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Da (in)constitucionalidade da pena mínima cominada ao crime de estupro

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CAPÍTULO III

APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE

3.1 DEMONSTRAÇÃO DA DESPROPORCIONALIDADE DA PENA MÍNIMA DO CRIME DE ESTUPRO

Desde a promulgação da Lei dos Crimes Hediondos (Lei 8072/90), a doutrina e a jurisprudência vêm se mostrando omissas no que tange a cominação da pena mínima prevista para o crime do antigo atentado violento ao pudor que, com a Lei 12015/09 recebeu a denominação de estupro.

Analisando ipsi litteris a nova redação do artigo 213 do Código Penal percebe - se claramente que ato libidinoso é todo aquele diverso da conjunção carnal que, como diria Fernando Capez, pode variar de um beijo lascivo até o coito anal (CAPEZ, 2010).

Essa interpretação leva a concluir que considerando o beijo lascivo ou um simples toque nas regiões pudendas como ato libidinoso há uma nítida violação ao princípio da proporcionalidade, pois embora o juiz possa dosar a pena entre o mínimo e o máximo, de seis a dez anos, na hipótese do artigo 213 do Código Penal, a sua discricionariedade encontra-se vinculada aos parâmetros legais de aplicação da pena (artigo 68 do CP), que são insuficientes no caso do estupro, de atribuir uma pena justa e proporcional aos que se situam em dois extremos, como o beijo lascivo e o coito anal ou conjunção carnal.

Com efeito, ainda que se aplique a pena mínima, ou seja, seis anos para um beijo lascivo, é uma pena muito desconforme com a conduta gerada pelo agente, equivalendo à mesma pena mínima de um homicídio simples, qual seja 6 (seis) anos, e com uma gravidade ainda maior na execução da pena, por ser considerado o estupro, mesmo na sua forma simples, crime hediondo (GOMES, 2007).

E considerando crime hediondo, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal já é uníssona no sentido de considerar o crime de estupro como hediondo, seja qual for a modalidade, simples ou qualificado, o que vem a trazer reflexos sobre os institutos da liberdade provisória, livramento condicional e substituição da pena. A propósito, o seguinte excerto jurisprudencial:

EMENTA: PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO PESSOAL DE DEFENSOR DATIVO PARA APRESENTAÇÃO DE CONTRARRAZÕES. ART. 370, § 4º, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DO TEMPUS REGIT ACTUM. ESTUPRO. CRIME HEDIONDO. VÍTIMA MENOR DE 14 ANOS. PRESUNÇÃO DE VIOLÊNCIA. APLICAÇÃO DA CAUSA DE AUMENTO DE PENA PREVISTA NO ART. 9º DA LEI 8.072/1990. ORDEM DENEGADA. [...]

II - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que o crime de estupro, tanto na sua forma simples como na qualificada é crime hediondo. Precedentes.

[...] (STF- HC 97788/SP Habeas Corpus. Min Rel: Ricardo Lewandowski. Org. Julgador: Primeira Turma. Julgamento: 25/05/2010. Dje: 24/06/2010).

É também manifesta a violação do princípio da proporcionalidade quando comparado a alguns tipos penais previstos no artigo 129, § 3° do Código Penal -lesão corporal seguida de morte - que tem uma pena mínima de 4 (quatro) anos e o crime de tortura previsto na Lei 9455/97, que tem uma pena mínima de 2 (dois anos).

Analisando a redação do artigo 213 do Código Penal, observa-se que é punido com a mesma sanção aquele que dar um beijo no seio da vítima e aquele que realiza uma conjunção carnal violenta.

Todavia, em se tratando de um coito anal ou de felação praticados mediante violência ou grave ameaça, não há ofensa ao princípio da proporcionalidade a fixação de uma pena mínima de seis anos para o agente que comete tais condutas, pois não há dúvidas que estas podem gerar traumas psicológicos na vítima mais graves que a própria conjunção carnal.

Através da leitura do artigo abaixo citado, observa-se que o termo ato libidinoso é bastante amplo, incluindo, a própria conjunção carnal, veja-se:

Art 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:

Pena: reclusão de 6 (seis) a 10 (dez) anos (CODIGO PENAL, 1940).

Esse conceito demasiadamente aberto gera uma instabilidade jurídica, dando ampla discricionariedade aos promotores e magistrados, que não encontram limites jurídicos para definir e classificar ato libidinoso e, dessa forma, interpretam o caso concreto dentro de um contexto eminentemente moral. Contudo, este não seria o maior problema, não fosse o elevado patamar mínimo em que foi estabelecida a pena para o crime de estupro.

