4. TRATADOS INTERNACIONAIS
A atual conjuntura internacional globalizada faz com que as nações, de forma convencionada, criem normas de aplicação ultra-territorial. A estas normas dá-se o nome de Tratados Internacionais.
Entende-se por tratado o ato jurídico por meio do qual se manifesta o acordo de vontades entre duas ou mais pessoas jurídicas de Direito Internacional público, e destinado a produzir efeitos jurídicos.
A necessidade de disciplinar e regular o processo de formação dos tratados internacionais resultou na elaboração da Convenção de Havana, em 1929 e a Convenção de Viena em 1969, tendo por finalidade servir com a Lei dos Tratados.
4.1 Histórico
O tratado internacional celebrado entre nações, de natureza bilateral, remonta a época de 1280 a 1271 a. C., referindo-se à paz entre o Rei dos Hititas, Hattusil III, e o Faraó egípcio da XIX dinastia Ramsés II, tendo por objeto o fim das guerras nas terras sírias.
Valério de Oliveira Mazzuoli (2004, p. 36), em sua obra sobre Tratados Internacionais, descreve esse momento histórico:
O referido tratado dispôs sobre a paz entre os dois reinos, aliança contra inimigos comuns, comércio, migração e extradição. Pelo fato de registrar a história um longo período de paz e de efetiva cooperação entre os dois povos, parece ter sido o tratado fielmente cumprido. Parece ainda que as duas grandes civilizações teriam entrado em decadência sem que houvesse a quebra do referido tratado.
Historicamente, desde a antiguidade, as relações contratuais foram regidas pelos princípios consuetudinários do livre convencimento, da boa-fé dos contratantes e do pacta sunt servanda, regras que até hoje regem os Tratados Internacionais.
Entretanto, a partir de 1815, a sociedade internacional passou a ter uma nova roupagem, com o firmamento de vários tratados multilaterais, bem como com o aparecimento das organizações internacionais. Os tratados bilaterais, a partir do século XIX, passaram a ser definitivamente substituídos por um único ato multilateral. (RODAS, 1991, p. 07).
Em face dessas mudanças nas relações internacionais, urgia a necessidade da codificação de regras que regulasse a matéria. Principalmente em relação aos tratados, que cada vez mais vinham ganhando espaço no cenário internacional.
Assim, estava presente a necessidade de se criar uma codificação declaratória de Direito Internacional, onde se prevê tudo que fosse pertinente ao Direito dos Tratados, entendendo estes como o direito que “permeia todo conjunto do ordenamento jurídico internacional e sedimenta as bases da estrutura na qual operam as normas internacionais”. (MEDEIROS, 1995, p. 260).
Para a criação de tal codificação legal era necessário observar parâmetros internacionais que dizem respeito a todo mundo, em especial as regras das Nações Unidas, nesse sentido leciona Mazzuoli (2004, p. 37):
Para isso, entretanto, era necessário não perder de vista os princípio de Direito Internacional incorporados na Carta das Nações Unidas, tais como o princípio da igualdade de direitos, da livre determinação dos povos, da igualdade soberana e da independência do todos os Estados, da não-intervenção nos assuntos internos dos Estados, da proibição da ameaça ou uso da força, do respeito universal aos direitos humanos e às liberdades fundamentais de todos e da efetividade de tais direitos e liberdades, insculpidos no seu art. 1º, itens 1,2,3 e 4.
Todo código de leis que viesse a regular o Direito dos Tratados deveria estar em consonância com o apregoado pela Carta das Nações Unidas5.
4.1.1 Convenção de Viena
Da necessidade de um regramento internacional sobre o direito dos tratados fora celebrado na cidade de Viena na Áustria a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT), resultado de vinte anos de trabalho da Comissão de Direito Internacional (CDI) das Nações Unidas.
A Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, alcunhada de Lei dos Tratados ou Código dos Tratados, fora adotada em 23 de maio de 1929, contudo, começou a vigorar somente em 27 de janeiro de 1980, quando, a rigor de seu art. 84 atingiu o número mínimo de trinta e cinco Estados-parte.
