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Uma brevíssima análise acerca da mudança de rumo na jurisprudência pátria em relação à estabilidade das gestantes

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A empregada gestante tem direito à estabilidade provisória mesmo na hipótese de admissão mediante contrato por tempo determinado.

Até pouco tempo atrás, era entendimento jurisprudencial praticamente unânime o de que as gestantes contratadas por prazo determinado, ou que viessem a engravidar no curso dos pactos a termo, não teriam direito à garantia no emprego[1]. Não se aplicaria, portanto, nessas hipóteses, o comando previsto no art. 10, II, alínea “b”, do ADCT, segundo o qual fica vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto.

E o motivo parecia simples: quem celebra um contrato de emprego por prazo determinado já sabe, de antemão, quando esse contrato finalizar-se-á, sendo certo ainda que a dispensa da empregada gestante, nesses casos, não se configura como arbitrária ou sem justa causa. Essa realidade (ciência do contratado por prazo determinado), obviamente, não mudou, tendo sido, entretanto, paulatinamente olvidada por nossos tribunais, sobretudo na busca pela priorização do ser humano, materializado na mulher gestante e seu nascituro, já que a manutenção do emprego em benefício da mãe é elemento fundamental à subsistência de ambos.

O STF, inclusive, ao analisar a constitucionalidade do comando constitucional provisório acima indicado, já sinalizara entendimento que vai de encontro ao tradicionalmente aplicado pelo TST, independentemente, inclusive, do tipo de contrato celebrado com a gestante[2]. O legislador constituinte originário, ao conceder, nas disposições constitucionais provisórias, o direito estabilitário gestacional, não fez quaisquer distinções, de modo que o intérprete da lei também não poderia o fazer. O tratamento dado à matéria pelo STF é de ordem objetiva.

Ocorre que, paulatinamente, esse entendimento tradicional foi sendo superado, seja para se amoldar aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, do primado do trabalho, do valor social do trabalho e da função social da propriedade (e do empregador, por corolário) - ideais que regem nossa ordem jurídico-constitucional -, seja, principalmente, para passar, como já dito, a priorizar o nascituro e quem dele cuida em detrimento de outros valores de ordem puramente econômica[3]. Assim, desde 14 de setembro de 2012 o TST, através de seu Pleno, modificou o item III de sua Súmula 244 que, por sua vez, passou a contar com a seguinte redação: “A empregada gestante tem direito à estabilidade provisória prevista no art. 10, inciso II, alínea “b”, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, mesmo na hipótese de admissão mediante contrato por tempo determinado”[4].

Eis alguns dos principais argumentos utilizados pela jurisprudência atual a fim de sufragar o entendimento de que as gestantes contratados por tempo determinado têm direito à garantia de emprego:

a) A Constituição Federal vigente não impôs qualquer distinção em relação ao tipo de contrato de trabalho celebrado apto a afastar o direito à estabilidade, sendo esse direito de ordem objetiva, portanto;

b) A proteção à maternidade e ao nascituro é direito social fundamental, previsto constitucionalmente e de forma expressa (art. 6º, caput, da CF/88), e se sobrepõe ao direito do empregador de resilição do contrato, norma de ordem infraconstitucional;

c) Os contratos por prazo determinado, sejam os de prova (experiência), sejam de outro tipo, são modalidades contratuais restritivas de direito e, como tais, somente são oponíveis na permanência do mesmo estado de coisas do momento da contratação;

d) O contrato de experiência, por exemplo, é, em essência, um pacto laborativo por tempo indeterminado com uma cláusula de experiência, ou seja, vocacionado à vigência por tempo indeterminado quando celebrado de boa-fé;

e) Segundo a Lei de Introdução ao Código Civil, art. 5º, os fins sociais buscados pela lei devem atendidos pelo julgador;

f) Os riscos do negócio devem correr por contra do empregador (art. 2º da CLT) que, outrossim, deve conduzi-lo se pautando no princípio da função social da  empresa e;

g) Não se pode presumir que a empregada que engravida no curso do contrato o faça de forma proposital com o fito de se manter no emprego[5].

Por outro lado, a possibilidade de transformação dos contratos por prazo determinado em contratos por prazo indeterminado não é novidade em nossa ordem juslaboral (arts. 451 e 452 da CLT). Assim, inclusive, vem decidindo o órgão de cúpula trabalhista[6]

Pensamos que se o grande fundamento do direito estabilitário é a tutela “integral” da gestante e do nascituro, a estes deve ser dado um tratamento social pleno, com todas as benesses que esse tratamento pode oferecer, ou seja, com o recebimento, ao fim do pacto laborativo, de todos os direitos decorrentes de uma dispensa sem justa causa. Para que isso seja possível e consentâneo com a melhor técnica do direito se faz necessário seguir a linha de entendimento que enxerga a já referida transformação do contrato em por prazo indeterminado. Do contrário, ocorreria apenas uma extensão extraordinária de um contrato a termo - ocorrida em razão da concessão do direito à garantia no emprego - que findaria automaticamente quando do término do prazo inicialmente pactuado, sem, obviamente, computar-se, nesse prazo, o período de garantia no emprego. Nessa situação, não caberia falar-se em acerto rescisório pelo motivo “sem justa causa”.  

