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Financiamento de campanhas: novas perspectivas

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Os sistemas de financiamento de campanha sofrem constantes críticas, pois não existe uma fórmula apropriada. Seu aprimoramento na maioria das vezes advém dos escândalos que assolam as diversas sociedades.

Palavras-chave: Financiamento. Partidos Políticos. Campanha Eleitoral. Financiamento Público. Financiamento Privado. Financiamento Misto. Reforma Política.

Sumário: Introdução. Capítulo 1 – Os Partidos Políticos No Brasil. 1.1. Conceito. 1.2. Natureza jurídica e origem dos partidos. 1.3. Criação do partido político no Brasil. Capítulo 2 – Financiamento de Campanha. 1.1. Conceito. 1.2. Tipos. 1.2.1. Financiamento público. 1.2.2. Financiamento privado. 1.2.3. Financiamento misto. Capítulo 3 – Financiamento de campanha no Brasil. 3.1. Modelo atualmente adotado. 3.2. Reforma política e as novas perspectivas do financiamento. Conclusão. Referências. Anexo.


INTRODUÇÃO

A ideologia do sistema democrático, que pressupõe a participação da sociedade nas decisões coletivas, nasceu em Atenas, cidade-estado grega, onde os cidadãos, por meio da manifestação individual e direta sugeriam aquilo que sugeriam ser o melhor para a coletividade.

A evolução organizacional da política, com o passar do tempo, impossibilitou a continuidade deste modelo direto de democracia em razão de muitos fatores, dentre os quais o aumento de cidadãos, bem como a complexidade dos problemas estatais, o que culminou no surgimento da representação política, na qual o povo delega poderes a seus representantes, como se vislumbra no parágrafo único do art. 1º da Carta Constitucional.

Nas democracias contemporâneas esta representatividade firmou-se com evolução dos partidos políticos e no Brasil somente foi consolidada após a Constituinte.

O tema financiamento de campanhas eleitorais é largamente reconhecido como um dos mais relevantes do quadro político-institucional de um país. A importância deste tema se faz presente, dentre outros motivos, por se poder inferir, com boa assertividade, que a obtenção e o uso de recursos financeiros em uma campanha eleitoral, em qualquer que seja a modalidade de disputa eleitoral, pode provocar repercussões diretas no período pós-eleitoral e na gestão estatal.

Assim, parece evidente que os formatos adotados para o financiamento de campanhas remontam e realinham, em larga medida, as relações de subordinação e interesse que se estabelecem entre agentes públicos e agentes privados.

Os três modelos de financiamento mais conhecidos, quais sejam, público, privado e misto, consoante veremos neste estudo, mostraram-se, em sua essência, ineficazes para o combate a corrupção nas campanhas eleitorais.

Neste contexto, a reforma política como um todo, desponta como um tema de fundamental importância no cenário atual e o item “financiamento de campanha” porquanto integre o projeto de reforma mostra-se igualmente salutar, quer mantendo-se o atual modelo adotado no Brasil, quer modificando o mesmo, o fato é que resta imprescindível o seu estudo, razão deste trabalho, a fim de, quiçá, aprimorarmos nosso panorama político evoluindo assim em nossa democracia.


1.OS PARTIDOS POLÍTICOS NO BRASIL

1.1   Conceito

Conceituar é tarefa extremamente delicada – e árdua – posto corremos o risco de deixarmos de fora algum elemento essencial. Recorremos, pois, aos estudiosos do direito para tanto. Assim, a organização de determinadas pessoas, com ideologias semelhantes, em torno de um programa político, cuja finalidade seja a assunção e manutenção do poder ou, ao menos, capacidade de influenciar nas decisões governamentais é, a descrição daquilo a que chamamos de partido político.

Os Partidos Políticos são importantes instituições na formação da vontade popular, pois eles são o meio formal e organizado de desenvolvimento da ação política. Tais idéias acerca da conceituação de partidos políticos podem ser extraídas da definição de José Nepomuceno da Silva. Senão vejamos:

[...] uma organização de indivíduos que, em razão de determinada ideologia, inspiradas por idéias ou movidas por interesses comuns, buscam a tomada e a manutenção do poder sempre pelo uso de meios legais, buscando, sobretudo, a realização dos fins propugnados”. (SILVA, 2003, p. 44).