Atualmente, a ampla possibilidade de condutas passíveis de subsunção ao tipo do artigo 213 do Código Penal traz à tona a desproporcionalidade da sanção mínima fixada aos agentes que cometem o delito em comento, engessando juízes e tribunais no que concerne à individualização da reprimenda a partir da lesividade da ação apurada. Com isso, o espaço se abre para construções jurídicas injustas, em que se iguala um indivíduo que constrangeu outrem à prática de coito anal àquele que deu um beijo considerado lascivo na boca de alguém, podendo este, receber uma sanção maior que o primeiro (COSTA, OLIVEIRA, 2006).

Como já comentado nos tópicos anteriores, o primeiro momento da aplicação do princípio da proporcionalidade é o da fixação da pena em abstrato pelo legislador. Neste ponto se encontra o cerne da questão ventilada nesse trabalho monográfico. Vale destacar a citação do renomado jurista Rogério Greco (2005, apud COSTA, OLIVEIRA, 2006):

Prima facie, deverá o legislador ponderar a importância do bem jurídico atacado pelo comportamento do agente para, em um raciocínio seguinte, tentar encontrar a pena que possua efeito dissuasório, isto é, que seja capaz de inibir a prática daquela conduta ofensiva. Após o raciocínio correspondente à importância do bem jurídico-penal, que deverá merecer a proteção por meio de uma pena que, mesmo imperfeita, seja a mais proporcional possível, no sentido de dissuadir aqueles que pretendem violar o ordenamento jurídico com ataques aos bens por ele protegidos, o legislador deverá proceder a um estudo comparativo entre as figuras típicas, para que, mais uma vez, seja realizado o raciocínio da proporcionalidade sob um enfoque de comparação entre diversos tipos que protegem bens jurídicos diferentes.

A par de tais considerações, é patente a violação do princípio da proporcionalidade já na sua primeira fase, quando o legislador estabeleceu a pena mínima de seis anos, pois como vimos o ato libidinoso encerra uma variedade inominada de condutas, com diferentes graus de lesividade. Ademais, feriu também o princípio da isonomia, vez que iguala indivíduos que se encontram em situações diversas dificultando um julgamento justo.

3.2  DISTINÇÃO ENTRE ESTUPRO E A CONTRAVENÇÃO DE  IMPORTUNAÇÃO OFENSIVA AO PUDOR

O artigo 213 do Código Penal, conforme exaustivamente discutido nos tópicos anteriores, rotula como estupro aquele que constrange alguém, mediante violência ou grave ameaça a ter conjunção carnal ou a praticar qualquer outro ato libidinoso, podendo ser praticado na presença de várias pessoas ou não, pois o tipo penal em comento não exige a presença de público para sua configuração, sendo indiferente ter só a presença da vítima no ambiente da prática delituosa, ou de várias pessoas.

Por sua vez, o artigo 61 da Lei das Contravenções Penais (Decreto - Lei 3688/41) diz que comete a contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor quem “Importunar alguém, em lugar público ou acessível ao público, de modo ofensivo ao pudor”, recebendo uma pena de multa (LEI DAS CONTRAVENCÕES PENAIS, 1941).

O dispositivo em tela visa tutelar os bons costumes, possuindo como sujeito passivo qualquer pessoa. O legislador preocupou-se com o pudor que pode ser importunado (molestado, perturbado, incomodado) de modo ofensivo. E o que seria pudor? Segundo Nélson Hungria (s.d, apud SALLES JUNIOR, 1988, p. 288), pudor é o “sentimento de timidez ou de vergonha de que se sente possuída a pessoa normal diante de certos fatos ou atos que ferem a decência. Não se limita a vida ou a funções sexuais”.

Poderia, assim, dizer que pudor é aquele sentimento de respeito que nutre a sociedade, entretanto, o que pode ser pudico para alguns, pode não ser para outros, e é a partir daí que surgem controvérsias no caso concreto, pois é o juiz diante das circunstâncias variantes e de acordo com o local e costumes da sociedade quem definirá o que vem a ser pudor.

O modo ofensivo envolve a idéia de comportamento agressivo, que não foi definido na redação do artigo 61 da Lei das Contravenções Penais (SALLES JUNIOR, 1988).

Quanto ao lugar público ou acessível ao público, Costa Leite (s.d, apud SALLES JUNIOR, 1998, p. 288) entende que “deve ser considerado qualquer lugar onde haja pessoas em reunião, onde a vigilância da autoridade pública normalmente deve estar presente’’.

