas, e também promovem a banalização da violência nas novelas, filmes e até desenhos animados de programas infantis, tornando-a comum e aceitável, algo com o que devemos nos conformar e conviver. Embora o enfoque seja de denúncia e repúdio é inescondível que algo tão recorrente e divulgado, naturalmente, acabe por compor um imaginário social de extrema violência.

É a cultura do terror, a instigação do pânico e a lobotomização coletivas; convencem-nos de que não há nada a fazer, de que nós cidadãos indefesos nada podemos. Em nome da preocupação com a violência crescente introjetamos a idéia de que apenas nosso papai o Estado pode nos socorrer, de que o ancién regime não era assim tão mau e que somente as Forças Armadas podem conter a atual situação geradora de instabilidade política.

É o ilusionismo que compramos de que no Brasil d’antanhos conquanto fossemos proibidos de pensar, tínhamos segurança. Assim completa-se o ciclo vicioso do delírio legiferante de nossos dias: a população alarmada pela onda de crimes, cobra do Estado providências - que responde editando novas leis penais cada vez mais ameaçadoras, mas que não evitam a prática criminosa- que divulgada de maneira sensacionalista renova o alarme social.(12)

O modelo de Estado paternalista a que nos acostumamos, neste contexto, figura como um pai cruel que abandona o filho à própria sorte, um inimigo visceral contra o qual nada mais se pode opor a não ser a violência. Nas palavras de Galeano: "O colonialismo visível te mutila sem disfarce: te proíbe de dizer, te proíbe de fazer, te proíbe de ser. O colonialismo invisível, por sua vez, te convence de que a servidão é um destino e a impotência a tua natureza: te convence de que não se pode dizer, não se pode fazer, não se pode ser."(13)

Sobre o papel dos meios de comunicação e o adolescente, a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo ressalta que As últimas décadas 80 e 90, sobretudo a de 90, são marcadas por uma avalanche de filmes, brinquedos, jogos computadorizados onde o que predomina é a luta, o combate, o poder. Os jovens de hoje, já com poucas expectativas de um futuro promissor, aprendem com seus ídolos, Stallone, Van Dame, Schaizwneger, entre outros, que a violência é um meio de conquista e as armas são um instrumento para isso.(14)

A reação a esta lavagem cerebral, repisamos, tem suas bases na educação que no Brasil encontra-se sucateada, pois para que possamos criticar e ultrapassar o filtro do estabelecido precisamos de informação e para tanto precisamos de educação de verdade, sem a qual tornamo-nos facilmente presas da pseudo-informação.


2. Criminalidade e Direito Penal

2.1. Criminalidade

Ao entrar-se no mérito destas questões não há como fugir ao campo da Política Criminal, pois se a violência precisa ser analisada comportamentalmente, dentro de um contexto sócio-cultural e psicológico, suas conseqüências, que muitas vezes invadem a esfera delitiva, não podem ser dissociadas deste campo.

Em que pese o pânico generalizado pelo sentimento de que a violência têm crescido de forma descontrolada, a ausência de registros estatísticos dos índices de violência e criminalidade ou a falta de correspondência entre os registros e a violência e criminalidade reais é impressionante pois uma conduta violenta nem sempre chega ao conhecimento das autoridades policiais, quando chega, uma parte é arquivada a pedido do Ministério Público, outro tanto absolvido pela ausência de provas e assim, os dados passam por um intenso filtro, refletindo uma visão distorcida da realidade.

Merece destaque, conquanto seja um tímido passo para avaliar a violência, o Projeto de Lei nº 526/95, reapresentado na atual legislatura e aprovado que dispõe sobre o registro estatístico dos índices de violência e criminalidade no Estado do Rio Grande do Sul que prevê a criação de bancos de dados, publicação trimestral no Diário Oficial do Estado de números relativos a ocorrências, Inquéritos, civis mortos em confrontos com policiais, etc. (15)

O Estado esgrima, constantemente, contra um inimigo extremamente perigoso e obscuro que acossa os cidadãos sem que se perceba, infiltra-se no campo doméstico para, depois, ganhar as ruas, opondo-se-lhe normas e mais normas de conduta que pouco ou nenhum efeito tem sobre uma situação de fato arraigada em nossa sociedade.

2.2. Direito Penal

Com base nestas constatações argumentam alguns pelo princípio da intervenção mínima preconizando que a criminalização de uma conduta só se legitima se constituir único meio e absolutamente necessário para proteção de determinado bem jurídico, limitando o poder incriminador do Estado que seria a ultima ratio após outras formas de controle social. Quais seriam estas outras formas de controle social ninguém é capaz de apontar uma vez que a aplicação de penas alternativas, por exemplo, revelou-se de pouco ou nenhum efeito já que a maioria dos estados não possui infra-estrutura necessária para supervisionar os trabalhos comunitários e cumprimento de outras penas alternativas(16).

O Direito penal brasileiro tornou-se um emaranhado de normas criadas conforme a orientação política e critérios pessoais dos legisladores que, ora estabelecem um apenamento mais severo, ora fazem jus as justificativas daqueles que denominavam o Direito Penal de Direito Penal dos Criminosos, protegendo de forma excessiva o réu e dificultando demasiadamente a apuração da autoria e materialidade.

