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Lei nº 8.666/93 e a possibilidade de prorrogação por prazo inferior ao estabelecido inicialmente no contrato

19/11/2012 às 17:58
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Se o prazo de vigência inicial do contrato administrativo foi de 12 meses, é possível prorrogar o contrato por um prazo inferior, uma vez que a Lei nº 8.666/93 prevê que a prorrogação deverá se dar por prazos iguais?

As licitações públicas guardam seu fundamento maior na Constituição Federal de 1988, mais precisamente em seu artigo 37, XXI. Nessa linha de raciocínio, ressalvadas as hipóteses de contratação sem procedimento licitatório prévio, a regra é a obrigatoriedade de licitar.

Com a edição da Lei nº 8.666/93, firmou-se um sistema nacional de licitação, de observância obrigatória por todos os entes federados. Mencionada norma traz ínsita a ideia de disputa isonômica entre os particulares, garantindo a todos que queiram contratar com a Administração uma possibilidade equânime. Além disso, com o certame, almeja-se garantir a proposta mais vantajosa para o Poder Estatal.

Com fulcro nesses dois pilares, há a prevalência do princípio da obrigatoriedade de licitar e, por consequência, a regra da não prorrogação dos contratos. É o que consta no caput do art. 57 da Lei nº 8.666/93. Todavia, esse mesmo artigo prevê exceções, destacando possibilidades de ocorrer a prorrogação dos contratos nas hipóteses nele destacadas. Vejamos:

Art. 57.  A duração dos contratos regidos por esta Lei ficará adstrita à vigência dos respectivos créditos orçamentários, exceto quanto aos relativos:

I - aos projetos cujos produtos estejam contemplados nas metas estabelecidas no Plano Plurianual, os quais poderão ser prorrogados se houver interesse da Administração e desde que isso tenha sido previsto no ato convocatório;

II - à prestação de serviços a serem executados de forma contínua, que poderão ter a sua duração prorrogada por iguais e sucessivos períodos com vistas à obtenção de preços e condições mais vantajosas para a administração, limitada a sessenta meses;

III - (Vetado).

IV - ao aluguel de equipamentos e à utilização de programas de informática, podendo a duração estender-se pelo prazo de até 48 (quarenta e oito) meses após o início da vigência do contrato.

V - às hipóteses previstas nos incisos IX, XIX, XXVIII e XXXI do art. 24, cujos contratos poderão ter vigência por até 120 (cento e vinte) meses, caso haja interesse da administração.

(...)

§ 2º  Toda prorrogação de prazo deverá ser justificada por escrito e previamente autorizada pela autoridade competente para celebrar o contrato.

§ 3º  É vedado o contrato com prazo de vigência indeterminado.

Tal pretensão deve, na forma do disposto no § 2º do mesmo artigo, ser justificada por escrito e previamente autorizada pela autoridade competente para celebrar o pacto, sendo vedado contrato com prazo de vigência ilimitado.

A Instrução Normativa MPOG/SLTI[1] nº 02/2008, e suas alterações posteriores, a qual dispõe sobre regras e diretrizes para a contratação de serviços, continuados ou não, traz algumas regras sobre a instrumentação do procedimento de prorrogação, sendo importante trazê-las à baila:

Art. 30. A duração dos contratos ficará adstrita à vigência dos respectivos créditos orçamentários, podendo, quando for o caso, ser prorrogada até o limite previsto no ato convocatório, observado o disposto no art. 57 da Lei 8.666/93.

§ 1º O prazo mínimo previsto para início da prestação de serviço continuado com dedicação exclusiva dos trabalhadores da contratada deverá ser o suficiente de modo a possibilitar a preparação do prestador para o fiel cumprimento do contrato.

§ 2º Toda prorrogação de contratos será precedida da realização de pesquisas de preços de mercado ou de preços contratados por outros órgãos e entidades da Administração Pública, visando a assegurar a manutenção da contratação mais vantajosa para a Administração.

§ 3º A prorrogação de contrato, quando vantajosa para a Administração, deverá ser promovida mediante celebração de termo aditivo, o qual deverá ser submetido à aprovação da consultoria jurídica do órgão ou entidade contratante.

(...)

Firmadas as premissas para a fundamentação da prorrogação contratual, são usuais as dúvidas elencadas pela Administração no que tange à possibilidade de prorrogação por prazo inferior a 12 (doze) meses.

Para tanto, torna-se imprescindível salientar que a quase totalidade das prorrogações se dá pelo citado prazo de 12 meses. Isso acontece, principalmente, nos contratos de prestação de serviços a serem executados de forma contínua, hipótese prevista no art. 57, II. A dúvida exsurge justamente a partir da leitura da redação dada pelo legislador ao prever que os contratos “poderão ter a sua duração prorrogada por iguais e sucessivos períodos com vistas à obtenção de preços e condições mais vantajosas para a administração, limitada a sessenta meses”.

