Palavras Chave: Senado Federal. Processo Administrativo. Servidores. Cópia. Direito de Defesa. Ilegalidade. Inconstitucionalidade. Ato da Comissão Diretora nº 16/2005. Ato da Diretora Geral nº 1.428, de 2.012.
Resumo: O Senado Federal cobra pelo fornecimento de cópias de processos administrativos a seus servidores nele diretamente envolvidos e que precisem ter vistas de documentos e de manifestação. O artigo tenta demonstrar que tal cobrança é ilegal e inconstitucional.
Sumário: Introdução – Conteúdo do Direito de Defesa – Ilegalidade dos Atos Normativos Internos do Senado Federal que dispõem sobre as cópias - Inconstitucionalidade dos Atos Normativos Internos do Senado Federal que dispõem sobre as cópias – Conclusão
I - Introdução
Por meio do art. 8° do Ato da Comissão Diretora n° 16/2005[1] e do art. 1°, I, "c", do Ato da Diretora Geral n° 1428, de 2012[2], o Senado Federal permite a vista de Processos Administrativos de interesse dos seus servidores, mas não permite que tais documentos saiam em carga, inclusive para advogado, e condiciona o fornecimento de cópia ao seu devido pagamento.
II – Conteúdo do Direito de Defesa
Como se sabe, um dos exercícios fundamentais do exercício democrático é que o cidadão tenha suas petições apreciadas pelas autoridades competentes. Derivado deste direito, outro: que das decisões administrativas proferidas o cidadão possa dela recorrer.
A questão que se ora se coloca é que o direito de petição não implica apenas uma simples leitura de um documento, nem do processo de tomada de decisão. A tese é que um outro desdobramento do direito de petição – correlato também à ampla defesa – é que o cidadão tenha pleno acesso aos autos do processo administrativo, para a devida análise.
Essa afirmativa -pleno acesso aos autos pela parte interessada - parece não trazer nada de novo ou de estranho. Mas, na prática, o que realmente significa ter pleno acesso aos autos?
Observe-se que, na maioria dos Órgãos Administrativos, a vista dos processos administrativos são feitos dentro da própria repartição pública, sem qualquer conforto para que se possa, sequer, tomar nota dos pontos que se considera mais importante para os interesses da parte. É que, sob este aspecto, na prática, a Adminitração Pública entende que o direito à ampla defesa e ao contraditório refere-se pura e simplesmente ao olhar físico do interessado sobre as páginas dos autos.
Mas diferentemente do Poder Judiciário, os outros Poderes não possuem sistema de “carga” dos autos devidamente instituído e regulamentado, onde o advogado retira o processo fisicamente os autos do cartório e os leva ao seu escritório para sua análise, inobstante o disposto no art. 7º, XV, da Lei 8.906/94.
Especificamente, no Poder Legislativo – Senado Federal, se a parte, ou o advogado, desejar levar os autos consigo, o comum é que deverá tirar cópia do processo administrativo, arcando com os custos da reprografia. Principalmente no que diz respeito ao Servidor Público Federal. O estranho é que, obrigatoriamente, a reprografia é feita no próprio Órgão onde tramita o processo administrativo e o pagamento destas cópias é feito mediante pagamento de GRU ou DARF, em preço tabelado.
Ora, uma vez que o cidadão paga imposto para que o Órgão Administrativo lhe preste serviço e tem interesse pessoal no processo – pois deduziu pretensão por escrito a fim de que seja apreciada, questiona-se qual o motivo de impor ao cidadão o ônus de arcar com o custo do processo do qual é parte e tem interesse. Qual o motivo deste custo e quem deve custeá-lo? Menos importante, mas também merece resposta a seguinte pergunta: como se deve custear o processo administrativo?
Vê-se, pois, que em relação a tal tema há a necessidade de se encontrar alguma respostas urgentes, sob pena de se estar sonegando ou onerando o cidadão no exercício daquele direito que lhe é fundamental: o direito de petição.