A simples leitura do disposto no artigo 61 da Lei das Contravenções Penais resta claro que a principal diferença entre a contravenção em discussão e o crime de estupro reside no fato de que a importunação ofensiva se caracteriza toda vez que a ofensa ao pudor resultar de simples impertinência e, desde que seja em local público, pois se assim não for, poderá o fato ser considerado atípico, por não se coadunar na descrição do artigo 61 da Lei das Contravenções Penais. Ao contrário, o estupro não necessita de público para a sua consumação.

A doutrina entende que o ato de importunação ofensiva ao pudor a que se refere o artigo em voga, pode consistir em palavras, gestos ou atitudes, tais como aproximação excessiva de certas partes do corpo, a bolinagem em ônibus apertado, perseguição de uma moça com gracejos e contatos ofensivos ao pudor, toques nas regiões pudendas, entre outras modalidades em que o espírito libidinoso é fecundo, ofendendo ao pudor (NOGUEIRA, apud SALLES JUNIOR, 1998, p. 289).

Guilherme se Souza Nucci (s.d, apud GRECO, 2010) corrobora com o entendimento de que como o atentado violento ao pudor propriamente dito é um crime hediondo, sujeito a uma pena mínima de 6 (seis) anos e dessa forma não se pode dar uma interpretação muito aberta ao tipo, eis que atos ofensivos ao pudor, como passar a mão nas pernas da vítima, nos seios, devem ser considerados contravenção penal. Diferentemente do sujeito que se detém das carícias, ameaçando a vítima com um revólver, por exemplo, pois neste último caso, trata-se do crime de atentado violento ao pudor propriamente dito.

Ainda nas postulações de Guilherme de Souza Nucci (2007) o mesmo comenta que diante da variedade de atos ofensivos ao pudor, o ideal seria transformar a contravenção do artigo 61, com redação mais clara, respeitando-se a taxatividade em modalidade privilegiada de estupro (artigo 213, CP). Logo, havendo violência ou grave ameaça, o agente incorreria, sem dúvidas, nas penas do artigo 213 do Código Penal. Porém, sem violência ou grave ameaça, mas consistindo ato atentatório à dignidade sexual e liberdade da pessoa humana, aplicar-se-ia a contravenção do artigo 61, o qual possui uma pena menor (NUCCI, 2010).

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Acrescenta, ainda, que diante do absurdo e incongruência da lei, restaria ao juiz desclassificar o delito para a contravenção de importunação ofensiva ao pudor, ou caso o local não seja público ou acessível ao público, considerar o fato como atípico.

Para Celso Delmanto (2010) o ato de passar as mãos nas partes íntimas da vítima deve ser considerado contravenção penal, mantendo as críticas referentes à redação do antigo artigo 214 do Código Penal, pois considera que o legislador não inseriu um conceito concreto de ato libidinoso, fazendo uma graduação e, consequentemente, apenação diferenciada dos diversos tipos de atos, punindo com a mesma pena um sexo anal e um toque nas regiões íntimas. Dessa forma, entende que diante da omissão da atividade legiferante, restaria ao aplicador do direito no momento da dosimetria da pena, desclassificar o delito para a contravenção do artigo 61 da Lei das Contravenções Penais, se cometida em local público, ou desclassificar para a contravenção contida no artigo 65 - perturbação da tranqüilidade – quando cometida em local não público ou não acessível a este. E em último caso, até considerar o fato penalmente atípico. 

3.3 DISTINÇÃO ENTRE ESTUPRO E A CONTRAVENÇÃO DE PERTURBAÇÃO DA TRANQUILIDADE

Considera-se perturbação da tranqüilidade segundo o artigo 65 da Lei das Contravenções Penais, o ato de molestar (incomodar, ofender, importunar, melindrar) alguém ou perturbar- lhe (embaraçar, agitar, desassossegar, fazer perder a serenidade de espírito) a tranqüilidade, por acidente ou por motivo reprovável, e a pena neste caso é prisão simples, de quinze dias a dois meses, ou multa (LEI DAS CONTRAVENÇÕES PENAIS, 1941).

O objeto jurídico tutelado pelo artigo 65 é a tranquilidade da pessoa. O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, independente de sua condição (SALLES JUNIOR, 1998).

