V.Conclusão
O estudo da relação entre lei e convenção coletiva no Direito do Trabalho português tem como pressuposto o concurso entre normas de hierarquia diferente, sua forma de solução e uma ligação com a prevalência do princípio da norma mais favorável ao trabalhador, independentemente do grau hierárquico das fontes em conflito.
Contudo, este paradigma se alterou a partir de 2003, com a mitigação do mencionado princípio. Em 2009, o Código do Trabalho apenas prevê que a lei necessariamente prevalece diante do instrumento de regulamentação coletiva caso haja disposição imperativa nesse sentido. Ainda, o instrumento de regulamentação coletiva apenas se sobressai diante da lei se dispor em sentido mais favorável aos trabalhadores sobre um determinado rol de matérias.
Diante de todo o estudo realizado, constata-se que há uma tendência, ao menos no que tange ao relacionamento entre lei e convenção coletiva no Direito do Trabalho, de se possibilitar que as partes determinem o conteúdo das relações pactuadas entre si, havendo a imperatividade da norma estatal apenas em poucos casos previstos expressamente na legislação.
Dessa forma, abre-se um espaço cada vez maior para que os conflitos suscitados em decorrência do concurso de fontes no direito laboral luso sejam solucionados pela aplicação de técnicas que não consideram a existência de uma desigualdade intrínseca em uma dada relação jurídica, como é o caso da técnica de normas de conflito e da chamada posição tradicional (interpretação e aplicação de normas).
Se o movimento de afastar o Direito do Trabalho de sua característica tutelar do empregado na relação de trabalho é positiva, com o objetivo de torná-lo menos rígido e facilitar a integração de trabalhadores no mercado de trabalho formal, apenas o tempo dirá. Contudo, uma breve análise recente sobre o nível de desemprego português recentemente demonstra que essa relação não é necessariamente interligada, dado que este vem crescendo desde 2002[37].
VI.Referências bibliográficas
ASCENSÃO, José de Oliveira. O Direito. Introdução e Teoria Geral. Coimbra: Almedina, 2003.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003.
MENEZES CORDEIRO, Antonio. Manual de Direito do Trabalho. Coimbra: Almedina, 1991.
MOURA, José Barros. A convenção colectiva entre as fontes de direito do trabalho. Coimbra: Almedina, 1984.
ORGANIZATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION. AND DEVELOPMENT. Sítio da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Apresenta dados relativos aos países-membros. Disponível em www.oecd.org. Disponível em 04 abr 2009.
PALMA RAMALHO, Maria Palma. Insegurança ou diminuição do emprego? A rigidez do sistema jurídico português em matéria de cessação do contrato de trabalho e de trabalho atípico. LTr: revista legislação do trabalho, São Paulo, v. 64, n. 08, p. 1017-1021 , agosto 2000.
PORTUGAL. Assembléia da República. Lei nº 7/2009. Código do Trabalho. Publicado em 12 fev. 2009. In: Diário da República, nº 30, p. 926-1029.
PORTUGAL. Assembléia da República. Lei Constitucional nº 1/ 2005. Constituição da República Portuguesa. 7ª revisão constitucional. Publicada em 12 ago. 2005. In: Diário da República, nº 155, I Série A, p. 4624-4686.
ROMANO MARTINEZ, Pedro et ali. Código do Trabalho Anotado (em co-autoria), 2.ª edição, reimpressão. Coimbra: Almedina, 2004
ROMANO MARTINEZ, Pedro. Direito do Trabalho. 3ª edição. Coimbra: Almedina, 2006.
Notas
[1] Artigo 1º
(Fontes imediatas)
2. Consideram-se leis todas as disposições genéricas provindas dos órgãos estaduais competentes; são normas corporativas as regras ditadas pelos organismos representativos das diferentes categorias morais, culturais, económicas ou profissionais, no domínio das suas atribuições, bem como os respectivos estatutos e regulamentos internos.
[2] ASCENSÃO, 2003, p. 268
[3] ASCENSÃO, 2003, p. 269
[4] ASCENSÃO, 2003, p. 270
[5] CANOTILHO, 2003, p. 346-347.
[6]Artigo 165.º
(Reserva relativa de competência legislativa)
1. É da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as seguintes matérias, salvo autorização ao Governo:
b) Direitos, liberdades e garantias;
[7] Artigo 165.º
(Reserva relativa de competência legislativa)
2. As leis de autorização legislativa devem definir o objecto, o sentido, a extensão e a duração da autorização, a qual pode ser prorrogada.