III – Ilegalidade dos Atos Normativos Internos do Senado Federal que dispõem sobre as cópias
Em um primeiro momento, no que diz respeito ao Senado Federal, a cobrança de cópias padece de vícios insanáveis. O art. 8º do Ato da Comissão Diretora nº 16/2005 regulamenta a extração de cópias para terceiros interessados. O Servidor Público que peticiona para a defesa de seus direitos não pode ser considerado terceiro, mas sim diretamente interessado.
Em um segundo momento, o Ato da Diretora Geral 1428, de 2012, também possui um vício insanável. É que a cobrança de cópia reprográfica ali prevista é uma delegação de competência à Diretoria de Recursos Humanos. Como se sabe, somente se pode delegar o poder que se possui (art. 12, da Lei 9.784/99). Na presente hipótese, não vige, para o Senado Federal, qualquer lei que preveja a cobrança de referidas cópias.
O art. 2º, XI da Lei 9.784/99, não permite a cobrança de despesas processuais senão quando previstas em lei. E o art. 3º, I, da mesma lei, determina que a Administração Pública facilite o exercício de direitos por parte do cidadão.
Se não existe lei a respeito de cobrança de cópias de processos administrativos onde o Servidor é parte diretamente interessada, então a Diretora Geral não tem o poder de realizar tal cobrança, sob pena de inviabilizar o direito ao exercício de direito por parte do cidadão. E se a Diretora Geral não possui esse poder, não o pode delegar a Diretoria de Recursos Humanos, sendo nula, assim o Ato da Diretora Geral nº 1.428, de 2012.
IV – Inconstitucionalidade dos Atos Normativos Internos do Senado Federal que dispõem sobre as cópias
Além disso, defende-se a tese de que a cobrança de valores para cópias é inconstitucional. Não – ainda -, por ferirem o direito fundamental de petição, mas simplesmente porque vai de encontro com o disposto no art. 150, I da Constituição Federal.
Realmente, é vedada à Administração Pública exigir tributo sem lei que o estabeleça. Ora, a cobrança de valores para extração de cópias de processo administrativo do qual o cidadão é parte, é tributo. A extração de cópia pelo Senado Federal, na presente hipótese, possui natureza de custa processual. Realmente, segundo o Tribunal de Justiça do Estado de Roraima[3], “as custas judiciais correspondem ao preço ou a despesa inerente ao uso ou à prestação do serviço público de justiça e compreendem a taxa de justiça e os encargos”. Já para o Superior Tribunal de Justiça[4], “custas processuais são taxas judiciárias devidas pela prestação de serviços públicos de natureza forense”
O Supremo Tribunal Federal já decidiu que custas são taxas (vide ADI 1.444, Rel. Min. Sydney Sanches, julgamento em 12-2-2003, Plenário, DJ de 11-4-2003 e ADI 1.709, Rel. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 10-2-2000, Plenário, DJ de 31-3-2000), nos termos do art. 145, II da Constituição Federal.
E, no caso do Processo Administrativo relativo a Servidor Público, a extração de cópias é a utilização de serviço público específico e divisível prestado ao contribuinte, especificamente, possibilitar sua efetiva participação no processo de que é parte. Isso pelo simples motivo de que os autos do processo administrativo não saem em carga da repartição pública do Senado Federal, sendo necessário, para o amplo direito de defesa, que a parte tire cópia dos autos.
Ocorre que, sendo taxa, a cobrança de referidos valores devem seguir as normas tributárias de regência, inclusive aquelas previstas na Constituição Federal. No entanto, até o presente momento, não há lei que discipline tal cobrança. Observe-se que a Constituição demanda a existência de LEI, e não de Decreto, Portaria, Instrução Normativa ou outro ato normativo inferior. Portanto, inexistindo lei que regulamente a cobrança de valores de cópia em processo administrativo, o que existe é violação do princípio da legalidade estrita.