 Costa Leite (s.d, apud SALLES JÚNIOR, 1998, p. 310) já dizia que a expressão molestar ou perturbar pode abarcar diversas condutas, tais como, ligações telefônicas acompanhadas de desaforos e palavrões, atirar detritos próximos à residência de outrem.

Para que ocorra a contravenção em exame é necessário que o ato de molestar ou perturbar venham acompanhados do acinte ou motivo reprovável. Acinte é quando o agente atua premeditadamente, ou seja, propositadamente, com intuito de desgostar alguém. Por sua vez, o motivo reprovável é aquele considerado como condenado ou reprovável (SALLES JÚNIOR, 1998).

A principal diferença entre a contravenção de importunação ofensiva ao pudor prevista no artigo 61 e a contravenção de perturbação da tranqüilidade prevista no artigo 65 é que aquela deve ser cometida em local público ou pelo menos acessível ao público, circunstância esta não mencionada na perturbação da tranquilidade. A doutrina também destaca que a diferença estaria no objetivo específico do agente, quando da prática de ato capaz de importunar alguém de modo ofensivo ao pudor (SALLES JUNIOR, 1998).

Apesar de ter havido a revogação do artigo 214 do Código Penal, é necessário frisar mais uma vez que como não houve abolitio criminis, as condutas lá descritas passaram a integrar a figura delitiva do crime de estupro previsto no artigo 213 do Código Penal.

 Nesse sentido, vale destacar as postulações de Damásio de Jesus (s.d, apud SALLES JÚNIOR, 1998), no qual comenta que a distinção entre perturbação da tranqüilidade (artigo 65) e o antigo atentado violento ao pudor (artigo 214, hoje revogado) reside no fato de que neste crime o agente pretende constranger a vítima, empregando violência ou grave ameaça a fim de praticar ou permitir que com ela se pratique ato de libidinagem diverso da conjunção carnal, além de ser considerado como hediondo. Neste caso, através de uma simples leitura comparativa entre o artigo 213 do Código Penal e o artigo 65 da Lei das Contravenções Penais, observa-se que naquele o dolo da ação é dirigido a satisfazer a lascívia de alguém. Já na contravenção do artigo 65, o dolo se dirige simplesmente a molestar ou perturbar o sujeito passivo por acinte ou razão reprovável.

Desde a festejada obra de Cesare Beccaria, é pacífico no sistema jurídico que as penas devem ser proporcionais ao mal social causado pelos crimes, e, consequentemente, sanções de igual monta devem corresponder a lesões jurídicas de mesma intensidade (BECCARIA, 1998). Dessa forma, na falta de dispositivo legal que melhor traduza a conduta perpetrada pelo agente, não pode o judiciário valer-se de uma pena desmesurada e desproporcional, sob pena de provocar injustiça e insegurança maiores do que a decorrente do próprio delito.

Muita embora as condutas previstas no artigo 65 da Lei das Contravenções Penais e artigo 213 do Código Penal (em relação a atos libidinosos diversos da conjunção carnal) sejam ilícitas e tenham em comum um ato do agente dirigido contra a vontade do ofendido, a conduta, os fins almejados pelo transgressor da norma e  o quantum das sanções  penais se mostram completamente diferentes.

Ademais, a forma de agir descrita no crime de estupro demanda o uso de violência ou grave ameaça, o que não ocorre na contravenção penal comentada nesse tópico, eis que esta consiste apenas numa perturbação da tranqüilidade decorrente de melindre, mágoa, desgosto ou ofensa a vítima.

Por fim, vislumbra-se, ainda, uma diferença em relação aos fins almejados pelo sujeito ativo, pois no crime do artigo 213 do Código Penal é visada a concupiscência do deliquente, enquanto que na contravenção do artigo 65, o sujeito age por acinte ou motivo reprovável que magoa a vítima.

3.4 POSIÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA QUANTO À APLICAÇÃO DA PENA MÍNIMA COMINADA AO CRIME DE ESTUPRO

Sensíveis a tais considerações, doutrina e jurisprudência divergem acerca das soluções a serem dadas à hipótese, alguns aplicando a força da Lei dos Crimes Hediondos, com todas as suas conseqüências, outros, sustentando a desclassificação das formas mais brandas do ato libidinoso diverso da conjunção carnal para espécies de Contravenções Penais como a perturbação da tranqüilidade (artigo 65 da Lei das Contravenções Penais) e importunação ofensiva ao pudor (artigo 61 da mesma lei).

