3. Direitos humanos
A Constituição Federal de 1988 conferiu importância sobremaneira aos direitos fundamentais, como não era de se esperar modo diverso, haja vista o regime ditatorial que a precedeu. Flávia Piovesan (2002) faz suas considerações sobre o assunto:
A Carta de 1988 institucionaliza a instauração de um regime político democrático no Brasil. Introduz também indiscutível avanço na consolidação legislativa das garantias e direitos fundamentais e na proteção de setores vulneráveis da sociedade brasileira. A partir dela, os direitos humanos ganham relevo extraordinário, situando-se a Carta de 1988 como o documento mais abrangente e pormenorizado sobre os direitos humanos jamais adotado no Brasil.
É indubitável o grau de importância que a Carta Política vigente conferiu aos Direitos Fundamentais, os quais se passará a discorrer no presente estudo.
3.1 Histórico
Debruçando-se sobre os estudos dos direitos humanos vê-se que a sua consolidação do mundo jurídico é fruto de períodos históricos diversos que, perpassando por mudanças sociais, permitiram a sua maturação ao ponto que se tem nos dias atuais.
O cristianismo fora um marco histórico no que tange os direitos humanos:
O cristianismo marca impulso relevante para o acolhimento da idéia de uma dignidade única do homem, a ensejar uma proteção especial. O ensinamento de que o homem é criado à imagem e semelhança de Deus e a idéia de que Deus assumiu a condição humana para redimir-la imprimem à natureza humana alto valor intrínseco, que deve nortear a elaboração do próprio direito positivo. (MENDES, et al. 2009, p. 266).
Outro marco importante foram as idéias contratualistas dos pensadores Thomas Hobbes, John Locke e Jean Jacques Rousseau:
Nos séculos XVII e XVII, as teorias contratualistas vêm enfatizar a subordinação da autoridade política à primazia que se atribui ao indivíduo sobre o Estado. A defesa de que certos números de direitos preexistem ao próprio Estado, por resultarem da natureza humana, desvenda características cruciais do Estado, que lhe empresta legitimação – o Estado serve ao cidadãos, é instituição concatenada para lhes garantir os direitos básicos. (MENDES, et al. 2009, p. 266).
Estas idéias influenciaram sobremaneira a Revolução Francesa e a Independência Americana, por conseguinte as suas Declarações. (1789 e 1776).
Os diretos fundamentais alçam posição máxima no início da idade moderna, quando há a inversão da relação entre Estado e cidadão. O indivíduo passa a ter primeiro direitos perante o Estado e depois deveres. Competindo ao Estado o dever de bem cuidar de seus cidadãos.
Norberto Bobbio citado por Mendes e outros (2009, p. 266) ensina que os direitos humanos ganham destaque a partir do momento que os direitos do indivíduo ganham relevância frente aos direitos do soberano:
A afirmação dos direitos do homem deriva de uma radical inversão de perspectiva, característica da formação do Estado moderno, na representação da relação política, ou seja, na relação Estado/cidadão ou soberano/súdito: relação que é encarada, cada vez mais, do ponto de vista dos direitos dos cidadãos não mais súditos, e não do ponto de vista dos direitos do soberano, em concorrência com a visão individualista da sociedade [...] no início da idade moderna.
O conceito do contrato social firmado entre os individuais com o Estado, no qual cada cidadão abre mão de uma parcela de sua liberdade e “entrega-a” ao Estado, a fim de que este organize a vida em sociedade, trouxe a idéia de que o Estado estava subordinado ao povo e não o contrário.
3.2 Gerações dos Direitos Humanos
No decorrer dos tempos o modo como o Estado intervém na sociedade, quer seja no âmbito pessoal, social ou econômico, sofreu reiteradas mudanças, apresentando o Estado Absoluto, Liberal, Social, etc.