Em um primeiro momento há, assim, violação a um aspecto formal na cobrança, que a torna inconstitucional. Sobre o tema, a mais de cem anos Ruy Barbosa[5] já escrevia a respeito do absurdo de se cobrar impostos indevidamente:
“A feição característica de todo o povo livre é o direito de tributar a si mesmo; e nós andamos todo o dia a pagar impostos que não votamos, sem haver alma de Hampdem que levante a iniciativa da resistência popular, para dizer ao governo que a propriedade é tão sagrada perante o poder como perante o indivíduo, e que, assim, como não estamos dispostos a consentir que os salteadores invadam-nos a casa para nos esvasiar as gavetas, tambem não cruzaremos os braços quando os agentes da autoridade, sem previa sancção nossa, vierem subtrahir-nos o suor do nosso rosto.”
Mas não apenas isso. Mais grave do que o aspecto formal é o aspecto material da cobrança. Repita-se, mais uma vez, que os autos do processo administrativo não saem da repartição pública, ou seja, o interessado, para produzir sua defesa, necessariamente deve fazer cópia dos autos. Não podemos nos olvidar dessa premissa fática.
Sob este aspecto, o direito ao contraditório depende da “paridade de armas” entre as partes. A respeito, Nelson Nery Jr[6] leciona que:
“Como decorrência do princípio da paridade das partes, o contraditório significa dar as mesmas oportunidades para as partes (Chancengleicheit) e os mesmos instrumentos processuais (Waffenleichheit) para que possam fazer valer os seus direitos e pretensões, ajuizando ação, deduzindo resposta, requerendo e realizando provas, recorrendo das decisões judiciais, etc.”
O básico para que se possa ter oportunidades iguais é, no mínimo, ter acesso aos autos. Não se pode produzir qualquer meio de prova, de argumento sequer, se não se tem acesso adequado aos autos. Se este acesso aos autos é cobrado mediante a extração de cópias, então por óbvio as oportunidades não serão iguais.
Lembre-se que estamos tratando de processo administrativo, onde a outra parte é a Administração Pública, que tem a seu favor a posse direta sobre os autos, ou seja, o servidor responsável pela manifestação administrativa ficará com os originais do processo administrativo e a Administração não terá qualquer acréscimo no custo financeiro nesta manifestação. Por outro lado, o cidadão terá que tirar cópia do processo administrativo, repetindo o mesmo ato a cada novo documento produzido, a cada nova manifestação administrativa. A paridade, conforme se observa, não se verifica.
É a mesma lição que podemos obter de processualistas da Universidade de São Paulo,[7] que, ao lecionarem que é inválida a produção de provas sem a participação das partes, frisam o direito de incidir ativamente sobre o desenvolvimento e o resultado do processo:
“A garantia do contraditório não tem apenas como objetivo a defesa entendida em sentido negativo – como oposição ou resistência -, mas sim principuamente a defesa vista em sua dimensão positiva, como influência, ou seja, como direito de incidir ativamente sobre o desenvolvimento e o resultado do processo. É essa visão que coloca ação, defesa e contraditório como direitos a que sejam desenvolvidas todas as atividades necessárias à tutela dos próprios interesses ao longo de todo o processo, manifestando-se em uma série de posições de vantagem que se titularizam que no autor, que no réu.” (grifamos)
Não é por outra razão que Alexandre de Moraes, certamente inspirado nos ensinamentos de Canotilho, lembra que “o devido processo legal configura dupla proteção ao indivíduo, atuando tanto no âmbito material de proteção ao direito de liberdade, quanto no âmbito formal, ao assegurar-lhe paridade total de condições com o Estado-persecutor e plenitude de defesa (direito à defesa técnica, à publicidade do processo, à citação, de produção ampla de provas ...)”. Continua o referido Autor que são corolários do devido processo legal a ampla defesa e o contraditório. Por ampla defesa, com todos os meios e recursos inerentes, “entende-se o asseguramento ao réu de condições que lhe possibilitem trazer para o processo todos os elementos tendentes a esclarecer a verdade.” Já o contraditório é a própria exteriorização da ampla defesa, impondo a condução dialética do processo (par conditio), pois a todo ato produzido pela acusação, caberá igual direito à defesa de opor-se-lhe ou dar-lhe a versão que melhor lhe apresente, ou, ainda, de fornecer uma interpretação jurídica diversa daquela feita pelo autor.”[8]
Tal garantia constitucional (contraditório e ampla defesa) fica seriamente prejudicada se a paridade de armas não se verifica, principalmente em razão da imposição de um custo – cópias do processo – que a outra parte não possui, e sem qualquer previsão legal.