[8] Artigo 54.º
(Comissões de trabalhadores)
5. Constituem direitos das comissões de trabalhadores:
d) Participar na elaboração da legislação do trabalho e dos planos económico-sociais que contemplem o respectivo sector;
[9] Artigo 56.º
(Direitos das associações sindicais e contratação colectiva)
2. Constituem direitos das associações sindicais:
a) Participar na elaboração da legislação do trabalho;
[10] MOURA, 1984, p. 51.
[11] Lei nº 16 de 12 de setembro de 1979 – Lei das Comissões de trabalhadores.
[12] CANOTILHO, 2003, p. 420
[13] MOURA, 1984, p. 53.
[14] PINTO apud ROMANO MARTINEZ, 2006, p. 174
[15] Neste sentido, ver os acórdãos 218/89 (relator Conselheiro Martins da Fonseca) e 64/91 (relator Conselheiro Ribeiro Mendes) do Tribunal Constitucional de Portugal.
[16] MOURA, 1984, p. 62.
[17] MOURA, 1984, p. 73-79.
[18] MOURA, 1984, p. 81.
[19] MOURA, 1984, p. 83.
[20] MOURA, 1984, p.83-91.
[21] Artigo 2.º
Instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho
1 — Os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho podem ser negociais ou não negociais.
2 — Os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho negociais são a convenção colectiva, o acordo de adesão e a decisão arbitral em processo de arbitragem voluntária.
3 — As convenções colectivas podem ser:
a) Contrato colectivo, a convenção celebrada entre associação sindical e associação de empregadores;
b) Acordo colectivo, a convenção celebrada entre associação sindical e uma pluralidade de empregadores para diferentes empresas;
c) Acordo de empresa, a convenção celebrada entre associação sindical e um empregador para uma empresa ou estabelecimento.”
[22] Artigo 482.º
Concorrência entre instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho negociais
1 — Sempre que exista concorrência entre instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho negociais, são observados os seguintes critérios de preferência:
a) O acordo de empresa afasta a aplicação do acordo colectivo ou do contrato colectivo;
b) O acordo colectivo afasta a aplicação do contrato colectivo.
[23] Artigo 482.º
5 — Os critérios de preferência previstos no n.º 1 podem ser afastados por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho negocial, designadamente através de cláusula de articulação entre convenções colectivas de diferente nível, nomeadamente interconfederal, sectorial ou de empresa.
[24] Artigo 482.º
2 — Nos outros casos, os trabalhadores da empresa em relação aos quais se verifica a concorrência escolhem o instrumento aplicável, por maioria, no prazo de 30 dias a contar da entrada em vigor do instrumento de publicação mais recente, comunicando a escolha ao empregador
interessado e ao serviço com competência inspectiva do ministério responsável pela área laboral.
[25] Artigo 482º
3 — Na ausência de escolha pelos trabalhadores, é aplicável:
a) O instrumento de publicação mais recente;
b) Sendo os instrumentos em concorrência publicados na mesma data, o que regular a principal actividade da empresa.
[26] Artigo 514.º
Extensão de convenção colectiva ou decisão arbitral
1 — A convenção colectiva ou decisão arbitral em vigor pode ser aplicada, no todo ou em parte, por portaria de extensão a empregadores e a trabalhadores integrados no âmbito do sector de actividade e profissional definido naquele instrumento.
2 — A extensão é possível mediante ponderação de circunstâncias sociais e económicas que a justifiquem, nomeadamente a identidade ou semelhança económica e social das situações no âmbito da extensão e no do instrumento a que se refere.
[27] Artigo 517.º
Admissibilidade de portaria de condições de trabalho
1 — Quando circunstâncias sociais e económicas o justifiquem, não exista associação sindical ou de empregadores nem seja possível a portaria de extensão, pode ser emitida portaria de condições de trabalho.
2 — A portaria de condições de trabalho só pode ser emitida na falta de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho negocial.
[28] MENEZES CORDEIRO, 1991, p. 204
[29] MOURA, 1984, p. 148
[30] ROMANO MARTINEZ, 2006, p. 260
[31] PALMA RAMALHO, 2000, p. 1021
[32] MENEZES CORDEIRO, 1991, p. 218
[33] ASCENSÃO, 2003, p. 523
[34] MOURA, 1984, p.154
[35] MOURA, 1984, p. 149
[36] MOURA, 1984, p. 154
[37] De acordo com dados da OCDE, a taxa de desemprego em Portugal em 2002 era de 5,08%. Em 2008, a taxa foi de 7,75%.