Os Direitos Humanos acompanharam essas mudanças e emergiram das necessidades sociais de cada época. Pedro Lenza (2009, p. 670), seguindo a melhor doutrina, discorre sobre tal classificação:
A doutrina, dentre vários critérios, costuma classificar os direitos fundamentais em gerações de direitos (lembrando a preferência da doutrina mais atual sobre a expressão “dimensões” dos direitos fundamentais), da seguinte forma:
Direitos Humanos de primeira geração: [...] (século XVII, XVIII XIX) [...]. Mencionados direitos dizem respeito às liberdades públicas e aos direitos políticos, ou seja, direitos civis e políticos a traduzirem o valor da liberdade.
Direitos Humanos de segunda geração: o momento histórico que os inspira e impulsiona é a Revolução Industrial [...] em decorrência das péssimas condições trabalhistas e normas de assistência social. [...]. Portanto, os direitos humanos ditos de segunda geração privilegiam os direitos sociais, culturais e econômicos, correspondendo aos direitos de igualdade.
Direitos Humanos de terceira geração: marcados pela alteração da sociedade, por profundas mudanças na comunidade internacional (sociedade de massa, crescente desenvolvimento tecnológico e científico), as relações econômico-sociais se alteram profundamente. Novos problemas e preocupações mundiais surgem, tais como a necessária noção de preservacionismo ambiental e as dificuldades para proteção dos consumidores, só para lembrar dois candentes temas. O ser humano é inserido em uma coletividade e passa a ter direitos de solidariedade.
Direitos Humanos de quarta geração: segundo orientação de Norberto Bobbio, referida geração de direitos decorreria dos avanços no campo da engenharia genética, ao colocarem em risco a própria existência humana, através da manipulação do patrimônio genético. (grifo do autor)
Os direitos de primeira geração são os de base da Revolução Francesa e Revolução Americana. Trata-se de uma abstenção do Estado, criando obrigações de não fazer, de não intervir na vida pessoal do indivíduo. Referem-se às liberdades individuais, tais quais: ir e vir, inviolabilidade de domicílio, liberdade de culto e de reunião, etc. São individuais e primam pela liberdade.
Os de segunda geração vieram em resposta às dificuldades sofrida pelos operários em decorrência da revolução industrial e às desigualdades existentes na sociedade. Tais problemas passaram a exigir do Estado uma atuação mais ativa em prol da justiça social.
A mera abstenção do Estado não satisfazia as exigências do momento. Surge então uma nova classe de direitos fundamentais. Direitos que não passam a exigir do Estado uma prestação positiva, ou seja, ações corretivas do Poder Público a fim de debelar as desigualdades sociais. São tidos como direitos sociais, dizem respeito à saúde, educação, assistência social, trabalho, lazer, etc. O princípio da igualdade ganha realce nesse contexto.
Por sua vez, os direitos de terceira geração têm em seu bojo a característica de titularidade difusa. São concebidos para proteção da coletividade. São os chamados direitos difusos ou coletivos, tutelam a paz, o desenvolvimento, o meio ambiente, o patrimônio histórico e cultural, etc.
Os novíssimos direitos de quarta geração preocupam-se com a globalização, com as constantes mudanças do mundo atual. Paulo Bonavides (2006, p. 571) traz uma conceituação que permite compreender o que vem a ser essa geração de direitos humanos:
Globalizar direito fundamentais equivale a universalizá-lo no campo institucional. Só assim aufere humanização e legitimidade um conceito que, doutro modo, qual vem acontecendo de último, poderá aparelhar unicamente a servidão do porvir [...]. São direitos de quarta geração o direito à democracia, o direito à informação e o direito ao pluralismo. Deles depende a concretização da sociedade aberta do futuro, em sua dimensão de máxima universalidade, para a qual parece o mundo inclinar-se no plano de todas as relações de convivência.
Como se vê, a evolução dos direitos humanos deu-se impulsionada para conjuntura social da época. Deve-se ter presente que ao falar de gerações de direitos, não significa que um direito fora suplantado por outro. Os direitos de gerações anteriores permanecem válidos juntamente com os das mais recentes.