Complementando esta definição temos, ainda, o magistério de Djalma Pinto:

Os partidos políticos são associações de pessoas unidas por ideais comuns que buscam atingir o poder para conduzir os interesses da sociedade de acordo com certos princípios ou gerenciar o Estado segundo prioridades que julgam adequadas para determinado momento. (PINTO, 2008, p. 98)

A importância dessas agremiações na vida política brasileira adquiriu contornos significativos principalmente após a Carta Constitucional de 1988, pois foram fundamentais para o real funcionamento do regime representativo, uma vez que o texto constitucional conferiu a eles, segundo Djalma Pinto (2008) o monopólio da elegibilidade, pois, sem partido, nenhum cidadão pode se candidatar a cargo eletivo e, conseqüentemente, desempenhar as funções de regência política do Estado.

Coadunando com a mesma idéia de força dos partidos políticos Orides Mezzaroba (2008) nos ensina, que ao impor a obrigatoriedade de filiação para disputa de cargos eletivos nos passamos a adotar um dos princípios basilares que fundamenta a democracia representativa partidária, ou seja, a vontade estatal.

Absorvidas tais idéias que nos ajudam a conceituar os partidos políticos passemos à análise de outras questões relevantes relativas aos mesmos.

1.2. Natureza Jurídica e origem dos partidos

Djalma Pinto (2008) nos mostra que a discussão sobre a natureza da personalidade jurídica dos partidos políticos ocupou a doutrina por um bom tempo até ser solucionada pela Carta Constitucional que estabeleceu serem eles pessoas jurídicas de direito privado, conforme se infere da leitura do § 2º, art. 17:

Art. 17 [...]

§ 2º Os partidos políticos, após adquirirem personalidade jurídica, na forma da lei civil, registrarão seus estatutos no Tribunal Superior Eleitoral.

No mesmo sentido, estatui o art. 1º da Lei n° 9.096/95 - Lei dos Partidos Políticos:

Art. 1º O partido político, pessoa jurídica de direito privado, destina-se a assegurar, no interesse do regime democrático, a autenticidade do sistema representativo e a defender os direitos fundamentais definidos na Constituição Federal.

Temos, ainda, na mesma diretriz, o inciso V e o § 3º do art. 44 do Código Civil:

Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado:

V – os partidos políticos.

§ 3º Os partidos políticos serão organizados e funcionarão conforme disposto em lei especifica.

Podemos buscar o esboço das agremiações partidárias em Roma nas disputas entre o povo e a aristocracia. Entretanto, o atual perfil dessas instituições, consoante ensiná-nos Andrada citado por Silva (2003), tal como as conhecemos atualmente, começou a ser definido na Europa, mais precisamente na Inglaterra, nação precursora do constitucionalismo, e especialmente no governo liberal de Elizabeth I, onde duas grandes forças políticas disputaram o poder, cada uma defendendo suas idéias e classes: os Tories e os Whigs que posteriormente se tornaram os partidos Conservador e Trabalhista. (ANDRADA apud SILVA, 2003).

O país que mais influenciou, sem dúvida, na conscientização da importância dos partidos como sustentáculo da democracia foram os Estados Unidos. O primeiro partido esboçou-se no seio da Convenção da Filadélfia, responsável pela estruturação da base da união das antigas treze colônias, sob a denominação de Partido Democrático, mais tarde partido Republicano. Djalma Pinto, sobre o tema, nos revela uma curiosidade:

Os fundadores da democracia americana eram radicalmente contrários aos partidos políticos. George Washington, por exemplo, ao despedir-se do povo em sua celebre Mensagem de Adeus advertia serem ruinosos os efeitos decorrentes do espírito partidário. (PINTO, 2008, p. 99)

Este receio dos patriarcas americanos era baseado na idéia de partido como facção, divisão, o que não coadunava com os ideais de união que se incorporaram a estrutura ideológica americana.

1.2   – Breve evolução histórica no Brasil

 A fim de fazermos um pequeno esboço acerca da evolução histórica dos Partidos Políticos no Brasil, baseamo-nos na obra de José Nepomuceno Silva, o qual sintetiza o tema da forma a seguir exposta.

