A atividade financeira do Estado moderno está ligada à necessidade de captar, gerir e executar os recursos públicos, objetivando concretizar os interesses da sociedade. Na efetivação dessa atribuição há que se constituir um Sistema Tributário, o qual disciplinará as competências tributárias, os princípios específicos da Ordem Tributária, as limitações ao Poder de Tributar e as garantias do contribuinte, para assim viabilizar a tributação.
Para que o Estado realize suas finalidades e atividades é imprescindível a arrecadação de recursos, a qual não se esgota em si mesma, sendo um instrumento para a concretização daquelas.
Ocorre que a tarefa de arrecadação não é sempre bem vista em um Estado capitalista, no qual os indivíduos preocupam-se primeiramente com a riqueza própria, patrimonialismo, para somente depois contribuírem para a construção de uma sociedade mais justa.
Por essas razões, o cidadão exige que sua contribuição resulte em melhorias sociais, fazendo relação direta entre seu pagamento e a contraprestação ofertada pelo Estado. Muito embora essa lógica não possa ser transportada para as necessidades de um Sistema Tributário justo, o qual deve ter como parâmetro a solidariedade e a capacidade contributiva do cidadão.
O anseio social de alcançar uma justiça fiscal tem propiciado estudos e debates sobre a racionalidade e sustentabilidade da tributação. Nesse pormenor, o Estado não poderá ficar adstrito aos propósitos estritamente fiscais/arrecadatórios, buscando, consequentemente, promover o desenvolvimento econômico em equilíbrio com a preservação do meio ambiente. Esse conceito de intervenção do Estado na economia respeitando um desenvolvimento sustentável está inserido no art. 170, incisos III e VI c/c art. 225, da Constituição Federal de 1988.
Considerando essas premissas, a finalidade estritamente fiscal do tributo, como mecanismo de arrecadação para manutenção do Estado, está sendo paulatinamente mitigada. Cada vez mais observamos uma influência maior da extrafiscalidade como forma de tributação.
A extrafiscalidade do tributo desnatura o caráter eminentemente arrecadatório, constituindo em hipótese que privilegia os fins sociais a que se destinam os interesses da coletividade, objetivando financiar, promover ou coibir certas atividades.
O Poder Constituinte Derivado, atento aos anseios sociais, alterou a natureza estritamente fiscal do imposto sobre propriedade de veículos automotores (IPVA), de competência dos Estados e do Distrito Federal, conforme preceitua o art. 155, III da CF/88, após a EC nº 42/03.
A Emenda Constitucional em destaque passou a admitir a aplicação de alíquotas diferenciadas de IPVA em função do tipo e utilização do veículo, na forma do art. 155, §6º, II da CF/88, possibilitando a alteração da natureza fiscal do elemento quantitativo do fato gerador.
A mens legislatoris da mudança constitucional implementada foi ajustar o IPVA aos parâmetros defendidos pela justiça fiscal. Essa conclusão não se deve ao acaso, mas ao fato de que a seletividade é exteriorizadora do princípio da capacidade contributiva. Nesse pormenor, vale ressaltar a influência dos doutrinadores que classificam a seletividade como um subprincípio da capacidade contributiva.
Em decorrência dos novos elementos a que o IPVA passou a estar subordinado muitos Estados modificaram a legislação instituidora do imposto e acresceram alíquotas diferenciadas em função do combustível utilizado. Assim, o estado do Paraná, do Rio de Janeiro, entre outros, no uso da sua competência impositiva, editou uma lei alterando as alíquotas do IPVA, passando a adotar alíquotas diferenciadas em razão do combustível consumido, conforme permite o art. 155, §6º, II da CF/88, instituído pela EC nº 42/03.
As alíquotas diferenciadas tiveram como parâmetro a quantidade de poluição lançada à atmosfera, comprovando o caráter extrafiscal que adquiriu o IPVA. Portanto, quanto mais poluente for o combustível utilizado para locomoção do veículo automotor maior será a alíquota, e ao revés, quanto menos poluente for o combustível utilizado menor será a alíquota.
Essa diferenciação de alíquotas demonstra a preocupação com a degradação ambiental provocada pelos combustíveis fósseis, exemplo da gasolina, que é derivada do petróleo e que após a combustão emite gases poluentes, os quais destroem a camada de ozônio.
Ante ao exposto, visando evitar uma degradação ambiental ainda maior, aplicou-se uma alíquota mais elevada para os veículos movidos a gasolina em detrimento daqueles que utilizam o álcool e o gás natural veicular (GNV).
Em tempos que se busca cada vez mais a sustentabilidade, cuja pauta esteve presente em evento internacional ocorrido no Brasil, Rio + 20, essa é uma boa solução, a qual serve de exemplo para outros Estados brasileiros.
Bibliografia:
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