3.3 Direitos Humanos e Direitos Fundamentais
Ao arrazoar sobre o assunto de Direitos Humanos, é de bom alvitre demonstrar a diferença entre esses e Direitos Fundamentais. Ingo Wolfgang Sarlet (2006, p.35/36) se posiciona de forma substancial sobre o assunto:;
Em que pese sejam ambos os termos (direitos humanos e direitos fundamentais) comumente utilizados como sinônimos, a explicação corriqueira e, diga-se de passagem, procedente para a distinção é de que o termo direitos fundamentais se aplica para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado, ao passo que a expressão direitos humanos guardaria relação com os documentos de Direito Internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional, e que, portanto, aspiram à validade universal, para todos os povos e tempos, de tal sorte que revelam um inequívoco caráter supranacional (grifou-se)
Canotilho (1998, p. 259) segue pela mesma linha, todavia ao revés do termo “Direito Humanos” prefere o termo “Direito do Homem”:
As expressões direitos do homem e direitos fundamentais são frequentemente utilizadas como sinônimas. Segundo a sua origem e significado poderíamos distingui-las da seguinte maneira: direitos do homem são direitos válidos para todos os povos e em todos os tempos; direitos fundamentais são os direitos do homem, jurídico-institucionalmente garantidos e limitados espacio-temporalmente. Os direitos do homem arrancariam da própria natureza humana e daí o seu caráter inviolável, intertemporal e universal; os direitos fundamentais seriam os direitos objetivamente vigentes numa ordem jurídica concreta.
Pelo mesmo norte, Luño (apud PEREIRA, 2006, p. 76):
O termo direitos humanos tem um alcance mais amplo, sendo empregado, de um modo geral, para fazer referência aos direitos do homem reconhecidos na esfera internacional, sendo também entendidos como exigências éticas que demandam positivação, ou seja, como um ‘conjunto de faculdades e instituições que, em cada momento histórico, concretizam as exigências da dignidade, da liberdade e da igualdade, as quais devem ser reconhecidas positivamente pelos ordenamentos jurídicos em nível nacional e internacional’ (grifo original).
Sarlet (2006, p. 40) aborda ainda a efetividade dos direitos fundamentais frente aos direitos humanos:
Além disso, importa considerar a relevante distinção quanto ao grau de efetiva aplicação e proteção das normas consagradoras dos direitos fundamentais (direito interno) e dos direitos humanos (Direito Internacional), sendo desnecessário aprofundar, aqui, a idéia de que os primeiros que – ao menos em regra – atingem (ou, pelo menos, estão em melhores condições para isto) o maior grau de efetivação, particularmente em face da existência de instâncias (especialmente as judiciárias) dotadas do poder de fazer respeitar e realizar estes direitos.
No mesmo sentido (MENDES et al., 2009, p. 279): “Esses direitos, porém, não são coincidentes no modo de proteção ou no grau de efetividade. As ordens internas possuem mecanismos de implementação mais célere e eficazes do que a ordem internacional”.
Pode-se considerar, portanto, direitos humanos como aqueles direitos que buscam a proteção da pessoa humana tanto em seu aspecto individual como em seu convívio social, em caráter universal, sem o reconhecimento de fronteiras políticas todas decorrentes de conquistas históricas e independentes de positivação em uma ordem específica.
Com relação ao termo direitos fundamentais, este apenas surge para a humanidade quando positivados por um ordenamento jurídico específico, geralmente garantidos em normas constitucionais frente a um Estado. (ANTUNES, 2005, p. 340).