Verifica-se que os partidos políticos se desenvolveram de forma frágil em nosso país, se comparamos o quadro de evolução brasileiro ao norte-americano. Isto porque há dois partidos fortes que existem sem grandes mudanças, desde quando fundados, como inferimos alhures. Este não é o quadro vislumbrado do Brasil, em razão das contínuas rupturas de poder enfrentadas em nosso quadro político, havendo constante alternância dos grupos no poder.

Ao estudarmos o histórico dos Partidos Políticos percebemos que os períodos mais significativos abrangeram sete fases distintas, pela quais padecemos ao longo de nossa história e que contribuíram para o enfraquecimento da cultura partidária.

A primeira fase foi a monárquica, que teve início em 1837 com a formação de dois grandes partidos – o Conservador (Saquaremas) e o Liberal (Luzias) - que dominaram a vida política até o fim do Império. Convém observar que estas duas organizações eram absolutamente monarquistas, tendo somente uma visão diferenciada da utilização do poder, uma vez que seus integrantes eram da mesma casta social.

Na Primeira República, compreendida entre 1889 e 1930, tivemos uma reorganização partidária, já que a proclamação da República os dois partidos então existentes foram extintos e houve um lapso temporal até um civil ser empossado presidente. A estruturação partidária, no entanto, por uma característica bem brasileira, fortaleceu e expandiu-se regionalmente, uma vez que, como pondera o citado autor:

Os partidos políticos eram representação da coalizão de grupos municipais - geralmente dominados por clãs familiares-, nos quais, muitas vezes, se verificava a presença de grupos adversários nas localidades que disputavam o controle partidário. (SILVA, 2003, p.66)

Desta forma, foi frustrada a tentativa de organizar os partidos no nível nacional. Por causa dessa excessiva regionalização o executivo federal passou a depender de alianças políticas regionais com interesse individuais.

Percebemos que a história pouco mudou desde este período até o atual. Esta política regional, como nos ensina Silva (2003), era denominada política dos governadores ou das oligarquias, uma vez que o cenário nacional era dominado pelo Partido Republicano Paulista (PRP) e pelo Partido Republicano Mineiro (PRM), estes partidos faziam as alternâncias no poder favorecendo sempre as oligarquias agrárias de São Paulo (café) e Minas (leite,) o que culminou na chamada política “café-com-leite”, presente no país até ascensão de Getúlio Vargas.

Na Segunda República, período compreendido entre 1930 a 1937, houve uma terceira tentativa de formação partidária, na qual surgiram algumas inovações, como o Código Eleitoral e a criação da Justiça Eleitoral - que passou a ser responsável por todos os trabalhos eleitorais - a introdução do voto secreto, o que contribuiu para a diminuição das fraudes nas apurações - e do voto feminino, respondendo a um anseio da sociedade urbana em ascensão - o sistema de representação proporcional e, ainda, a primeira referência aos partidos políticos.

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Houve, também, o surgimento de organizações partidárias de cunho ideológico, como a Aliança Nacional Libertadora (ANL) e a Ação Integralista Brasileira (AIB). Isto ocorreu em razão de uma conjuntura internacional marcada pelas idéias liberais, em decadência, bem como as marxistas e fascistas em vertiginoso crescimento. Estes partidos conseguiram mobilizar as massas populares pela primeira vez para questões políticas, com passeatas e manifestações. Com isto podemos dizer que finalmente a sociedade começava a acordar para a importância de maior participação na vida política.

Na terceira República, também chamada de Estado Novo, inaugurada com o golpe de 1937, houve um rompimento com a trajetória que estava se delineando na sociedade. A imposição da Constituição fascista extinguiu os partidos, suspendeu as eleições, tudo na esteira do que acontecia no cenário internacional.

Temendo o isolacionismo político, em 1945, Getúlio Vargas implantou medidas que tiveram o condão de redemocratizar o cenário político como a anistia aos presos políticos, convocação de novas eleições, instituição de um novo Código Eleitoral que implantou novidades no processo eleitoral como a obrigatoriedade do partido no âmbito nacional, a candidatura partidária obrigatória, a obrigatoriedade registro dos partidos, abrindo assim caminho para o surgimento de uma leva de organizações partidárias. (BONAVIDES apud SILVA, 2003, p. 81)

E, novamente, quando havia condições para ser implementada uma cultura partidária pluralista, emergiu o golpe militar de 1964 inaugurando a quinta fase de conturbações políticas. Com o Ato Institucional n° 2 (AI – 2) houve a extinção dos partidos, e, logo em seguida, no mesmo ano, o Ato Complementar 04 impôs o bipartidarismo surgindo, a Arena, representando a situação e MDB, a oposição.