A CVDT trata-se do documento de maior expressão na história do Direito Internacional público. Não se limitando apenas a tecer regras sobre gerais tratados concluídos entre Estados, indo mais além, tendo a preocupação de regular todo tipo de desenvolvimento progressivo daquelas matérias ainda não consolidadas (MAZZUOLI, 2004, p. 38).
Em linhas gerais pode-se dizer que a CVDT regula a forma de negociação das partes; quem é responsável pelas negociações; qual o gênero dos textos produzidos e como assegurar a sua autenticidade; como as partes manifestam a sua vontade de se submeter ao acordo; como entrará em vigor; quais os efeitos e a duração, alteração e término dos atos internacionais.
A Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados cria efeitos jurídicos mesmo para aqueles Estados que não são signatários, haja vista ser aceita como “‘declaração de Direito Internacional geral’, expressando direitos consuetudinários consubstanciados na prática reiterada dos Estados no que diz respeito à matéria nela contida”.
De acordo com Mazzuoli (2004), o Brasil assinou a Convenção de Viena na data de sua adoção, em 23 de maio de 1969, em 22 de abril de 1992 o Presidente da República encaminhou o texto da mesma à apreciação do Congresso Nacional. Contudo, apenas em 25 de outubro de 2009 fora ratificada, sendo promulgada pelo Decreto nº. 7.030, de 14 de dezembro do mesmo ano.
Em 21 de março de 1986 foi assinado o tratado denominado Convenção sobre o Direito dos Tratados entre Estados e Organizações Internacionais ou entre Organizações Internacionais. Como a Convenção de Viena versa somente com tratados entre Estados, essa nova vem para complementá-la, deixando claro que a competência de celebrar tratados internacionais não é mais exclusiva dos Estados.
Da mesma forma que a Convenção de Viena, a nova convenção sobre tratados, exige o número mínimo de trinta e cinco Estados-membros para entrar em vigor, número até então não atingido.
O Brasil assinou a Convenção em 21 de março de 1986, mas ainda não foi aprovado no Congresso Nacional e, por isso, não apresentou o instrumento de ratificação junto ao Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU).
4.1.2 Convenção de Havana
Anteriormente a ratificação por parte do Brasil da Convenção de Viena, as regras sobre tratados internacionais eram regidas pela Convenção de Havana sobre Tratados.
Tendo sido celebrada em 20 de fevereiro de 1928 por ocasião da Sexta Conferência Internacional Americana, realizada na cidade de Havana em Cuba, ratificada pelo Brasil no ano seguinte e promulgada pelo Decreto nº. 18.956/29.
A Convenção de Havana, ainda vige e aplica-se no que não contrariar os preceitos da Convenção de Viena, sendo restrita aos países signatários: Brasil, Equador, Haiti, Honduras, Nicarágua, Panamá, Peru e República Dominicana.
Seu prevê texto, contando com vinte e um artigos, serviu de supedâneo à Comissão de Direitos Humanos da ONU na elaboração da Convenção de Viena.
4.2 Conceito
A Convenção de Viena teve como preocupação preliminar definir precisamente o que vem a ser tratado internacional. Dessa forma, em seu artigo 2º, § 1º, a, conceituou estes como “um acordo internacional concluído por escrito entre Estados e regido pelo Direito Internacional, quer conste de um instrumento único, quer de dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja sua denominação específica”. (BRASIL, 2009)
Na definição de Henkin (1990 apud PIOVESAN, 1996, p. 80):
o termo ‘tratado’ é geralmente usado para se referir aos acordos obrigatórios celebrados entre sujeitos de Direito Internacional que são regulados pelo Direito Internacional. Além do termo ‘tratado’ outras denominações são usadas para se referir aos acordos internacionais. As mais comuns são Convenção, Pacto, Protocolo, Carta, Convênio, como também Tratado ou Acordo Internacional. Alguns termos são usados para denotar solenidade (por exemplo, Pacto ou Carta) ou a natureza suplementar do acordo (Protocolo)”.