Mendes e outros (2009, p. 278) destacam a comunicabilidade entre direitos humanos ou do homem e direitos fundamentais:
Essa distinção conceitual não significa que os direitos humanos e os direitos fundamentais estejam em esferas estanques, incomunicáveis entre si. Há uma integração recíproca entre eles. Os direitos humanos internacionais encontram, muitas vezes, matrizes nos direitos fundamentais consagrados pelos Estados e estes, de seu turno, no raro acolhem no seu catálogo de direitos fundamentais os direitos humanos. Proclamados em seus diplomas e em declarações internacionais. É de se ressaltar a importância da Declaração Universal de 1948 na inspiração de tantas constituições do pós-guerra.
Como bem arrazoam os autores citados os direitos humanos e fundamentais encontram-se concatenados, muitas vezes confundindo-se o seu conteúdo.
3.4 Conceito Formal e Material de Direitos Fundamentais
Em uma conclusão simplória poder-se-ia dizer que é direito fundamental todo aquele que a Constituição diz ser. Tal afirmação não se encontra errada, todavia, não exaure o conceito sobre direitos fundamentais. Na verdade ela traz a conceituação formal de direitos humanos.
É incontestável que todos os direitos elencados no Título II da CF (Constituição Federal) tragam consigo a característica de fundamentais. Todavia, é importante destacar que há outros espalhados para Carta Maior.
Por força do parágrafo 2º do artigo 5º da CF, o qual define que os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte, é imperioso reconhecer que existem direitos fundamentais implícitos e, até mesmo, fora do texto da Carta Magna.
Por essa interpretação a doutrina fala sobre direitos fundamentais no plano formal e no plano material, consoante leciona Pereira (2006, p. 77):
Do ponto de vista formal, direitos fundamentais são aqueles que a ordem constitucional qualifica expressamente como tais. Já do ponto de vista material, são direitos fundamentais aqueles direitos que ostentam maior importância, ou seja, os direitos que devem ser reconhecidos por qualquer Constituição legítima. Em outros termos, a fundamentalidade em sentido material está ligada à essencialidade do direito para implementação da dignidade humana. Essa noção é relevante pois, no plano constitucional, presta-se como critério para identificar direitos fundamentais fora do catálogo. (grifo do autor).
Os direitos fundamentais, em sentido material, são de turbulenta conceituação. Vieira de Andrade (apud MENDES et al 2009, p. 270) define que “o ponto característico que serviria para definir um direito como fundamental seria a intenção de explicitar o princípio da dignidade da pessoa humana. Nisso estaria a fundamentalidade material dos direitos humanos”.
Em sentido contrário, o ilustre professor português Canotilho (1998, p. 373) critica esse enlace entre o princípio da dignidade humana e os direitos humanos. Essa teoria segundo o mesmo:
expulsa do catálogo material dos direitos todo aquele que não tenha um radical subjetivo, isto é, não pressuponham a idéia-princípio da dignidade da pessoa humana. O resultado a que chega é exemplo típico de uma teoria de direitos fundamentais não constitucionamente adequada.
O professor de Coimbra se calca no fato da Constituição portuguesa, bem como a brasileira, consagrar como direitos fundamentais também os das pessoas coletivas. Como são os previstos nos incisos XX, XXV, XXVIII e XXIX do artigo 5ª da Constituição brasileira, direitos esses sem relação com o princípio da dignidade da pessoa humana.
Mendes e outros (2009, p. 271) se posicionam sobre o assunto analisando as teorias aventadas:
Não obstante a inevitável subjetividade envolvida nas tentativas de discernir a nota de fundamentalidade de um direito, e embora haja direitos formalmente incluídos na classe dos direitos fundamentais que não apresentam ligação direta e imediata com o princípio da dignidade da pessoa humana, é esse princípio que inspira os típicos direitos fundamentais, atendendo à exigência do respeito à vida, à liberdade, à integridade física e íntima de cada ser humano, ao postulado da igualdade em dignidade de todos os homens e à segurança. É o princípio da dignidade humana que demanda fórmulas de limitação do poder, prevenindo o arbítrio e a injustiça. (grifou-se)
Sartlet (2006, p. 109) vai mais além, entendendo que os direitos fundamentais são a concretização do valor da dignidade da pessoa humana.