Ao longo daquela fase os militares, perceberam a necessidade de mudanças no sistema implantado, pois a oposição paulatinamente ganhava força política. E esta nova realidade levou à restauração dos direitos políticos, abrindo caminho para um novo período, no qual a reforma do quadro partidário, pela Lei 6.767/79, extinguiu o bipartidarismo e abriu espaço para novos partidos.

A última fase, que vigora até hoje, teve inicio com o movimento das Diretas Já e culminou com a convocação da Assembléia Nacional Constituinte, responsável pela elaboração de nossa atual Carta Constitucional. Esta, já no seu art. 1°, enuncia:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamento:

I-a soberania;

II–a cidadania;

III-a dignidade da pessoa humana;

IV- os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V-o pluralismo político

Parágrafo único.  Todo poder emana do povo, que exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. (grifo nosso)

Tal inscrição fixou no ordenamento o reconhecimento da alteridade e legitimidade da diversidade presente em nossa sociedade afastando, assim, os exclusivismos.

1.3   – Criação do partido político no Brasil

A Constituição Federal, no seu art. 17, dispõe sobre a criação dos partidos políticos, vejamos:

Art. 17 É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e observados os seguintes preceitos:

I-caráter nacional;

II-proibição de recebimento de recursos financeiros de entidade ou governo estrangeiros ou de subordinação a estes;

III-prestação de contas à Justiça Eleitoral;

IV-funcionamento parlamentar de acordo com a lei;

[...]

Ensina-nos Djlma Pinto que, além de submissão à Carta, para a existência do partido é necessário o registro do ato constitutivo, qual seja a ata de fundação, no cartório de Registro Civil de Pessoas Jurídicas, como mencionado no art. 8° da Lei 9096/95. Mas não basta só isto vez que só o registro por si só não autoriza o partido a participar do processo eleitoral, nem usufruir nenhum beneficio que são adquiridos apenas com o registro do estatuto no Tribunal Superior Eleitoral.

Para tanto, é preciso que a agremiação partidária tenha caráter nacional, o que no entendimento dos Tribunais significa abrangência geográfica dos partidos e não alcance programático, como advoga alguns autores, como Orides Mezzaroba (2006, p. 28) “[...] princípio que, como visto, não necessita de qualquer tipo de regulamentação por se tratar de compromisso programático que cada partido deveria assumir [...]”.

Para Marcos Ramayana (2008), o registro de um partido é de natureza complexa, vez que além de cumprir exigências legais enunciadas no art. 8°, § 2º da Lei n° 9096/95 e art. 9º, §2º da Resolução 19.406 do TSE, a agremiação partidária tem todo um roteiro para constituição de seus órgãos regionais e municipais, com o respectivo registro nos Tribunais Regionais, e somente após o registro dos regionais em pelo menos um terço dos Estados é que pode ser requerido do nacional.

A criação de um partido, adotando novamente as lições de Djalma Pinto (2008), é feita da seguinte forma; um número maior que 101 eleitores com domicílio eleitoral em pelo menos um terço dos Estados, subscreve em requerimento dirigido ao Cartório de Registro Cível das Pessoas Jurídicas, de Brasília, solicitando registro do partido político e indicando todos os dados necessários, bem como a sede do partido na capital federal.

Ensina, também, que a este pedido devem ser anexados alguns documentos, como cópia autenticada da ata de reunião de fundação, exemplares do Diário Oficial, relação de todos dos fundadores com dados completos. Feito o registro adquire-se personalidade jurídica de direito privado. Com a certidão do registro, passa-se à fase de adesão de eleitores, que deve corresponder a pelo menos, meio por cento dos votos dado na última eleição para a Câmara dos Deputados, distribuídos em um terço, ou mais, dos Estados, com no máximo de um décimo por cento do eleitorado (art. 7°, § 1° da Lei 9096/95).