E tal fundamento é válido desde antes da Constituição Federal de 1988, conforme se observa da lição de José Cretella Júnior[9], quando aborda o princípio da ampla defesa:
“Meio assegurado a todos os particulares ou funcionários que se vêem envolvidos nas malhas do processo administrativo ou inquérito administrativo. O princípio da ampla defesa ou da plena defesa, que encontra acolhida no âmbito do direito administrativo, opõe-se ao princípio inquisitorial, em que é repelido o contraditório, impossibilitando-se ao acusado produzir provas ou carrear para o processo elementos que lhe provem a inocência. A defesa encontra sua base no direito natural e o princípio que ninguém pode ser condenado sem ser ouvido é que a informa. Não se concebe a possibilidade de uma repartição ou qualquer parcela da Administração Publica instaurar processo contra indivíduo que não possa defender-se. O princípio natural, agora enunciado, é assim expresso em latim: nemo inauditus damnari potest. A ação administrativa em que é cerceada a ampla defesa apresenta nulidade, que pode ser revista pelo Poder Judiciário.”
Mais um argumento. Se a imposição de um custo que onera apenas uma parte é feita sem a formalidade exigida pela Constituição (principio da legalidade), não se pode afirmar que ela tenha sido feita com observância do devido processo legal: com observação de qualquer ponderação de adequação, proporcionalidade, necessidade. E o que é devido processo legal em tais dimensões? CANOTILHO[10] explica:
“A leitura básica das Emendas relacionadas com o due process of law pode sintetizar-se da seguinte forma: processo devido em direito significa a obrigatoriedade da observância de um tipo de processo legalmente previsto antes de alguém ser privado da vida, da liberdade e da propriedade. Nestes termos, o processo devido é o processo previsto na lei para a aplicação de penas privativas da vida, da liberdade e da propriedade. Dito ainda por outras palavras: due process equivale ao processo justo definido por lei para se dizer o direito no momento jurisdicional de aplicação de sanções criminais particularmente graves.
Esta leitura básica abre a porta para uma outra ideia já atrás acentuada. É ela a do processo devido como processo justo de criação legal de normas jurídicas, designadamente das normas restritivas das liberdades dos cidadãos. Por outras palavras porventura mais expressivas: o due process of law pressupõe que o processo legamente previsto para aplicação de penas seja ele próprio um “processo devido” obedecendo aos trâmites procedimentais formalmente estabelecidos na constituição ou plasmados em regras regimentais das assembleias legislativas. Procedimentos justos e adequados moldam a actividade legiferante. Dizer o direito segundo um processo justo pressupõe que justo seja o procedimento de criação legal dos mesmos processos.
