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A importância de se modernizar, com urgência, a pena de prisão no Brasil

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02/12/2012 às 14:34
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3 – Da Importância  da  Atualização  da  Legislação  Vigente  e  a  Forma de  sua Aplicação

Em meio a uma crise institucional, é inevitável questionar a importância da atualização da lei penal então em vigor, e, na mesma ótica, a forma como a mesma deve ser posta em prática.

Segundo os ensinamentos de Francesco Carnelutti[12]:

Os delitos não basta reprimi-los, necessita preveni-los. O cidadão deve saber antes quais serão as conseqüências dos seus atos para poder regular-se. Ocorre também para os homens alguma coisa que os apavora, para salvá-los da tentação, como se assustam os pássaros com o espantalho, a fim de que não comam os grãos. A balança, assim, passa das mãos do juiz para as do legislador. O peso se faz antes que o ladrão roube, a fim de que se abstenha de roubar. Mas, se antes se faz, faz-se não sobre o fato, mas sobre o tipo. O tipo é um conceito, não um fato; uma abstração, não uma realidade; alguma coisa de previsão, não alguma coisa de acontecimento. Ora, o prever é, há um tempo, mais ou menos ver: mais do que ver, porque se acrescenta ao ver; menos, porque não se vê tudo aquilo que se verá quando terá acontecido. É, em suma, um ver indistinto; distinguem-se as grandes linhas; mas o acontecimento reserva, sempre, também quando seja conforme a previsão, alguma coisa de novo.

Com palavras sutilmente poéticas, Carnelutti propõe que, antes de haver uma punição, necessário é fazer prevenção do que poderia acontecer. Esta previsão, contudo, deve estar nos patamares culturais da sociedade, regida pela lei penal, que sempre esteve em evolução.

O atual Código Penal Brasileiro foi elaborado em 1940, muito antigo quando analisamos o tempo decorrido e as mudanças sociais, inclusive referindo-se às mudanças do próprio criminoso no tempo. E, embora tenha passado por algumas reformas, ainda não condiz com a realidade social percebida hoje.

As mudanças sociais brasileiras são uma constante em debates sobre a atualização das leis penais vigentes, e neste contexto, Benedito Domingues, ex-vice governador de Brasília, na condição de Deputado Federal, em seu Projeto de Emenda Constitucional nº. 171[13] de 1993, afirma:

(...)

Nos jovens de hoje, por exemplo, é notório, até ao menos atento observador, que o acesso destes à informação - nem sempre de boa qualidade - é infinitamente superior àqueles de 1940, fonte inspiradora natural dos legisladores para a fixação penal em dezoito anos. A liberdade de imprensa, a ausência de censura prévia, a liberação sexual, a emancipação e independência dos filhos cada vez mais prematura, a consciência política que impregna a cabeça dos adolescentes, a televisão como o maior veículo de informação jamais visto ao alcance da quase totalidade dos brasileiros, enfim, a própria dinâmica da vida, imposta pelos tortuosos caminhos do destino, desvencilhando-se ao avanço do tempo veloz, que não pára jamais. Todos os fatores ora elencados, dentre outros, obviamente, que vêm repercutindo na mudança da mentalidade de três ou quatro gerações, não estavam à mão dos nossos jovens de quarenta ou cinqüenta anos atrás, destinatário da norma penal benevolente de 1940, que lhes atestou a incapacidade de entender o caráter delituoso do fato e a incapacidade de se determinarem de acordo com esse entendimento.

(...)

Tais palavras, que naquele momento pleiteavam a diminuição da maioridade penal para dezesseis anos, que não é o foco deste artigo, trazem à tona a fatídica mudança da sociedade.

Da análise do aumento de adolescentes no crime e do grande índice de reincidência criminosa, já existem razões suficientes para demonstrar que se a lei penal foi posta, dentre suas funções, para prevenir, esta função não está sendo alcançada. E por não estar alcançando, necessário se faz atualizar, modernizar as leis, leia-se, de certa forma, amedrontar os cidadãos, para que se tente, ao menos, minimizar os efeitos da crise de segurança pública, sentidos por toda sociedade brasileira, hoje.