Caso consigam obter este número mínimo, devem os dirigentes registrar o estatuto no Tribunal Superior Eleitoral, com a devida documentação como já listada. A importância deste registro esta descrita nas palavras de Jair Eduardo Santana:

O registro no Tribunal Superior Eleitoral permite ao partido atuar eleitoralmente, vindo a participar das eleições, receber recursos do fundo partidário e ter acesso gratuito ao rádio e à televisão para fins de propaganda partidária (art. 7°, § 2 º da Lei 9096/95). (SANTANA, 2006, p. 84).

Cumpridas todas as exigências legais e inexistindo diligências a serem realizadas, a Corte Superior, no prazo de 30 dias, registrará o estatuto partidário.


2 .FINANCIAMENTO DE CAMPANHA

 2.1 – Conceito

Do dicionário Aurélio extraímos, individualmente, os significados textuais de financiamento e de campanha. Assim, financiamento é a importância com que se financia alguma coisa; e campanha o conjunto de ações, de esforços, para atingir um fim determinado.

Assim, financiamento de campanha o seria a arrecadação de recursos, principalmente econômicos, com o objetivo de realizar campanha eleitoral, com vistas a alcançar algum cargo eletivo.

O estudo deste tema está delimitado às campanhas eleitorais, que se tornaram de suma importância para o processo democrático, devido à interferência, cada vez maior, do poder econômico na gestão dos recursos públicos do país.

A regulamentação do financiamento de campanha é, de certa forma, recente na maioria dos países. A exceção é a Inglaterra, como comentado por Denise G. S. Sobierajski (2004, p. 29): “Na Grã-Bretanha, já em 1863 encontra-se regulamentado o financiamento das eleições, o que ocorreu na maioria das democracias ocidentais, a partir da década de 70”.

Os três tipos de financiamentos existentes são aqui tratados, mas convém  esclarecer que não existe um sistema puro e que nenhum deles impede práticas fraudulentas, como o comezinho “caixa dois”, deveras relatado pela mídia, exemplos de escândalos que adiante serão citados, com o intuito de demonstrar e exemplificar, com pelo menos uma nação, o funcionamento de cada sistema.

2.2 – Tipos

2.2.1 – Financiamento exclusivamente público

O atual Presidente do Pretório Excelso, Ministro Gilmar Ferreira Mendes, leciona sobre o financiamento público assim dizendo:

Alguns sistemas admitem financiamento direto, pelo menos parcial, por parte do Estado ou modalidade de compensação pelos gastos de campanha eleitoral, efetivada mediante recursos públicos. (MENDES et al., 2008, p. 123)

Neste modelo, o uso do dinheiro público é aprovado pelo Senado e submetido à votação na Câmara ou órgãos equivalentes, dependendo do país, bem como a sanção presidencial. Na América Latina, o México é o país cujo sistema de financiamento eleitoral mais se aproxima desse modelo.

Nos países que utilizam tal sistema, observa-se que há subvenções diretas, consistentes em dinheiro ou alguma bonificação, e indiretas, por meio de facilidades em serviços, benefícios tributários, acesso aos meios de comunicação dentre outros.

O método de distribuição de recursos possui, normalmente, três formas, quais sejam: proporcional à força eleitoral de cada partido; combinação entre distribuição igualitária entre os partidos e a força eleitoral e, por fim, distribuição da proporcional à força eleitoral e à representação parlamentar. Outra questão que podemos observar neste sistema é a forma como acontece o reembolso do financiamento, prevalecendo em alguns lugares o gasto do montante depreendido pelo Estado em duas partes: uma antes e outra depois das eleições. Em outro, a forma é o pagamento somente após as eleições e por último temos os feitos antes das mesmas.

Este tipo de financiamento, exclusivamente público, tem como objetivo estabelecer condições mais igualitárias na campanha eleitoral e fixar uma maior transparência, uma vez que os candidatos terão os recursos para concorrer num valor previamente estabelecido o que proporcionara maior diafanidade na campanha suavizando assim os altos índices de corrupção.

A equidade tão propalada neste financiamento advém do nivelamento dos recursos repassados aos partidos, impossibilitando o repasse de recursos de maior intensidade a pessoas determinadas, ou seja, aos chamados “políticos puxadores de voto”.

Outra situação é a possibilidade de maior transparência nas operações financeiras dos partidos, suas despesas e receitas, uma vez que estas serão sujeitas a órgãos de controle e fiscalização do erário público.

