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Suplente de senador: peça de ficção política?

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01/11/2001 às 01:00
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3. Os Objetivos da Suplência

Em um de seus brilhantes votos o Ministro Marco Aurélio25, do Supremo Tribunal Federal, fez a seguinte citação "nada nasce sem causa, mas tudo surge por alguma razão e em virtude de uma necessidade , idéia básica do principio da razão suficiente e de seus derivados, expressa há mais de 2.500 anos pelos primeiros filósofos materialistas gregos".

No caso em questão – a da suplência de senador - qual seria a razão de existir do instituto da suplência de senador? Seria mera figura decorativa, como pretendem alguns? Seria apenas uma peça de ficção política? Apenas uma excrescência, como pensam outros? Qual seria a causa do § 3º do artigo 46 da Constituição Federal, que dispõe que "cada senador seria eleito com dois suplentes "?

Evidentemente não é o de apenas aumentar o volume da nossa Carta Magna. Em "O Suplente de Senador na República Brasileira", brilhante trabalho de lavra do jurista Pinto Ferreira26, está consignado:

"A suplência tem por objetivo manter a continuidade da representação dos partidos e dos Estados no Congresso, evitando as desvantagens de novo apelo ao eleitorado para o preenchimento dos lugares verificados no corpo legislativo por impedimento dos titulares ou vaga durante a legislatura....O objetivo da suplência é assim bastante claro e preciso, atendendo ao princípio da celeridade processual de continuidade da representação dos partidos e dos Estados nas casas legislativas".

O Ministro Octavio Gallotti27, na exposição de seu voto dado ao Recurso Extraordinário 128.518, (referendada também pelo Ministro Celso de Mello) fez aflorar o entendimento sobre o assunto, referindo-se àquele artigo e aclarando a vontade do legislador, dizendo:

"A essa norma certamente corresponde um objetivo mais elevado do que aquele que lhe atribui o parecer da douta Procuradoria Regional Eleitoral, ou seja, facilitar as alianças partidárias. Mais do que isso, visa objetivamente a reduzir a probabilidade da convocação de eleições intermediarias em caso da ocorrência de mais de uma vaga; e, quando se trate de afastamento temporário, melhor assegurar a efetiva paridade da representação, na Casa que precisamente se distingue pela igualdade da presença dos Estados".

Isso decorre do fato de que cabe ao Senado a função institucional de representar, no plano da Federação brasileira, os Estados-membros e o Distrito Federal; a natureza da eleição dos membros daquela Casa (princípio majoritário), não se confunde com a fórmula encontrada para as eleições da Câmara dos Deputados, que representa o povo e que é de natureza proporcional.

O Ministro Celso de Mello28 expôs:

"A formula constitucional do federalismo de equilíbrio, tradicional em nosso direito republicano (Manoel Gonçalves F. Filho, Curso de Direito Constitucional, p.167, item 217, 6ª ed., 1976, Saraiva), busca realizar, através do Senado Federal, a absoluta igualdade político-jurídica entre os Estados-membros e o Distrito Federal, que constituem pessoas estatais investida de igual representação no âmbito dessa Alta Câmara do Congresso Nacional. Daí, a norma inscrita no § 1º do art. 46. da vigente Carta Política, que outorga, a cada Estado-membro e ao Distrito Federal, três Senadores, com mandatos de oito anos, eleitos segundo o principio majoritário".

O federalismo de equilíbrio - designação dada por K. Franz - prevê a inalterabilidade numérica dos senadores na "Câmara Alta". São os suplentes de senadores que proporcionam estabilidade na igualdade numérica e político-jurídica entre os Estados, no caso de vaga ou afastamentos dos titulares dos mandatos de senador.

A vinculação partidária ainda é reforçada pelo Professor Themistocles Brandão Cavalcanti29, em seu livro "A Constituição Federal Comentada30", onde escreve:

"A constituição do Senado, embora ligada à representação igualitária dos Estados, não foge ao sistema de partidos que é, sem dúvida, uma peça essencial de todo o regime constitucional".