Nas palavras de Beviláqua (apud MAZZUOLI, 2004, p. 40/41):
Tratado internacional é um ato jurídico, em dois ou mais Estado concordando sobre a criação, modificação ou extinção de algum direito [...]. Abrange todos os atos jurídicos bilatérias ou multilaterais do direito público internacional, que, realmente, podem ser designados pela denominação geral de tratados, mas que recebem, na prática e nos livros de doutrina, qualificação diversa.
O autor supracitado refere-se a tratados como um ato jurídico celebrado entre Estados, todavia, atualmente já se entende que a faculdade de celebrar tratados não mais se restringe aos Estados, mas, também às Organizações Internacionais.
Visando disciplinar a matéria fora celebrado um tratado em 21 de março de 1986 com a denominação de Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados entre Estados e Organizações Internacionais ou entre Organizações Internacionais, atualmente encontrando-se aguardando número mínimo de signatário para entrar em vigor, conforme já apontado alhures.
Assim sendo, a definição de Paul Reuter (apud MAZZUOLI, 2004, p. 40) apresenta-se como mais abrangente: “um tratado é uma manifestação de vontades concordantes, imputável a dois ou mais sujeitos de Direito Internacional, e destinada a produzir efeitos jurídicos de conformidade com as normas de Direito Internacional”.
4.3 Elementos essenciais
Da definição trazida pela Convenção de Viena extraem-se alguns elementos essenciais do conceito de tratado internacional, sendo eles, segundo Mazzuoli (2004): acordo internacional, celebrado por escrito, concluído entre estados, regido pelo Direito Internacional e celebrado em instrumento único ou em dois mais instrumentos.
4.3.1 Acordo internacional
Um princípio basilar do Direito Internacional é o livre consentimento das nações, por conseguinte, os tratados devem trazer em seu bojo somente o que for de comum acordo entre os entes signatários. Para Mazzuoli (2004, p. 42):
Os tratados internacionais se equiparam aos contratos do direito interno, onde, para conclusão, as partes contratantes estabelecem direitos e obrigações mútuas. Expressam, assim, a livre manifestação do consentimento de dois ou mais Estados, destinados a produzir efeitos jurídicos, sendo, portanto, um ato jurídico internacional. Estando faltando o animus contrahendi, ou seja, a vontade livre de contratar com vistas a criar obrigações mútuas para as partes, inexiste tratado internacional.
Os tratados internacionais como nos contratos do direito interno, faz-se indispensável a concordância das partes para que seus efeitos se aperfeiçoem.
4.3.2 Celebrado por escrito
A forma escrita é condição de validade. Diferentemente dos costumes que regem relações internacionais e são desprovidos de formalidade, calcando-se em acordos, aos tratados é imprescindível o documento de formalização.
4.3.3 Concluído entre Estados
Em se tratando de um ato jurídico internacional, os tratados só podem ser celebrados por quem tenha capacidade de assumir as obrigações neles constantes (MAZZUOLI, 2004, p. 43).
Como já trazido com o advento da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados entre Estados e Organizações Internacionais ou entre Organizações Internacionais a competência de celebrar tratados deixou de ser exclusiva dos Estados e passou a se admitir as organizações internacionais.
A única diferença é que a amplitude da capacidade de celebrar tratados das organizações internacionais não é a mesma da dos Estados, pois enquanto estes estão aptos a celebrar tratados de toda índole, aquelas só dsipõem de tal capacidade no que diz respeito à celelbração de tratados necessários à realização da missão a que se propuseram.
No tocante a competência dos Estados Federados em celebrar tratados internacionais têm-se duas situações: havendo a permição por parte da União Federal ou a sua negativa.