O país que utiliza este sistema de forma quase pura é o México, onde o financiamento é generoso, chegando a 90% dos fundos dos partidos políticos. No entanto, isto não impede que ocorram irregularidades. Observa-se o escândalo amplamente divulgado, envolvendo a campanha presidencial de Vicente Fox, na qual os partidos receberam recursos ilegais para a campanha.

2.2.2 - Financiamento exclusivamente privado

O sistema que, em tese, permite exclusivamente o uso de dinheiro privado tem como vantagem a participação, por meio de doações, da sociedade no processo eleitoral, o que proporciona um enraizamento sadio dos partidos na vida social possibilitando, inclusive, o recrutamento de novos filiados, com a observação de que há limites impostos em relação à origem e montantes arrecadados, a fim de evitar o abuso e o desequilíbrio no cenário eleitoral.

O Brasil adota oficialmente o sistema de financiamento privado, uma vez que a legislação permite o financiamento individual das campanhas, no qual os próprios candidatos podem arrecadar e gastar os recursos.

O caso mais notório de corrupção que envolveu o tema de financiamento de campanha ocorreu com o empresário Paulo César Farias[1], acusado de coleta ilegal de fundos para campanha presidencial de Fernando Collor, fato que, quando descoberto, deflagrou o impeachment do aludido presidente. Logo após, houve o escândalo dos “Anões do Orçamento”[2], e no decorrer da década noventa, o da reeleição e outros, tendo como auge o esquema do Mensalão[3] no Congresso Nacional.

Outra nação que utiliza tal sistema é a Grã-Bretanha, onde a lei proíbe apenas que partidos e candidatos recebam dinheiro de estatais e de empresas estrangeiras. Atualmente os escândalos envolvendo financiamento de campanha dos partidos, principalmente o Partido Trabalhista, vêm sacudindo o país. No governo de Tony Blair os recursos estavam sendo trocados por cargos de honra para os financiadores da campanha de 2005, e mais recentemente no de Gordon Brown o que esta provocando mudanças no sistema.

Este sistema possui vantagens e desvantagens, temos como uns dos benefícios do financiamento privado o fato dele não onerar os cofres públicos, cujos recursos devem, à luz dos fins constitucionais de um Estado programático, ser investidos em ações para a sociedade. No entanto, este mesmo sistema, permite que se abra espaço ao domínio do poder econômico nas campanhas, com a ascensão de classes economicamente dominantes ao poder político, caso não seja delineado com regras que garantam um mínimo de isonomia no limite de arrecadação dos recursos para campanha.

2.2.3 – Financiamento misto

O sistema misto é aquele em que se admitem as doações de pessoas físicas, de sorte a reforçar a participação da sociedade na escolha das idéias partidárias que comunguem, bem como de recursos públicos, de acordo com a legislação de cada país.

 Este é o tipo de financiamento é o mais usado, sendo adotado nos Estados Unidos, com a peculiaridade de que em tal país o candidato escolhe qual espécie de financiamento irá optar antes de começar a campanha e, uma vez escolhido, não pode migrar para outro. Ademais, os anúncios feitos na televisão, ao contrário do que a legislação prevê no Brasil, são pagos pelo próprio candidato, sendo exemplo recente o feito por Barack Obama no dia 29 de outubro de 2008 em rede nacional e por trinta minutos[4]

As eleições americanas possuem ingredientes interessantes. Primeiramente, elas começam a ganhar corpo no terceiro trimestre do ano anterior ao eleitoral, apesar das eleições só ocorrerem em novembro. Os candidatos buscam os delegados nas eleições primárias, que ocorrem em janeiro, e também devem optar, desde então, pela forma de financiamento da campanha.

Os cargos de presidente, senador e deputado são federais, submetem-se a campanhas regidas por leis federais, as quais determinam como os candidatos podem adquirir recursos, de quem e quanto. As leis de financiamento para estes cargos são diferentes das utilizadas nas campanhas para governador, prefeito ou membro do legislativo estadual, o equivalente a vereador e deputado estadual no Brasil. (TELLES, 2009)

A campanha mais cara, sem dúvida, é a presidencial. Nas eleições deste ano, os gastos devem chegar à fabulosa quantia de U$ 2,4 bilhões de dólares, segundo estimativas do Center Responsive Politics[5], valor extremamente elevado, motivo pelo qual a forma com que os candidatos arrecadam e gastam tal dinheiro é altamente regulada.