O autor espanhol Pietro Sanchis (apud MENDES et al, 2009, p. 271) propõe uma conceituação objetiva aos direitos humanos, sem se afastar do princípio da dignidade da pessoa humana, apenas elencando outros ligados e este:
Historicamente os direitos humanos têm a ver com a vida, a dignidade, a liberdade, a igualdade e a participação política e, por conseguinte, somente estaremos em presença de um direito fundamental quando se possa razoavelmente sustentar que o direito ou instituição serve a alguma desses valores.
3.5 Direitos e Garantias Fundamentais
A Constituição Federal de 1988, no seu Título II, traz em epígrafe “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”. Em seu artigo 5º, trata de direitos e deveres individuais e coletivos, estes espécies daquele. Não obstante, referir-se de forma expressa apenas a direitos e deveres, em seu bojo também são encontradas garantias fundamentais.
O saudoso jurista Rui Barbosa (apud SILVA, 1992, p. 360), analisando a Constituição de 1891, distinguiu:
As disposições meramente declaratórias, que são as que imprimem exigência legal aos direito reconhecidos, e as disposições assecuratórias, que são as que, em defesa dos direitos, limitam o poder. Aquelas instituem os direitos, estas as garantias; ocorrendo não raro juntar-se, na mesma disposição constitucional, ou legal, a fixação da garantia com a declaração do direito.
Pedro Lenza (2009, p. 671) corrobora com o imediatamente apresentado: “Os direitos são bens e vantagens prescritos na norma constitucional, enquanto as garantias são os instrumentos através dos quais se assegura o exercício dos aludidos direitos (preventivamente) ou prontamente os repara, caso violados”.
3.6 Características dos Direitos Fundamentais
José Afonso Silva (2008, p. 181) confere aos Direito Fundamentais as seguintes características:
Historicidade: são históricos. Nasceram em épocas pretéritas, passaram por diversas revoluções e evoluíram até os dias de hoje.
Inalienabilidade: são intransferíveis, inegociáveis, indisponíveis. A ordem constitucional os confere a todos não sendo possível deles se desfazer.
Imprescritibilidade: nunca deixam de ser exigíveis, mesmo quando não exercidos. “Se não são sempre exercíveis e exercidos, não há intercorrência temporal de não exercício que fundamente a perda da exigibilidade pela prescrição”.
Irrenunciabilidade: direitos fundamentais não podem ser renunciáveis. Podem não ser exercidos, porém nunca poderão ser renunciados.
David Araujo e Serrano Nunes Júnior (apud LENZA, 2009, p. 672) apontam as características supraditas e mais as seguintes:
Universalidade: “destinam-se de modo indiscriminado a todos os seres humanos”.
Limitabilidade: os direitos fundamentais não possuem caráter absoluto, mas, sim, relativos. Não raras às vezes a ocorrência de conflitos entre eles, como por exemplo o direito de liberdade de expressão (artigo 5, inciso IX) versus o direito de preservação da intimidade (artigo 5º, inciso X).
Concorrência: podem ser exercidos cumulativamente.
3.7 Internacionalização dos direitos humanos
A preocupação internacional com direitos humanos fundada em diplomas internacionais é relativamente recente. Tendo como início algumas declarações, sem caráter vinculante, para posteriormente evoluir para tratados internacionais com o objetivo de obrigar os países signatários ao seu cumprimento.
Essa necessidade de proteção aos direitos humanos em âmbito internacional fez surgir um novo ramo do Direito: o Direito Internacional de Direitos Humanos, que como assevera Flávia Piovesan (1996, p. 430) “visa garantir o exercício da pessoa humana”.
3.7.1 Declaração Universal dos Direitos Humanos
O mais significativo marco em matéria de internacionalização dos direitos humanos fora a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), assinada em Paris, em 10 de dezembro de 1948, pois, conforme leciona Francisco Rezek (1996, p.223): “até a fundação das Nações Unidas, em 1945, não era seguro afirmar que houvesse, em Direito Internacional público, preocupação consciente e organizada sobre o tema de direitos humanos”.