Com a previsão da pena mínima para seis anos, o juiz no momento da aplicação da sanção penal fica diante de uma situação difícil, uma vez que não é qualquer ato libidinoso que pode ser enquadrado como crime hediondo, mas, sim, aqueles que despertem a libido de alguém e sejam obtidos mediante violência ou grave ameaça. Sendo assim, caberá ao magistrado aplicar 6 (seis) anos para o agente que deu um beijo no seio ou um beijo lascivo em alguém, e assim tratar como  crime hediondo ou, desclassificar para a contravenção do artigo 61 ou 65 da Lei das Contravenções Penais, mesmo sabendo não ser uma contravenção, para evitar uma pena cruel e desproporcional.

O Superior Tribunal de Justiça, por diversas vezes, já vinha enfrentando a questão - antes da unificação dos crimes de estupro e atentado violento ao pudor – sempre entendendo que o antigo atentado violento ao pudor se caracterizava a partir de qualquer ato libidinoso, incluindo desde o beijo lascivo à conjunção carnal. Nesse mesmo sentido, vale destacar os seguintes julgados:

PENAL. HABEAS CORPUS. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR (ANTIGA REDAÇÃO, ANTERIOR À LEI 12.015/09). PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO OU,

ALTERNATIVAMENTE, DESCLASSIFICAÇÃO PARA O DELITO DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. INADMISSIBILIDADE. EXAME MINUCIOSO DE PROVA. IMPROPRIEDADE DO WRIT.

I - Em nosso sistema, o atentado violento ao pudor engloba atos libidinosos de diferentes níveis, inclusive os toques, os contatos voluptuosos e os beijos lascivos.

II - Se, tanto em primeiro como em segundo grau, restou entendido que o ora paciente praticou atos próprios do ilícito imputado, não cabe a absolvição ou a desclassificação fulcrada no princípio da razoabilidade (Precedentes).

III - De outro lado, não é admissível que o Julgador, de forma manifestamente contrária à lei e se utilizando de argumentos de eqüidade, tais como justiça e proporcionalidade ao caso concreto, desclassifique o delito de atentado violento ao pudor para constrangimento ilegal, em razão da alegada menor gravidade da conduta.

 IV – Ademais, o pleito de absolvição ou o reconhecimento de uma nova classificação da conduta do réu implicaria, in casu, o amplo revolvimento de matéria fático-probatória, o que se mostra inviável na estreita via do habeas corpus (Precedentes).

Ordem denegada (STJ- HC 154433/ MG Habeas Corpus 2009/0228174-9. Org. Jul: Quinta Turma. Min Rel: Félix Fischer. Julgamento: 19/08/2010. Dje: 20/09/2010).

PENAL. RECURSO ESPECIAL. CRIME DE ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR COM VIOLÊNCIA PRESUMIDA. PRETENSÃO DE DESCLASSIFICAÇÃO DA CONDUTA. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADA.

1. O recurso especial, ancorado apenas na alínea "c" do permissivo constitucional, não comprova a divergência nos moldes exigidos nos arts. 541, parágrafo único, do CPC e 255, §§ 1º e 2º, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça.

[...]

5. Vale ressaltar que "é pacífico o entendimento do Superior Tribunal de Justiça de que ato libidinoso não é só o coito anal ou sexo oral; os toques, o beijo lascivo e os contatos voluptuosos também o são." (REsp 1.053.083/SP. Min. Rel: Arnaldo Esteves Lima, Dje: 6/4/2009)

6. Recurso Especial não conhecido (STJ- REsp 968111 Recurso Especial 2007/0158830-1. Org. Julgador: Sexta Turma. Min. Rel: Og Fernandes. Julgamento: 22/06/2010. Dje: 02/08/2010).

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. PENAL. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. DESCLASSIFICAÇÃO PARA IMPORTUNAÇÃO OFENSIVA AO PUDOR. IMPOSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DO VERBETE SUMULAR N.º 83 DESTA CORTE.

1. Este Tribunal já se manifestou no sentido de que os atos libidinosos comportam diferentes níveis de configuração, que podem englobar toques, contatos íntimos ou mesmo beijos lascivos. 

2. A pretensão recursal de desclassificação não pode ser acolhida, uma vez que esta Corte tem entendimento consolidado sobre a tese em análise, atraindo a incidência do verbete sumular n.º 83 desta Corte.

3. Agravo regimental desprovido

(STJ- Ag Rg no Ag 1176949/ SC Agravo Regimental no Agravo de Instrumento 2009/01333208-2. Min Rel: Laurita Vaz. Org. Julgador: Quinta Turma. Julgamento: 11/05/2010. Dje: 07/06/2010).