De toda forma, independentemente das consequências jurídicas que podem advir da concessão do direito estabilitário à gestante, não há dúvida de que a jurisprudência atual sobre a matéria ora enfocada avança e segue um caminho alicerçado em bases constitucionais e aparentemente sem volta, consentâneo com a própria natureza do Direito do Trabalho[7], muito embora não sejam poucas as tentativas legislativas de flexibilização e verdadeira diminuição dos direitos laborais, em contrariedade, inclusive, ao que prevê o Pacto de San Jose da Costa Rica[8], do qual é o Brasil signatário.


Bibliografia:

1. MAIOR, Jorge Luiz Souto. In: Curso de direito do trabalho: a relação de emprego, volume II – São Paulo: LTr, 2008.

2. DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho - 5ª Ed – São Paulo: LTr, 2006.

3. GALLEGO, Juan Guillermo Sánchez. Estabilidad laboral reforzada por maternidad. Disponível em: http://www.sanchezgallegoabogados.com/noticias/estabilidad-laboral-reforzada-por-maternidad.html. Acesso em 26 out, 2012, 10h00.

4. LOS DERECHOS DE LA TRABAJADORA EMBARAZADA EN LA LEGISLACION ARGENTINA. Disponível em: http://abogadoslaboralmdq.fullblog.com.ar/los-derechos-de-la-trabajadora-en-la-lct-abogados.html. Acesso em 26 out, 2012, 23h00.


Notas

[1] Segundo a boa doutrina, o uso do termo “garantia” no emprego se mostra mais apropriado em relação ao termo “estabilidade”. Enquanto a garantia no emprego consiste na existência de fato impeditivo de dispensa por determinado lapso temporal, a estabilidade, por sua vez, impede o despedimento do empregado pela vontade do empregador de forma definitiva.

[2] Em julgamento de Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº634.093/DF, com voto do Ministro Celso de Mello, atualmente decano da Corte, já decidira o STF que “as gestantes – quer se trate de servidoras públicas, quer se cuide de trabalhadoras, qualquer que seja o regime jurídico a elas aplicável, não importando se de caráter administrativo ou de natureza contratual (CLT), mesmo aquelas ocupantes de cargo em comissão ou exercentes de função de confiança ou, ainda, as contratadas por prazo determinado, inclusive na hipótese prevista no inciso IX do art. 37 da Constituição, ou admitidas a título precário – têm direito público subjetivo à estabilidade provisória, desde a confirmação do estado fisiológico de gravidez até cinco (5) meses após o parto (ADCT, art. 10, II, “b”), e, também, à licença-maternidade de 120 dias (CF, art. 7º, XVIII, c/c o art. 39, § 3º), sendo-lhes preservada, em consequência, nesse período, a integridade do vínculo jurídico que as une à Administração Pública ou ao empregador, sem prejuízo da integral percepção do estipêndio funcional ou da remuneração laboral”.

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[3] Outros ordenamentos jurídicos, como o da Colômbia, por exemplo, já vinham, desde antes, decidindo de forma mais ousada no sentido de que o direito à estabilidade “es una garantía que se consagra a favor de todas lãs trabajadoras sin importar la modalidad de contrato de trabajo”; já na Argentina a situação é semelhante àquela verificada até pouco tempo no Brasil, isto é, à gestante não assiste direito à indenização estabilitária quando contratada a prazo fixo ou de forma eventual (“... cuando el despido se produce em esse plazo, la trabjadora tiene derecho a uma indemnización especial equivalente a un año de remuneraciones (13 meses de sueldo), excepto que esta contratada a plazo fijo y el mismo vence, o em los contratos de trabajo eventual, ya que no se trata de despidos”).

[4] A redação original do item III da Súmula 244 do TST era a seguinte: “Não há direito da empregada gestante à estabilidade provisória na hipótese de admissão mediante contrato de experiência, visto que a extinção da relação de emprego, em face do término do prazo, não constitui dispensa arbitrária ou sem justa causa”.

[5] MAIOR, Jorge Luiz Souto. In: Curso de direito do trabalho: a relação de emprego, volume II – São Paulo: LTr, 2008.