Como a Convenção de Viena traz expresso que compete somente aos Estados celebrarem tratados, juntamente com as Organizações Internacionais (Convenção de Viena de 1986). A União Federal autorizando os Estados federados a celebrarem tratados, ou não negando expressamente, deverá responsabilizar-se pelos compromissos assumidos em seu nome por eles. (MAZZUOLI, 2004, p. 44).
Em casos que a União veda expressamente os Estados federados a celebrarem tratados, somente ela poderá figurar como parte, mesmo que a proposta de celebração tenha partido de um dos Estados membro e que seja matéria de interesse do mesmo. (MAZZUOLI, 2004, p. 44)
O Professor Celso de D. Albuquerque Mello (2001, p. 202/203) diz ser perfeitamente possível a celebração de tratados internacionais pelos Estados federados, desde que haja a permissão no direito interno (Constituição), o que não é nada comum no cenário mundial.
Importante frisar que a Constituição brasileira reservou, de forma exclusiva, à União a competência de manter relações com Estados estrangeiros e participar de organizações internacionais (art. 21, I, CF).
4.3.4 Regido pelo Direito Internacional
As regras que irão reger os tratados internacionais necessariamente deverão ser as do Direito Internacional, do contrário não será considerado como tratado, mas sim como um simples acordo internacional. Assim leciona Mazzuoli (2004, p. 46):
Assim, se dois Estados fazem um acordo onde um deles se submete ao direito interno do outro, pelo fato deste compromisso não ser regido pelo direito intenacional, não será considerado como tratado, mas apenas como contrato internacional, posto que submetido ao direito das gentes6.
Como efeito, as regras de direito, necessariamente, devem ser as mesmas para todos os tratados celebrados, independente de quem forem os signatários.
4.6 Procedimento
A conclusão de um tratado demanda um complexo procedimento, compreendendo fases internacionais e fases internas.
A primeira fase se dá no plano internacional, onde as parte acordam o teor do tratado, ou seja, tem-se a celebração do tratado internacional (negociação, conclusão e a assinatura). Nos dizeres de Flávia Piovesan (1996, p. 77) “a assinatura do tratado, via de regra, indica tão somente que o tratado é autêntico e definitivo”.
Em relação ao Brasil, a Constituição Federal definiu que a competência para celebrar tratados é privativa do Chefe do Executivo Federal:
Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:
[...]
VIII - celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional;
A próxima fase opera-se no âmbito do direito interno dos Estados signatários. A Constituição Federal de 1988 define que os tratados internacionais celebrados pelo Presidente da República devem ser apreciados pelo Congresso Nacional.
Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:
I - resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional;
A decisão do Congresso Nacional é materializada através de decreto legislativo (artigo 59, VI, CF/88), o qual permite o Presidente ratificar a sua assinatura já depositada, ou seja, confirmar definitivamente, perante a ordem internacional, a sua obrigação com pacto firmado.
Por fim, para aperfeiçoar, o tratado celebrado tem-se a promulgação, por parte do Presidente, de decreto com o texto do tratado, a fim de que se incorpore ao ordenamento jurídico pátrio.
Pedro Lenza (2011, p. 551) leciona sobre a formação de tratados internacionais:
Primeiro ocorre a celebração do tratado, convenção ou ato internacional pelo Presidente da República (art 84, VIII), para, depois e internamente, o Parlamento decidir sobre a sua viabilidade, conveniência e oportunidade. Dessa feita, concordando o Congresso Nacional com a celebração do ato internacional, elabora-se o decreto legislativo, que é o instrumento adequado para referendar e aprovar a decisão do Chefe do Executivo, dando-se a este “carta branca” para ratificar a assinatura já depositada. [...]. A próxima etapa, portanto, com o objetivo de que o tratado se incorpore por definitivo ao ordenamento jurídico interno, é a fase em que o Presidente da República, mediante decreto, promulga o texto, publicado-o em português, em órgão de imprensa oficial. (grifo do autor).
Do processo interno de celebração de um tratado internacional vê-se expresso o sistema de Freios e Contrapesos (checks and balances), onde cada Poder fiscaliza os atos do outro.7