(…)
A teoria substantiva pretende justificar a ideia material de um processo justo, pois uma pessoa tem direito não apenas a um processo legal mas sobretudo a um processo legal, justo e adequado, quando se trate de legitimar o sacrifício da vida, liberdade, e propriedade dos particulares. Esta última teoria é, como salienta a doutrina norte-americana, uma value-oriented theory, pois o processo devido deve ser materialmente informado pelos princípios da justiça. Mais do que isso: o “processo devido” começa por ser um processo justo logo no momento da criação normativo-legislativa. Os objectivos da exigência do processo devido não poderiam ser conseguidos se o legislador pudesse livre e voluntariamente converter qualquer processo em processo equitativo. Esta a razão pela qual os autores passaram a reclamar a necessidade de critérios materiais informadores do processo devido expressa ou implicitamente revelados pelas normas da Constituição e pelos usos e procedimentos estabelecidos no direito comum ou disposições “estatutárias”. Passou, assim, a falar-se de processo devido substativo. O problema nuclear da exigência de um due process não estaria tanto- ou pelo menos não estaria exclusivamente – no procedimento legal mediante o qual alguém é declarado culpado e castigado (“privado da vida, da liberdade e da propriedade”) por haver violado a lei, mas sim no facto de a lei poder ela própria transportar a “injustiça” privando uma pessoa de direitos fundamentais. Às autoridades legiferantes deve ser vedado o direito de disporem arbitrariamente da vida, da liberdade e da propriedade das pessoas, isto é, sem razões materialmente fundadas para o fazerem. Radica aqui também um dos argumentos invocados para, posteriormente, se defender a judicial review of legislation. Os juízes, baseados em princípios constitucionais de justiça, poderiam e deveriam analisar os requisitos intrínsecos da lei. Mas um passo era dado para a evolução do direito devido. Este passará a ser constituído como protecção alargada de direitos fundamentais quer nas dimensões processuais quer nas dimensões substantivas.
A proteção alargada através da exigência de um processo equitativo significará também que o controlo dos tribunais relativamente ao carácter “justo”ou “equitativo” do processo se estenderá, segundo as condições particulares de cada caso, à dimensões materiais e processuais do processo no seu conjunto. O parâmetro e controlo será, sob o ponto de vista intrínseco, o catálogo dos direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagrados e dos direitos de natureza análoga constantes de leis ou de convenções internacionais (CRP, art. 16.º). Mas o controlo pautar-se-á ainda pela observância de outras dimensões processuais materialmente relevantes.” (sublinhamos)
Sendo garantia constitucional individual, a proteção do direito ao contraditório e da ampla defesa possui defesa expressa e imanente contra violações sejam legislativas, seja por parte de Autoridades Administrativas. A respeito, o Supremo Tribunal Federal já se pronunciou no sentido de que existe um núcleo essencial de proteção dos direitos e garantias fundamentais (limite do limite), sobre o qual o Min. Gilmar Mendes foi lapidar:
“De se ressaltar, porém, que, enquanto princípio expressamente consagrado na Constituição ou enquanto postulado constitucional imanente, o princípio da proteção do núcleo essencial destina-se a evitar o esvaziamento do conteúdo do direito fundamental decorrente de restrições descabidas, desmesuradas ou desproporcionais.”
“No âmbito da controvérsia sobre o núcleo essencial suscitam-se indagações expressas em dois modelos básicos:
(1) os adeptos da chamada teoria absoluta entendem o núcleo essencial dos direitos fundamentais como unidade substancial autônoma que, independentemente de qualquer situação concreta, estaria a salvo de eventual decisão legislativa. Essa concepção adota uma interpretação material, segundo a qual existe um espaço interior livre de qualquer intervenção estatal. Em outras palavras, haveria um espaço que seria insuscetível de limitação. Nesse caso, além da exigência de justificação, imprescindível em qualquer hipótese, ter-se-ia um “limite do limite” para a própria ação legislativa, consistente na identificação de um espaço insuscetível de regulação.”
“(2) Os sectários da chamada teoria relativa entendem que o núcleo essencial há de ser definido para cada caso, tendo em vista o objetivo perseguido pela norma de caráter restritivo. O núcleo essencial seria aferido mediante a utilização de um processo de ponderação entre meios e fins, com base no princípio da proporcionalidade. O núcleo essencial seria aquele mínimo insuscetível de restrição ou redução com base neste processo de ponderação. Segundo essa concepção, a proteção do núcleo essencial teria significado marcadamente declatório.”
(...)
“Por essa razão, propõe Hesse uma fórmula conciliadora, que reconhece no princípio da proporcionalidade uma proteção contra as limitações arbitrárias ou desarrazoadas (teoria relativa), mas também contra a lesão ao núcleo essencial dos direitos fundamentais. É que, observa Hesse, a proporcionalidade não há de ser interpretada em sentido meramente econômico, de adequação da medida limitadora ao fim perseguido, devendo também cuidar da harmonização dessa finalidade com o direito afetado pela medida.”