Se, por um lado, as penitenciárias já não comportam tamanha demanda de internos, por outro ainda vemos alguns crimes serem punidos com pena privativa de liberdade, sem que haja necessidade veemente para isso. A “cultura do aprisionamento”, como afirmou Shecaira, não pode mais permanecer nos moldes atuais. Ainda afirma, em conjunto com Corrêa Junior[14], que:

Não obstante a crise da pena de prisão, para não dizer sua verdadeira falência, deve-se concluir ainda com Michel Foucault que “ela é a detestável solução, de que não se pode abrir mão”. Por outro lado, se não é possível dispensar totalmente o uso da prisão, não parece menos correto que sua aplicação em delitos de pequena gravidade deva ser substituída por medidas penais mais adequadas e positivas.

E considerando esta propositura, dever-se-ia ver na prisão uma pena a ser adotada em casos inquestionavelmente graves e absolutamente repudiados por toda a sociedade, como é o caso, por exemplo, dos crimes contra a vida.

Ademais, mesmo com um sistema prisional moderno como o progressivo, se não praticado como descrito na letra da lei, é impossível que dê certo. A ausência do exame criminológico, previsto na Lei de Execução Penal, faz com que, nas penitenciárias, se encontrem misturados presos de alta e baixa periculosidade, tornando essas instituições uma incubadora da violência.

Diante o exposto, e principalmente pela ausência na legislação brasileira de punições como a pena de morte e a prisão perpétua, que são, inclusive, vetadas expressamente pela Constituição Federal nos artigo 5º, inciso XLVII, alíneas “a” e “b”, respectivamente, enquanto não houver investimentos do poder público nesta área social, já que mesmo preso não se perde por completo a cidadania, toda esta crise vai piorar, os apenados continuarão sem receber os efeitos reais de sua condenação e os objetivos que se esperam dela – dentre eles a reeducação, a ressocialização e reintegração –, e a sociedade continuará abandonada a qualquer sorte.

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4 – Considerações Finais

O Brasil, hoje, em se tratando de segurança pública, vive em uma constante batalha para controlar os atuais números, por muitos, considerados de guerra. Seja em grandes metrópoles ou cidades pequenas, a violência está se sobressaindo de forma alarmante. E não há dúvidas quanto à preocupação coletiva em ver diminuída tamanha onda de assaltos, assassinatos e outras tantas formas de violência. No entanto, falta ação. Tanto as autoridades quanto a própria sociedade precisam agir. Enquanto a população não exigir das autoridades competentes medidas firmes, é muito provável que o que está acontecendo piore ainda mais e em curto prazo.

Leis existem e não estão sendo cumpridas. Como um país pode implantar medidas de ressocialização de presos, como o sistema prisional adotado pelo Brasil prevê, se dispõe, como o que foi narrado neste artigo, de 306.497 vagas para uma demanda de interno que chega a 514.582? Impossível. E não é preciso temer ao afirmar isto. A necessidade de se abrir, pelo menos, mais 208.085 vagas em todo o sistema penitenciário, para só então comportar aquele total de internados, faz do Brasil um país passível de sofrer um colapso a qualquer tempo. A violência, nestes patamares, só tende a crescer.

Prevenir novos delitos, punindo, para tanto, criminosos, como objetiva a lei penal, não vem ocorrendo. Seria um sistema de “rodízio” de presos? Afinal, os malfeitores entram e saem das penitenciárias como se estivessem em um internato, saído às férias e voltado quando as mesmas terminassem. Esta situação não pode continuar assim. O País necessita de ações imediatas.

Não obstante, está claro que, enquanto não houver investimentos, pelo poder público, de quaisquer espécies, no sistema penitenciário, tornando assim viável a aplicação correta das leis vigentes, não será possível reintegrar à sociedade pessoas reeducadas e ressocializadas.