Sendo assim, se o prazo de vigência inicial se deu por 12 (doze) meses, é possível prorrogar o contrato por um prazo inferior, uma vez que a Lei nº 8.666/93 prevê que a prorrogação deverá se dar por prazos iguais? Vamos ao debate.

Apesar da literalidade do inciso II do art. 57 da Lei 8.666/93 dispor sobre a necessidade de prorrogação por períodos iguais, a lição de Marçal Justen Filho[2] indica a falta de razoabilidade em conferir interpretação literal ao dispositivo em questão, nos seguintes termos:

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É obrigatório respeitar, na renovação, o mesmo prazo da contratação original? A resposta é negativa, mesmo que o texto legal aluda a “iguais”. Seria um contrassenso impor a obrigatoriedade de prorrogação por período idêntico. Se é possível pactuar o contrato por até sessenta meses, não seria razoável subordinar a Administração ao dever de estabelecer períodos idênticos para vigência. Isso não significa autorizar o desvio de poder. Não se admitirá que a Administração fixe períodos diminutos para a renovação, ameaçando o contratado que não for simpático.

Decisão do Tribunal de Contas da União, fazendo referência à doutrina de Marçal Justen Filho, também já adotou tal posicionamento:

A prorrogação do contrato referido foi por tempo inferior à primeira prorrogação. Pelo disposto no art. 57, II, da Lei 8.666/93, a prorrogação deveria ser por iguais e sucessivos períodos. Contudo, pelo princípio da razoabilidade, se é possível prorrogar por até 60 meses, não há porqueexigir-se a prorrogação por idênticos períodos conforme ensinamentos sempre balizados do insigne autor Marçal Justen Filho, em sua obra Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. (Acórdão TCU 771/2005 - Segunda Câmara)

Como se demonstra, a regra da igualdade de períodos para contratação existe para proteção do Contratado e não como forma impositiva literal. A contrario sensu, a interpretação gramatical de que as prorrogações devem se dar pelo mesmo prazo fixado no ajuste original pode gerar dificuldades insuperáveis, sem qualquer benefício para o cumprimento, pelo Estado, de suas missões institucionais.

A experiência nos mostra que, em variadas ocasiões, a prorrogação diminuta garante a prestação do serviço e, assim, a continuidade do serviço público até que novo certame licitatório, mais bem elaborado e que atenda aos novos anseios do Gestor, seja concluído. Evita-se, outrossim, a continuidade de um contrato não desejável por um período mais longo (para não acarretar a suspensão dos serviços em virtude da inexistência de novo processo licitatório acabado) ou mesmo instrução de dispensas de licitações por urgência, opção que deve – ao menos, deveria – ser a última.

Por derradeiro, com o escopo de espancar perseguições aos Contratados que não tenham relação amistosa com a Administração – nos dizeres de Marçal Justen Filho, os “não simpáticos” –, a contratação por período inferior ao pactuado inicialmente deve ser amplamente justificada. Referida justificativa atende ao princípio da motivação, implicando para a Administração “o dever de justificar seus atos, apontando-lhes os fundamentos de direito e de fato, assim como a correlação lógica entre os eventos e situações que deu por existentes e a providência tomada, nos casos em que esse último aclaramento seja necessário para aferir-se a consonância da conduta administrativa com a lei que lhe serviu de arrimo”[3].

Com isso, dar-se-á azo ao artigo 2º da Lei n. 9.784/99 e aos princípios elencados no artigo 37 da Constituição da República, especialmente os da legalidade e da moralidade administrativa.


Notas

[1] Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão/Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação.

[2] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 14ª edição. Ed. Dialética, São Paulo, 2010, p. 730.

[3] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo, 18ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, p. 102.

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Sobre o autor
René da Fonseca e Silva Neto

Procurador Federal. Coordenador Nacional de Matéria Administrativa da Procuradoria Federal Especializada junto ao Instituto Chico Mendes - ICMBio. Ex-Coordenador Nacional do Consultivo da PFE/ICMBio. Bacharel em Direito pela UFPE. Especialista em Direito Ambiental. Coautor do livro Manual do Parecer Jurídico, teoria e prática, da Editora JusPodivm.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA NETO, René Fonseca. Lei nº 8.666/93 e a possibilidade de prorrogação por prazo inferior ao estabelecido inicialmente no contrato. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3428, 19 nov. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23048. Acesso em: 24 abr. 2024.

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