Partindo do conceito de ato libidinoso explanado acima, o Superior Tribunal de Justiça não admite que o magistrado se valha de argumentos de equidade, razoabilidade e proporcionalidade a fim de desclassificar o delito de atentado violento ao pudor propriamente dito, observa-se a seguir: 

PENAL. HABEAS CORPUS. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. BEIJO LASCIVO. FATO INCONTROVERSO. PRETENDIDA DESCLASSIFICAÇÃO PARA CONTRAVENÇÃO PENAL. IMPOSSIBILIDADE. CRIME HEDIONDO. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DE TODO O § 1º DO ART. 2º DA LEI Nº 8.072/90 PELO PLENÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. REGIME DE CUMPRIMENTO DA PENA. ART. 33, § 2º, ALÍNEA C, DO CÓDIGO PENAL. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA.

1. Sendo incontroversa a ocorrência de beijo lascivo, não há falar, diante da configuração dos elementos do tipo previsto no art. 214 c/c 224, "a", do CP, na desclassificação do delito ao argumento exclusivo de que a imposição da pena prevista para o crime de atentado violento ao pudor viola, no caso, os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Precedentes.

2. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, na sessão de 23/2/2006 (HC 82.959/SP), ao declarar a inconstitucionalidade incidental do art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90, remeteu para o art. 33 do Código Penal as balizas para a fixação do regime prisional também nos casos de crimes hediondos.

3. Na hipótese em exame, não havendo notícia de reincidência e tendo a pena-base sido fixada pelo Tribunal a quo no mínimo legal, ou seja, em 6 (seis) anos de reclusão, justamente por força do reconhecimento das circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal como totalmente favoráveis ao paciente, impõe-se a fixação do regime semi-aberto para o início do cumprimento da reprimenda, em observância ao disposto no art. 33, § 2º, letra c, do referido diploma legal.

4. Ordem parcialmente concedida para fixar o regime semi-aberto para o início do cumprimento da condenação (STJ- HC 72425/ SP Habeas Corpus 2006/0274784-0 Org. Julgador: Quinta Turma. Min Rel: Arnaldo Esteves Lima. Julgamento: 03/04/2007. Dje:07/05/2007). 

PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. ART. 214 DO CP. ALEGADA VIOLAÇÃO AO ART. 619 DO CPP. INOCORRÊNCIA. PENA AQUÉM DO MÍNIMO, EM RAZÃO DA APLICAÇÃO DE ATENUANTES. IMPOSSIBILIDADE. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. DESCLASSIFICAÇÃO. CONTRAVENÇÃO PENAL. ARGUMENTOS DE EQÜIDADE CONTRA LEGEM. INADMISSIBILIDADE.

I - Restando devidamente prequestionada a matéria, não se fala em violação ao art. 619 do CPP, vez que não se observa omissão a ser sanada (Precedentes).

II - A pena privativa de liberdade não pode ser fixada abaixo do mínimo legal com supedâneo em meras atenuantes (Precedentes e Súmula n.º 231 - STJ).

III - Em nosso sistema, o delito de atentado violento ao pudor engloba atos libidinosos de diferentes níveis, inclusive, os toques, os contatos voluptuosos e os beijos lascivos.

IV - De outro lado, não é admissível que o Julgador, de forma manifestamente contrária à lei e se utilizando de argumentos de eqüidade, tais como ser mais justo e proporcional ao caso concreto, em razão da alegada menor gravidade da conduta, desclassifique o delito de atentado violento ao pudor para contravenção penal.

Recurso desprovido (STJ- REsp 1105360/SC Recurso Especial 2008/0271580-2. Org Julgador: Quinta Turma. Min Rel: Felix Fischer. Julgamento:23/06/2009. Dje: 17/08/2009).

Dessarte, já é pacífica a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça em considerar que uma vez praticado o ato libidinoso, não poderia o juiz desclassificar o crime com base nos princípios da desproporcionalidade e equidade, devendo ater-se a letra da lei.

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Sobre a autora
Hyanara Torres Tavares de Souza

Graduada pelo Centro Universitário de João Pessoa - Unipê. Pós graduada em Direito Processual Civil pela Universidade Uniderp - Anhanguera - LFG. Advogada do Detran-PB.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Hyanara Torres Tavares. Da (in)constitucionalidade da pena mínima cominada ao crime de estupro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3426, 17 nov. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23038. Acesso em: 14 nov. 2024.

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