Neste sentido a Lei dos Crimes Hediondos (Lei nº 8072, de 25 de julho de 1990) que previu o cumprimento da pena em regime integralmente fechado como forma de inibir a prática destes delitos, o que não ocorreu. Face a incapacidade de adequar a rigidez da referida lei ao sistema prisional, abundou jurisprudência no sentido da inconstitucionalidade da impossibilidade de progressão, tendo o Superior Tribunal de Justiça admitido a progressividade através de uma construção baseada na Lei da Tortura ( Lei nº 9.455, de sete de abril de 1997) que em seu art. 1º,§7º previu o início de cumprimento da pena em regime fechado. (negritei)

Neste diapasão a seguinte ementa:

STJ-RESP. 19.420-0-REL. VICENTE CERNICCHIARO-DJU DE 7.6.93, P.11.27-. "Crimes hediondos. Tráfico ilícito de entorpecentes. Regime fechado. A Constituição da República consagra o princípio da individualização da pena. Compreende três fases: cominação, aplicação e execução. Individualizar é ajustar a pena cominada, considerando os dados objetivos e subjetivos da infração penal, no momento da aplicação e da execução. Impossível, por isso, legislação ordinária impor (desconsiderando os dados objetivos e subjetivos) regime único inflexível"

Em campo diametralmente oposto, temos, entre outros inúmeros exemplos, a questão da suspensão condicional da pena (Decreto-Lei nº4.865, de 23 de outubro de 1942), cujo uso tornou-se a panacéia de todos os males, havendo julgados em que foram desconsideradas determinadas circunstâncias judiciais para que a pena não fosse colocada acima dos dois anos exigidos para a concessão do benefício sob o argumento de se evitar a superlotação nos presídios e promiscuidade do preso.

Neste sentido proclama a Jurisprudência:

TACRIM-SP-AC 684.693-REL. PASSOS DE FREITAS-Sursis-Preenchimento dos requisitos legais-Concessão-Necessidade-Gravidade do delito-Irrelevância-O sursis é um favor direito, constituindo-se numa medida profilática de saneamento, que visa evitar que criminosos primários e sem antecedentes sejam mantidos encarcerados, no meio de delinqüentes perigosos, de modo que reunidos, os requisitos legais, deve ser ele concedido, sendo irrelevante a gravidade do delito (negritei)

Acerca da suspensão condicional da pena conclui o mestre Paulo José da Costa Júnior que Razões de política criminal justificam o instituto. O que mais importa ao Estado não é punir, mas educar, ressocializar. O sursis é um crédito de confiança ao criminoso primário, estimulando-o a que não volte a delinquir. Ademais, é medida profilática de saneamento, evitando o convívio de criminosos irrecuperáveis.

Isto para não mencionar a suspensão condicional do processo e o advento da Lei nº 9.099 que banalizou os delitos de menor potencial ofensivo (lesão corporal leve, perigo para a vida ou a saúde de outrem, rixa, etc.). Com efeito, no que diz com a busca de um novo paradigma para a Justiça Criminal, baseado no consenso, conquanto pareça uma solução alternativa ao chamado modelo conflituoso punitivo, tornou-se um fator a mais de descrença na solução de conflitos através do Judiciário e não raro escutamos de clientes que foram vítimas ou autores dos chamados delitos de menor potencial ofensivo: -Isto não dá nada. A ideologia contida no consenso ainda é obscura para a população que sente-se desprotegida e sem instrumentos para combater a violência menor. Com este espírito retornam à vingança privada: espancamentos, linchamentos, ações de justiceiros, grupos de extermínio. É a Lei de Talião, estudada nas universidades como um passado longínquo do Direito.

Assim, em lugar de resolver a situação do sistema prisional, institutos penais são utilizados ao bel prazer, para evitar um mal se cometem cem outros, criam-se pequenas burlas, perfeitamente fundamentadas é claro. A solução não se encontra na reforma das legislações penal e processual penal, bem se vê e o dar efetividade a nossa Lei de Execuções Penais seria já um grande passo.

Com efeito, acerca de situações ilegais no cumprimento da pena, o último Relatório Azul (98/99) denuncia as diferenças de interpretação da Lei de Execuções Penais entre o juízo da vara de Execução Criminal de Porto Alegre e os vários juízos das comarcas do interior do Rio Grande do Sul, destacando as graves violações de Direitos Humanos ocorridas em 98 que teriam ensejado 168 investigações preliminares e 190 procedimentos de sindicância para apurar irregularidades no sistema penitenciário do Rio Grande do Sul.(17)

Tolerância zero bradam outros, que parecem estar a escarnecer da população a quem se sugere intolerância do sistema para com a violência, fruto deste mesmo sistema. Tolerância zero para com aquele menino maltrapilho e drogado que mata nas esquinas, este é um problema e deve ser eliminado do nosso Admirável mundo novo(18). De outra parte, no entanto, o responsável pela droga que lhe chegou às mãos, para este narcotraficante que lava dinheiro em negócios aparentemente legais, como casas noturnas que lhe rendem aparições glamourosas em colunas sociais de jornais de grande circulação devemos nosso muito obrigado por movimentar o mercado informal e desempenhar a função de distribuição de novos empregos para aqueles, lembra, aqueles que foram esquecidos pela máquina estatal, aqueles a quem devemos tolerância zero. Vale lembrar o dito de um camponês salvadorenho de que "La ley es como la serpiente. Sólo pica al que está descalzo".

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Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRAZ, Mirele Alves. Reflexões sobre a violência e a participação da sociedade nos novos rumos da segurança pública. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 51, 1 out. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2269. Acesso em: 20 nov. 2024.

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