A organização, como nos mostra Telles (2009), inicia-se com a indicação do candidato do comitê político, que deve ter um tesoureiro responsável pela contabilidade e obrigatoriamente deve ser registrado na Comissão Eleitoral Federal (FEC)[6], órgão que supervisiona e aplica as leis referentes ao financiamento de campanha. Além dos candidatos, podem registrar na FEC partidos políticos ou ainda um grupo de simpatizantes de determinado segmento, estes são os chamados Comitês de Apoio Político (PACs). Logo após o registro esses comitês podem iniciar a captação dos recursos, sendo que estes juntamente com as despesas possuem relatórios que são entregues de forma periódica na FEC inclusive sendo publicados no site para que haja monitoramento por parte da sociedade da campanha.

No sistema de financiamento americano, há diversos tipos de doações e limites e regras para que sejam feitas, como exemplifica a necessidade das doações a candidatos federais ou a comitês serem realizadas por indivíduos ou comitês devidamente registrados na FEC, como já abordado anteriormente. (TELLES, 2009)

Entretanto, não há limite para que os candidatos empreguem recursos próprios, estratégia utilizada em campanhas recentes por candidatos milionários e que ocasionou a edição de uma lei que prevê a compensação aos concorrentes deste tipo de político. (TELLES, 2009)

As proibições recaem sobre recursos provenientes diretamente de empresas ou sindicatos, embora tais entidades possam patrocinar os PACs[7]. As contribuições em dinheiro superiores a U$ 100 dólares para Comitês de Apoio são consideradas ilícitas, assim como a de estrangeiros. (EMBAIXADA)

Os limites de valores variam. Um exemplo são as doações individuais que não devem ultrapassar a U$ 2.000 para a campanha de um candidato federal, sendo o limite estabelecido “por eleição” e o eleitor deve obrigatoriamente declarar tal doação no imposto de renda. Um cidadão não pode doar mais de U$ 95 mil dolares a todos os candidatos federais e comitês num ciclo eleitoral de dois anos. Os PACs estão sujeitos ao limite de U$ 5.000 dólares de doações individuais por eleição para campanha de um candidato. (TELLES, 2009)

Além disso, há os gastos da campanha propriamente dita, como: auxiliares, escritórios, contratação de instituto de pesquisa, consultoria, anúncios de rádio e televisão, que consomem muitos recursos, pois é cediça a prática, da maioria dos candidatos, em veicular suas propostas no horário nobre. Somando a isto temos que os candidatos a presidências necessitam de todo este aparato em cada Estado, uma vez que o planejamento inicial é nas primárias estaduais, que estão acontecendo cada vez mais cedo, com grande concentração na chamada Super Terça que, nas correntes eleições presidenciais, ocorreu no dia cinco de fevereiro.  Essa antecipação do início da campanha vem obrigando os candidatos a demandarem quantias cada vez mais altas e mais cedo nas campanhas, o que aumenta o valor delas a cada eleição. (EMBAIXADA)

Na atual campanha, segundo números recentes citados pelo Jornal Folha Online[8], no mês de setembro o candidato republicano, John MacCain, arrecadou 230 milhões e gastou 194 milhões de dólares. Já o candidato democrata conseguiu 454 milhões, dos quais já gastou, até o momento, 377 milhões de dólares, conforme dados cedidos pela Comissão Federal Eleitoral (FEC), sendo oportuno citar que o então candidato Barack Obama rejeitou o financiamento público, no montante de 84 milhões de dólares, com a justificativa de evitar ou limitar a influência de interesses de grupos específicos na campanha.

Há ainda, no sistema de financiamento misto americano, um montante de recursos públicos, disponibilizados pelo governo, no total de 84 milhões de dólares, como mencionado acima, em valores atuais.

Conforme dados estatísticos, até as eleições de 2000 todos os candidatos presidenciais haviam recebido recursos em troca de não gastar mais do que o especificado. Porém esta forma de financiamento vem sofrendo reveses por seu limite ser considerado baixo atualmente em relação à dimensão da campanha. Há aproximadamente oito anos atrás, o atual presidente George W. Bush tornou-se o primeiro candidato a recusar o financiamento público. (EMBAIXADA)

Outro país que utiliza o financiamento misto é o Canadá, onde a lei permite contribuições das duas espécies para as campanhas, cabendo aos candidatos a responsabilidade pela administração financeira.