São os suplentes que proporcionam estabilidade na igualdade numérica e político-jurídica entre os Estados, no caso de vaga ou afastamentos dos titulares dos mandatos de senador.

A explicação31 para a suplência no direito estrangeiro é a mesma dada por outro especialista, Joseph Barthelemy, no livro L’organisation du suffrage et l’expérience belge, 705):

"O equilíbrio dos partidos no Parlamento é estabelecido no momento da eleição geral, segundo a sua força no país. Se um representante vem a desaparecer por um motivo qualquer, o equilíbrio se acha destruído em detrimento do partido a que ele pertence. Como se vai restabelecer o equilíbrio? Se se procede a uma eleição parcial, esta eleição será feita necessariamente no regime majoritário; o equilíbrio proporcional será então definitivamente destruído.

Não há senão um meio de manter para todos os partidos, durante o intervalo das eleições gerais, a mesma proporção da representação: é o de lhe permitir apresentar aos eleitores, cidadãos que seriam chamados a preencher automaticamente as vagas que venham a se produzir em sua representação. O Suplente aparece então como uma peça essencial do sistema proporcional".

No tocante ao sistema majoritário, Barthélemy aplica o mesmo raciocínio (L’organisation du suffrage, cit., p.706):

"Nas eleições isoladas, que se fazem segundo o escrutínio uninominal e majoritário, há suplentes (il y a des suppleants). A legislação de 1898 instituiu suplentes para os conselhos provinciais, que são eleitos no regime majoritário".

Por que? O próprio Barthelemy explica: "Há sempre, com efeito, pensamento constante entre os dirigentes da Bélgica, o de suprimir duas instituições que, ao seu ver, falseiam a representação nacional: os novos escrutínios e as eleições parciais ".

A existência dos suplentes minimizam as chances de ocorrerem novas e parciais eleições, as quais podem falsear a representação política do Estado na federação, pois que o momento da nova eleição será, evidentemente, diverso da eleição originaria, podendo como conseqüência produzir um resultado também diverso, e assim, falseando a representação partidária, preocupação esta de todos os doutrinadores.

Em "Questões de Direito Eleitoral", op. cit., pág. 224, Barbosa Lima Sobrinho assim manifestou-se: "O suplente partidário representa o prevalecimento do princípio majoritário na eleição mais importante, que é a do senador. O partido que venceu a eleição para senador conquista o direito de ter o suplente desse mesmo senador, como conseqüência da maioria obtida na eleição para senador. Sabe-se que não é grande o interesse pela escolha dos suplentes. A luta se trava em torno das candidaturas à senatoria e não em torno dos suplentes. O partido que venceu a eleição para senador tem o direito de indicar o suplente (caso dos senadores de 1945), ou lhe pertence o lugar de suplente (caso do senador de 1947), pela circunstância que é a mesma nos dois casos, de haver sido majoritário no pleito decisivo. Em vez de menosprezo pelo princípio majoritário, há como que uma reafirmação de sua influencia e de seu prestígio".

Poderíamos citar outros ensinamentos e esclarecimentos sobre a importância que a suplência de senador possui no direito eleitoral brasileiro, não se constituindo em um mero "apêndice", como julgam alguns. E provavelmente não esgotaremos a questão. Mas vejamos o que diz o Professor e Jurista alagoano Adriano Soares da Costa32, em suas "Brevíssimas Notas Sobre o Fato Jurídico do Registro de Candidatura33":

"Outra questão relevante diz respeito ao registro da chapa para cargos majoritários. Já estudamos que o regime de candidatura é o ato jurídico stricto sensu que faz nascer a elegibilidade. Agora, convém frisar que há candidaturas que apenas podem existir se feitas em conjunto, como se fossem uma única. E que a CF, no art. 77, § 2º, previu que a eleição do Presidente da Republica importará a do Vice-Presidente com ele registrado. Do mesmo modo, o candidato a senador deverá ser registrado com dois suplentes, mercê do disposto no seu art. 46, § 3º: cada senador será eleito com dois suplentes" .