[6] RR - 199-58.2011.5.04.0403 Data de Julgamento: 17/10/2012, Relatora Ministra: Dora Maria da Costa, 8ª Turma, Data de Publicação: DEJT 19/10/2012

[7]"RECURSO DE REVISTA. ESTABILIDADE DA GESTANTE. CONTRATO POR PRAZO DETERMINADO. NORMATIZAÇÃO ESPECIAL E PRIVILEGIADA À MATERNIDADE CONTIDA NA CONSTITUIÇÃO DE 1988. ARTS. 10, II, B, DO ADCT, 7º, XVIII, XXII, 194, 196, 197, 200, I, 227, CF/88. RESPEITO, FIXADO NA ORDEM CONSTITUCIONAL, À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, À PRÓPRIA VIDA, AO NASCITURO E À CRIANÇA (ART. 1º, III, E 5º, CAPUT, DA CF). Em princípio, a lógica dos contratos a termo não permite qualquer possibilidade de maior integração do trabalhador na empresa, além de já preestabelecer o final do próprio vínculo empregatício. Em face disso, em regra, o instituto da garantia de emprego é inábil a produzir, no contexto dos contratos a termo, a mesma extensão de efeitos que seguramente propicia na seara dos contratos indeterminados. Por outro ângulo, contudo, é certo dizer que a lógica dos contratos a termo é perversa e contra ela se contrapõe todo o Direito do Trabalho, já que esse ramo jurídico especializado busca aperfeiçoar as condições de pactuação da força de trabalho no mercado. Por essas razões, a legislação busca restringir ao máximo suas hipóteses de pactuação e de reiteração no contexto da dinâmica justrabalhista. Note-se que a CLT não prevê a situação da gravidez como situação excepcional a impedir a ruptura contratual no contrato a termo. Contudo o art. 10, II, do ADCT da Constituição, em sua alínea b, prevê a estabilidade provisória à –empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto-. Estipula, assim, a vedação à dispensa arbitrária ou sem justa causa. Ressalte-se que a maternidade recebe normatização especial e privilegiada pela Constituição de 1988, autorizando condutas e vantagens superiores ao padrão deferido ao homem - e mesmo à mulher que não esteja vivenciando a situação de gestação e recente parto. É o que resulta da leitura combinada de diversos dispositivos, como o art. 7º, XVIII (licença à gestante de 120 dias, com possibilidade de extensão do prazo, a teor da Lei 11.770/2008, regulamentada pelo Decreto 7.052/2009) e das inúmeras normas que buscam assegurar um padrão moral e educacional minimamente razoável à criança e ao adolescente (contidos no art. 227, CF/88, por exemplo). De par com isso, qualquer situação que envolva efetivas considerações e medidas de saúde pública (e o período de gestação e recente parto assim se caracterizam) permite tratamento normativo diferenciado, à luz de critério jurídico valorizado pela própria Constituição da República. Note-se, ilustrativamente, a esse respeito, o art. 196, que afirma ser a saúde - direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos...-; ou o art. 197, que qualifica como de -relevância pública as ações e serviços de saúde...-, além de outros dispositivos, como os artigos 194, 200, I, e 7º, XXII, CF/88. A estabilidade provisória advinda da licença maternidade decorre da proteção constitucional às trabalhadoras em geral e, em particular, às gestantes e aos nascituros. A proteção à maternidade e à criança advém do respeito, fixado na ordem constitucional, à dignidade da pessoa humana e à própria vida (art. 1º, III, e 5º, caput, da CF). E, por se tratar de direito constitucional fundamental, deve ser interpretado de forma a conferir-se, na prática, sua efetividade. Nesse sentido, correto o posicionamento adotado pelo TRT, que conferiu preponderância ao direito fundamental à dignidade da pessoa humana, previsto no art. 1º, III, da CF, e à estabilidade assegurada às gestantes, na forma do art. 10, II, b, do ADCT, em detrimento dos efeitos dos contratos a termo - especificamente em relação à garantia de emprego. Nessa linha, está realmente superada a interpretação exposta no item III da Súmula 244 do TST. Inclusive o Supremo Tribunal Federal possui diversas decisões - que envolvem servidoras públicas admitidas por contrato temporário de trabalho -, em que expõe de forma clara o posicionamento de garantir à gestante o direito à licença-maternidade e à estabilidade, independentemente do regime jurídico de trabalho. Sob esse enfoque, o STF prioriza as normas constitucionais de proteção à maternidade, lançando uma diretriz para interpretação das situações congêneres. Recurso de revista conhecido e desprovido." (RR-52500-65.2009.5.04.0010, 6ª Turma, Rel. Min. Mauricio Godinho Delgado, in DJ 16.3.2012).

[8] Convenção Americana sobre Direitos Humanos de 22 de novembro de 1969.

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Sobre os autores
George Falcão Coelho Paiva

Juiz Federal do Trabalho da 21ª Região.

Catarina Arnaud de Medeiros Falcão Paiva

Estudante do 5º período de Direito da FESP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PAIVA, George Falcão Coelho ; PAIVA, Catarina Arnaud Medeiros Falcão. Uma brevíssima análise acerca da mudança de rumo na jurisprudência pátria em relação à estabilidade das gestantes. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3411, 2 nov. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22936. Acesso em: 16 abr. 2024.

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