A DUDH teve a sua motivação na Carta das Nações Unidas de 1944, que previa em seu art. 55 a necessidade dos Estados-Membros promoverem a proteção dos direitos humanos, e da composição por parte da Organização das Nações Unidas.
A Declaração Universal dos Direitos do Homem afirmou que o reconhecimento da dignidade humana inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo, bem como que o desprezo e o desrespeito pelos direitos da pessoa humana resultam que atos bárbaros que ultrajam a consciência da Humanidade e que o advento de um mundo em que as pessoas gozem de liberdade de palavra, de crença e de liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade tem sido a mais alta aspiração do homem comum. (MORAES, 2005 p.32)
A Declaração Universal dos Direitos Humanos fora formalizada por intermédio da resolução nº. 217A (III) da Assembléia Geral das Nações Unidas, contendo trinta artigos que consagram basicamente os seguintes princípios: dignidade da pessoa humana; igualdade; vedação a qualquer tipo de discriminação; direito à vida; direito à liberdade; à segurança pessoal; ao juiz natural; acesso ao Poder Judiciário; proibição da escravidão; proibição à tortura e a qualquer tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante; vedações de prisões arbitrárias; princípios da presunção de inocência, do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, da reserva lega; direito a inviolabilidade à honra, à imagem, à vida privada, direito à propriedade, à liberdade de pensamento, consciência, opinião, expressão e religião, direito de reunião, de associação e de sindicalização; direitos políticos; direito ao trabalho e a livre escolha de profissão, devidamente remunerado, entre outros direitos.
Os princípios assegurados pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, supramencionados, são hoje consagrados na Constituição Brasileira de 1988 na forma de direitos e garantias3.
Salutar destacar que apesar da importância, bem como o destaque dado, os dispositivos da DUDH não se constituem de obrigações jurídicas aos Estados signatários, como bem aponta Hidelbrando Accioly e Geraldo Eulálio do Nascimento e Silva (1996, p. 176):
Não obstante a ênfase dada ao reconhecimento dos direitos humanos, a Senhora Roosevelt4 reiterou a posição de seu país no sentido de que a Declaração não era um tratado ou acordo que criava obrigações legais. Aliás, a afirmativa era desnecessária. Conforme foi visto, não obstante a importância que algumas resoluções tenha tido, a doutrina é unânime ao afirmar que não são de implementação obrigatória.
Como bem lembra Moraes (2005, p. 34), a Declaração prevê somente normas de direito material, abstendo-se de estabelecer punições a quem as descumpra, bem como não estabelecendo nenhum órgão jurisdicional internacional com finalidade de garantir a eficácia da observação de seus princípios e direitos.
O Brasil assinou a Declaração Universal dos Direitos Humanos na data de sua proclamação, em 10 de dezembro de 1948.
3.7.2 Convenção Americana sobre Direitos Humanos
Assinada em 22 de novembro de 1969 na Costa Rica, em sua capital San Jose, denominada de Pacto de San Jose da Costa Rica. Foi ratificada pelo Brasil em 25 de setembro de 1992.
A Convenção, nas palavras de Alexandre de Moraes (2005, p. 36), busca reafirmar “o propósito dos Estados Americanos em consolidar no Continente, dentro do quadro das instituições democráticas, um regime de liberdade pessoal e de justiça social, fundado no respeito dos direitos humanos”.
O Pacto de San Jose da Costa Rica segue pelo mesmo viés que a Declaração Universal dos Direitos Humanos visando a proteção dos direito do homem, todavia, diferentemente desta, estabelece órgãos internacionais com a competência para conhecer e julgar o não cumprimento de suas normas por parte dos signatários. São esses órgãos: a Comissão Internacional de Diretos Humanos e a Corte Interamericana de Direitos Humanos.