A Argentina também utiliza este financiamento havendo, no entanto, restrições quanto à doação por parte de candidatos e partidos na iniciativa privada, sendo que o governo contribui com serviços e recursos.

Outra nação que buscou este sistema com o intuito de minimizar a influência do poder econômico nas disputas eleitorais foi a França. No financiamento francês há um limite de gastos, segundo Olívia Raposo da Silva Telles:

Na França, na campanha presidencial e na campanha para o Parlamento europeu, o valor do teto é diretamente fixado em lei. [...]. Na eleição presidencial de 2007, o teto foi fixado em 15.481.000 euros para o primeiro turno e 20.679.000 para o segundo turno (Decreto n° 2007-140, de 1º de fevereiro de 2007). [...] (TELLES, 2009, p. 374)

E, ainda, sobre a importância do teto na legislação francesa continua a autora:

Na França, diferentemente do que ocorre no Brasil, onde o dever de respeitar o teto dos gastos não passa de letra morta, a obediência ao teto dos gastos constitui obrigação substancial, cuja inobservância leva à rejeição das contas de campanha e à perda do direito ao financiamento publico. (TELLES, 2009, p. 376)

Temos ainda, no sistema francês, segundo Soberajski (2004), o ressarcimento parcial, que não deve ultrapassar o montante das despesas previstas, sob pena de punição dos candidatos que violem as determinações legais, sendo obrigatórias as contas de campanha e a comprovação de receitas e despesas. Por fim, também são permitidas as doações privadas, que são regulamentadas e dedutíveis.

Temos a Alemanha como mais um exemplo de nação na qual há financiamento misto das campanhas, pois na legislação germânica visa-se proteger os partidos e candidatos da influência dos grandes empresários, ou melhor, financiadores.

Neste país o financiamento ocorre mediante reembolso de gastos eleitorais, que podem antecipar à campanha, por subsídio público e doações privadas. O reembolso funciona da forma citada por Caetano Ernesto P. de Araújo (2004, pg. 63): “O financiamento público ocorre mediante reembolso de gastos eleitorais, que pode ser antecipado em relação à campanha eleitoral seguinte, e por meio de subsídio público a contribuições e doações privadas”.

Ainda sobre o reembolso ensina-nos a referida autora que “[...] um sistema de restituição parcial de despesas efetuadas em campanha eleitoral e de adiantamento de restituições futuras financiado por verbas orçamentárias” (SOBIERAJSKI, 2004, p. 32).

Para receber este reembolso os partidos prestam contas minuciosas tanto de receitas quanto de despesas. O governo doa em média trinta e oito por cento dos recursos privados que chegam aos partidos uma vez que as doações e as mensalidades dos filiados, que representam trinta a cinqüenta por cento das receitas, são dedutíveis nos pagamentos dos impostos, e doações superiores a dez mil euros devem constar na prestação de conta dos partidos com a identificação dos doadores.

Existem, ainda, alguns setores que são proibidos de fazer doações, como podemos inferir das palavras da Denise G. S. Sobierajski:

Há vedações ao recebimento de contribuições por fundações políticas, associações de interesse público, associações profissionais, doações anônimas superiores a 1.000 marcos e doações oferecidas em evidente expectativa de vantagem política ou econômica. (SOBIERAJSKI, 2004, p.32)

Apesar deste rigor, a Alemanha sofreu um duro golpe envolvendo o nome do então Chanceler Helmut Kohl, em 1999, relacionado ao financiamento ilícito nas campanhas do partido CDU - União Democrata Cristã, que durante dezesseis anos governou o país. A fraude só foi descoberta devido à investigação de crimes relacionados à evasão fiscal e fraude, principalmente ligada à indústria armamentista, que levou a procuradoria daquele país até aos altos dirigentes partidários.[9]

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Sobre o autor
Henrique Viana Bandeira Moraes

Servidor público federal. Bacharel em Direito pela UNEB. Especialista em Ciências Criminais pela UFBA.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MORAES, Henrique Viana Bandeira. Financiamento de campanhas: novas perspectivas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3383, 5 out. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22760. Acesso em: 17 abr. 2024.

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