Partindo desta premissa, observamos a falta de razoabilidade na cobrança de cópias de processo administrativo relativo a Servidor Público ou qualquer outro cidadão. Poder-se-ia argumentar que, se assim não fosse, haveria um custo para a Administração Pública que não poderia ser subsidiado pelos valores arrecadados por impostos. Daí a necessidade da Taxa.
O argumento financeiro não se sustenta. A Administração Pública não sabe quantos acidentes haverão durante o ano, e nem por isso deixa de prover os Prontos Socorros com o material necessário. Esse custo é flutuante e é arcado mediante impostos. Não há razão para que a garantida constitucional relativa à defesa de direitos individuais dos Servidores e dos cidadãos não seja garantida por impostos.
Se o problema é de natureza política, ainda temos mais um argumento para sustentar a gratuidade da extração de cópias de processos administrativos. Quando se trata de garantia de direitos individuais, a tendência é que todos aceitemos a interpretação mais restritiva possível no que diz respeito a sua modulação ou relativização. Como a imposição de um ônus na fruição de um direito é uma relativização profunda, principalmente por ser unilateral e afetar o direito constitucional de defesa, acreditamos, na esteira de Habermas[11] e Peter Haberle[12], que a interpretação da Constituição em seu aspecto material que seja mais adequada ao padrão brasileiro de exercício de cidadania é aquele que não cobra o valor da cópia.
Neste sentido, decisão liminar proferida no processo Processo N° 0032986-07.2012.4.01.3400, que tramite perante a MM. Décima Sexta Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal:
“Da situação exposta, entendo evidenciado o fumus boni juris e o periculum in mora alegados pelo impetrante. Com efeito, a insurgência é baseada na negativa pela autoridade impetrada de fornecimento gratuito de cópias de processo administrativo do interesse do impetrante, o que, ao menos em linha de princípio, afronta o princípio da ampla defesa. Certamente que as normas administrativas constantes do art.8° do Ato da Comissão Diretora n° 16/2005 e art. 1°, I, "c", do Ato da Diretora Geral n° 1428, de 2012, não possuem força normativa suficientemente capaz de elidir a citada garantia constitucional. Criar empecilhos, como o estabelecimento de taxas, emolumentos ou outra modalidade de custas para o fornecimento de documentos funcionais do interesse do servidor pode se prestar à inviabilização da promoção da defesa de seus interesses. Não se trata, na espécie, de atendimento aos fins precípuos da instituição, mas de pedido de servidor dos quadros da instituição, para evidenciar direito que entende lhe pertencer. Assim, a instrução do pedido poderia se dar, até mesmo, por iniciativa do próprio serviço, o qual deve velar pela perfeita condução dos processos administrativos, o que compreende uma instrução suficientemente capaz de permitir a apreciação do pedido.
Num juízo provisório, próprio da apreciação de pedidos de medidas de urgência, entendo, pois, temerário (cerceamento de defesa) o indeferimento a pedido de fornecimento, gratuito, de cópia de processo administrativo a servidor público pela própria instituição a que serve e à qual incumbe a instrução do feito com os documentos cuja guarda detenha.
Vislumbrando a ocorrência dos pressupostos que autorizam a concessão de medida liminar, previstos no artigo 7º, incisos I e II, da Lei n. 12.016/2009, concedo-a, para os fins de determinar à autoridade coatora o fornecimento ao impetrante de cópias dos Processos Administrativos nn. 003162/12-5 e 016339/12-6, independentemente do pagamento das custas de que tratam o art. 8° do Ato da Comissão Diretora n° 16/2005 e art. 1°, I, "c", do Ato da Diretora Geral n° 1428, de 2012.”