"Enquanto para os cargos proporcionais a candidatura é unissubjetiva (embora em listas indicadas pela convenção), para os cargos majoritários há exigência de suplência constituída quando do pedido de registro, sem a qual não poderá ser ele deferido, vez que o voto dado pelo eleitor não será, sob a óptica jurídica, apenas para o candidato principal mas também para os que completam a chapa (art. 178. do CE)".

Tal é a importância do suplente que não se registra uma chapa ao Senado sem suplente! Não se registra nem mesmo a chapa na qual falte apenas um dos suplentes. Um depende do outro; estão ligados entre si.


4. Jurisprudência Envolvendo Suplência de Senador

"É juridicamente impossível o pedido de registro de chapa de candidatos ao Senado, contendo um único suplente". (Acórdão 11.517, de 11.09.1990)

"A chapa a ser registrada deve ser completa, havendo de conter dois candidatos a suplência". (Acórdão 15.419C, de 15.09.1998)

"Registro de candidato ao cargo de Senador. Indeferimento por não apresentação de documentos do indicado para a suplência. Partido que se recusa a apresentar substituto. Impossibilidade de o próprio candidato a Senador fazer a indicação". (Acórdão 1389, de 25.09.1998).

O candidato a suplente de senador está sujeito às mesmas condições de elegibilidade, inelegibilidade e desincompatibilizações dos candidatos a outros cargos. Não se pode ser candidato a suplente de senador e a deputado estadual, simultaneamente. Para se candidatar a suplente de senador, um prefeito tem de se desincompatibilizar do cargo. A jurisprudência é farta no assunto. Eis algumas:

"Inelegibilidade. Os casos de inelegibilidade previstos na Constituição são expressos ou implícitos. Requisitos para ser registrado e eleito suplente de senador. As condições de elegibilidade são as mesmas para senador e suplente de senador. Os casos de inelegibilidade são também os mesmos. O registro de ambos é concomitante e sujeito àsmesmas exigências legais. É inelegível para suplente de senador o Ministro de Estado que não tiver deixado definitivamente o exercício do cargo nos três meses anteriores ao pleito..." (Acórdão 3059, de 25.11.1959).

"Inelegibilidade. Prefeito candidato a suplente de senador. É inelegível para suplente de senador o prefeito que não tiver renunciado ao mandato até seis meses antes do pleito". Aplicação do disposto aos arts. 14, § 6º da CF e § 1º da Lei Complementar 64/90". (Acórdão 20068, de 16.12.1997)

"Desincompatibilização. Prazo. O Secretário de Estado, detentor de mandato legislativo estadual e candidato a suplência de senador deve desincompatibilizar-se no prazo de nove meses anteriores à data da eleição". (Acórdão 11162, de 09.02.1982).

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"É inelegível para suplente de senador o prefeito que não tiver renunciado ao mandato até seis meses antes do pleito". Aplicação do disposto aos arts. 14, § 6º da Constituição e § 1º da Lei Complementar nº 64/90. (Consulta nº 364 – Relator Ministro Nilson Naves).

Como se vê, o ordenamento jurídico-constitucional e jurisprudência brasileiros é claro e transparente com relação ao assunto. São regras "bastantes em si", como prefere Pontes de Miranda. Ou disposições auto-executaveis, segundo Rui Barbosa. Ocorre que muitas vezes o óbvio surpreende mais do que o inusitado! Falta, tão-somente, a instituição de mecanismos que aperfeiçoem e tornem mais transparente as eleições dos suplentes dos senadores, minimizando a possibilidade de candidaturas alienígenas ao processo eleitoral, tais como parentes (filhos, esposas, pais) de senadores ou empresários que literalmente compram a vaga de suplente de senador ao financiar a campanha do titular do mandato, como ocorreu com a chapa do próprio ex-senador Ernandes Amorim, em 94, segundo a revista "Veja", nº 29, de 22.07.94:

"Em torno da opção por entregar a suplência a financiadores, há historias variadas, mas nenhuma tão pitoresca quanto a do senador Ernandes Amorim, do PPB de Rondônia. Amorim é acusado pelos suplentes, Matusalém Gonçalves Fernandes e Ademario Serafim, de pedir dinheiro e apoio político prometendo que, em troca, os deixaria assumir o posto durante algum tempo. O que eles queriam fazer lá ninguém explica direito. Na denúncia que fazem, passada a eleição, Amorim teria esquecido a promessa. "O acordo era para que a gente assumisse, mas ele ganhou a eleição e nos deixou de lado. Não terá mais o meu apoio", protestou Serafim, hoje prefeito da cidade de Jaru".

Uma solução para dar transparência e moralizar a eleição dos suplentes foi apresentada pelo Senador Lucio Alcântara em seu voto em separado ao PLS 29/95. Disse o senador:

"Como alternativa, sugiro o oferecimento de projeto de lei que determine a inclusão do nome dos suplentes em todas as peças promocionais do candidato ao cargo titular, por ocasião da campanha eleitoral, como forma de tornar transparente a vinculação de sua eleição a do titular".

A obrigatoriedade da inclusão do nome dos suplentes nas peças promocionais dos candidatos titulares terá o mérito de informar aos eleitores a composição da chapa de senador, forçando os partidos a apresentarem nomes que tenham densidade eleitoral e política, proporcionando assim um salto qualitativo nas eleições. Acabando com as "capitanias hereditárias" ou "balcão de negócios" que se transformaram as vagas de suplência de senador. Quando o eleitor votar no candidato "x", saberá que estará também votando nos candidatos a suplentes "y" e "z". E poderá, caso não concorde com um dos nomes da chapa, alterar o seu voto – que é a expressão da sua decisão, da sua vontade - e escolher uma outra chapa que melhor lhe pareça ou convenha, exercendo plena e soberanamente o seu arbítrio, o seu direito de poder escolher livremente e com independência34

Portanto, o suplente de senador não é apenas uma peça de ficção política. É um candidato votado e eleito. Falta apenas transparência e publicidade na sua eleição, para que o eleitor saiba em quem esta votando. Suplente (do Latim Supplente) significa "que supre", "que ou pessoa que supre a falta de alguém", "substituto". Substituto (do Latim Substituto), quer dizer"que substitui", "indivíduo que substitui outro na sua ausência ou impedimento". Supre, originário do Latim Supplere, traduz em"preencher a falta de", "fazer as vezes de", "remediar", "inteirar", "prover").

Diz o velho e sábio ditado: "para bom entendedor, meia palavra basta". Muitas vezes o óbvio surpreende mais do que o inusitado!

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Sobre o autor
Milton Cordova Junior

Advogado, Mestrando em Estudos Jurídicos Avançados, pós-graduado em Direito Público, com Extensão em Defesa Nacional pela Escola Superior de Defesa, extensões em Direito Constitucional e Direito Constitucional Tributário. Empregado de empresa pública federal. Recebeu Voto de Aplauso do Senado Federal por relevantes contribuições à efetivação da cidadania e dos direitos políticos (acesso in http://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2007/09/26/ccj-aprova-voto-de-aplauso-ao-advogado-milton-cordova-junior). Idealizador do fundo de subsídios habitacional denominado FAR - Fundo de Arrendamento Residencial, que sustenta o Programa Minha Casa Minha Vida, implementado por meio da Medida Provisória 1.823/99, de 29.04.1999.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CORDOVA JUNIOR, Milton. Suplente de senador: peça de ficção política?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. -608, 1 nov. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2295. Acesso em: 22 nov. 2024.

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