É importante registrar, ainda, que, além de infra-estrutura e apoio social dentro dos presídios, é necessário também tê-los fora. Não bastasse o preconceito que estigmatiza todos aqueles que já pagaram ou estão pagando judicialmente por um erro, a vida, quando retornam ao convívio em sociedade, não é nada fácil. Torna-se difícil conseguir emprego – muito embora haja apoio, por exemplo, no caso do Distrito Federal, da Fundação de Amparo ao Trabalhador Preso (FUNAP) –, pelo simples fato de já ter sido condenado por qualquer que tenha sido o crime, além de muitas vezes a própria família desprezá-los de seu seio. Enfim, é de grande importância haver também ações que visem à vida do egresso, longe das fronteiras dos cárceres.

Por fim, concluindo, o que se espera é ação, portanto, providências sendo tomadas pelas autoridades em conjunto com a própria sociedade. Investir em educação, inclusive técnico-profissional, esporte e lazer, por exemplo, a toda sociedade brasileira carente desta atenção, é muito importante, no entanto, não se pode preterir o urgente cuidado com àqueles que deveriam estar se preparando para viver novamente em um mundo livre.    


Notas

[1] PRESO Novamente. 2008. Disponível em: <http://dftv.globo.com/Jornalismo/DFTV/0,,MUL445166-10041,00.html>.  Acesso em: 28 ago. 2012.

[2] SISTEMA Prisional. 2012. Disponível em: < http://portal.mj.gov.br/main.asp?View=%7BD574E9CE-3C7D-437A-A5B6-22166AD2E896%7D&Team=&params=itemID=%7BC37B2AE9-4C68-4006-8B16-24D28407509C%7D;&UIPartUID=%7B2868BA3C-1C72-4347-BE11-A26F70F4CB26%7D>. Acesso em: 28 nov. 2012.

[3] SISTEMA Penitenciário vive um “Apagão Carcerário”. 2008. Disponível em: <http://g1.globo.com/Noticias/Brasil/0,,MUL537366-5598,00.html>. Acesso em: 28 nov. 2012.

[4] TOURINHO NETO, Fernando. PRISÃO Virtual. Disponível em: <https://www.correioweb.com.br/cbonline/direitojustica/sup_dej_85.htm#>. Acesso em: 14 out. 2009.

[5] SHECAIRA, Sérgio Salomão; CORRÊA JUNIOR, Alceu. Op. cit., p. 156.

[6] Ibidem.

[7] Ibidem, p. 157.

[8] Ibidem.

[9] REDE Globo exibe um vídeo-manifesto atribuído ao PCC. 2006. Divulgado em: <http://pt.wikinews.org/wiki/Rede_Globo_exibe_um_v%C3%ADdeo-manifesto_atribu%C3%ADdo_ao_PCC>. Acesso em: 9 out. 2009.

[10] SHECAIRA, Sérgio Salomão; CORRÊA JUNIOR, Alceu. Op. cit., p. 158.

[11] SISTEMA Penitenciário vive um “Apagão Carcerário”. 2008. Disponível em: <http://g1.globo.com /Noticias/ Brasil/0,,MUL537366-5598,00.html>. Acesso em: 28 nov. 2012.

[12] CARNELUTTI, Francesco. As Misérias do Processo Penal. 7. ed. Tradução de José Antônio Cardinalli. Campinas: Bookseller, 2008. p. 58.

[13] PROJETOS de Lei. Divulgado em: <http://www.mp.rs.gov.br/infancia/projetos_de_lei/id2658.htm>. Acesso em: 14 out. 2009.

[14] SHECAIRA, Sérgio Salomão; CORRÊA JUNIOR, Alceu. Op. cit., p. 159.

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Sobre a autora
Leila Beatriz Bastos Moreira

Advogada militante no Distrito Federal e Entorno. Advogada Colaboradora na Defensoria Pública do Distrito Federal. Pós-graduada em Direito Público com ênfase em Direito Constitucional Penal pela FACIPLAC/JURPLAC.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOREIRA, Leila Beatriz Bastos. A importância de se modernizar, com urgência, a pena de prisão no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3441, 2 dez. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23145. Acesso em: 26 abr. 2024.

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