V - Conclusão
Ante o exposto, concluímos que a Administração Púbica ao condicionar o acesso do cidadão ao processo administrativo de que é parte interessada ao pagamento de cópias, viola princípios constitucionais sensíveis, devendo tal prática ser objeto de pronta revisão e reparação.
Notas
[1]Art. 1º - Este Ato disciplina o fornecimento a terceiros de:
I - avulsos e de diários do Senado Federal e do Congresso Nacional;
II - cópias reprográficas de texto ou documento, bem assim do material disponível em meio
magnético, sob a gestão e a guarda do Senado Federal.
Parágrafo único - O disposto neste Ato não alcança os materiais gráficos e reprográficos
produzidos para uso da Administração Pública.
(…)
Art. 8º - A efetivação do fornecimento de avulsos, de diários do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ou de reprodução de texto ou documento, condiciona-se ao recolhimento
antecipado, mediante Guia de Recolhimento da União - MF, do valor correspondente, a favor do
Senado Federal.
Parágrafo único. Os responsáveis pelos postos de distribuição e reprodução e os titulares
dos órgãos responsáveis pela guarda de processos administrativos encaminharão à Secretaria de
Administração Financeira, até o dia cinco de cada mês, a prestação de contas das cópias
fornecidas no mês anterior. (grifamos).
[2]A DIRETORA-GERAL DO SENADO FEDERAL, no uso da competência que lhe confere o parágrafo único do art. 2º do Regulamento de Cargos e Funções do Senado Federal, e tendo em vista o Ato da Comissão Diretora nº 12, de 1.995, RESOLVE:
Art. 1º Delegar Competência:
I – ao titular da Secretaria de Recursos Humanos para:
(…)
c) autorizar o fornecimento de cópia dos documentos constantes dos assentamentos funcionais do servidor, bem como de processos administrativos de seu interesse, observando o recolhimento das custas;
[3]http://www.tjrr.jus.br/index.php/custas-processuais
[4]http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=1015#1
[5] Ruy Barbosa. Discurso pronunciado na Assembléia Popular em favor da eleição directa, no dia 2 de Agosto de 1874, no Theatro de S.João da capital da Bahia. in Discursos e Conferencias. Sem referência. p.13
[6] NERY JUINOR, N. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal 7ª ed. São Paulo: RT, 2002, pp. 152/153
[7] GRINOVER, A. P. et alli. As nulidades no processo penal. 6ª ed. 2ª tiragem. São Paulo: RT, 1998. p. 121
[8]Direito Constitucional, 6ª edição, Atlas, São Paulo-1999, p. 113.
[9] José Cretella Junior. Verbete Ampla Defesa In Enciclopédia Saraiva do Direito. Coordenação do Prof. R. Limongi França. Vol. 6: alcoolatria a antiguidade (direito administrativo). São Paulo: Saraiva, 1978. p. 355/356.
[10]CANOTILHO, op.cit. p. 461/462
[11]“Entre os autores modernos que debatem a teoria da justiça, Jürgen
Habermas edificou uma teoria dos direitos fundamentais com base no elemento
comunicativo. O autor alemão parte de uma constatação fática para alicerçar a
teoria que defende: o fato do pluralismo. O consenso ético resultante da
homogeneidade que existia nas sociedades pré-industriais não existe mais, de modo que as decisões públicas não podem ser justificadas com fundamento
nesse acordo global de natureza ética entre os cidadãos. Ao contrário: nas
sociedades contemporâneas, os indivíduos discordam veementemente sobre um
leque variado de assuntos. Nesse “mosaico cultural” que são as sociedades de
hoje, a legitimidade das normas jurídicas só pode ser extraída do processo de autolegislação levado a efeito pelos próprios cidadãos. Esta é a concepção
política de Habermas: primazia do processo democrático na construção de um
direito legítimo, porque não há mais como recorrer a verdades apriorísticas.” (Voto do Min. Marco Aurélio na ADPF 187/DF)
[12]HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional - a Sociedade Aberta dos Intérpretes da Constituição: Constituição para e Procedimental da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris editor, 1997.